• Nenhum resultado encontrado

CIDADANIA E PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL Paradigma da Operação Lava Jato

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "CIDADANIA E PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL Paradigma da Operação Lava Jato "

Copied!
155
0
0

Texto

(1)

CIDADANIA E PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL Paradigma da Operação Lava Jato

Matheus Castro Almeida Prado de Siqueira

SÃO PAULO – 2018

(2)

CIDADANIA E PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL Paradigma da Operação Lava Jato

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Orientador: Professor Doutor José Carlos Francisco

SÃO PAULO – 2018

(3)

Bibliotecário Responsável: Hernani Correa Medola – CRB 8/9942 S618c Siqueira, Matheus Castro Almeida Prado de.

Cidadania e princípio do juiz natural : paradigma da Operação Lava Jato / Matheus Castro Almeida Prado de Siqueira. – 2018.

153 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018.

Orientador: José Carlos Francisco.

Referências bibliográficas: f. 128-133.

1. Cidadania. 2. Princípio do juiz natural. 3. Princípio do Promotor natural. 4. Competência jurisdicional. 5. Operação Lava Jato. I.

Francisco, José Carlos, orientador. II. Título

CDDir 341.438

(4)
(5)

A realização deste trabalho não seria possível sem o suporte e o apoio incondicional dados pelos meus pais Aurea e Francisco os quais estão sempre dispostos a me ajudar e auxiliar em quaisquer das questões da vida.

Agradeço também ao meu orientador Professor Doutor José Carlos Francisco pelo incentivo ao estudo da temática do princípio do juiz natural, bem como por todo o auxílio dado para o seu adequado desenvolvimento.

Agradeço aos Professores Doutores Guilherme Madeira Dezem e José Marcos Lunardelli, pelas valiosas e construtivas críticas ao trabalho quando da banca de qualificação.

Agradeço ao Professor Doutor Felipe Chiarello por todo o apoio e incentivo.

Agradeço, finalmente, ao meu irmão, Marcelo, por todas as discussões e ideias trocadas a respeito deste trabalho.

Muito obrigado!

(6)

Este trabalho trata da temática da cidadania relacionada ao princípio do juiz natural tendo por objetivo central verificar os elementos do referido princípio na Constituição Federal e sua importância para a cidadania plena no Estado Democrático de Direito, bem como a sua aplicabilidade na denominada Operação Lava Jato. Dessa forma, aborda-se a importância dos princípios postos pela Constituição Federal e da sua correta interpretação, bem como o contexto histórico e desenvolvimento do princípio do juiz natural nas constituições brasileiras e nos tratados internacionais. Verifica-se, ainda, os elementos do princípio do juiz natural e o tratamento dado a eles pela Constituição Federal de 1988 bem como sua extensão ao princípio do promotor natural e do delegado natural. Após, é analisada a questão da jurisdição e da competência e sua interação com o princípio, sendo, então, expostas as regras de concretização da competência no processo penal e as consequências de sua violação. Por fim, verifica-se a consistência do princípio na denominada Operação Lava Jato sendo abordado os aspectos da especialização de varas por resoluções de tribunais, bem como da própria competência para julgar os casos da operação, aos quais foram constatadas violações ao princípio constitucional tanto no que se refere à criação de varas especializadas, quanto às regras de competência postas pela legislação infraconstitucional.

Palavras-chave: Cidadania, princípio do juiz natural, princípio do promotor natural,

competência jurisdicional e Operação Lava Jato.

(7)

This dissertation addresses the subject of citizenship related to the principle of the natural judge, with the central objective of verifying the elements of such principle in the Federal Constitution and its importance for full citizenship in the Democratic State of Law, as well as its applicability in the so - called Car Wash Operation. Thus, an analysis of the importance of the principles’ set forth by the Federal Constitution - and their correct interpretation - is carried out, as well as an analysis of the historical context and development of the principle in Brazilian constitutions and international treaties.

The elements of the natural judge’s principle and the treatment given to them by the Federal Constitution of 1988 as well as its extension to the principle of the natural prosecutor and the natural delegate is also verified. Afterwards, the question of jurisdiction and its interaction with the principle, the rules of jurisdiction in the code of criminal procedure and the consequences of their violation are analyzed. Finally, the consistency of the principle in the Car Wash Operation is scrutinized, being also examined the aspects of the specialization of lower courts by court’s resolutions, as well as the jurisdiction to judge the cases of the operation, where upon violations to the constitutional principle in both the setting up of specialized lower courts and the jurisdiction rules set forth by infra-constitutional legislation have been identified.

Keywords: Citizenship, principle of the natural judge, principle of the natural

prosecutor, jurisdiction and Car Wash Operation.

(8)

Introdução...8

1. EXERCÍCIO DA CIDADANIA POR MEIO DO ACESSO À JUSTIÇA INDEPENDENTE E IMPARCIAL...10

1.1 A relevância dos princípios processuais postos pela Constituição...15

1.2 O princípio do juiz natural garantidor da independência e da imparcialidade do julgamento... 24

1.3 O surgimento do princípio do juiz natural e o seu contexto histórico...24

1.4 Evolução do princípio do juiz natural nas constituições brasileiras...27

1.5 Afirmação do princípio do juiz natural nas demais sociedades democráticas contemporâneas...32

1.6 A consolidação do princípio no âmbito dos tratados internacionais...33

1.6.1 O Tribunal de Nuremberg como marco de descumprimento do princípio do juiz natural...35

1.6.2 A criação do Tribunal Penal Internacional...37

1.6.3 Tratados internacionais e a proteção ao princípio do juiz natural...38

1.6.4 A hierarquia e a efetividade dos tratados internacionais na Constituição Federal...41

2. ELEMENTOS DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E SUA EXTENSÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL...45

2.1 A imparcialidade como elemento fundamental ao princípio do juiz natural...49

2.2 Independência elementar ao princípio do juiz natural...52

2.3 Acusação justa com o princípio do promotor natural...57

2.4 Princípio que também se estende ao delegado natural...64

2.5 Arbitragem e princípio do juiz natural...68

2.6 Princípio do juiz natural relacionado à jurisdição e à competência...71

2.7 Competência no processo penal...75

2.8 Consequências do descumprimento do princípio do juiz natural...80

3. O CASO DA OPERAÇÃO LAVA JATO E A CONSISTÊNCIA DA APLICAÇÃO DO

PRINCÍPIO...86

(9)

3.1.1 Finalidade da especialização – julgamentos mais céleres e

efetivos...90

3.1.2 Especialização por resoluções dos tribunais: A reserva de lei, a separação dos poderes e o princípio do juiz natural...94

3.2 Análise da competência na Operação Lava Jato...99

3.2.1 Os institutos da conexão e da continência e a relevância para a definição da competência na operação...101

3.2.2 Critérios de definição do foro prevalecente na Operação Lava Jato e sua eventual conformidade com o princípio do juiz natural...109

