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Independência elementar ao princípio do juiz natural

2. ELEMENTOS DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E SUA EXTENSÃO NA

2.2 Independência elementar ao princípio do juiz natural

Conjuntamente com a imparcialidade, outro elemento fundamental ao

princípio do juiz natural e ao próprio Estado Democrático de Direito é a independência.

Isso porque, o Poder Judiciário, como guardião da Constituição e dos direitos

fundamentais deve possuir absoluta independência para exercer a jurisdição, não

devendo estar sujeito a qualquer pressão de cunho político dos outros Poderes do

Estado quando do exercício de suas funções típicas e também de suas funções

atípicas.

Do mesmo modo, o magistrado, ao apreciar o caso concreto, interpretar e

aplicar a lei, deve atuar com absoluta independência, sem que sofra pressões

indevidas de juízes pertencentes a instâncias superiores, bem como de outros

agentes políticos alheios à lide.

Os juízes, apesar de estarem inseridos em uma carreira com diferentes

instâncias e graus de jurisdição, não estão, e nem poderiam estar, subordinados a

magistrados pertencentes aos tribunais, de modo que devem proferir decisões de

forma totalmente independente, não podendo sofrer qualquer tipo de retaliação.

Aqui, deve-se esclarecer que essa independência se estende em duas

diferentes esferas, quais sejam, a independência do próprio Poder Judiciário, como

instituição, e a independência de seus membros. Nesse sentido, Fábio Konder

Comparato, explica:

Esclareçamos, desde logo, o sentido técnico do termo. Diz-se que o

Poder Judiciário em seu conjunto é independente, quando não está

submetido aos demais Poderes do Estado. Por sua vez, dizem-se

independentes os magistrados, quando não há subordinação

hierárquica entre eles, não obstante a multiplicidade de instâncias e

graus de jurisdição. Com efeito, ao contrário da forma como é

estruturada a administração pública, os magistrados não dão nem

recebem ordens, uns dos outros.87

Desse modo, para uma adequada analise da independência do magistrado,

deve-se, primeiro, ressaltar a independência do próprio Poder Judiciário, que foi

devidamente afirmada na Constituição Federal.

Nesse sentido, a Carta de 1988 conferiu, em seu artigo 9988, plena autonomia

institucional ao Poder Judiciário, assegurando sua independência administrativa e

financeira perante o Poder Executivo e o Poder Legislativo.

Assegurada a independência da instituição do Poder Judiciário, a Carta de

1988 também demonstrou justificável preocupação em dar ao magistrado diversas

garantias para que possa decidir com plena independência, sem a possibilidade de

sofrer qualquer tipo de represália. Além disso, o texto constitucional trouxe uma série

de vedações aos juízes, com o objetivo de salvaguardar a independência e a própria

imparcialidade, elementos que possuem clara interligação.

87 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder Judiciário no regime democrático. Estudos avançados, v. 18,

p. 151-159, 2004. No mesmo sentido, Nelson Nery Junior aduz que “A independência tem dupla

vertente, pois significa o Poder Judiciário estar livre de interferências institucionais dos Poderes

Executivo e Legislativo e, de outra parte, o órgão jurisdicional e o juiz pessoa física estarem submetidos

exclusivamente à lei e não a critérios particulares ou discriminadores.” (NERY JUNIOR, Nelson.

Princípios do processo na Constituição Federal. 12. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016,

p. 168).

88 Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.

§ 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados

conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 2º O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:

I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com

a aprovação dos respectivos tribunais;

II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de

Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.

§ 3º Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro

do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de

consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente,

ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo.

§ 4º Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com

os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins

de consolidação da proposta orçamentária anual.

§ 5º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a

assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias,

exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais.

A esse respeito, veja-se o artigo 95 da Constituição Federal:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois

anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de

deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais

casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do

art. 93, VIII;

III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X

e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo

uma de magistério;

II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em

processo;

III - dedicar-se à atividade político-partidária;

IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de

pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as

exceções previstas em lei;

V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes

de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria

ou exoneração.

No que se refere a vitaliciedade, essa protege o magistrado de perder o cargo

por decisões arbitrárias ou políticas. Com isso, o juiz, cumprido o estágio probatório

de dois anos, só perderá o cargo após sentença judicial transitada em julgado,

assegurada a ampla defesa e o contraditório.

Nos casos dos magistrados dos tribunais superiores e dos magistrados que

ingressaram pelo quinto constitucional, a vitaliciedade é adquirida imediatamente, sem

necessidade de estágio probatório. Por fim, cabe apenas ressaltar a hipótese de

responsabilização política nos casos de crimes de responsabilidade cometidos por

ministros do Supremo Tribunal Federal, cuja competência para julgamento pertence

ao Senado Federal.89

A inamovibilidade garante ao magistrado que não seja removido do cargo por

meio de decisões arbitrarias por parte dos tribunais de grau superior. Assim, um juiz

89 Conforme artigo 52, II da Constituição Federal: Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

[...] II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional

de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o

Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; [...].

não será impedido de analisar qualquer caso concreto por motivos políticos e

interesses escusos.

Por fim, a irredutibilidade de subsídio resguarda o juiz de ter seus subsídios

diminuídos, como forma de retaliação por parte do Poder Legislativo na hipótese de

decisão que contrarie determinados interesses, completando o arcabouço de

garantias da independência dos magistrados.

