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2. ELEMENTOS DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E SUA EXTENSÃO NA

2.7 Competência no processo penal

O Código de Processo Penal traz em seu artigo 69 os seguintes critérios

definidores da competência:

Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:

I - o lugar da infração:

II - o domicílio ou residência do réu;

III - a natureza da infração;

IV - a distribuição;

V - a conexão ou continência;

VI - a prevenção;

VII - a prerrogativa de função.

Conforme salienta Guilherme Madeira Dezem, o referido Código errou ao

definir a conexão e a continência como critérios de determinação de competência. A

natureza jurídica da conexão e da continência, como se verá com maior profundidade

adiante, é melhor definida como critério de modificação da competência.128

Feita essa ponderação, tem-se que com base nos critérios acima expostos, a

doutrina formulou questões visando a concretização da competência de determinado

processo, como expõem Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e

Antonio Scarance Fernandes:

128 DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 4. Ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2018, p. 362-363.

A observação dos dados fundamentais e das características da

organização judiciária brasileira torna possível determinar os diversos

passos da caminhada por meio da qual a jurisdição sai do plano

abstrato e chega à realidade concreta da atribuição do seu exercício a

determinado juiz, com referência a determinado processo. 129

Dos métodos apontados pela doutrina, o de Vicente Greco Filho se mostra

bastante adequado, sustentando a divisão da competência em cinco níveis de

indagação, quais sejam, a competência originária dos tribunais, ou pela prerrogativa

de função, a competência das justiças especiais, a competência da Justiça Federal, a

competência do foro e a competência de juízo.130

Nessa toada, quanto a competência originária ou pela prerrogativa de função

tem-se que estas estão dispostas majoritariamente na própria Constituição Federal,

possuindo também disposição nas Constituições Estaduais.

Referido critério de definição de competência estabelece que determinados

cargos públicos possuem a prerrogativa de serem julgados originariamente pelos

Tribunais – e não pelos juízes de primeiro grau, não tendo, essa prerrogativa, qualquer

vinculação com a pessoa a ser julgada, mas, unicamente, vinculação ao cargo público

ocupado.

A finalidade do instituto é a de resguardar as funções essenciais ao Estado

Democrático de Direito, por conseguinte, a intenção do constituinte não foi a de

conceder privilégios injustificados para determinadas pessoas, mas sim de

salvaguardar os cargos fundamentais à democracia.

Nesse sentido, a Constituição estabelece, por exemplo, em seu artigo 102,

inciso I, alínea b que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar

originariamente as infrações penais comuns cometidas pelo Presidente da República,

o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o

Procurador Geral da República.

129 GRINOVER, Ada Pellegrini. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. FERNANDES, Antonio Scarance.

As nulidades no processo penal. 12ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 39-40.

No que se refere a competência das justiças especiais, tem-se que em matéria

penal, a constituição instituiu a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar as quais possuem,

respectivamente, competência para julgamento dos crimes eleitorais e dos crimes

militares. A Justiça do Trabalho não possui qualquer competência em matéria penal.

Já a Justiça Federal apesar de ser classificada como justiça comum – assim

como as justiças estaduais, pois julga uma generalidade de infrações penais,

inegavelmente possui um certo grau de especialidade quando comparada à Justiça

Estadual cuja competência é residual.131

Nesse sentido, o artigo 109 da Constituição Federal estabelece uma série de

competências especificas para a Justiça Federal, como, por exemplo, a competência

para processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em

detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas

ou empresas públicas, os crimes previstos em tratado ou convenção internacional,

quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no

estrangeiro, ou reciprocamente, entre outros.132

131 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 145.

132 Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na

condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho

e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada

ou residente no País;

III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo

internacional;

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse

da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e

ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o

resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema

financeiro e a ordem econômico-financeira;

VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier

de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;

VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os

casos de competência dos tribunais federais;

IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;

X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após

o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade,

inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

XI - a disputa sobre direitos indígenas.

§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a

outra parte.

Caso a competência para julgamento do crime não seja de nenhuma das

justiças especiais nem da Justiça Federal, será, então, o caso de julgamento pelas

Justiças dos Estados, que, como visto, possuem competência comum residual.

Definida a justiça competente para o julgamento, o Código de Processo Penal

estabelece como regra geral, conforme expõe seu artigo 70, que o foro competente

será o do lugar em que se consumar a infração, ou no caso de tentativa, no lugar em

que realizado o último ato de execução.

Referido código adotou tal critério, conforme frisa Vicente Greco Filho, por

duas principais razões, quais sejam:

Uma de ordem funcional, porque é no local do resultado que, nos

crimes materiais, permanecem os vestígios, facilitando a colheita das

provas; e uma de ordem social, porque é no local do resultado que

ocorre, predominantemente, o strepitus delicti e o desequilíbrio social

decorrente da infração, devendo, aí dar-se a reação social consistente

na repressão penal.133

O Código de Processo Penal ainda estipula hipótese na qual o crime se

consuma fora do território nacional, apesar de iniciado no Brasil. Nesse caso, a

competência será determinada pelo local onde tiver sido praticado o último ato de

execução no país. Já quando o último ato de execução for praticado no exterior, então

será competente o juízo no qual o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou

devia produzir seu resultado.

§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for

domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde

esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou

beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que

a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir

que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal

na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a

finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos

humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em

qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça

Federal.

Caso não seja conhecido o lugar da infração, a competência será do local de

domicílio ou residência do réu. Exclusivamente nos casos de ação de ação penal

privada, o querelante poderá escolher entre o foro do domicílio ou da residência do

réu ou o do lugar da infração.

Definida a competência de foro, resta, finalmente, verificar qual o juízo

competente, conforme explica Guilherme Madeira Dezem, o Código de Processo

Penal apresenta três critérios para determinação dessa competência, sendo eles a

distribuição, a natureza da infração e a prevenção.134

Nesse sentido, a distribuição ocorrerá quando no foro existir mais de um juízo

com competências iguais.

No que tange à natureza da infração, há diversos foros, no Brasil, que

possuem varas especializadas em determinadas matérias para julgamento, por

exemplo, de crimes de lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa,

crimes de tráfico de drogas, e os próprios crimes dolosos contra a vida, que são de

competência do tribunal do júri. Para esses casos, é a natureza da infração que

determinará o juízo competente.

Quanto à prevenção, como se percebe do disposto nos artigos 75, parágrafo

único e 83 do diploma processual penal, esta ocorrerá quando, na existência de mais

de um juiz competente um deles anteceder o outro na prática de algum ato processual

ainda que anterior a denúncia ou a queixa.

O Código de Processo Penal estabelece também os critérios de modificação

de competência, por meio da conexão e continência. Tais critérios serão abordados e

analisados com a devida profundidade no próximo capítulo.

Exposta a estrutura de concretização da competência no processo penal,

surge questão lógica a respeito das consequências da violação das normas de

competência tanto na esfera constitucional, quanto na esfera infraconstitucional.

134 DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 4. Ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2018, p. 425.