3.2.3 A questão de ordem apreciada pelo Supremo Tribunal Federal em virtude da Reclamação nº 17.623/PR...123

Conclusão...126

Referências...128

Anexos...134

Decisão proferida na exceção de incompetência nº 5044009-71.2014.404.7000 (ação penal nº 5025687-03.2014.404.7000)...135

Decisão proferida na exceção de incompetência nº 5029451-94.2014.404.7000 (ação penal nº 5025699-17.2014.404.7000)...142

Decisão proferida na exceção de incompetência nº 5052019-07.2014.404.7000

(ação penal nº 5047229-77.2014.404.7000)...149

(10)

Introdução

A presente dissertação pretende analisar a relação do desenvolvimento da cidadania plena vinculada ao princípio do juiz natural, instituto imprescindível ao Estado Democrático de Direito. Nessa esteira, a Constituição Federal de 1988, ao colocar como um de seus valores supremos a justiça, afirmou o mencionado princípio em sua lista de direitos fundamentais.

Desse modo, questiona-se se os dispositivos trazidos pela Carta Cidadã resguardam adequadamente o direito do jurisdicionado de obter acesso a uma justiça independente e imparcial.

Verificada a interação do princípio do juiz natural com as demais normas constitucionais, analisar-se-á também a sua relação com as normas de competência postas na Constituição e na legislação infraconstitucional.

Finalmente, considerando os aspectos abordados do princípio, será analisada a sua aplicabilidade na denominada Operação Lava Jato, ao se considerar a complexidade da referida operação, de inegável importância no cenário político e econômico do país e os diversos questionamentos acerca da consistência do princípio na operação.

Com efeito, vincula-se o presente estudo a linha de pesquisa da cidadania modelando o Estado, ao se considerar a elaboração de aprofundada análise do mencionado princípio e sua essencialidade para a obtenção da cidadania plena no Estado Democrático de Direito.

Para tanto, essa dissertação abordará em seu capítulo primeiro, justamente a

amplitude do conceito de cidadania e sua relação com o acesso à justiça independente

e imparcial, momento no qual será analisada a sistemática de interpretação

principiológica na Constituição Federal, bem como o contexto histórico do surgimento

no princípio, além de sua sedimentação ao longo das Constituições brasileiras e na

legislação estrangeira. Por fim, será exposta a relação entre princípio do juiz natural e

(11)

os tratados internacionais bem como a interação desses tratados com a Constituição brasileira.

Em seu capítulo segundo, serão analisados os elementos do princípio do juiz natural na Constituição Federal, apontando-se as garantias e as vedações determinadas pela referida Carta ao Poder Judiciário e aos seus membros, de modo a garantir a imparcialidade e a independência dos julgamentos. Após será estudada a extensão do princípio do juiz natural aos princípios do promotor natural e do delegado natural, bem como sua interação com o instituto da arbitragem.

Será, ainda, abordada a questão da jurisdição e da competência como forma de materialização do princípio, momento no qual se analisará as regras de competência, em especial, no processo penal, bem como as consequências da violação dessas regras no que tange ao princípio do juiz natural.

Finalmente, em seu derradeiro capítulo, será analisada a aplicação do princípio do juiz natural ao caso da Operação Lava Jato. Referida operação, que atingiu proporção incomum no cenário brasileiro, investigou – e ainda investiga – crimes em diversas partes do território nacional, mas, não obstante tal fato, tramitou inicialmente apenas perante o juízo especializado da 13ª Vara Federal de Curitiba, situação que gera frequentes indagações a respeito da observância das normas de competência e, portanto, do próprio princípio do juiz natural.

Desse modo, será verificada a problemática da especialização de varas por resoluções de tribunais, sua constitucionalidade e a sua interação com o princípio do juiz natural. Após, será feita a devida averiguação da competência da mencionada Vara Federal e a sua eventual conformidade com o princípio, por meio da análise dos principais argumentos utilizados pelo juízo para afirmar sua competência quando do julgamento das diversas exceções de incompetência opostas pelos réus.

Para elaboração da presente dissertação foi realizada pesquisa bibliográfica,

normativa e jurisprudencial tendo consistido no estudo dos principais livros e artigos

jurídicos a respeito dos temas constitucionais e processuais tratados, bem como da

jurisprudência e da própria legislação pertinente.

(12)

1. EXERCÍCIO DA CIDADANIA POR MEIO DO ACESSO À JUSTIÇA INDEPENDENTE E IMPARCIAL

A cidadania plena, conceito oriundo da aderência da integralidade de direitos civis, políticos e sociais aos cidadãos de um determinado Estado, é um ideal perseguido por muitas nações.

Ainda que o conceito de cidadania possua dose de considerável abstração, pode-se afirmar que cidadão é o indivíduo que possui direitos e deveres perante o Estado Democrático de Direito, sendo a cidadania a possibilidade de os indivíduos inseridos no Estado usufruírem desses direitos, ao mesmo tempo em que estão sujeitos a deveres na esfera civil, política e social.

Aqui, vale ressaltar, conforme expõe Jaime Pinsk, que:

Cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que significa que seu sentido varia no tempo e no espaço. [...] Não apenas pelas regras que definem quem é ou não titular da cidadania, mas também pelos direitos e deveres distintos que caracterizam o cidadão em cada um dos Estados-nacionais e contemporâneos. 1

Embora a conquista da plenitude da cidadania seja de difícil acesso, tem-se, numa cronologia lógica e natural, que se desenvolve primeiramente com a conquista dos direitos civis, seguidos pelos direitos políticos e, por fim, pelos direitos sociais.

Nesse sentido, os direitos civis, na definição trazida por José Murilo de Carvalho, são:

[...] os direitos fundamentais à vida à liberdade, à propriedade, à igualdade, perante a lei. Eles se desdobram-na garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo legal regular. São direitos cuja garantia se baseia na existência de uma justiça independente, eficiente, barata e acessível a todos. São eles que garantem as relações civilizadas entre as pessoas e a própria existência da

1 PINSK, Jaime. História da cidadania. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2010, p. 8.

(13)

sociedade civil surgida com o desenvolvimento do capitalismo. Sua pedra de toque é a liberdade individual. 2

Já os direitos políticos se referem ao direito a participação do cidadão no governo, como o direito ao voto e da livre criação e participação em partidos políticos, essenciais à democracia.

Por fim, os direitos sociais garantem ao cidadão acesso à educação, a um sistema de saúde adequado, à aposentadoria e ao pleno emprego. Os direitos sociais também são responsáveis por amenizar a desigualdade social trazida pelo capitalismo, visando a uma verdadeira justiça social. 3

O primeiro país a desenvolver a cidadania segundo a cronologia exposta foi a Inglaterra. No caso inglês, após a consolidação os direitos civis, o povo, por meio de veementes protestos, obteve seu direito ao voto, consolidando seus direitos políticos.

