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Evolução do princípio do juiz natural nas constituições brasileiras

1. EXERCÍCIO DA CIDADANIA POR MEIO DO ACESSO À JUSTIÇA

1.4 Evolução do princípio do juiz natural nas constituições brasileiras

No caso brasileiro, tem-se que o princípio do juiz natural foi resguardado

desde a primeira Constituição Imperial de 1824 em seu artigo 179, incisos XI e XVII,

veja-se:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos

Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a

propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira

seguinte: [...]

XI. Ninguem será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por

virtude de Lei anterior, e na fórma por ella prescripta.

XVII. A' excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a

Juizos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro

privilegiado, nem Commissões especiaes nas Causas civeis, ou

crimes.39

Aqui, deve-se salientar que a referida Constituição foi elaborada em um

contexto eminentemente liberal-burguês, tendo recebido significativa influência da

matriz constitucional francesa e dos ideais iluministas. 40 Contudo, apesar dessa Carta

afirmar inúmeros direitos fundamentais e sociais, previu também, o chamado Poder

38 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. Ed. rev. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2010, p. 540.

39 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p.

42-43.

40 SARLET, Ingo. Marioni, Luiz Guilherme. Mitidiero, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 4. Ed. São

Paulo: Saraiva, 2015, p. 227.

Moderador, por meio do qual Dom Pedro I, contraditoriamente aos ideais constituintes,

manteve o autoritarismo predominante no Império.

A título exemplificativo, vale destacar os artigos 99, 101, VII e 154 da

Constituição de 1824:

Art. 99. A pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está

sujeito a responsabilidade alguma.

Art. 101. O imperador exerce o Poder Moderador: [...]

VII. Suspendendo Magistrados nos casos do Art. 154.

Art. 154. O Imperador poderá suspendel-os por queixas contra eles

feitas, precedendo audiencia dos mesmos Juizes, informação

necessaria, e ouvido o Conselho de Estado. Os papeis, que lhes são

concernentes, serão remetidos á Relação do respectivo Districto, para

proceder na fórma da Lei.

Como se percebe, a Constituição de 1824, apesar de receber influências

iluministas, não se afastou integralmente dos ideais absolutistas. A leitura dos artigos

supracitados deixa evidente a posição contraditória da Constituição ao prever hipótese

de ingerência do Imperador na atividade jurisdicional, fato que inevitavelmente

fragiliza a independência e a imparcialidade do juiz, comprometendo a plena vigência

do princípio do juiz natural.

Com a proclamação da república e com a promulgação da segunda

Constituição do Brasil de 1891, tem-se o completo afastamento dos ideais absolutistas

e o consequente fortalecimento das instituições democráticas.

Nesse sentido, a Constituição de 1891, promulgada sob forte influência

positivista e norte-americana, extinguiu o famigerado Poder Moderador, firmando-se

na clássica separação de poderes de Montesquieu.41

41 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p.

49-50.

No que se refere a salvaguarda do princípio do juiz natural, tem-se que

referida Carta, no mesmo sentido da Constituição de 1891, prezou pela manutenção

do mencionado princípio:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros

residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á

liberdades á segurança individual e á propriedade nos termos

seguintes: [...]

§ 15. Ninguem será sentenciado, sinão pela autoridade competente,

em virtude de lei anterior e na forma por ella regulada.42

Referida Carta, apesar de ter tido sua vigência por período de tempo

considerável, vigeu durante o período histórico marcado por uma conjuntura política

oligárquica apelidada de “política do café com leite” evidenciando um descompasso

entre o avanço normativo alcançado e a sociedade da época, que culminou no

movimento revolucionário de 1930 e com a promulgação da Constituição de 1934.43

A Constituição de 1934, foi marcada por significativas influências sociais

exercidas pela Constituição mexicana de 1917, alemã de 1919 e soviética de 1918,

contudo, a Carta também ficou conhecida pelo seu curtíssimo período de vigência, de

apenas três anos.

No que se refere ao princípio do juiz natural, esse foi assegurado em seu

artigo 113, incisos 25 e 26:

Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros

residentes, no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á

liberdade, á subsistencia, á segurança individual e á propriedade, nos

termos seguintes: [...]

25) Não haverá fôro privilegiado nem tribunaes de expepção;

admitem-se, porém, juízos especiaes em razão da natureza das

causas.

42 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p.

71-72.

43 SARLET, Ingo. Marioni, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 4. Ed.

São Paulo: Saraiva, 2015, p. 227.

26) Ninguem será processado, nem sentenciado, senão pela

autoridade competente, em virtude de lei anterior ao facto, e na forma

por ella prescripta.44

O mencionado diploma, como visto, não pôde vigorar de forma plena, ao se

considerar que foi logo substituído, de maneira autoritária, pela Carta de 1937

(conhecida como “polaca”), outorgada por Getúlio Vargas, durante a ditadura do

estado novo.

Referida Constituição, frisando sua característica eminentemente autoritária,

também ficou marcada como a única da história do país a não conter qualquer

previsão do princípio do juiz natural.

Com a deposição de Getúlio Vargas, e a posterior posse de Gaspar Dutra,

adveio a Constituição de 1946 que refutou os elementos autoritários da Carta de 1937,

resguardando novamente os direitos fundamentais e sociais. Nessa carta, o princípio

do juiz natural foi devidamente afirmado em seu artigo 141, parágrafos 26 e 27,

veja-se:

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida,

à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos têrmos

seguintes: [...]

§ 26. Não haverá fôro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção.

§ 27. Ninguém será processado nem sentenciado senão pela

autoridade competente e na forma de lei anterior.45

Em 1964, contudo, o Brasil vivenciou, novamente, um período de ditadura,

com o golpe militar. Os militares, por conseguinte, decidiram por formular uma nova

Constituição que melhor atendesse aos seus interesses, a qual entrou em vigor em

1967 tendo sido emendada em 1969.

44 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p.

129-131.

45 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p.

243-245.

A mencionada Constituição, contraditoriamente, pois vigeu em período de

enorme restrição de direitos civis e políticos, previa o princípio do juiz natural em seu

artigo 150 § 15:

Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida,

à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

§ 15. A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a

ela inerentes. Não haverá fôro privilegiado nem tribunais de exceção.46

Apesar dessa previsão constitucional, como visto, no período da ditadura

militar, o Poder Judiciário restou enfraquecido, tendo o movimento repressivo da

ditadura executado inúmeros brasileiros sem que fosse respeitado quaisquer dos

direitos fundamentais básicos dos cidadãos.

Finalmente, com o restabelecimento da democracia no Brasil, foi promulgada

a Constituição Federal de 1988, apelidada de Constituição Cidadã, por resguardar

amplamente direitos fundamentais e sociais dos cidadãos. Como não poderia deixar

de ser, a Carta garantiu o princípio do juiz natural em seu artigo 5º, incisos XXXVII e

LIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção.

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela

autoridade competente.

Demonstrado o histórico do surgimento do princípio do juiz natural e de sua

sedimentação nas constituições brasileiras, impõe-se também salientar sua

consolidação no cenário legislativo internacional.

46 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseller, 2001, p.

346-348.

1.5 Afirmação do princípio do juiz natural nas demais sociedades democráticas