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1. A PROPORCIONALIDADE NA DOUTRINA

1.10. Eros Roberto Grau

Ao contrário dos autores até aqui apresentados, Eros Roberto Grau apresenta uma posição que, em parte, se assemelha as anteriores, mas que, ao final, se mostra um tanto peculiar.

De acordo com o autor mencionado, o Direito possui dois planos de normatividade, um deles é o direito posto, enquanto o outro é o direito pressuposto. O primeiro é o direito positivo, isto é, o direito formal. O segundo é a relação jurídica interior à sociedade civil e que “preexistia, como direito pressuposto, [mas que] quando o Estado põe a lei torna-se direito posto (direito positivo)”. E o autor explica um pouco melhor o que quis dizer:88

Em outros termos: o legislador não é livre para criar qualquer direito posto (direito positivo), mas este mesmo direito transforma sua (dele) própria base. O direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto, mas este modifica o

direito pressuposto.89

87 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.

8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 173.

88 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2003. p. 63.

89 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo:

E complementa mais a frente:

É que afirmar que o modo de produção da vida social determina o direito é afirmar que o direito pressuposto é um produto cultural. Cada modo de produção produz sua cultura e

o direito pressuposto nasce como elemento dessa cultura.90

Pode-se dizer, portanto, que o direito posto e o direito pressuposto possuem uma relação condicional, na qual o primeiro encontra legitimidade no segundo, mas ao mesmo tempo o primeiro – em que pese seja legitimado por ele – modifica o segundo, na medida em que o direito pressuposto é um produto cultural, e que o direito posto enquanto regulação social posta pelo Estado também é um modo de produção de cultura (vide, por exemplo, a função educativa do direito e a função contramajoritária do direito).91

Todavia, cumpre atentar ao fato de que, para o autor, o direito pressuposto não é extrajurídico. Pelo contrário, conforme afirma, este direito repousa em normas jurídicas:

O direito pressuposto é fundamentalmente princípios, nada obstando, de toda sorte, a que nele vicejem regras, entendidas estas como normas jurídicas cujo grau de generalidade é mais estreito do que o grau de generalidade dos princípios.

Assim, posso dizer que o direito pressuposto compreende

normas, regras e especialmente princípios.92

A partir dessa afirmação podemos perceber que Eros Roberto Grau partilha a ideia de que as normas jurídicas são um gênero, do qual regras e princípios são espécies. Contudo, após analisar os critérios de diferenciação

90 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2003. p. 64.

91 Isso porque, conforme ressalta o autor, em que pese o direito não seja uma ideologia é uma

expressão ideológica: “O que pretendo afirmar, neste passo, é que, embora o direito não possa ser visualizado exclusivamente como ideologia, é também, sempre, em qualquer sociedade historicamente existente – logo, em qualquer modo de produção com existência histórica –, uma expressão ideológica”. (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 68)

92 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo:

entre eles apresentados por diversos autores93, o autor elegeu três como os

critérios de diferenciação aptos a realizar este objetivo:

Primeiro: a generalidade da regra jurídica é diversa da generalidade de um princípio jurídico [Boulanger]. A regra é geral porque estabelecida para um número indeterminado de atos ou fatos; não obstante, ela é especial na medida em que não regula senão tais atos ou tais fatos; é editada para ser aplicada a uma situação jurídica determinada; já o princípio, ao contrário, é geral porque comporta uma série indefinida de aplicações.

Segundo: a síntese de Canotilho, reproduzida linhas acima, no

item 62, à qual me reporto.94

Terceiro: a diferença entre regra e princípio surge exclusivamente no momento da interpretação/aplicação [Prieto Sanchis e Gianformaggio], de modo que apenas no curso do processo de interpretação (no perpassar do círculo hermenêutico) o interprete poderá decidir se há ou não há conflito entre regras ou colisão entre princípios; ora, se efetivamente é o tipo de oposição (conflito ou colisão) que define regra e princípio, então apenas durante o processo de

interpretação poder-se-á operar-se a distinçã.95

São estes, portanto, os critérios de diferenciação entre regras e princípios eleitos pelo autor.

93 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª

ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 169-187.