Com o voto popular, foram eleitos diversos membros do Partido Trabalhista, os quais foram responsáveis pela introdução dos direitos sociais no país. 4

Aqui, importante salientar que embora haja clara lógica na ordem de obtenção desses direitos fundamentais à cidadania plena, tem-se que esta não se coloca como uma regra absoluta. Um exemplo disso é o caso brasileiro, no qual se viu uma verdadeira inversão na ordem de obtenção desses direitos.

No Brasil, os direitos sociais se sobressaíram, tendo sua consolidação vindo antes mesmo dos direitos civis e políticos.

Como é cediço, a abolição da escravidão no Brasil ocorreu muito tardiamente, apenas em 1888. Nesse período até o ano de 1930, vigorou no Brasil o predomínio do coronelismo, no qual as pessoas se sujeitavam a “lei do coronel” e não usufruíam

2 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 9.

3 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 10.

4 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2002, p. 11.

(14)

efetivamente de suas liberdades individuais ou de quaisquer outros direitos civis e políticos.

Esse cenário foi alterado de maneira peculiar com o início da era de Getúlio Vargas (de 1930 até 1945 e de 1951 até 1954). Embora o referido governo não tenha trazido avanços significativos quanto aos direitos civis e políticos, pois se tratava de uma ditadura, os direitos sociais ganharam destaque com fortalecimento dos sindicatos, a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, além de consideráveis avanços na área da previdência.

Nesse ponto, José Murilo de Carvalho traz adequada crítica a esse processo:

Se os avanços dos direitos políticos após o movimento de 1930 foi limitado e sujeito a sérios recuos, o mesmo não se deu com os direitos sociais. [...] O período entre 1930 e 1945 foi o grande momento da legislação social. Mas foi uma legislação introduzida em ambiente de baixa ou nula participação política e de precária vigência de direitos civis. Este pecado de origem e a maneira como foram distribuídos os benefícios sociais tornaram duvidosa sua definição como conquista democrática e comprometeram em parte sua contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa. 5

Apesar dos inegáveis avanços relativos aos direitos sociais, a ditadura de Getúlio Vargas, como frisado, afastou grande parte dos direitos políticos e civis da população, como usualmente ocorre em qualquer regime ditatorial.

Com o fim da era de Getúlio Vargas, sobreveio no Brasil período de crescimento de direitos civis e políticos com a volta da liberdade de manifestação do pensamento e com a realização de eleições, no qual se sucederam diversos presidentes, dentre eles, Juscelino Kubitscheck responsável pela promoção de grandes obras de infraestrutura e significativo avanço econômico.

Essa guinada para o progresso, contudo, não durou até 1964 ano em que, após o fracassado governo de Jânio Quadros, a instabilidade democrática e institucional culminou no golpe militar que perdurou de 1964 até 1985.

5 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2002, p. 110.

(15)

O período da ditadura militar, assim como já ocorrera na ditadura de Getúlio Vargas, foi marcado pelo predomínio e pelo autoritarismo do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, a população teve tolhido o direito à liberdade de expressão e manifestação, o direito de voto, bem como de pleno acesso à justiça.

No que se refere a restrição e a clara influência que o regime militar teve perante o Poder Judiciário, deve-se destacar o Ato Institucional nº 2 que reformou o Poder Judiciário para aumentar o número de juízes dos tribunais superiores, nomeando partidários do regime, bem como o Ato Institucional nº 5 que além de fechar o Congresso Nacional, suspendeu o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional.

Ademais, como é cediço, houve, no período militar, verdadeira suspensão velada do devido processo legal e dos princípios e garantias processuais dos cidadãos com inúmeras execuções sumárias de opositores do regime. 6

Essa triste e desastrada situação, evidentemente, reduziu muito os direitos civis e políticos da população brasileira. Tal contexto histórico, deixa evidente a importância e a relevância de, terminado o regime militar, ter-se restituído o Estado Democrático de Direito no Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que assegurou o retorno da democracia, da liberdade de expressão e da separação dos poderes, ambiente favorável ao desenvolvimento da cidadania.

Desde seu preâmbulo, nota-se que a Constituição Federal de 1988 reservou especial atenção para a proteção dos direitos sociais e individuais dos cidadãos, prezando pela igualdade e pela paz na ordem interna e internacional, veja-se:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem

6 Como se denota, por exemplo, da seguinte reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/05/chefe-da-cia-disse-que-geisel-assumiu-controle-sobre

execucoes-sumarias-na-ditadura.shtml. Acesso em 15.06.2018.

(16)

interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Além disso, logo em seu artigo primeiro, a Carta afirma seus fundamentos na soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político. Estabelece também, em seu artigo terceiro, seus objetivos fundamentais, quais sejam a construção de uma sociedade livre justa e solidária, o desenvolvimento social, a erradicação da pobreza e redução das desigualdades e a promoção do bem sem qualquer discriminação.

Nessa esteira, Eduardo C.B. Bittar reitera a importância da Constituição para o soerguimento do Estado Democrático de Direito, funcionando como uma diretriz para o progresso social:

Se uma Constituição é, acima de tudo, documento do povo de um Estado, e é nesta medida que ela não somente retrata os valores assentados como valores-norte, como também se torna a meta axiológica instituída como referência-guia para a atuação das instituições sócio-políticas e jurídicas em operação numa sociedade, seu compromisso é de fato conduzir a distribuição de justiça produzindo caminhos para o desenvolvimento sócio-humano. Isto significa dizer que uma Constituição representa um documento de fundamental valia para a criação de uma cultura da cidadania. O compromisso primeiro de uma Constituição, neste sentido, é o de permitir que a ética viceje, no convívio social, estruturando condições de justiça distributiva impeditivas da excessiva desigualdade social, fator de forte desarranjo social. 7

Ademais, justamente devido a esse passado de prejuízos para a democracia e para os demais direitos civis, com significativo descrédito da população na justiça, a Constituição de 1988 se preocupou em afirmar o amplo acesso à justiça aos seus cidadãos, bem como a garantia de um julgamento justo por um juiz previamente competente, independente e imparcial, conforme se extrai do artigo 5º, incisos XXXV, XXXVII, LIII da Constituição Federal 8 .

7 BITTAR, Eduardo C. B. Ética, cidadania e constituição: o direito à dignidade e à condição humana.

Revista brasileira de direito constitucional, v. 8, n. 1, 2006, p. 126.

8 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...]

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; [...]

