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A aplicação dos princípios enquanto normas jurídicas

3. A TÉCNICA DA PROPORCIONALIDADE

3.1. O problema da proporcionalidade como princípio

3.1.1. A aplicação dos princípios enquanto normas jurídicas

Conforme verificamos no capítulo 1 a maioria dos autores mencionados concebem a proporcionalidade como princípio, sendo que, para eles, os princípios possuem a natureza de norma jurídica.181

181 Neste item deixamos de fora os posicionamentos dos autores que não concebem a

proporcionalidade como princípio, por mais peculiares que possam ser suas classificações. Isto porque, se o enquadramento dado por eles à proporcionalidade não é o de princípio, de nada adianta analisar a proporcionalidade à luz do conceito de princípio por eles adotado, pois eles próprios reconhecem não se tratar de princípio jurídico.

Um dos maiores entusiastas da normatividade dos princípios é Luís Roberto Barroso, que fundamenta o pós-positivismo182 na reaproximação entre

direito e ética, a qual ocorre através dos princípios jurídicos183, os quais nessa

nova visão passam a desfrutar do status de norma jurídica.184

De acordo com o autor, dentro do espectro normativo é possível encontrar princípios e regras, todos eles dotados de normatividade. Contudo, existem diferenças entre eles, sendo que, no momento, a que nos interessa é aquela que diz respeito ao modo de aplicação:

c) quando ao modo de aplicação: regras operam por via do enquadramento do fato no relato normativo, com enunciação da conseqüência jurídica daí resultante, isto é, aplicam-se mediante subsunção; princípios podem entrar em rota de colisão com outros princípios ou encontrar resistência por parte da realidade fática, hipóteses em que serão aplicados mediante

ponderação.185

Como relembrado aqui, pois já apresentado no item 1.1, Luís Roberto Barroso adota a posição segundo a qual as regras se aplicam mediante subsunção no modelo tudo ou nada, enquanto os princípios são objeto de ponderação e se aplicam na maior ou menos medida.186

Em sentido semelhante temos também a posição de José Joaquim Gomes Canotilho que, como demonstrado no item 1.5, afirma romper com a concepção tradicional que separa normas e princípios, passando, então, a

182 O pós-positivismo, conforme apresentado pelo autor, se apresenta muito mais como um

discurso ideológico do que como uma teoria metodológica jurídica. Mesmo como uma corrente de filosofia do direito fica difícil concebê-lo, pois, em que pese seu caráter eminentemente ideológico, falta-lhe estruturação filosófica. Parece-nos que a posição do autor é muito mais um manifesto a favor da re-valoração no direito do que qualquer outra coisa.

183 Note-se que o autor não explica metodologicamente como isso ocorre.

184 O autor, inclusive, chega a afirmar o que segue: “Há consenso na dogmática jurídica

contemporânea de que princípios e regras desfrutam igualmente do status de norma jurídica” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 318). Todavia, como se verá no item 3.1.2, em que pese esta posição venha sendo amplamente aceita, não existe o referido consenso.

185 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 328.

186 Como já referido anteriormente, a posição adotada pelo autor se encontra fortemente

adotar o entendimento segundo o qual normas jurídicas são o gênero do qual princípios e regras são espécies.187 A partir desta concepção o autor passa a

diferenciação de princípios e regras188 para, em seguida, estabelecer a

tipologia dos princípios.189

Dessa diferenciação entre princípios e regras apresentada pelo autor, que mostra vários critérios190, nos interessa destacar o critério de

diferenciação que diz respeito à aplicação das referidas normas. Isto porque, para ele, os princípios impõe otimização e, por isto, admitem diversos graus de concretização, enquanto as regras são imperativas, devendo ser totalmente cumpridas ou então absolutamente não cumpridas:

(1) — os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de DWORKIN: applicable in all-or--nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (ZAGREBELSKY); a convivência de regras é antinômica. Os princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se;

(2) — consequentemente, os princípios, ao constituírem exigências de otimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à «lógica do tudo ou nada»), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das suas

prescrições, nem mais nem menos.191

187 “A teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios (Norm-

Prinzip, Principles-rules, Norm und Grundsatz). Abandonar-se-á aqui essa distinção para, em sua substituição, se sugerir:

“(1) — as regras e princípios são duas espécies de normas;

“(2) — a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 166).

188 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 166-

168.

189 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 170-

174.

190 Os demais critérios são: 3) a conflituosidade entre princípios e entre regras e; 4) a

problemática de peso e validade (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 168).

191 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 167-

Essa menção aos princípios como exigências de otimização remonta à teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. Conforme pontuamos no item 1.7, para este autor o critério fundamental de diferenciação entre princípios e regras – ambos considerados normas jurídicas – é a conceituação dos primeiros como mandamentos de otimização, enquanto as regras contêm determinações que se realizam dentro das possibilidades fáticas e jurídicas:

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e

fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte,

mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.192

Todavia, pode parecer que o critério de diferenciação proposto por Robert Alexy é o mesmo adotado por Ronald Dworkin. Visando evitar confusão o próprio autor faz a seguinte ressalva:

A distinção apresentada assemelha-se à proposta por Dworkin (cf. Ronald Dworking, Taking Rights Seriusly, 2ª ed., London: Duckworth, 1978, PP. 22 e ss. e 71 e ss.). Mas ela difere em um ponto decisivo: a caracterização dos princípios como

mandamentos de otimização.193

Como se percebe, para Robert Alexy a caracterização dos princípios como mandamentos de otimização é o grande diferencial do modelo teórico por ele adotado, quando comparado com aquele proposto por Ronald Dworkin. No entanto, o primeiro autor admite que o critério apresentado pelo segundo deve ser mantido, e não o exclui, mas o incorpora.

Com vista ao exposto, resta claro que os critérios de classificação utilizados pelos autores mencionados194 para definir os princípios é bastante

192 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90. 193 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 91,

nota 27.

194Todos os autores mencionados no capítulo 1 que atribuem à proporcionalidade a natureza

jurídica de princípios utilizam mais ou menos esse mesmo critério da classificação de princípios. Portanto, a fim de evitar repetições, escolhemos para mencionar neste capítulo

semelhante, chegando até mesmo a ser complementar. Além disto, ficou claro que, no que tange à forma de aplicação dos princípios enquanto normas jurídicas, estes serão aplicados ao caso concreto na maior ou na menor medida, sendo que, em acaso de colisão, não serão excluídos do ordenamento jurídico, mas sim ponderados e terão maior ou menor incidência na decisão do caso concreto.

Ora, se os princípios se aplicam mediante ponderação, na maior ou na menor medida, fica afastada, portanto, a subsunção do fato à norma, e a consequente aplicação total ou não aplicação, que é própria das regras. Contudo, se a proporcionalidade é um princípio, sua forma de aplicação – por uma questão de coerência lógica – deve ser aquela própria dos princípios, isto é, a proporcionalidade deve ser objeto de ponderação, e deverá ser aplicada ao caso concreto na maior ou na menor medida.

Todavia, vimos que a forma de aplicação da proporcionalidade não condiz com aquela que é própria aos princípios jurídicos. Afinal, ela deverá ser aplicada sempre que diante da colisão de princípios, e sua forma de aplicação é imperativa, isto é, ou é aplicada ou não é aplicada, não admitindo qualquer espécie de ponderação. Desta forma, a proporcionalidade não se enquadra no conceito de princípio concebido como norma jurídica.