94 “(1) Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis com

vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem, proíbem) que é ou não cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky); a convivência das regras é antinômica. Os princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se.

“(2) Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de otimização, permitem balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como regras, à ‘lógica do tudo ou nada’), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não deixam espaço aberto para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais, nem menos. “(3) Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas ‘exigências’ ou Standards que, em ‘primeira linha’ (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm ‘fixações normativas’ definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias.

“(4) Os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são corretas devem ser alteradas)” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 5ª ed., p. 173-174. Apud, GRAU, Eros Roberto, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 20009. p. 185-186)

95 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª

Todavia, no que toca à proporcionalidade, o autor parte da premissa de que o chamado princípio da proporcionalidade é, na verdade, um postulado normativo aplicativo, adotando assim, expressamente, a posição defendida por Humberto Ávila.96 Conforme afirma, a proporcionalidade não é um princípio,

pois como salientado por Robert Alexy os chamados subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito não são passíveis de ponderação, na medida em que o que se pergunta é se as suas exigências foram satisfeitas ou não, sendo que a sua não satisfação acarreta a nulidade da medida.

Não obstante isso, Eros Roberto Grau afirma que vem ocorrendo a banalização da proporcionalidade, quem vem sendo considerada um princípio superior, atribuindo-lhe a pretensão de aplicabilidade não exclusivamente no momento da definição da norma de decisão, mas também no momento da produção das normas jurídicas gerais, o que, além de ser contrário a sua natureza normativa, culmina na afronta à separação de poderes:

Nossa doutrina o tem [princípio da proporcionalidade], porém, banalizado, de modo a, tomando-o como um princípio superior, pretender aplicá-lo não exclusivamente no momento da definição de cada norma de decisão, mas no primeiro momento de interpretação/aplicação do direito, o da produção das normas jurídicas gerais, o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de ‘corrigir’ o legislador, invadindo a competência

deste.97

No tocante à razoabilidade, o autor entende se tratar também de postulado normativo aplicativo, e adota o mesmo critério de diferenciação proposto por Humberto Ávila.98 Nestes termos, tanto a proporcionalidade

96 Isso num primeiro momento, pois, mais a frente, na mesma obra, após adotar a posição de

que proporcionalidade e razoabilidade são postulados normativos, conforme proposto por Humberto Ávila, o autor afirma que a proporcionalidade nada mais do que um novo nome dado à eqüidade: "O que pretendo singelamente afirmar, inspirado em Neumann, é que a proporcionalidade não passa de um novo nome dado à eqüidade". (GRAU, Eros Roberto.

Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros,

2009. p. 193)

97 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª

ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 189.

98 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª

quanto a razoabilidade são postulados normativos de interpretação/aplicação99

do direito e, como tais, se prestam unicamente a informar a formulação da norma de decisão no momento da aplicação do direito. E mais, segundo seu entendimento, não há qualquer espécie de novidade na proporcionalidade e na razoabilidade – no que acompanha Humberto Ávila –, haja vista que ambas vêm sendo utilizadas na interpretação/aplicação do direito há longa data:

Nada há de novo na proporcionalidade e na razoabilidade, postulados que desde há muito – e independentemente da formulação dessas duas noções – vem o Poder Judiciário exercitando na interpretação/aplicação do direito, como se

ambas estivessem contidas nas suas dobras.100

No entanto, Eros Roberto Grau parte para uma vertente bastante peculiar, que o afasta da teoria elaborada por Humberto Ávila. Isto porque ele afirma – apoiado em Franz Neumann – que “a proporcionalidade não passa de um novo nome dado à equidade”.101 Para tanto o autor explica a relação da

equidade com o direito enquanto direito do Estado, bem como com o modo de produção da economia, expondo, assim, as razões de seu declínio:

A equidade, como anotou Franz Neumann (1975:171) ao tratar da teoria jurídica liberal [liberal legal theory], era sempre denunciada como incompatível com a calculabilidade, o primeiro requisito do direito liberal [= direito moderno]. Era necessário transformar-se a equidade em um sistema rígido de normas, a fim de que fosse assegurada a calculabilidade exigida pelas transações econômicas.

