• Nenhum resultado encontrado

Princípio do juiz natural relacionado à jurisdição e à competência

2. ELEMENTOS DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E SUA EXTENSÃO NA

2.6 Princípio do juiz natural relacionado à jurisdição e à competência

Explicitados o conceito, os elementos, e as diversas extensões do princípio

do juiz natural, bem como a sua importância para Estado Democrático de Direito e

para a cidadania plena, se faz de fundamental importância adentrar-se também no

papel da jurisdição como função elementar do Estado a ser exercida pelo juiz natural.

Nesse sentido, o princípio do juiz natural se materializa por meio da jurisdição,

atividade estatal, exercida pelo Poder Judiciário, com a finalidade de pacificar

120 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3ª ed. São Paulo:

Atlas, 2009, p. 239 e 242.

conflitos, ao determinar que ela deve ser exercida apenas pelo juiz competente do

caso concreto:

A atividade jurisdicional é indeclinável, e somente pode ser exercida

caso a caso pelo “juiz natural”. De conformidade com o princípio do

juiz natural, a demanda deverá ser sempre formulada “perante um

julgador cuja competência foi abstratamente fixada, em geral por regra

legal prévia”.121

Maria Lúcia Karam traz aprofundado conceito, definindo a jurisdição da

maneira seguinte:

Expressa a jurisdição função do Estado cuja finalidade formal é a

interpretação e aplicação das leis, para dirimir conflitos, assegurar a

defesa dos direitos legalmente protegidos e reprimir sua violação. Esta

função do Estado – a função judiciária – consiste basicamente em

dirimir, em cada caso concreto, as divergências surgidas por ocasião

da aplicação das leis, assim solucionando conflitos entre particulares,

entre estes e o Estado ou mesmo entre órgãos do próprio Estado, de

forma a fazer valer o ordenamento jurídico coativamente toda vez que

seu cumprimento não se dê sem resistência. Realizando esta função,

o Estado, pelos órgãos integrantes do Poder Judiciário, se substitui

aos titulares dos interesses em conflito, para, de forma imparcial e

equidistante, fazer atuar, através do processo, a norma jurídica que

deve disciplinar a situação que lhe é concretamente apresentada.

Como expressão de uma das funções do Estado, a jurisdição é

também manifestação do poder deste Estado, caracterizando-se pela

imperatividade e imposição das decisões emanadas dos órgãos dela

dotados. Expressão e manifestação de uma das funções e do poder

do Estado, a jurisdição é necessariamente una, sendo abstratamente

distribuída a todos os órgãos integrantes do Poder Judiciário, sua

concretização se dando nas atividades expressadas pelo conjunto de

atos realizados por estes órgãos no processo. As regras que,

atribuindo a cada órgão ou grupo de órgãos jurisdicionais o exercício

daquela função e daquele poder do Estado, determinam qual dos

órgãos é o competente para determinado processo, operam esta

concretização, assim realizando a adequação entre o processo e o

órgão jurisdicional que através dele deve atuar.122

Cândido Rangel Dinamarco, em sentido conforme, define jurisdição como “o

poder que o juiz ou árbitro exerce para pacificação de pessoas ou grupos e eliminação

de conflitos”. O processualista também divide seu conceito em três diferentes vetores,

veja-se:

121 CARNEIRO, Gusmão Athos. Jurisdição e competência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 36-37.

122 KARAM. Maria Lúcia. Competência no Processo Penal. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2002, p. 13-14.

[...] À jurisdição costuma ser atribuída uma tríplice conceituação,

dizendo-se habitualmente que ela é ao mesmo tempo um poder, uma

função e uma atividade. Na realidade ela não é um poder, mas o

próprio poder estatal, que é uno, enquanto exercido com os objetivos

do sistema processual [...]. Como função a jurisdição caracteriza-se

pelos escopos que mediante seu exercício o Estado-juiz busca realizar

– notadamente o escopo social de pacificar pessoas, eliminando

litígios. A atividade jurisdicional constitui-se dos atos que o juiz realiza

no processo, segundo as regras do procedimento. 123

A jurisdição, além de ser una, possui diversas características inerentes, sendo

indeclinável, inevitável, definitiva, provocada e substitutiva.