(17)

Nesse sentido, a Constituição de 1988, fundada na separação e harmonia entre os três poderes (vide art. 2º 9 ), outorgou plena autonomia administrativa ao Poder Judiciário, garantindo também aos magistrados a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, de modo a preservar a imparcialidade das decisões judiciais. Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco:

[...] confiou ao Judiciário papel até então não outorgado por nenhuma outra Constituição. Conferiu-se autonomia institucional, desconhecida na história de nosso modelo constitucional e que se revela, igualmente, singular ou digna de destaque também no plano do direito comparado. Buscou-se garantir a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário. Assegurou-se a autonomia funcional dos magistrados. O modelo presente, no entanto, consagra o livre acesso ao Judiciário. Os princípios da proteção judicial efetiva (art. 5º XXXV), do juiz natural (art. 5º XXXVII e LIII) e do devido processo legal (art. 5º, LV) têm influência decisiva no processo organizatório da Justiça, especialmente no que concerne às garantias da magistratura e à estruturação dos órgãos. 10

Essa inequívoca independência entre os poderes e afirmação de direitos fundamentais tornou a Carta conhecida como “Constituição Cidadã”, pois garante aos cidadãos, após longo período de precariedade de direitos, ao menos teoricamente, a possibilidade de exercer e usufruir de seus direitos e deveres civis, políticos e sociais, essenciais ao Estado Democrático de Direito e ao exercício da cidadania.

1.1 A relevância dos princípios processuais postos pela Constituição

A Constituição Federal de 1988, fundada nos ideais democráticos e nos valores da cidadania, trouxe importantes princípios garantidores dos direitos fundamentais. Desse modo, deve-se, primeiramente, enfatizar a importância dos princípios para a correta interpretação e aplicação das normas jurídicas.

Isso porque, tem-se que os princípios trazidos pela Constituição Federal se colocam como verdadeiros pilares para aplicação do direito, devendo ser

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; [...].

9 Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

10 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 11. ed.

São Paulo: Saraiva, 2016, p. 991.

(18)

integralmente respeitados e servindo de base para a interpretação da lei. A esse respeito, Luis Roberto Barroso afirma o seguinte:

O ponto de partida do interprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais especifico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. [...] Cabe-lhes, em primeiro lugar, embasar as decisões políticas fundamentais tomadas pelo constituinte e expressar os valores superiores que inspiraram a criação ou reorganização de um dado Estado. Eles fincam os alicerces e traçam as linhas mestras das instituições, dando-lhes o impulso vital inicial. Em segundo lugar, aos princípios se reserva a função de ser o fio condutor dos diferentes segmentos do Texto Constitucional, dando unidade ao sistema normativo. Um documento marcantemente político como a Constituição, fundado em compromissos entre correntes opostas de opinião, abriga normas à primeira vista contraditórias. Compete aos princípios compatibiliza-las, integrando-as à harmonia do sistema. E, por fim, na sua principal dimensão operativa, dirigem-se os princípios ao Executivo, Legislativo e Judiciário, condicionando a atuação dos poderes públicos e pautando a interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas vigentes. 11

Nesse sentido, não há espaço para uma interpretação das normas de forma meramente literal, numa simples aplicação positivista dos dispositivos, sob pena de se restringir demasiadamente a função do operador do direito e impossibilitar a correta aplicação do ordenamento aos casos concretos. Por conseguinte, a adequada prática da hermenêutica jurídica, à luz dos princípios constitucionais se faz fundamental ao Estado Democrático de Direito.

Nessa toada, Jorge Miranda ressalta a importância da aplicação com coerência das normas jurídicas e da necessidade de se interpretar o direito projetado nos princípios:

O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si. O Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não conjunção resultada de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais

11 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. São Paulo: Saraiva, 2008, p.

155-160.

(19)

rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor, projeta-se ou traduz-se em princípios [...]. 12

Desse modo, deve o operador do direito se valer, com coerência, do arcabouço principiológico fornecido pela Constituição Federal para interpretar a legislação infraconstitucional, bem como a própria Constituição Federal. Além disso, deve-se destacar também a importância dos princípios para o preenchimento de lacunas, conforme ressaltam Info Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marioni e Daniel Mitidiero 13 :

[...] o efeito mais relevante e próprio dos princípios fundamentais, qual seja, o de servirem como critério material para a interpretação e integração do direito infraconstitucional, mas também, especialmente no caso dos princípios fundamentais, para a interpretação da própria constituição. Nesse sentido, o intérprete/aplicador, no âmbito de suas respectivas limitações funcionais, deverá sempre privilegiar uma interpretação o mais conforme possível aos princípios fundamentais, afastando as opções interpretativas incompatíveis. No caso de se verificarem lacunas na esfera infraconstitucional, serão os princípios constitucionais, com destaque para os princípios fundamentais, acessados para a sua adequada superação, o que de resto, corresponde ao que estabelece também a lei geral de introdução as normas. 14

Essa compreensão da relevância dos princípios postos pela Constituição e de sua importância fundamental para aplicação da lei, torna evidente o atual estágio de evolução do direito, no qual se percebe superado o Estado Legislativo do Direito, marcado pela proeminência do legislador ordinário e do direito positivo, para dar-se lugar ao Estado Constitucional de Direito e do constitucionalismo material, no qual os princípios e o próprio ordenamento constitucional ganham destaque tanto no que se refere à interpretação do texto legal quanto à interpretação do próprio caso concreto. 15

12 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. Coimbra: Coimbra ed., 1990, p. 197/198.

13 No mesmo sentido, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: “Assim, em primeiro lugar, a interpretação deve ser conforme à Constituição, encarada esta de forma global, com ponderação de valores entre os direitos fundamentais adequados e o bem protegido pela lei restritiva.” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. Cadernos do Programa de Pós- Graduação em Direito–PPGDir./UFRGS, v. 2, n. 4, 2004 p. 125).

14 SARLET, Ingo. MARIONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 4.

Ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 252-253.

15 FRANCISCO, José Carlos. (Neo)constitucionalismo na pós-modernidade: princípios fundamentais e

justiça no caso concreto. Neoconstituicionalismo e atividade jurisdicional: do passivismo ao ativismo

judicial. José Carlos Francisco (Coordenador e coautor). Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 53.

(20)

José Carlos Francisco ressalta essa conjuntura de transição, no qual o positivismo jurídico exclusivo perdeu espaço:

[...] ao longo do século XX, o modelo de positivismo jurídico exclusivo (sustentado em idealismo formal) foi criticado justamente por proporcionar apenas justiça formal, independentemente da correspondência do conteúdo da norma com os valores sociais e padrões éticos vividos na realidade concreta. Por sua vez, e sem menosprezar os resultados positivos proporcionados pela experiência liberal no que concerne à valorização das liberdades, da segurança jurídica e da previsibilidade das ações estatais, a concepção de justiça formal foi insuficiente para a manutenção desse modelo em razão das crises sociais e econômicas cíclicas, motivando transformações na compreensão das responsabilidades e nos mecanismos de organização socioeconômica da sociedade e do Estado já na década de 1930 e intensificadas após a Segunda Grande Guerra. 16

A experiência histórica demonstra que o modelo centrado unicamente no positivismo jurídico exclusivo e no idealismo formal, trouxe graves malefícios para a sociedade ao “legitimar” ações dissociadas de seus valores éticos, dando azo para a consolidação de regimes autoritários como o fascismo e o nazismo.