Como o mercado reclamava a produção de normas jurídicas, pelo Estado, que garantissem a calculabilidade e confiança nas relações econômicas, essa necessidade justificou, ainda segundo Neumann (1975:167-168), a limitação de poder da monarquia patrimonial e do feudalismo.

Essa limitação culminou na instituição do poder legislativo dos parlamentos; a tarefa primordial do Estado é a criação de uma ordem jurídica que torne possível o cumprimento das

99 Conforme textualmente transcrito, a partir deste ponto o autor para de denominá-los

postulados normativos aplicativos e passa chamá-los de postulados normativos da interpretação/aplicação. (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 191)

100 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª

ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 191.

101 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª

obrigações contratuais e calculável a expectativa de que essas obrigações serão cumpridas.

A equidade comprometia essa calculabilidade e a segurança jurídica. Daí o direito posto pelo Estado, que a rejeita e substitui.102

Entretanto, o autor pontua que a equidade – que remonta a Aristóteles – funciona como um balizador da lei, norma geral e abstrata, visando garantir a justiça no caso concreto, respeitadas suas individualidades. Desta forma, por mais que o direito moderno e o modo de produção da economia pretendam afastar a equidade da atividade jurídica, ela muitas vezes se faz necessária por conta de seu caráter individualizante e, então, nestas hipóteses, a ela têm sido atribuídos outros nomes:

Lembre-se que a equidade opõe-se ao caráter geral da lei [= do direito moderno]. Como observei anteriormente (item 33), Aristóteles (1990:V 14, 14, 1.137b, 10-20] sustentava a necessidade de correção da justiça legal, porque a matéria das coisas da ordem prática reveste-se do caráter de irregularidade. Por isso, quando a lei expressa uma regra geral, e surge algo que se coloca fora dessa formulação geral, devemos, onde o legislador omitiu a previsão do caso e pecou por excesso de simplificação, corrigir a omissão e fazer-nos interpretes do que o legislador teria dito, ele mesmo, se estivesse presente neste momento, e teria feito constar da lei se conhece o caso em questão.

O fato, porém, é que a lição de Aristóteles foi esquecida, a equidade foi tragada pelo direito moderno, avesso a qualquer possibilidade de subjetivismo na aplicação da lei pelo juiz. E de modo tal que, em face da realidade, quando a sua concepção é retomada – e isso desejo sustentar – em borá assumindo a mesma forma e conteúdo, ela toma outros nomes. Inicialmente, o de razoabilidade; mais recentemente, o de proporcionalidade. O que pretendo singelamente afirmar, inspirado em Neumann, é que a proporcionalidade não passa de um novo nome dado à equidade.

Sua rejeição pelo direito moderno, porque incompatível com a calculabilidade e a segurança jurídica, era plenamente

adequada a teoria da subsunção, hoje superada.103

102 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª

ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 192.

103 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª

Como se percebe, o autor remonta à teoria da justiça aristotélica para buscar a noção de equidade como forma de garantia de justiça aos casos concretos, premissas teóricas estas que vêm sendo retomadas cada vez mais com maior amplitude pela Ética e pela Filosofia do Direito atual.104 Para tanto, o

autor fundamenta sua retomada no caminho percorrido pelo direito (posto) para atender às exigências das relações econômicas (superestrutura; direito pressuposto), nos moldes apresentados por Franz Neumann.

Em suma, para Eros Roberto Grau, as normas jurídicas são um gênero do qual as espécies são as regras e os princípios. Independentemente do critério de diferenciação adotado por ele, salta aos olhos o fato de que, para o autor, as regras estão no plano do direito posto, enquanto os princípios estão no plano do direito pressuposto – salvo raras exceções, conforme por ele mencionado, mas não explicado. Entretanto, razoabilidade e proporcionalidade não são princípios, mas postulados normativos de interpretação/aplicação105, os quais, na verdade, sempre estiverem presentes na atividade jurídica de interpretação/aplicação do direito, mas sob a alcunha de equidade.106 E encerra esclarecendo que sua atuação ocorre apenas no momento de criação da norma de decisão – interpretação in concreto –, e não no de produção da norma jurídica – interpretação in abstrato.