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A proporcionalidade como postulado normativo aplicativo

3. A TÉCNICA DA PROPORCIONALIDADE

3.3. O problema da proporcionalidade como “norma diversa”

3.3.1. A proporcionalidade como postulado normativo aplicativo

Conforme foi mostrado no item 1.9 do capítulo 1, Humberto Ávila parte da premissa de que as normas jurídicas podem ser categorizadas em dois graus: no primeiro temos os princípios e as regras; no segundo temos os postulados normativos. Para o autor, as normas de primeiro grau atuam no nível do objeto da ciência jurídica, qual seja, o nível do direito positivo, enquanto as normas de segundo grau atuam num metanível, isto é, atuam sobre as normas que estão no plano do direito positivo. Estas últimas, por sua vez, podem ser de duas espécies: postulados normativos hermenêuticos e postulados normativos aplicativos.

É importante ressaltar que o autor não apenas apresenta duas novas espécies de norma jurídica – postulados normativos hermenêuticos e postulados normativos aplicativos –, mas também rompe com o conceito de princípios e regras tradicionalmente difundido com base nos modelos de Ronald Dworkin e Roberty Alexy. Isto porque, segundo Humberto Ávila, os princípios se caracterizam por serem imediatamente finalísticos, primariamente prospectivos e por terem pretensão de complementariedade e de parcialidade.

Já as regras se caracterizam por serem imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e por possuírem pretensão de decidibilidade e de abrangência.228

No que toca aos postulados normativos – os quais não se confundem nem com regras nem com princípios –, o autor esclarece que “a interpretação de qualquer objeto cultural submete-se a algumas condições essenciais, sem as quais o objeto não pode ser sequer apreendido”,229 e que

estas condições especiais são justamente os postulados. Em se tratando de ciência jurídica, existem os postulados cuja função é a compreensão geral do direito (postulados hermenêuticos), bem como aqueles destinados à estruturação da sua aplicação concreta (postulados aplicativos). Portanto, estes postulados são normas metódicas que instituem critérios para a interpretação e para a aplicação das normas situadas no nível do direito positivo. Daí porque o autor as classifica como metanormas, incluindo-as num plano diferente de atuação. Por isto é que são chamadas por ele de normas de segundo grau.

Todavia, o autor ressalva o fato de que os postulados, normas de segundo grau, não se confundem com normas de primeiro grau que influenciam outras normas, tais como os sobreprincípios. Isto porque estes últimos situam-se no mesmo nível das normas objeto de interpretação e de aplicação, isto é, no plano do direito positivo. Desta forma, eles atuam sobre outras normas situadas no mesmo plano em que se encontram, mas agem no âmbito semântico e axiológico, e não no âmbito metódico – como fazem os postulados.

Após apresentar essa diferenciação metodológica entre normas de primeiro grau e de segundo grau – com a consequente conceituação das espécies de cada uma delas –, o autor conclui que a proporcionalidade é um postulado normativo aplicativo.

228 Cada característica se encontra detalhadamente explicada no item 1.9 do capítulo 1.

229 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.

Em que pese acharmos a posição de Humberto Ávila uma das mais bem estruturadas dentre aquelas aqui apresentadas, nos parece que a sua posição merece algumas considerações.

Primeiramente é preciso atentar ao fato de que a tradição jurídica afirma que as normas jurídicas são produzidas a partir das fontes do direito, as quais se dividem em duas espécies: materiais e formais. As primeiras são o conjunto de fatos sociais que determinam o conteúdo do direito, exprimindo, assim, os valores que foram inseridos nas normas jurídicas durante seu processo de criação. Já as últimas são aquelas que dão forma ao direito, e se referem aos modos de manifestação das normas jurídicas.