Como se percebe, essas três garantias dos magistrados acima expostas,

possuem papel fundamental na preservação da independência judicial, atividade que,

conforme bem expõe André Ramos Tavares é essencial para a efetividade dos direitos

fundamentais colocados na Constituição:

Sabe-se que a tríplice garantia procurou afastar o magistrado das

intempéries políticas, criando-lhe segurança para o exercício de sua

precípua função: julgar com absoluta isenção. [...] No Estado

Constitucional Contemporâneo – em ilação plenamente válida para o

Brasil – o Judiciário ocupa papel primordial diante da declaração de

Direitos Fundamentais. É, antes de tudo, o Guardião dos Direitos

Fundamentais. Cabe a ele zelar pela integralidade e eficácia desses

Direitos, não se esmorecendo diante de qualquer pressão, interna ou

externa. E é aqui que reside a finalidade das garantias mencionadas:

obter um Judiciário que possa atender efetivamente aos direitos da

sociedade. Portanto, trata-se de uma tríplice garantia, voltada para a

eficácia e efetividade dos direitos. [...] A posição detida pelo Judiciário,

no cenário dos direitos, torna-o constante alvo do engenho daqueles

que desprezam esses direitos e procuram manipular o sistema em

detrimento da sociedade e em prol de um aproveitamento egoístico

dos resultados assim obtidos. É por isso – por ser o Guardião dos

Direitos Fundamentais – que o Judiciário deve ser suficientemente e

adequadamente protegido, o que se dá por meio das salvaguardas já

mencionadas. Não há efetividade de Direitos Fundamentais sem um

Judiciário ativo e vigoroso. E a tríplice garantia do Judiciário

(vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios) tem

essa finalidade, mantendo-o forte e íntegro.90

90 TAVARES, André Ramos. Manual do Poder Judiciário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p.

238-239. Em entendimento conforme: “O Trinômio vitaliciedade-inamovibilidade-irredutibilidade de

vencimentos assim como a definição tão objetiva quanto possível dos critérios para a carreira dos juízes

(art. 93, incs. I-III) são penhores da independência destes peranteos órgãos dos demais Poderes do

Estado. Também o Poder Judiciário como um todo é dotado de uma série de prerrogativas

institucionais: autogoverno, autonomia administrativa e orçamentária etc. (art. 96 – infra, nn. 207 ss.).

A independência é um indispensável fator de imparcialidade.” (DINAMARCO, Cândido Rangel.

A Constituição Federal, como visto, também impõe uma série de vedações ao

exercício da magistratura com a finalidade de assegurar a independência e a própria

imparcialidade do juiz. Nesse sentido, aos magistrados é vedado exercer qualquer

outro cargo ou função exceto uma de magistério, receber quaisquer valores a título de

custas judiciais, bem como valores de pessoas físicas ou jurídicas. O juiz também não

deve envolver-se em atividades político-partidárias, nem exercer a advocacia, no

mesmo tribunal em que atuou, por um período de três anos, evitando-se assim,

qualquer possível troca de favores ou de influências.

Nesse ponto, deve-se salientar que o trinômio de garantias acima exposto –

vitaliciedade-inamovibilidade-irredutibilidade – não deve, de maneira alguma, ser

considerado um privilégio da magistratura, pois se tratam, tais garantias, de valores

essenciais para proteção do próprio regime democrático, conferindo tratamento

desigual, apenas na medida da desigualdade necessária ao equilíbrio do Estado.

Sobre as garantias trazidas pela Constituição, Alexandre de Moraes sustenta

justamente a importância das garantias para o adequado funcionamento dos Poderes,

relacionando-as com o princípio da igualdade e com a independência necessária para

a livre atuação do magistrado:

A Constituição Federal de 1988 adotou, como já visto anteriormente,

o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão,

uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos

têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os

critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se

veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas,

mostrando-nos que o tratamento desigual dos casos desiguais, à

medida que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça,

ou ainda, que o princípio da isonomia protege certas finalidades, o

que, de resto, não é uma particularidade do tema em estudo, mas de

todo o direito, que há de ser examinado sempre à luz da teleologia que

o informa, somente sendo ferido quando não se encontra a serviço de

uma finalidade própria, escolhida pelo direito. [...] O objetivo colimado

pela Constituição Federal, ao estabelecer diversas funções,

imunidades e garantias aos detentores das funções soberanas do

Estado, Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e a Instituição do

Ministério Público, é a defesa do regime democrático, dos direitos

fundamentais e da própria Separação de Poderes, legitimando, pois,

o tratamento diferenciado fixado a seus membros, em face do princípio

da igualdade. Assim, estas eventuais diferenciações são compatíveis

com a cláusula igualitária por existência de um vínculo de correlação

lógica entre o tópico diferencial acolhido por residente no objeto, e a

desigualdade de tratamento em função dela conferida, pois compatível

com interesses prestigiados na Constituição. [...] As garantias

conferidas aos membros do Poder Judiciário têm assim como condão

conferir à instituição a necessária independência para o exercício da

Jurisdição, resguardando-a das pressões do Legislativo e do

Executivo, não se caracterizando, pois, os predicamentos da

magistratura como privilégio dos magistrados, mas sim como meio de

assegurar o seu livre desempenho, de molde a revelar a

independência e autonomia do Judiciário.91

Finalmente, o Código de Ética da Magistratura, em seus artigos 4º, 5º, 6º e 7º

traz uma série de condutas que devem ser seguidas pelos juízes para a manutenção

da independência judicial:

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e

que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro

colega, exceto em respeito às normas legais.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas

atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à

justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe

sejam submetidos.

Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que

vise a limitar sua independência.

Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado

participar de atividade político-partidária.92

De todo o acima exposto, conclui-se que a Constituição Federal

acertadamente prezou pela absoluta imparcialidade e independência dos juízes. Tais

elementos garantem a plenitude do princípio do juiz natural, permitindo que os

cidadãos tenham direito a um julgamento realizado por juiz competente, independente

e imparcial.