Dessa forma, tem-se, primeiramente a sua unidade, isto é, todos os juízes

exercem a mesma jurisdição, que é una. A jurisdição também é indeclinável, portanto,

ao juiz, não é autorizado delegar suas funções ou se eximir, por mera liberalidade, de

julgar determinado processo.124

Outra característica inerente a jurisdição é a sua inevitabilidade, ao se

considerar que o poder do Estado não depende da concordância das pessoas para

ser exercido, conforme sua própria natureza impositiva. Já a definitividade estabelece

o caráter irrefutável das decisões provenientes do poder jurisdicional, desse modo, ao

contrário dos outros poderes do Estado que podem, eventualmente, ter suas decisões

revistas pelo Judiciário, a jurisdição, por meio da coisa julgada material possui

evidente caráter definitivo (ressalvada as hipóteses legais de ação rescisória e revisão

criminal).125

A jurisdição é também uma atividade provocada, isto é, o Poder Judiciário

deve ser provocado pelas partes para exercer a jurisdição, não estando a autorizado

a iniciar ações de ofício. Esse elemento, nota-se, é basilar para a própria

independência e imparcialidade dos magistrados.

123 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: vol. I. 8 ed. São Paulo:

Malheiros, 2016, p. 439-440.

124 CARNEIRO, Gusmão Athos. Jurisdição e competência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 34.

125 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: vol. I. 8 ed. São Paulo:

Malheiros, 2016, p. 458-459.

Finalmente, destaca-se a característica de “atividade substitutiva”, por

conseguinte, tem-se que a jurisdição substitui a vontade das partes visando a

solucionar determinado conflito adequando a situação aos dispositivos legais.126

Definida a jurisdição e demonstradas suas características, tem-se que a

materialização da atividade jurisdicional pelos juízes acontece na medida de sua

competência. A jurisdição será sempre una, mas distribuída entre os magistrados na

medida de sua competência.

Nas palavras de Athos Gusmão Carneiro:

Todos os juízes exercem jurisdição, mas a exercem numa certa

medida, obedientes a limites preestabelecidos. São, pois,

“competentes” somente para processar e julgar determinadas causas.

A “competência”, assim, “é a medida da jurisdição”, ou, ainda, é a

jurisdição na medida em que pode e deve ser exercida pelo juiz.127

Por conseguinte, conforme visto ao longo dos capítulos anteriores, o art. 5º,

inciso LIII da Constituição Federal, ao determinar que ninguém será processado nem

sentenciado senão pela autoridade competente, bem como o inciso XXXVII do mesmo

supracitado artigo, ao determinar que não haverá juízo ou tribunal de exceção

consagram o princípio do juiz natural realizando expressa vinculação do juiz natural

com o juiz competente.

Em outras palavras, o juiz natural do processo será sempre o juiz cuja

competência foi abstratamente pré-definida pela Constituição ou pela lei, de modo que

exercerá a sua jurisdição na medida da designação de sua competência.

Daí porque se mostra de fundamental importância que os critérios definidores

da competência, tanto constitucionais quanto infraconstitucionais, sejam claros e

126 CARNEIRO, Gusmão Athos. Jurisdição e competência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35.

127 CARNEIRO, Gusmão Athos. Jurisdição e competência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 97. O autor

também traz a definição de Humberto Theodoro Júnior: “a competência é justamente o critério de

distribuir entre os vários órgãos judiciários as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição.”

(JÚNIOR, Humberto Theodoro, Curso de direito processual civil, 35ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2000,

p. 147) e de Eduardo Arruda Alvim: “a competência significa ideia da legitimidade do exercício de um

determinado poder, num determinado momento e sob determinadas circunstâncias.” (ALVIM, Eduardo

Arruda. Curso de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 90).

objetivos, limitando o máximo possível qualquer interpretação subjetiva por parte do

aplicador da lei, para que, desse modo, se assegure plenamente a imparcialidade e a

independência do magistrado.

Nesse sentido, no que tange ao presente trabalho, necessário se faz verificar,

ainda que brevemente, as regras constitucionais e infraconstitucionais de

competência, em especial, no processo penal, bem como as consequências da

violação de tais normas para o processo, ao se considerar a abordagem do capítulo

seguinte referente a consistência da aplicação do princípio do juiz natural na

denominada Operação Lava Jato.