O crescimento dos regimes autoritários culminou no acirramento da tensão internacional dando-se início a Segunda Guerra Mundial que vitimou milhões de pessoas e registrou infindáveis violações aos direitos humanos. Um absoluto desastre político, econômico e humanitário.

Esse contexto, impulsionou o desenvolvimento de um modelo neoconstitucional no qual a ponderação dos princípios constitucionais ganha destaque em detrimento da mera aplicação do texto legal, dificultando a legitimação de atrocidades como as ocorridas na Segunda Guerra Mundial, ao se considerar que eventuais leis nesse sentido violariam os princípios mais elementares das

16 FRANCISCO, José Carlos. (Neo)constitucionalismo na pós-modernidade: princípios fundamentais e

justiça no caso concreto. Neoconstituicionalismo e atividade jurisdicional: do passivismo ao ativismo

judicial. José Carlos Francisco (Coordenador e coautor). Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 70. (Aqui,

deve-se frisar a ressalva feito pelo autor [p. 64 e 65] no que se refere ao positivismo jurídico inclusivo

segundo o qual: “alguns elementos neoconstitucionais também se viabilizam mesmo numa visão

positivista inclusiva ou moderada, pela qual o processo de hermenêutica aceitaria a influência de

aspectos morais, éticos, econômicos e políticos e demais manifestações da sociedade quando

possíveis de compreensão no significado de princípios positivados.”).

(21)

Constituições democráticas que prezam pela dignidade da pessoa humana e pela construção de uma cidadania plena. 17

Aqui, vale trazer o conceito de Neoconstitucionalismo de Luis Pietro Sanchís, devidamente destacado por José Carlos Francisco 18 , o qual o define como uma teoria firmada em pressupostos que valorizam a aplicação dos princípios em detrimento de regras:

[...] daí porque a aplicação do ordenamento depende de mais ponderação do que de subsunção, revelando a onipotência da Constituição em relação a todas as áreas jurídicas, a tal ponto que o ordenamento constitucional deve ser a referência para a solução de todos os conflitos minimamente relevantes, do que resulta a diminuição dos espaços de opção legislativa ou regulamentar e, por certo, na ampliação das atribuições judiciais (em detrimento da autonomia do legislador ordinário, concluindo pela coexistência de uma constelação plural de valores (às vezes tendencialmente contraditórios) em lugar de homogeneidade ideológica. 19

Nesse contexto Celso Antônio Bandeira de Melo ressalta a importância da estrutura principiológica para a aplicação do direito, ao frisar a gravidade da violação dos princípios no Estado Democrático de direito:

Princípio, já averbamos alhures, é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e

17 Luis Roberto Barroso também traz importante contribuição: “O positivismo pretendeu ser uma teoria do Direito, na qual o estudioso assumisse uma atitude cognoscitiva (de conhecimento), fundada em juízos de fato. Mas resultou sendo uma ideologia, movida por juízos de valor, por ter se tornado não apenas um modo de entender o Direito, como também de querer o Direito. O fetiche da lei e o legalismo acrítico, subprodutos do positivismo jurídico, serviram de disfarce para autoritarismos de matizes variados. A ideia de que o debate acerca da justiça se encerrava quando da positivação da norma tinha um caráter legitimador da ordem estabelecida. Qualquer ordem. Sem embargo da resistência filosófica de outros movimentos influentes nas primeiras décadas do século XX, a decadência do positivismo é

emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da auto-cidade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já́ não tinha aceitação no pensamento esclarecido.” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 326-327).

18 FRANCISCO, José Carlos. (Neo)constitucionalismo na pós-modernidade: princípios fundamentais e justiça no caso concreto. Neoconstituicionalismo e atividade jurisdicional: do passivismo ao ativismo judicial. José Carlos Francisco (Coordenador e coautor). Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 54-55.

19 SANCHÍS, Luis Pietro. Justicia constitucional y derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta,

2003.

(22)

servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura-mestra. 20

Demonstrado a importância dos princípios para interpretação e aplicação das normas jurídicas, no que compete ao presente trabalho, se faz de suma importância também apresentar a relevância dos chamados princípios processuais para o Estado Democrático de Direito.

Com efeito, o processo é o instrumento que garante ao cidadão-jurisdicionado a possibilidade de acesso à justiça para a defesa de seus direitos fundamentais e manutenção de sua cidadania plena. Desse modo, os diversos princípios processuais como, por exemplo, o do devido processo legal 21 , o do juiz natural, o da inafastabilidade do controle jurisdicional 22 , o da ampla-defesa e o do contraditório 23 , devem ser prontamente observados quando da aplicação da norma processual. 24

Nesse sentido, José Augusto Delgado esclarece:

O processo é que assegura a efetivação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, quando violados, com base nas linhas

20 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. RT, 1986, p.

230.

21 LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

22 XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

23 LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

24 Sobre o tema, Cândido Rangel Dinamarco afirma que: “Falar em acesso à ordem jurídica justa, por exemplo (ou na garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional), é invocar os próprios fins do Estado moderno, que se preocupa com o bem comum, e portanto, com a felicidade das pessoas.

Valorizar o princípio do contraditório equivale a trazer ao processo um dos componentes do próprio regime democrático, que é a participação dos indivíduos como elemento de legitimação do exercício do poder e imposição das decisões tomadas por quem o exerce. Cuidar da garantia do devido processo legal no processo civil vale por traduzir em termos processuais os princípios da legalidade e da supremacia da Constituição, também inerentes à democracia moderna. Garantir a imparcialidade nos julgamentos mediante o estabelecimento do juiz natural significa assegurar a impessoalidade no exercício do poder estatal pelos juízes, agentes públicos que não devem atuar segundo a sua vontade própria e seus próprios interesse mas para a consecução, por meios constitucionalmente legítimos, dos fins do Estado, etc.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: vol. I. 8 ed.

São Paulo: Malheiros, 2016, p. 323).

(23)

principiológicas traçadas pela Constituição. É instrumento que o Estado está obrigado a usar e representa uma prestação de garantia, através da qual o fundamento da norma se preserva e são protegidos os direitos essenciais do cidadão. É o único meio de se fazer com que os valores incorporados pela Constituição, em seu contexto, sejam cumpridos, atingindo o fim precípuo a que se propõem - o estabelecimento da paz social. [...]