As fontes formais, ainda de acordo com a clássica divisão, se dividem em fontes formais estatais e não estatais. Dentre as primeiras temos a lei em sentido amplo, compreendendo a constituição, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, os decretos executivos, os decretos legislativos, as portarias, as resoluções etc., e a jurisprudência, considerada como o conjunto de decisões uniformes e reiteradas, proferidas pelos tribunais, aplicáveis a casos idênticos ou semelhantes.230 Já a fonte formal não estatal é

o costume, entendido como a prática reiterada de certo ato, atribuindo a ele o caráter de obrigatoriedade. Há, contudo, autores que acrescentam às fontes não estatais outras três: o poder negocial, compreendido como força geradora de normas jurídicas particulares e individuais;231 o poder normativo dos grupos

sociais, compreendido como o conjunto de normas criadas pelos agrupamentos sociais, tais como o direito canônico no âmbito da igreja católica e as normas

230 No que se refere às súmulas vinculantes, somos da opinião de que, em que pese sejam

criadas pelo Poder Judiciário, estas, pela sua generalidade e abstração, devem ser incluídas no grupo das leis em sentido amplo.

231 No que toca ao poder negocial se pode entender que a autonomia contratual, enquanto

contida na lei e por ela limitada, está implícita naquela fonte formal estatal e, portanto, não merece classificação específica. Ou ainda que, por gerar obrigações no caso concreto, não atende ao requisito das fontes do direito que é reger as relações jurídicas em abstrato.

da justiça desportiva;232 e a doutrina, concebida como a atividade científico-

jurídica realizada pelo jurista visando a sistematização das normas jurídicas.233

Pois bem, quando nos debruçamos sobre a classificação proposta por Humberto Ávila e a analisamos sob o prisma das fontes do direito percebemos que as normas de primeiro grau – sejam elas regras, princípios implícitos ou explícitos, ou ainda sobreprincípios – encontram sua fonte material nos valores sociais normatizados, e sua fonte formal na lei em sentido amplo, ou eventualmente na jurisprudência. Afinal, como afirma o autor, as normas de primeiro grau estão no plano do direito positivo e têm sua atuação no âmbito semântico e axiológico.

Todavia, quando o autor propõe a existência dos postulados, isto é, das normas de segundo grau, ele esclarece se tratar de normas cuja atuação ocorre no âmbito metódico. Contudo, o autor não esclarece quais as fontes destas normas enquanto direito.

Diante disso, nos parece que a atribuição do status normativo às normas de primeiro grau segue rigorosamente os padrões exigíveis de uma norma jurídica, na medida em que fica clara, na exposição do autor, quais são as suas fontes. Por outro lado, a proposta metodológica da existência dos postulados hermenêuticos e aplicativos vai bem até o momento em que o autor lhes atribui o status normativo. Afinal, enquanto normas jurídicas, torna-se necessário esclarecer quais são as suas fontes.

Tendo em vista que o autor não realizou a tarefa de analisar a normatividade dos postulados, isto é, das normas de segundo grau à luz das fontes do direito, tentaremos realizá-la nós mesmos, para melhor visualizar o seu enquadramento enquanto norma jurídica.

232 A inclusão do poder normativo dos grupos sociais pressupõe a premissa de que o Estado

não detém o monopólio do direito.

De acordo com o Humberto Ávila os postulados se encontram acima do plano do direito positivo e atuam no âmbito metodológico. Portanto, pode-se dizer que são ferramentas apresentadas pelo cientista do direito após o processo de sistematização do direito positivo, visando facilitar a interpretação e a aplicação do direito.

Note-se que estas ferramentas estão desprovidas de qualquer aspecto axiológico. Diante desta constatação, fica claro que os postulados estão desprovidos de fonte material, na medida em que os fatores sociais – sejam eles históricos, econômicos, éticos, políticos, etc. – em nada interferem em sua criação, já que os postulados não possuem conteúdo material.