Os princípios que comandam as garantias processuais do cidadão são relevantes no contexto constitucional porque decorrem do que substancialmente foi inserido no texto da Carta Magna. Esta, ao se apresentar como sendo o conjunto de normas jurídicas fundamentais definidoras de uma ordem jurídico-política e de uma ordem de valores acatados pela Nação, há de permitir que sejam extraídas de seu conteúdo as ideias forças que fizeram com que se considere a ordenação sistemática e racional da comunidade política com capacidade de produzir efeitos processuais que garantam os direitos fundamentais estabelecidos para o cidadão. Daí decorre a função excepcional dos princípios jurídicos processuais para eficácia dos direitos, liberdades e garantias oferecidas aos jurisdicionados. 25

Dos diversos princípios processuais trazidos pela Constituição Federal, tem- se que o princípio do devido processo legal, também chamado por parte da doutrina como o princípio do processo justo 26 se coloca como fundamental para todos os outros princípios processuais resguardados pela Carta.

Referido princípio, previsto no art. 5º, LIV, o qual estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, garante aos

25 DELGADO, José Augusto. A supremacia dos princípios nas garantias processuais do cidadão. In:

ALMEIDA FILHO, Agassiz de. CRUZ, Danielle da Rocha (Coord.). Estado de Direito e Direitos Fundamentais: Homenagem ao jurista Mário Moacyr Porto. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 319-338.

26 Daniel Mitidiero prefere o termo “processo justo”, criticando a expressão “devido processo legal” em

duas frentes: “Em primeiro lugar porque remete ao contexto cultural do Estado de Direito (Rechtsstaat,

État Légal), em que o processo era concebido unicamente como um anteparo ao arbítrio estatal, ao

passo que hoje o Estado Constitucional (Verfassungsstaat, État de Droit) tem por missão colaborar na

realização da tutela efetiva dos direitos mediante a organização de um processo justo. Em segundo

lugar, porque dá azo a que se procure, por conta da tradição estadunidense em que colhida, uma

dimensão substancial à previsão (substantive due process of law), quando inexiste necessidade de

pensa-la para além de sua dimensão processual no direito brasileiro. De um lado, é preciso perceber

que os deveres de proporcionalidade e de razoabilidade não decorrem de uma suposta dimensão

substancial do devido processo, como parece à parcela da doutrina e como durante bom tempo se

entendeu na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Aliás, mesmo no direito estadunidense

semelhante entendimento não se figura correto. Os postulados da proporcionalidade decorrem dos

princípios da liberdade e da igualdade – as posições jurídicas têm de ser exercidas de forma

proporcional e razoável dentro do Estado Constitucional. De outro, importa ter presente que não é

necessário recorrer ao conceito de substantive due process of law ‘com o objetivo de reconhecer e

proteger direitos fundamentais implícitos’, na medida em que nossa Constituição conta expressamente

com um catálogo aberto de direitos fundamentais (art. 5º, § 2º), o que desde logo permite a consecução

desse mesmo fim: reconhecimento e proteção de direitos fundamentais implicitamente previstos e

mesmo não previstos na constituição (conceito material de direitos fundamentais).” (MITIDIERO,

Daniel. Direito fundamental ao processo justo. Revista Magister de direito civil e processual civil, n. 45,

2011).

(24)

cidadãos o direito perseguir a tutela jurisdicional competente para resguardar o bem da vida ameaçado, devendo o processo se desenrolar de forma justa, independente e imparcial.

Desse modo, não seria desarrazoado afirmar que os demais princípios do processo – aqui, leia-se o do juiz natural, o da inafastabilidade de jurisdição, da efetividade, do contraditório, da ampla-defesa, da razoável duração do processo, entre outros – poderiam ser extraídos do próprio princípio do devido processo legal 27 .

Ademais, como enfatiza Guilherme Madeira Dezem, fazendo referência à lição de Alberto Silva Franco e Maurício Zanoide, uma parte da doutrina entende o princípio do devido processo legal como uma verdadeira cláusula de segurança com a capacidade de sanar eventual lacuna no sistema dos princípios processuais. 28

Desse modo, tem-se que o referido princípio se relaciona diretamente com o ideal de justiça, objetivo fundamental da Constituição, sendo um mandamento basilar para a manutenção de todos os direitos e deveres dos cidadãos e do próprio Estado Democrático de Direito.

Não por outro motivo o princípio do devido processo legal ou do processo justo se consolidou nas constituições democráticas modernas, majoritariamente no período posterior à segunda guerra mundial, bem como nos principais tratados internacionais em vigor.

Aqui, vale destacar a posição de Humberto Theodoro Junior que, em consonância com parte da doutrina, enaltece a relação entre o princípio do devido processo legal e o ideal de perseguição da justiça, o que justificaria a nomenclatura do princípio do processo justo:

27 Nelson Nery Junior possui entendimento conforme: “Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras constitucionais são espécie.” (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 12. Ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 106).

28 DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 4. Ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2018, p. 120.

(25)

O processo justo, porém, impõe-se entre nós como uma decorrência natural e obrigatória dos valores agasalhados nos princípios fundamentais que dão estrutura à nossa ordem constitucional. Vale a pena recordar que, já no preâmbulo da Constituição brasileira atual, ficou declarado que a justiça, como outros valores igualmente relevantes e supremos (como liberdade, bem-estar, igualdade e segurança), integraria as metas a serem atingidas pelo Estado Democrático de Direito. E o seu art. 3º reafirmou que, entre os

“objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”, aparece em primeiro lugar o de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

Dúvida não há, de tal sorte, que nossa Constituição assenta o Estado Democrático de Direito brasileiro sobre o valor supremo e fundamental da justiça. Desse modo a concepção da garantia de devido processo legal, expressa em seu art. 5º, no LIV, não pode ter outro sentido senão o de um processo justo. 29

Nessa toada, o princípio do juiz natural, objeto de estudo do presente trabalho, também se coloca como fundamental para a preservação da justiça no processo, ao assegurar, ao cidadão, um julgamento independente e imparcial, realizado pelo juiz competente previamente constituído.

Ademais, justamente por ser um princípio, o juiz natural, verdadeiro mandamento de otimização 30 posto pela Constituição Federal deve ser sempre interpretado de maneira ampliativa. Isso porque, além das garantias expressas trazidas pelos incisos XXXVII e LIII do artigo 5º da Carta, há diversos outros dispositivos colocados pela Constituição com a clara finalidade de salvaguardar o princípio, tais como os que garantem a independência de atuação do Poder Judiciário e do próprio Ministério Público.

Por conseguinte, antes mesmo de ser uma garantia do cidadão, o juiz natural deve ser percebido como um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, constituindo-se, portanto, em um princípio-garantia 31 que contribui para a sustentação do Estado lastreado pelos ideais de justiça e garante aos seus cidadãos um julgamento realizado por juiz independente e imparcial.

29 JUNIOR, Humberto Theodoro. O compromisso do Projeto de Novo Código de Processo Civil com o processo justo. Revista de informação legislativa, ano 48, abr./jun. Brasília, 2011, p. 243.

30 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 86.

31 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 38. ed. São Paulo: Malheiros, 2015,

p. 95.

(26)

1.2 O princípio do juiz natural garantidor da independência e da imparcialidade do julgamento

O princípio processual do juiz natural se faz fundamental ao Estado Democrático de Direito moderno, pois resguarda aos cidadãos, o direito a um julgamento independente e imparcial, realizado por um juiz previamente competente, sendo expressamente vedada a instituição de tribunais de exceção.

Atento a importância desse princípio para o adequado funcionamento do Estado Democrático, e, em consonância com as demais constituições democráticas modernas e com os tratados internacionais de direitos humanos, o constituinte brasileiro afirmou devidamente o princípio no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Cidadã, bem como ao fixar as diversas garantias dos membros do Poder Judiciário e também do próprio Ministério Público.

Dessa forma, antes de se analisar de maneira detalhada e aprofundada os elementos que cercam o princípio, é necessário compreender o contexto de seu surgimento, sua sedimentação nas Constituições brasileiras e sua consolidação no direito estrangeiro e nos tratados internacionais, para que se perceba a sua absoluta relevância no modelo dos Estados democráticos que possuem a cidadania como princípio fundamental, como é o caso do Brasil.

1.3 O surgimento do princípio do juiz natural e o seu contexto histórico

O princípio do juiz natural foi concebido a partir do momento em que a figura moderna de juiz foi consolidada, ao se dissociar da imagem do rei, que, no período absolutista, absorvia parte considerável das funções do Estado. 32

Antes dessa separação entre juízes e monarcas, no período da idade média, tem-se que a função jurisdicional esteve sempre atrelada à autoridade do Imperador ou do Papa que delegavam seus poderes para quem lhes conviessem.

32 BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2014, p. 54.

(27)

Esse processo também se estendeu ao sistema feudal, no qual o senhor feudal delegava a função jurisdicional aos seus aliados, fato que, evidentemente, não permitia um julgamento isento por parte dos juízes delegados. 33 Portanto, no direito medieval, as jurisdições desenvolvidas possuíam, majoritariamente, origem delegada.

Nesse período, pode-se citar, a Magna Carta, na Inglaterra, como o primeiro instrumento a limitar os poderes do rei, e como uma referência, ainda que frágil, do que viria a se chamar o princípio do juiz natural. Referida Carta, em seu artigo 39, estabelecia que nenhum homem livre seria privado de sua liberdade sem o juízo legal dos seus pares ou segundo as leis da terra. 34

Esse quadro – de predomínio da jurisdição delegada – começa a se modificar com a formação dos Estados nacionais, período no qual a jurisdição adquire maior autonomia, se desvinculando de um único poder central, entre os séculos XVII e XVIII.

Tal fenômeno acontece primordialmente na França e na Inglaterra, que passaram por consideráveis tensões entre os juízes os quais visavam a sua independência e os reis que relutavam em perder parcela de seus poderes.

Aqui, deve-se pontuar a importância e o pioneirismo da Petition of Rights de 1628, promulgada na Inglaterra, que pela primeira vez afirma, em seus pontos 3,7,8 e 9 35 a necessidade de se proibir a instituição de juízes post factum por qualquer

33 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. Ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 539.

34 BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 46.

35 III - "E considerando igualmente que, pelo estatuto chamado A Grande Carta das Liberdades da Inglaterra, é declarado e ordenado que nenhum homem livre seja detido ou preso, ou espoliado das suas terras e liberdades, ou de seus livres costumes, ou banido ou exilado, ou de qualquer maneira exilado, ou de qualquer maneira destruído, senão pelo legítimo julgamento de seus pares, ou pela lei da terra".

VII - "E considerando que também por autoridade do Parlamento no ano vigésimo quinto do reino do

Rei Eduardo III, declarou-se e ordenou-se que nenhum homem deveria ser prejulgado de vida ou

membro contra a forma da Grande Carta e a lei da terra; e pela referida Grande Carta e outras leis e

estatutos de vosso reino, nenhum homem deve ser condenado à morte senão pelas leis estabelecidas

neste vosso reino, ou pelos costumes do dito reino, ou por ato do Parlamento; e considerando que

nenhum criminoso, seja qual for, está dispensado dos processos a serem usados, e das punições a

serem infligidas pelas leis e estatutos deste vosso reino; entretanto, nestes últimos tempos foram

expedidas diversas incumbências sob o grande selo de Vossa Majestade pelas quais certas pessoas

foram nomeadas comissários com poder e autoridade para procederem dentro da terra conforme a

justiça da lei marcial, contra soldados e marinheiros, ou pessoas dissolutas que a eles se reunissem,

que cometessem qualquer assassinato, roubo, crime grave, motim ou outra qualquer infração ou delito,

e por meio de processo sumário e ordem de conformidade com a lei marcial e segundo se faz uso nos

(28)

soberano, visando, assim, a garantia de um julgamento imparcial e sem influências políticas. 36

Na mesma linha, outro instrumento que merece destaque, pois consolida diversos direitos dos cidadãos ingleses, diminuindo a influência e a arbitrariedade dos monarcas, é o Bill of Rights de 1689.

A primeira aparição do termo “juiz natural” surgiu em 1766, baseada no pensamento iluminista francês e utilizada para afirmar a oposição de seus ideais aos juízes extraordinários, sendo, posteriormente, ratificada pela Constituição Francesa de 1791.

Referido diploma, em seu artigo 4º, capítulo V, título III, estabeleceu que “os cidadãos não podem ser destituídos dos juízes que a lei lhes confere, por qualquer incumbência ou outras atribuições e avocações, salvo aquelas que as leis determinaram” 37 .

Nota-se, portanto, evidente mudança na relação entre a sociedade e o Estado, no qual a arbitrariedade dos monarcas não era mais tolerada, passando as Constituições a adquirirem papel fundamental nas democracias europeias as quais prezavam pela separação e harmonia entre os três poderes e pelo desenvolvimento do conceito de cidadania.

exércitos em tempo de guerra; promovessem o julgamento e a condenação de tais criminosos, e os fizessem executar e morrer de acordo com a lei marcial".

VIII - "Sob tal pretexto alguns súditos de Vossa Majestade foram mortos por certos comissários, quando e onde, se merecessem a morte pelas leis e estatutos da terra, pelas mesmas leis e estatutos poderiam ter sido julgados e por nenhuma outra deveriam ter sido julgados e executados".

IX - "...comissões essas, como quaisquer outras de igual natureza, são total e diretamente contrárias às ditas leis e costumes deste reino" (GRINOVER, Ada Pellegrini. O princípio do juiz natural e sua dupla garantia. Revista de Processo. Vol. 29, p. 11 - 33, jan-mar 1983).

36 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. Ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 544.

37 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. Ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 544. A Constituição americana de 1787 também já proclamava que “em todos os processos criminais o acusado terá direito a julgamento pronto e público por um Júri imparcial do Estado e distrito onde o crime tiver sido cometido, distrito previamente determinado por lei.”

(GRINOVER, Ada Pellegrini. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. FERNANDES, Antonio Scarance.

As nulidades no processo penal. 12ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 43).

(29)

Diante disso, tem-se que o antigo “juiz delegado”, comissário do rei, passou a, paulatinamente, dar lugar para um “juiz natural” que, conforme os ideais iluministas, seriam independentes, separando o Poder Judiciário da influência do Poder Executivo e do Poder Legislativo. 38

Após o surgimento do termo juiz natural, os demais Estados europeus, seguindo a tendência iluminista, inseriram em suas constituições o princípio da independência dos juízes, bem como a ideia fundamental de separação dos poderes, consolidando o princípio do juiz natural.

1.4 Evolução do princípio do juiz natural nas constituições brasileiras

No caso brasileiro, tem-se que o princípio do juiz natural foi resguardado desde a primeira Constituição Imperial de 1824 em seu artigo 179, incisos XI e XVII, veja-se:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte: [...]

XI. Ninguem será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na fórma por ella prescripta.

XVII. A' excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juizos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Commissões especiaes nas Causas civeis, ou crimes. 39

Aqui, deve-se salientar que a referida Constituição foi elaborada em um contexto eminentemente liberal-burguês, tendo recebido significativa influência da matriz constitucional francesa e dos ideais iluministas. 40 Contudo, apesar dessa Carta afirmar inúmeros direitos fundamentais e sociais, previu também, o chamado Poder

38 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. Ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 540.

39 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p. 42- 43.

40 SARLET, Ingo. Marioni, Luiz Guilherme. Mitidiero, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 4. Ed. São

Paulo: Saraiva, 2015, p. 227.

(30)

Moderador, por meio do qual Dom Pedro I, contraditoriamente aos ideais constituintes, manteve o autoritarismo predominante no Império.

A título exemplificativo, vale destacar os artigos 99, 101, VII e 154 da Constituição de 1824:

Art. 99. A pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.

Art. 101. O imperador exerce o Poder Moderador: [...]

VII. Suspendendo Magistrados nos casos do Art. 154.

Art. 154. O Imperador poderá suspendel-os por queixas contra eles feitas, precedendo audiencia dos mesmos Juizes, informação necessaria, e ouvido o Conselho de Estado. Os papeis, que lhes são concernentes, serão remetidos á Relação do respectivo Districto, para proceder na fórma da Lei.

Como se percebe, a Constituição de 1824, apesar de receber influências iluministas, não se afastou integralmente dos ideais absolutistas. A leitura dos artigos supracitados deixa evidente a posição contraditória da Constituição ao prever hipótese de ingerência do Imperador na atividade jurisdicional, fato que inevitavelmente fragiliza a independência e a imparcialidade do juiz, comprometendo a plena vigência do princípio do juiz natural.

Com a proclamação da república e com a promulgação da segunda Constituição do Brasil de 1891, tem-se o completo afastamento dos ideais absolutistas e o consequente fortalecimento das instituições democráticas.

Nesse sentido, a Constituição de 1891, promulgada sob forte influência positivista e norte-americana, extinguiu o famigerado Poder Moderador, firmando-se na clássica separação de poderes de Montesquieu. 41

41 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p. 49-

50.

(31)

No que se refere a salvaguarda do princípio do juiz natural, tem-se que referida Carta, no mesmo sentido da Constituição de 1891, prezou pela manutenção do mencionado princípio:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdades á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes: [...]

§ 15. Ninguem será sentenciado, sinão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior e na forma por ella regulada. 42

Referida Carta, apesar de ter tido sua vigência por período de tempo considerável, vigeu durante o período histórico marcado por uma conjuntura política oligárquica apelidada de “política do café com leite” evidenciando um descompasso entre o avanço normativo alcançado e a sociedade da época, que culminou no movimento revolucionário de 1930 e com a promulgação da Constituição de 1934. 43

A Constituição de 1934, foi marcada por significativas influências sociais exercidas pela Constituição mexicana de 1917, alemã de 1919 e soviética de 1918, contudo, a Carta também ficou conhecida pelo seu curtíssimo período de vigência, de apenas três anos.

No que se refere ao princípio do juiz natural, esse foi assegurado em seu artigo 113, incisos 25 e 26:

Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes, no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á subsistencia, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: [...]

25) Não haverá fôro privilegiado nem tribunaes de expepção;

admitem-se, porém, juízos especiaes em razão da natureza das causas.

42 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p. 71- 72.

43 SARLET, Ingo. Marioni, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 4. Ed.

São Paulo: Saraiva, 2015, p. 227.

(32)

26) Ninguem será processado, nem sentenciado, senão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior ao facto, e na forma por ella prescripta. 44

O mencionado diploma, como visto, não pôde vigorar de forma plena, ao se considerar que foi logo substituído, de maneira autoritária, pela Carta de 1937 (conhecida como “polaca”), outorgada por Getúlio Vargas, durante a ditadura do estado novo.

Referida Constituição, frisando sua característica eminentemente autoritária, também ficou marcada como a única da história do país a não conter qualquer previsão do princípio do juiz natural.

Com a deposição de Getúlio Vargas, e a posterior posse de Gaspar Dutra, adveio a Constituição de 1946 que refutou os elementos autoritários da Carta de 1937, resguardando novamente os direitos fundamentais e sociais. Nessa carta, o princípio do juiz natural foi devidamente afirmado em seu artigo 141, parágrafos 26 e 27, veja- se:

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos têrmos seguintes: [...]

§ 26. Não haverá fôro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção.

§ 27. Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente e na forma de lei anterior. 45

Em 1964, contudo, o Brasil vivenciou, novamente, um período de ditadura, com o golpe militar. Os militares, por conseguinte, decidiram por formular uma nova Constituição que melhor atendesse aos seus interesses, a qual entrou em vigor em 1967 tendo sido emendada em 1969.

44 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p. 129- 131.

45 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p. 243-

245.

Referências

Documentos relacionados

Todas as outras estações registaram valores muito abaixo dos registados no Instituto Geofísico de Coimbra e de Paços de Ferreira e a totalidade dos registos

Neste estágio, assisti a diversas consultas de cariz mais subespecializado, como as que elenquei anteriormente, bem como Imunoalergologia e Pneumologia; frequentei o berçário

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Ressalta-se que mesmo que haja uma padronização (determinada por lei) e unidades com estrutura física ideal (física, material e humana), com base nos resultados da

Art. O currículo nas Escolas Municipais em Tempo Integral, respeitadas as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Política de Ensino da Rede, compreenderá

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

continua patente a ausência de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, o que poderá ser consequência ser tão insignificante que tal preocupação ainda não se

Para isto, determinaremos a viabilidade de queratinócitos que expressem apenas uma oncoproteína viral após infecção com lentivírus que codifiquem shRNA para os genes candidatos;