Entretanto, sob o aspecto formal, salta aos olhos o fato de que os postulados não são provenientes da lei em sentido amplo, assim como não decorrem da jurisprudência, não possuindo, pois, uma fonte formal estatal. De outro lado não são oriundos da prática reiterada de certos atos e, portanto, não decorrem do costume. Não são também manifestação de poder negocial nem do poder normativo de grupos sociais. Mas, enquanto ferramentas criadas pelo cientista para facilitar a interpretação e a aplicação do direito, os postulados podem ser enquadrados na doutrina enquanto fonte do direito e, desta forma, decorreriam de uma fonte formal não estatal. O problema é que a questão não é simples assim.

No que diz respeito à doutrina enquanto fonte do direito cumpre frisar a existência de dissenso doutrinário no que tange a sua aceitação enquanto tal. Dentre os que a admitem ressaltamos a posição de Maria Helena Diniz. Para a autora a doutrina, enquanto decorrente da atividade científica, deve ser tida como fonte de direito costumeiro. Assim afirma a autora:

Todavia, será preciso não olvidar que a doutrina é decorrente de atividade científica, e esta é tida por muitos, inclusive por nós, como fonte de direito costumeiro. Poderíamos até considerar a doutrina como forma de expressão do direito consuetudinário, resultante da prática reiterada de juristas sobre certo assunto. É nos tratados que se procuram as normas, neles os juristas apresentam sua interpretação de

normas e soluções prováveis para casos não contemplados; se seus pensamentos forem aceitos pelos contemporâneos, fixam-se em doutrina, que, por sua vez, irá inspirar os tribunais.234

Em que pese o posicionamento exarado pela autora, nos parece haver uma confusão entre a doutrina enquanto fonte do direito e a incorporação de determinado preceito doutrinário pelo direito positivo através de uma determinada fonte do direito. Isto porque, a doutrina em si, enquanto sistematização do direito positivo, não se confunde com ele, nem mesmo cria normas jurídicas que serão por ele incorporadas. O que ela faz é apresentar ferramentas, as quais sistematizam o direito positivo e auxiliam na sua interpretação e aplicação. Nada impede, contudo, que uma determinada ferramenta doutrinária possa integrar o direito positivo. Para tanto, será necessária a sua conversão em prescrição normativa através de uma determinada fonte do direito. Tanto é assim que a própria Maria Helena Diniz reconhece que “a atividade científica sem o beneplácito dos tribunais e sem a sedimentação do costume não cria o direito”.235

Veja-se, por exemplo, que o artigo 2° da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro incorporou ao direito positivo um preceito doutrinário expresso pelo brocardo jurídico lex posteriori derogat priori (lei como fonte formal). Este brocardo, por sua vez, vinha sendo reconhecido indistintamente como critério de solução de conflito normativo desde o direito romano (costume como fonte formal). No entanto, a adoção deste brocardo como solução dos conflitos normativos ocorreu antes de tudo no âmbito dos tribunais (jurisprudência como fonte formal).

O fato é que, quando um preceito doutrinário é incorporado ao direito positivo e, portanto, vira norma jurídica, por mais que se trate de uma metanorma, esta norma permanecerá no mesmo nível das demais, existindo,

234 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria

geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 326.

235 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria

geral do direito, à filosofia, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 327.

assim, apenas um grau único de normatividade. E, como visto, sua incorporação ao direito positivo é feita pelas fontes do direito.

Já dentre aqueles que refutam a doutrina como fonte de direito destacamos a posição de Paulo de Barros Carvalho. Segundo este autor a doutrina se utiliza de um discurso descritivo, na medida em que – enquanto atividade científica – descreve o seu objeto de estudo, qual seja, o direito positivo. Por sua vez, o direito positivo não tem sua natureza afetada pela atividade da ciência, mantendo, assim, sua estrutura prescritiva. A recíproca é verdadeira. O enunciado científico também não tem sua natureza afetada pelo seu objeto de estudo, não tendo, pois, sua estrutura descritiva alterada. Isto posto, por criar enunciados descritivos, e não prescritivos, a doutrina não é fonte do direito:

A doutrina não é fonte do direito positivo. Seu discurso descritivo não altera a natureza prescritiva do direito. Ajuda à compreende-lo, entretanto não o modifica. Coloca-se como urna sobrelinguagem que fala da linguagem deôntica da ordenação jurídica vigente. Nem será admissível concebe-Ia como fonte da Ciência do Direito, pois ela própria pretende ser científica. Quem faz doutrina quer construir um discurso científico, reescrevendo as estruturas prescritivas do sistema

normativo.236

Percebe-se que a característica de sobrelinguagem – também chamada de metalinguagem – atribuída por Paulo de Barros Carvalho aos enunciados científicos lembra bastante a ideia de metanormas, as quais são normas de segundo grau no critério proposto por Humberto Ávila. Todavia, para que sejam normas jurídicas, os postulados propostos pelo último devem ser emanados por uma fonte normativa, quando, então, adotarão a linguagem de enunciados prescritivos. Do contrário, manterão a linguagem descritiva, e deverão ser considerados simplesmente enunciados científicos.

De outra parte, também Miguel Reale rejeita o enquadramento da doutrina como fonte do direito. Este, por sua vez, ressalta primeiramente ser

236 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva,

preciso ter em mente o fato de que a doutrina não tem força suficiente para revelar a norma jurídica que deverá ser cumprida pelo aplicador do direito ou pelas partes – caso contrário os preceitos doutrinários de Pontes de Miranda, por exemplo, estariam influenciando as decisões judiciais até hoje. No entanto, o argumento principal apresentado por ele, diz de que a doutrina não se desenvolve em uma estrutura de poder, o que é requisito essencial para o conceito de fonte. Por isto, diferencia os modelos jurídicos dos modelos científico ou dogmáticos. Sobre a diferença entre eles expõe o que segue:

As fontes de direito produzem modelos jurídicos prescritivos, ou, mais simplesmente, modelos jurídicos, isto é, estruturas normativas que, com caráter obrigatório, disciplinam as distintas modalidades de relações sociais. Como pensamos ter demonstrado em nosso livro O Direito como Experiência, enquanto que as fontes revelam modelos jurídicos que vinculam os comportamentos, a doutrina produz modelos dogmáticos, isto é, esquemas teóricos, cuja finalidade é determinar: a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos; b) que é que estes modelos significam; e c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e sistemas, ou seja, modelos de mais amplo repertório.237

Como se percebe, os postulados são criações científicas que têm por finalidade auxiliar na interpretação e na aplicação do direito e, portanto, são modelos científicos ou dogmáticos, e não normas jurídicas. Mas isto não significa a exclusão da doutrina da atividade jurídica, nem mesmo o seu rebaixamento a algo sem importância. Afinal, o próprio autor faz questão de frisar que “a doutrina, por conseguinte, não é fonte do Direito, mas nem por isso deixa de ser uma das molas propulsoras, e a mais racional das forças diretoras, do ordenamento jurídico”. 238

Nesse ponto vale relembrar o entendimento de Celso Ribeiro Bastos que, quando trata da interpretação constitucional, admite a existência de postulados.239 No entanto, este autor não lhes atribui o status de norma

237 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 167. 238 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 169. 239 Os postulados a que se refere Celso Ribeiro Bastos, por serem considerados com vista à

interpretação da Constituição, correspondem àqueles considerados por Humberto Ávila como postulados hermenêuticos, ressalvadas as particularidades da teoria de cada autor.

jurídica, mas os concebe como enunciados dirigidos àquele que exerce atividade interpretativa240:

Postulado é um comando, uma ordem mesma, dirigida à todo aquele que pretende exercer a atividade interpretativa. Os postulados precedem a própria interpretação, e se se quiser, a própria Constituição. São, pois, parte de uma etapa anterior à de natureza interpretativa, que tem que ser considerada enquanto fornecedora de elementos que se aplicam à Constituição, e que significam, sinteticamente, o seguinte: não poderás interpretar a Constituição devidamente sem antes

atentares para estes elementos.241

Vale ressaltar que uma posição que nos chama a atenção no que diz respeito aos postulados é a de Eros Roberto Grau. Como visto no item 1.10 do capítulo 1, o autor atribui à proporcionalidade o status de postulado normativo de interpretação/aplicação do direito. 242 Para tanto o autor se remete constantemente e de forma expressa à teoria de Humberto Ávila, de onde abstrai que a proporcionalidade é um postulado normativo aplicativo243 – sendo

que, mais a frente, o renomeia para adequá-lo à premissa estabelecida por ele de que a interpretação e a aplicação do direito “se confundem”. 244

O problema é que Eros Roberto Grau estabelece sua teoria sobre os conceitos de direito posto e de direito pressuposto. Segundo preceitua o primeiro é o direito das regras, o direito positivo, enquanto o segundo é o direito

240 Há que ressaltar que Celso Ribeiro Bastos diferencia os postulados dos instrumentais

hermenêuticos, o que faz nos seguintes termos: “Os postulados, já se frisou, são pressupostos para uma válida interpretação. Os instrumentais hermenêuticos é que são propriamente recursos da interpretação” (BASTOS, Celso. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3ª ed. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 169). A nenhum deles é atribuído o status de norma jurídica.

241 BASTOS, Celso. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3ª ed. São Paulo: Celso

Bastos, 2002. p. 165.

242 Nesse sentido o autor afirma o que segue: “Proporcionalidade e razoabilidade são, destarte,

postulados normativos da interpretação/aplicação do direito e não princípios” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 191).

243 GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2009. p. 188 ss.

244 Conforme visto no item 1.10 do capítulo 1, o autor entende que a interpretação e a aplicação

ocorrem de forma simultânea, seja no momento de criação da norma de decisão (interpretação

dos princípios.245 Entretanto, o direito posto e o direito pressuposto possuem

uma relação de mútua influência, como explica o próprio autor:

Em outros termos: o legislador não é livre para criar qualquer direito posto (direito positivo), mas este mesmo direito transforma sua (dele) própria base. O direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto, mas este modifica o

direito pressuposto.246

Ora, se o direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto, assim como a modificação do direito posto altera o direito pressuposto, isto significa que ambos estabelecem uma relação de retroalimentação entre si. Dito isto, uma vez que a criação/modificação de um altera o outro, não há dúvida de que o direito posto e o direito pressuposto atuam no mesmo nível e que, portanto, a existência de normas de segundo grau é incompatível com a teoria de Eros Roberto Grau. Ademais, há que se lembrar que em sua teoria o autor concebe apenas as regras e os princípios como espécies de normas jurídicas, silenciando quanto aos postulados.

Não obstante tudo isso, o ponto central é que nada impede que os postulados sejam metodologicamente estruturados. Todavia, sua estruturação ocorre no plano da atividade científica, e não no plano do direito positivo, motivo este que lhe afasta o caráter normativo. Admite-se, no entanto, que o postulado venha a ser convertido em norma jurídica, desde que por meio de uma das fontes do direito, quando, então, estará no mesmo plano das demais normas do ordenamento jurídico.

Dessa forma, fica claro que, enquanto postulado aplicativo, a proporcionalidade não é uma norma jurídica, mas sim um modelo científico – produto da atividade científica –, o qual utiliza a linguagem descritiva, e tem como objetivo auxiliar o aplicador do direito no momento da criação de uma norma jurídica de decisão.

245 “O direito pressuposto é fundamentalmente princípios, nada obstando, de toda sorte, a que

nele vicejem regras, entendidas estas como normas jurídicas cujo grau de generalidade é mais estreito do que o grau de generalidade dos princípios” (GRAU, Eros Roberto, O direito posto e

o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 77).

246 GRAU, Eros Roberto, O direito posto e o direito pressuposto. 5ª ed. São Paulo: