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Rafael de Oliveira Guimarao

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Academic year: 2018

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Rafael de Oliveira Guimarães

Proposta de Sistematização da Cognição de Ofício nos Recursos Excepcionais

DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS SUBÁREA DE PROCESSO CIVIL

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Proposta de Sistematização da Cognição de Ofício nos Recursos Excepcionais

DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS SUBÁREA DE PROCESSO CIVIL

Trabalho Final apresentado à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito das Relações Sociais, subárea de Processo Civil, sob orientação da Prof.ª Dra. Arlete Inês Aurelli.

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A Deus em primeiro lugar, pelo conforto espiritual e pelos caminhos mostrados. A meus pais, Pedro e Sônia, pelos ensinamentos e, principalmente, pelos exemplos que sempre me deram.

A meus queridos irmãos, Maurício e Milena, pelo apoio em todos os momentos. A meus avós, Mercedes e Oswaldo (in memoriam), pela alegria de viver.

Aos colegas de trabalho, simbolizados pelos meus grandes amigos Henrique Cavalheiro Ricci, Vinicius Secafen Mingati e Renata Paccola Mesquita, pela compreensão e pelo suporte diante de minha ausência.

Aos colegas do curso de Doutorado, em especial ao Rodrigo Valente Giublin Teixeira, pelo companheirismo nas viagens entre Maringá e São Paulo por mais de um ano e meio.

Aos Professores Doutores Nelson Nery Junior, Teresa Arruda Alvim Wambier, Sérgio Shimura, Donaldo Armelin, Tércio Sampaio Ferraz Junior, Celso Fernandes Campilongo e Jacy de Souza Mendonça, meus Professores na pós-graduação e verdadeiros mestres de nosso Direito.

Aos Professores Doutores João Batista Lopes e Rodrigo Otávio Barioni, que compuseram a banca de qualificação e teceram importantes sugestões para o aprimoramento dessa tese.

De forma toda especial, ao incomparável jurista e grande responsável por mais esta etapa: José Miguel Garcia Medina. Pela amizade, força, companheirismo e ensinamentos nesses mais de quinze anos.

Nunca será exagero o agradecimento à Professora Arlete Inês Aurelli, por sua orientação, em especial pela sua paciência, sapiência e humildade nos ensinamentos.

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O presente trabalho tem por objetivo abordar a problemática da cognição de ofício nos recursos excepcionais, quais sejam, recurso especial, extraordinário e embargos de divergência. A necessidade do trabalho surge quando verificamos o crescimento das possibilidades de conhecimento das matérias de ordem pública de ofício pelo magistrado, e, ao mesmo tempo se solidifica uma jurisprudência defensiva nos Tribunais Superiores, e ainda, quando da análise da possibilidade de conhecimento de tais matérias em grau de recurso especial, o que se vê é a ocorrência de tal possibilidade no caso de conhecimento do recurso. O Trabalho tem o intuito de identificar se as matérias de ordem pública tem resguardo constitucional, fazer o contrapeso principiológico com a vedação constitucional insculpida no art. 105, III, da CF/88, por exemplo, que permite que ao Superior Tribunal de Justiça conhecer de um recurso especial, somente no caso de a matéria ter efetivamente sido apreciada pela instância ordinária. O estudo visa sistematizar essa possibilidade de conhecimento das matérias de ordem pública nos recursos excepcionais, se tal fenômeno realmente ocorre, em que casos, e se isso implica em transformar os Tribunais Superiores numa terceira instância ou não.

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This paper addresses the issue of knowledge ex officio on the exceptional appeals, namely, appeal to the Superior Court of Justice, extraordinary appeal to the Brazilian Supreme Court and appeal requesting resolution of conflict in previous jurisprudence. The study justifies itself when we see the growth possibilities of knowledge of matters of public order by the judge, and, withal solidifies a defensive jurisprudence in the Superior Courts, and still, when examining the possibility of knowledge of such matters on appeal to the Superior Court of Justice what one sees is the occurrence of such a possibility in the case of knowledge of the appeal. The paper has the intention of identifying whether the matters of public order have constitutional guard, making the balance of principles with the constitutional prohibition inscribed in art. 105, III of CF/88, for instance, that allows to Superior Court of Justice to hear an appeal or the Superior Court of Justice, only where the matter has really been appreciated by lower stage of appeal. The study aims to systematize the possibility of knowledge of matters of public order in exceptional appeals, whether such phenomenon actually takes place, in which cases, and if it implies turn the Superior Courts into a third stage of appeal or not.

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INTRODUÇÃO 9

1 BREVES APONTAMENTOS ACERCA DOS RECURSOS E DE ALGUNS

INSTITUTOS ATINENTES À COGNIÇÃO DE OFÍCIO 13

1.1 CONCEITO DE RECURSO 13

1.2 NATUREZA JURÍDICA DOS RECURSOS 19

1.3 DO DIREITO DE RECORRER 22

1.4 O QUE SÃO RECURSOS EXCEPCIONAIS? 26

1.5 DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO 32

1.6 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS 41

1.7 DO EFEITO DEVOLUTIVO 44

1.8 DO EFEITO TRANSLATIVO 45

2 APONTAMENTOS SOBRE OS RECURSOS EXCEPCIONAIS 48

2.1 RAÍZES HISTÓRICAS DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS 48

2.2 DAS CARACTERÍSTICAS COMUNS DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS 53

2.2.1 Da natureza e importância de tais recursos no ordenamento jurídico. A

função nomofilática dos recursos excepcionais 53

2.2.2 O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais 56

2.2.2.1 Considerações iniciais 56

2.2.2.2 Das diferenciações com relação a alguns pressupostos gerais de

admissibilidade no tocante aos recursos excepcionais 62

2.2.3 Dos pressupostos específicos para o cabimento dos recursos excepcionais 68 2.2.3.1 Questão controvertida eminentemente de direito 68 2.2.3.2 Da obrigatoriedade de a causa ter sido decidida. O prequestionamento 75 2.2.3.3 De a decisão recorrida ter sido proferida por um Tribunal 88

2.2.3.4 Do esgotamento das instâncias ordinárias 90

3 DO RECURSO ESPECIAL 96

3.1 DA CONTRARIEDADE OU NEGATIVA DE VIGÊNCIA A LEI FEDERAL OU

TRATADO 96

3.2 EXISTÊNCIA DE JULGAMENTO DE TRIBUNAL DECLARANDO VÁLIDO ATO DE GOVERNO LOCAL EM DETRIMENTO DE LEI FEDERAL. O ART. 105,

III, B, DA CF/88. 103

3.3 RECURSO ESPECIAL POR DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. A ALÍNEA

C DO ART. 105, III, DA CF 108

4 DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 123

4.1 RECURSO EXTRAORDINÁRIO POR VIOLAÇÃO DIRETA À

CONSTITUIÇÃO 123

4.2 RECURSO EXTRAORDINÁRIO VISANDO IMPUGNAR ACÓRDÃO QUE DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE DE TRATADO OU LEI FEDERAL 127 4.3 ACÓRDÃO RECORRIDO QUE JULGA VÁLIDA LEI OU ATO DE GOVERNO

LOCAL CONTESTADO EM FACE DA CONSTITUIÇÃO 130

4.4 CABIMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUANDO O ACÓRDÃO RECORRIDO JULGAR VÁLIDA LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DE LEI

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4.5.3 Críticas ao instituto 153

5 DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA 156

5.1 FUNÇÃO DO RECURSO. INSTITUTOS AFINS 156

5.2 RAÍZES HISTÓRICAS E DE DIREITO COMPARADO 157

5.3 CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA 162

5.3.1 Da decisão impugnada pelo recurso de embargos de divergência 162

5.3.1.1 Da necessidade de a decisão impugnada ser de recurso excepcional 162 5.3.1.2 Da necessidade de a decisão impugnada ser proferida por Turma 165 5.3.1.3 Da necessidade de a decisão impugnada ser colegiada 166 5.3.1.4 Da desnecessidade de a decisão impugnada versar sobre o mérito do recurso

excepcional 168

5.3.2 Do acórdão utilizado como paradigma nos embargos de divergência 169

5.3.2.1 Da origem do acórdão-paradigma 169

5.3.2.2 Da necessidade de demonstração analítica da divergência entre teses

jurídicas 172

5.3.2.3 Da questão da preservação da competência. Da necessidade de ser entendimento recente o utilizado como paradigma. Da possibilidade de o acórdão-paradigma ser o mesmo que fundamentou o recurso excepcional 173

5.4 COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO 176

5.5 PROCEDIMENTO DO RECURSO 177

5.6 EFEITOS DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA 178

6 O JUÍZO DE MÉRITO DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS. JUÍZO DE

CASSAÇÃO E JUÍZO DE REVISÃO 180

6.1 O JUÍZO DE CASSAÇÃO COMO FUNÇÃO PURAMENTE NOMOFILÁTICA 180

6.2 O JUÍZO DE CASSAÇÃO E O JUÍZO DE REVISÃO NA FRANÇA 185

6.3 O JUÍZO DE CASSAÇÃO E O JUÍZO DE REVISÃO NA ITÁLIA 188

6.4 O JUÍZO DE CASSAÇÃO E REVISÃO EM PORTUGAL E NO BRASIL 190

7 AS MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA E A COGNIÇÃO DE OFÍCIO 196

7.1 O CONCEITO DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA 196

7.2 A CONSTATAÇÃO DAS MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO E A POSSIBILIDADE DE SUA COGNIÇÃO DE OFÍCIO 202 7.3 ALGUNS EXEMPLOS DE MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 204

7.4 A AUTORIZAÇÃO LEGAL PARA O CONHECIMENTO DE OFÍCIO DAS

MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA 210

7.5 O CONTRADITÓRIO OBRIGATÓRIO PARA O CONHECIMENTO DE

OFÍCIO 212

7.6 O CONHECIMENTO DAS MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA NOS

RECURSOS 216

8 A COGNIÇÃO DE OFÍCIO NOS RECURSOS EXCEPCIONAIS 220

8.1 BREVE RETROSPECTIVA SOBRE O CONHECIMENTO E MÉRITO DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS. OS JUÍZOS DE CASSAÇÃO E REVISÃO DOS

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DE ORDEM PÚBLICA NOS RECURSOS EXCEPCIONAIS 232

8.3.1 O conhecimento das matérias de ordem pública independentemente da

admissibilidade do recurso 232

8.3.2 A possibilidade de conhecimento de ofício diante do princípio do devido processo legal e do acesso à justiça (cf. art. 5.º, incs. XXXV e LIV, da CF/88) 240

8.3.3 A possibilidade de cognição de ofício somente após o conhecimento dos

recursos excepcionais 246

8.3.4 A possibilidade de conhecimento das matérias de ordem publica desde que

possível a sua compreensão pelo acórdão recorrido 253

8.3.5 A impossibilidade de conhecimento de matérias de ordem pública nos

recursos excepcionais ante a inexistência de seu efeito translativo 262

8.3.6 A possibilidade de conhecimento das matérias de ordem pública somente no juízo de revisão, como forma de conciliar a função nomofilática dos recursos excepcionais com o dever do magistrado em conhecer de ofício as matérias de

ordem pública 270

CONCLUSÃO 278

(10)

INTRODUÇÃO

Antes de examinar os temas que serão objeto do presente trabalho, é essencial justificar alguns dos assuntos abordados para fundamentar as conclusões que serão obtidas.

A essência do presente estudo está no explanar acerca da possibilidade de cognição de ofício, em regra atinente às matérias de ordem pública, nos recursos excepcionais, e, no caso de resposta positiva, sistematizar em que momento tal ato pode ser realizado.

O tema versado é resultado de uma experiência prática do autor quando do exercício da advocacia, que, ao deparar com um julgamento que feriu a matéria, houve nele o despertar de grande curiosidade sobre o assunto, e para sua surpresa, a desfilar várias celeumas, o que o influenciou a um estudo mais aprofundado e à confecção da presente tese.

As correntes ideológicas e científicas que orbitam em torno do tema central são várias, e podem ser avaliadas por diversos prismas, que influem direta e indiretamente na cognição de ofício nos recursos excepcionais.

Do ponto de vista ideológico, principalmente no tocante a conteúdos mais teóricos, constata-se a transformação do Estado Liberal para o Estado Social1, o que faz crescer a importância das matérias de ordem pública, fazendo-as ter cada vez mais enfoque pelo sistema jurídico.

Do prisma legislativo, a cognição de ofício encarta, como mandamento, a autorização legal para que possa ser exercida independentemente de alegação da parte a quem tal matéria aproveita2, o que pode ser considerado uma regra em nosso ordenamento, inclusive na fase de recurso, porém ainda na esfera da jurisdição ordinária.

Pela ótica recursal, em especial analisando-se a razão de ser dos recursos excepcionais, possuem eles uma função vital no sistema jurídico que é a de uniformizar a interpretação do ordenamento3, quando os Tribunais Superiores estão no exercício da função nomofilática,

1 Cf. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.p.

23 e ss.

2 Ex. “Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda

quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. [...] § 5o O

juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.” “Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...] IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada; Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; [...] § 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto

não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.”

3 Função que Niklas Luhmann diz que os Tribunais têm desde o Século XVIII, pois, como há a vinculação das

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caracterizada como jurisdição extraordinária, somente possível quando os Tribunais locais efetivamente exteriorizam juízo de valor sobre as referidas questões de direito para que os órgãos de superposição possam corrigi-la ou não.

No tocante à questão da hierarquia das normas, as disposições legais que autorizam o conhecimento de ofício consistem em normas infraconstitucionais que, em tese, poderiam atingir somente os recursos regulamentados pela legislação infraconstitucional. Os recursos excepcionais são recursos previstos na Constituição e, a priori, detêm um requisito também constitucional para a apreciação de qualquer questão de direito, qual seja, seu prequestionamento. Dessa forma, seria de constitucionalidade duvidosa a apreciação de matérias de ordem pública, que não foram prequestionadas pelos Tribunais locais, no caso de recurso excepcional.

Ou seja, embora as matérias de ordem pública ganhem, cada vez mais, enfoque do sistema jurídico, em princípio, não poderiam os Tribunais de superposição emitir posicionamento sobre questões não abarcadas pelos Tribunais locais por tais motivos: tanto pelo fato de a cognição de ofício ter regulamentação infraconstitucional e os recursos excepcionais terem regulamentação constitucional, quanto pelo fato de a cognição de ofício se estender somente à jurisdição ordinária, sendo os recursos excepcionais uma atividade típica de jurisdição extraordinária.

No entanto, o embate ganha contorno especial quando se verifica que o Superior Tribunal de Justiça permite a cognição de ofício em alguns julgados pelo simples fato de o recurso ter sido conhecido4, justamente para defender a importância das matérias de ordem pública. De outra forma, doutrinadores de Direito Civil como J. M. Carvalho Santos5, Youssef ordem/obediência sofre uma revisão com vistas à relação entre legislação e jurisprudência. Isso se desistir da reserva de interpretação (Interpretationsvorbehalt) (refere législatif) do legislador, considerado até então necessário; a partir de agora não só a função de aplicação, mas também o da interpretação das leis é delegada aos Tribunais. Somente isso torna possível que se possa exigir que os Tribunais decidam todos os casos que lhes são apresentados. A ‘vinculação à lei’, torna-se assim, por sua vez, objeto da interpretação por parte do juiz.” (LUHMANN, Niklas. A posição dos tribunais no sistema jurídico. Revista AJURIS, n. 49. Porto Alegre: Ajuris,jul. 1990. p. 152-153).

4 “Processual Civil. Embargos de Declaração. Omissão. Compensação e Prescrição. Alegações não Analisadas.

Ausência de Prequestionamento. Súmula 211 do STJ. Matéria de Ordem Pública. Conhecimento. Possibilidade Condicionada à Abertura da Instância Especial por Outros Argumentos. Contradição Afastada. Propósito de Rejulgamento. Processual Civil. Contribuição Previdenciária. Transportador Autônomo. Majoração de Alíquotas. Constitucionalidade. Exame de Violação a Dispositivo da CF/88. Atribuição do STF. A prescrição, embora seja questão de ordem pública, somente é passível de apreciação nestes casos se estiver aberta a via do especial pelo conhecimento das demais alegações. Caso contrário, não é possível superar a ausência de prequestionamento. Precedentes.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, EDcl no REsp n. 1.104.691/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 02.12.2010, DJe 15.12.2010).

5 “Quando muito, a matéria da prescrição pode servir de fundamento ao recurso extraordinário [aqui,

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Said Cahali6, Silvo de Salvo Venosa7 e Renan Lotufo8, bem assim processualistas que tratam dos recursos, como José Carlos Barbosa Moreira9, Cândido Rangel Dinamarco10, Nelson Nery Junior11 e Teresa Arruda Alvim Wambier12, entendem pela impossibilidade de cognição de ofício da prescrição no caso de recursos excepcionais, justamente por defenderem a função destes últimos.

a prescrição não é, como se vê, alegada pela primeira vez na instância do recurso extraordinário. Por meio deste recurso visa-se apenas a aplicação exata da lei, violada pelo juiz estadual, o que é coisa diversa.” (SANTOS, J. M. Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. Parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961. v. III. p. 383).

6 “Finalmente, se a prescrição não foi suscitada na instância ordinária, inadmissível a sua argüição ao nível do

recurso extraordinário.” (CAHALI, Youssef Said. Aspectos processuais da prescrição e da decadência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 82).

7 “Será inadmissível, porém, em recurso extraordinário, se não tiver ocorrido prequestionamento da questão,

pois o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não conhecem de questões que não tenham sido apreciadas na justiça local (Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal)” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. I. p. 625) .

8 “Data venia, o fundamento para a impossibilidade de suscitação está que a prescrição é matéria de fato,

portanto, a ser provada no curso do processo (lesão do direito e prazo decorrido), e os tribunais superiores, quanto aos recursos extraordinários e especiais, sofrem limitação constitucional, arts. 102, III, a, b e c, e parágrafos, e 105, III, a, b e c.” (LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. Parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. I. p. 194).

9 “Se o julgado do órgão a quo tiver sido impugnado apenas em parte, só no tocante a essa parte se devolve o

conhecimento ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça. Caso o acórdão recorrido se haja pronunciado sobre questão preliminar, mesmo de mérito (rejeitando, por exemplo, a argüição de prescrição), o recurso interposto no concernente à questão principal não estende o seu efeito à preliminar.” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. V. p. 602).

10 “Em qualquer tempo ou grau de jurisdição não significa que também em sede de recurso especial ou

extraordinário ainda subsista sempre a ampla e incondicionada possibilidade de verificar os pressupostos indicados no § 3.º do art. 267. Sem o prequestionamento, tal matéria não é suscetível de conhecimento naquelas sedes processuais.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. III. p. 145).

11 “Não há o efeito translativo nos recursos excepcionais (extraordinário, especial e embargos de divergência)

porque seus regimes jurídicos estão no texto constitucional que diz serem cabíveis das causas decididas pelos tribunais inferiores (arts. 102, n. III, e 105, n. III, CF). aso o tribunal não tenha se manifestado sobre questão de ordem pública, o acórdão somente poderá ser impugnado por ação autônoma (ação rescisória), já que incidem na hipótese os verbetes 282 e 356 do STF, que exigem o prequestionamento da questão constitucional ou federal suscitada, para que seja conhecido o recurso constitucional excepcional.” (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais. Teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 416).

12 “Por haver limitação legal constitucional, as matérias que, em regra, são suscetíveis de conhecimento em

qualquer grau de jurisdição não o são em relação a tais recursos. Desse modo, v. g., não poderá o STJ decidir acerca da alegação, em recurso especial, de nulidade absoluta, se o Tribunal recorrido não tiver mencionado a questão no acórdão impugnado.

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Diante de tal cenário, e ainda tomado por um conhecimento intuitivo sobre tal tema13 – o que, para Calamandrei, é o primeiro passo a ser adotado antes da motivação14 – questiona-se acerca da possibilidade de os Tribunais Superiores conhecerem das matérias de ordem pública pelo simples fato de o recurso ser conhecido, e não quando efetivamente quando a questão estiver sido apreciada pelo acórdão recorrido.

Sendo assim, extrai-se a grande importância que o desenvolvimento da presente tese agasalha para a busca de uma sistematização da questão. A referida tese não tem como objetivo defender a importância das matérias de ordem pública ou dos recursos excepcionais. Outro é seu intento: identificar a atividade jurisdicional exercida pelas Cortes Superiores quando do julgamento de tais recursos, quais sejam o recurso especial, o recurso extraordinário e os embargos de divergência. O objetivo é o estudo dos juízos de cassação e revisão em um recurso excepcional, analisando toda a evolução do direito norte-americano e europeu, e as influências no direito brasileiro. Isso para que possam ser identificadas as atividades de jurisdição extraordinária e ordinária nos recursos excepcionais, e aí, sim, obter uma conclusão crítica sobre a possibilidade de cognição de ofício em sede de tais recursos.

Diante das celeumas expostas, é tarefa desta tese desenvolver uma tentativa de compatibilizar a cognição de ofício e os recursos excepcionais, verificando se tal possibilidade realmente é permitida por nosso sistema jurídico e em que momento tal atividade poderia ocorrer.

13 “Diz-se que a intuição é uma forma de conhecimento direta, que se confunde com o objeto conhecido, como

se nada houvesse entre ambos, nem métodos nem raciocínios [...]. E no senso comum a experiência da intuição está inegavelmente presente como forma de conhecimento” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 76-77). Ainda: “La première enseigne qu’on peut saisir le réel à travers des notions fixes, des définitions arretées et figées des construtions abstraites, en peu de mots, par les moyens de la pensée discursive. Le point culminant de cette pensée est l’emploi de l’induction et de la déduction” (TOUTSAKOVITCH, Miodrag D. L’intuitionnisme bergonien dans la philosophie du Droit. Archives de Philosophie du Droit et de Sociologie Juridique. Paris, ano 9, n. 1-2, 1939. p. 242).

14 “O juiz, ao elaborar a sentença, inverte a ordem normal do silogismo, isto é, encontra primeiro o dispositivo e

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1 BREVES APONTAMENTOS ACERCA DOS RECURSOS E DE ALGUNS INSTITUTOS ATINENTES À COGNIÇÃO DE OFÍCIO

1.1 CONCEITO DE RECURSO

O inconformismo do ser humano ao ver um pronunciamento judicial desfavorável a seus interesses, somado às necessidades da vida pós-moderna, em que sempre são buscados resultados imediatos, bem como à necessidade de aprimoramento das decisões judiciais e de pacificação das relações sociais, leva, naturalmente, à existência do que se denomina recurso.15

São raros os casos em que o litigante se conforma com a decisão proferida contrariamente a si. Geralmente isso ocorre quando a resposta dada ao jurisdicionado, consubstanciada em uma decisão judicial, vem acompanhada de inquestionável fundamentação, ou quando existe entendimento jurisprudencial consolidado em sentido oposto ao da pretensão da parte. Como, muitas vezes, tais circunstâncias não estão presentes, os recursos constituem ferramentas vastamente utilizadas pelas partes.

Os recursos possibilitam o reexame da decisão, para impedir que a arbitrariedade ou o próprio error in judicando possam prevalecer16. Por isso, o recurso propicia a obtenção de novo julgamento, apto a confirmar o acerto da decisão judicial recorrida, ou, até mesmo, a demonstrar que esta não realizou a subsunção da melhor forma possível.

A definição de recurso passa por diversas searas e institutos. Várias legislações adotam definições condizentes com a importância que atribuem ao tema, e com a própria cultura relegada a tais meios de impugnação.

A doutrina espanhola, assim como a brasileira, distingue os meios de impugnação (lato sensu) dos meios de impugnação em sentido estrito (os recursos). Jaime Guasp se refere às impugnações às decisões judiciais em geral, trazendo os recursos como a principal delas, uma vez que são meios de ventilar a matéria processual já decidida com o fim de apurar a exatidão ou inexatidão das conclusões da decisão judicial.17 Em visão mais atual, Manuel Ortells Ramos trata os recursos como “instrumentos legais à disposição das partes e

15 Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. Appunti sulle impugnazioni. 25 ed. Milão: Cisalpino-Golardica, 1975. p. 1

apud ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 39.

16 “Naturalmente, é intuitivo que essa irresignação pode voltar-se contra um aspecto formal (error in

procedendo) ou contra o próprio fundo da decisão (error in judicando)” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 43).

17 “El proceso de impugnación es que se vuelve a trabajar sobre la materia procesal ya decidida, para que su

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destinados a atacar uma resolução judicial, para provocar sua reforma, anulação ou declaração de nulidade.”18 Saliente-se que não existem embargos de declaração no direito espanhol, e, por isso, não há a função aclaratória nos recursos daquele país.

Os recursos, em regra, consistem em meios destinados a impugnar a decisão quando ainda não foi formada a coisa julgada. Na Argentina, os recursos parecem, a princípio, estar catalogados como qualquer outro meio de impugnação às decisões judiciais, não somente dentro da mesma relação jurídico-processual, por serem simplesmente meios de impugnação que visam à reparação de erro ou defeito do provimento judicial.19 Lino Enrique Palácio define recurso como

[...] o ato processual manejado pela parte que se considera agravada por uma decisão judicial, onde é pedida a reforma ou anulação total ou parcial, seja ao mesmo juiz ou tribunal que a prolatou ou a juiz ou tribunal hierarquicamente superior.20

No direito italiano, em concepção mais antiga, os recursos eram considerados simplesmente o meio de reclamar ao órgão colegiado.21 Passou-se a utilizar a ideia de que os recursos sempre estavam ligados a uma discussão da matéria quando não formada a coisa julgada material. Tal assunto era discorrido por Chiovenda22 e Satta, tendo este último, ainda que superficialmente, distinguido impugnação como meio de atacar error in procedendo e recursos como meios de buscar a revogação da decisão judicial.23 Atualmente, conforme lecionam Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, os recursos são considerados os meios de impugnação em geral, que se dividem em “le impugnazioni”, que atacam o erro de procedimento ou nulidade, ao passo que os “gravami” buscam a revisão de

18 “[...] pueden conceptuarse como los instrumentos legales puestos a disposición de las partes y destinados a

atacar una resolución judicial, para provocar su reforma o su anulación o declaración de nulidad” (ORTELLS RAMOS, Manuel. Derecho procesal civil. 6. ed. Navarra: Thomson-Aranzadi, 2005. p. 479).

19 “Recurso es el medio procesal por el qual quien considere agraviados sus interesses por una resolución

judicial, y sea parte em el juicio o sin serlo tenga personería legal, puede intentar la reparación del error o del defecto que lo agravia” (IBAÑEZ FRONCHAN, Manuel. Los recursos en el proceso civil. Buenos Aires: Sociedad Bibliografica Argentina, 1943. p. 23).

20 “Denomínase recurso al acto procesal em cuya virtud la parte que se considera agraviada por una resolución

judicial pide su reforma o anulación, total o parcial, sea al mismo juez o tribunal que la dictó o a um juez o tribunal jerárquicamente superior” (ENRIQUE PALACIO, Lino. Manual de derecho procesal civil. 12. ed. Buenos Aires: Abeledo/Perrot, 1996. p. 575-576).

21 “Rimedi contro i provvedimenti dei giudici. – A corregere i possibili errori, di cui sia viziato il

provvedimento del giudice, la legge appresta rimedi di varia natura. – Contro le ordinanze del presidente o del giudice delegato spetta, salve alcune eccezioni, la facoltà di reclamare al Collegio” (MATTIROLO, Luigi. Istituzioni di diritto giudiziario civile. Torino: Fratelli Bocca, 1988. p. 286-287).

22 Cf. CHOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998. v. 3. p.

249 e ss.

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uma decisão judicial.24 Assim, para os italianos, os meios de impugnação são os recursos. Os gravames – também tratados como recursos – constituem os recursos que atacam

especificamente os erros de juízo. Giuseppe Tarzia25 traz uma distinção diversa, sendo as “impugnazioni sostitutive” que rediscutem a causa, como “l’apello”, ou as “impugnazioni rescindenti” que buscam a invalidade, como na “cassazione”, na “revocazione” e na “opposizione di terzo”, sempre a órgãos superiores; ou seja, o ordenamento italiano adota sistemática recursal de acordo com o objetivo da impugnação, visando impugnar error in procedendo ou error in judicando.

Na Inglaterra, bem como no restante dos países que adotam o sistema da common law, os recursos não são objeto de estudos mais aprofundados. Os próprios manuais de recursos cíveis daquele país apenas preceituam regras acerca dos recursos, dificilmente atribuindo conceitos26, sendo esses os meios de impugnar uma decisão27, sendo esta uma decisão final de um Tribunal28, o que, para os ingleses, são as appeals, seja visando impugnar as sentenças, seja contra decisões interlocutórias (interlocutory appeal), seja visando impugnar decisões que impeçam o processamento de um recurso (second appeals).

24 “[...] ‘impugnazioni’ dirette a far dichiarare l’esistenza di vizi della sentenza (difetti del procedimento o errori

de giudizio) e che tendono ad eliminare-annullare il provvedimento giudiziale viziato (in questo caso il motivo e la ragione della impugnazione sono quidi date dal difetto-vizio che si denuncia e non investono il rapporto sostanziale controverso); ‘gravami’diretti invece ad ottenere dal secondo giuidice il completo riesame del rapporto stesso, provocando um nuovo giuidizio sull’identico rapporto. In questa ipotesi è evidente che la procuncia richiesta nel procedimento del gravame avrà efficacia sostitutiva della precedente: dunque, con il gravame la parte non intende afatto far valere un errore o un particolare difetto della decisione, ma vuole simplecimente um riesame e una nuova valutazione dei fatti e delle qualificazioni giuridiche apportate dal giudice al fatto, com l’applicazione di norme diverse, coisicché si chiede riesme del intero rapporto controverso” (COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezione sul processo civile. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. p. 596).

25 Cf. TARZIA, Giuseppe. Lineamenti del processo civile di cogninizione. 2. ed. Milão: Giuffrè, 2002. p. 274. 26 Nos dicionários jurídicos, eventualmente se encontram definições de recurso como um pleito de revisão a

órgão jurisdicional hierarquicamente superior: “’The transference of a case from na inferior to a higher tribunal in the hope of reversing of modifying the decision of the former’: Edlesten v LCC [1918] 1 KB 81. In general, the right of appeal must be given by statute. The whole case must be presented on the hearning of an appeal; it cannot be conducted in discrete sections: Commercial Acceptances Ltd v Towsend Investments (2000) The Times, 26 April.” (CURZON, Leslie Basil; RICHARDS, Paul. The Logman. Dictionary of law. 7. ed. London: Pearson Longman, 2007. p.31).

27 “The regime cannot be discussed without some of the terms which it uses being explained. An appeal

includes an appeal by case stated” (BROOKE, Henry. Manual of civil appeals. 2. ed. London: Lexis Nexis, 2004. p. 2; Cf. WILLIAMS, Victoria. Civil procedure handbook 2006. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 576). “[…] appeal consist of a review rather than a rehearing.” (LOUGHLIN, Paula; GERILS, Stephen. Civil procedure. 2. ed. London: Cavendish, 2004. p. 579).

28 “A final decision (for the purpose of establishing the appropriate route of appeal) is a decision which would

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Em Portugal, basicamente os recursos são considerados “os meios processuais destinados a submeter a uma nova apreciação jurisdicional, certas decisões proferidas pelos Tribunais”,29 e tal concepção de recurso distingue-se da reclamação (CPC português, arts. 667 ao 670), na qual a pretensão é dirigida ao mesmo juízo da causa para examinar vícios da decisão, o que, para os lusitanos, é considerada uma ação de impugnação. Característica importante do direito recursal português é que os recursos extraordinários – revisão e

oposição de terceiro –, classificados como recurso,30 devem ser apresentados somente depois

de transitada em julgado a ação, conforme preceituam os arts. 771 e 778 do Diploma Processual daquele país. Assim, vê-se no direito de Portugal um traço extremamente diferente do preceituado pelo art. 467 do CPC brasileiro.

Na Alemanha, percebe-se, da definição de James Goldschmidt, que os recursos são os meios jurídicos processuais concedidos às partes e aos afetados diretamente por uma decisão judicial para impugnar, em um Tribunal Superior, uma resolução judicial que não é formalmente precisa, e que suspendem os efeitos da coisa julgada sobre a relação jurídica.31 Constata-se de tal definição a inexistência dos embargos de declaração no direito germânico, já que os recursos são obrigatoriamente o reexame da matéria por outro Tribunal, hierarquicamente superior ao órgão prolator da decisão impugnada. Ademais, observa-se o efeito impeditivo da formação da coisa julgada, tal como presente no Direito brasileiro.

No Brasil, uma primeira menção genérica aos recursos se encontra no citado art. 467 do Código de Processo Civil. O referido dispositivo legal afirma que, por meio de um recurso, se impede a formação da coisa julgada, ou seja, impede seja exaurida a relação jurídica processual originária. Não se trata de premissa errônea, mas incompleta. É perfeitamente possível a discussão de matéria diversa da discutida nessa relação jurídico-processual, mais precisamente sobre esse pedido, que, no entanto, influa com caráter de prejudicialidade sobre esta, a exemplo de um recurso nos embargos à execução que, em regra, não discutem matéria da relação processual originária, mas têm objeto diferente, que pode influir naquela (ação de execução). Exemplo disso também ocorre quando o recurso visa discutir alguma questão

29 MENDES, Armindo Ribeiro. Recursos em processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1994. p. 19. Ainda: “Recursos

são os meios de impugnação das decisões judiciais, destinados a provocar o reexame e novo julgamento da matéria, por um tribunal superior” (VARELA, Antunes; BEZERRA, José Miguel; NORA, Sampaio. Manual de processo civil. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1985. p. 55).

30 Cf. LEITÃO, Helder Martins. Dos recursos em processo civil. 5. ed. Porto: Almeida e Leitão, 2005. p. 165. 31 “Recursos son los medios jurídicos procesales concedidos a las partes, a los afectados para impugnar una

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prejudicial que não era originariamente objeto da ação, ou ainda num recurso proposto por terceiro interessado, que tem partes diferentes da lide originária também.

A diferença entre os recursos e os outros meios de impugnação às decisões judiciais, as chamadas ações impugnativas, está justamente no objeto. Enquanto os recursos são uma prolongação da lide originária, ainda antes da formação da coisa julgada, as ações impugnativas discutem o objeto distinto, não guardando relação temporal com a lide originária, podendo ser concomitantes ou posteriores à referida lide, como nos casos das ações rescisória, anulatória ou declaratória de inexistência de relação jurídica ou ato jurídico.

Há que estabelecer uma diferença primária dos recursos também com os chamados sucedâneos recursais. Estes visam atingir o objetivo que um recurso pretende, qual seja o de rediscutir a matéria dentro da mesma relação processual, mas, seja pela natureza do ato (correição parcial), seja pela taxatividade exigida (pedido de reconsideração), os ditos sucedâneos não obedecem às características de um recurso; nem sequer impedem a preclusão, por exemplo.

Outra menção legislativa, relativa aos recursos em geral, está estampada no art. 496 do Diploma Processual, que arrola os recursos no sistema jurídico nacional. Não bastassem as omissões flagrantes – como a dos embargos infringentes do art. 34 da Lei n. 6.830/80 –, o mencionado art. 496, como bem alerta Araken de Assis,32 não é critério para taxar os recursos no sistema processual cível brasileiro.

Dentre os doutrinadores pátrios, Moacyr Amaral Santos foi um dos primeiros a adotar o conceito moderno de recurso, entendendo que este é “o poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando obter a sua reforma ou sua modificação”,33 assim se aproximando do preconizado no direito argentino.

Em que pese a opinião de Moacyr Amaral Santos, tal conceito poderia ser utilizado para as ações de impugnação, justamente pelo fato, nelas, também haver o exame da mesma matéria pelo mesmo órgão (ação declaratória de inexistência) ou por órgão superior (ação rescisória). É importante se frise que, para ser um recurso, o ponto-chave é a preservação da mesma relação processual34 como rediscussão dos fatos apreciados pelo mesmo órgão ou órgão jurisdicional inferior.

32 Cf. ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 41.

33 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.

84.

34 “[...] verifica-se que o denominador comum de todas elas consiste em que o seu uso não dá margem à

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Teresa Arruda Alvim Wambier entende ser recurso “um meio de que dispõe a parte para insurgir-se contra uma decisão do Poder Judiciário, provocando o reexame da matéria e a prolação de uma nova decisão que, ou anule, ou substitua a impugnada.”35

É mister que, no conceito de recurso, fique expresso seja manejada na mesma relação processual a impugnação, já que, além da finalidade de impugnar a decisão recorrida, no direito brasileiro há também a possibilidade de se utilizar do recurso com o fim de obter a integração da decisão recorrida, como bem observa Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery.36

Pode-se tratar de recurso interposto na mesma relação processual, mas em autos diversos. É o que se dá com o agravo de instrumento (CPC, art. 522), cujos argumentos são autuados em apartado, porém discutem parte do objeto já debatido na relação jurídica originária. Dessa forma, corroborando Barbosa Moreira,

[...] pode-se conceituar recurso, no direito processual civil brasileiro, como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna. Atente-se bem: dentro do mesmo processo, não necessariamente dos mesmos autos.37

Apenas a título de elucidação, cabe trazer à baila questão a respeito da presença do requisito “voluntariedade” na identificação dos recursos, como preceitua Nelson Nery Junior ao enumerar quem pode recorrer. Araken de Assis38 combate tal entendimento, postulando que a remessa necessária, ainda que seja feita ex officio, se trata de recurso sem a voluntariedade, e, portanto, pode deixar de estar presente tal elemento (voluntariedade) nos recursos.

Segundo entendimento exposto no presente estudo, no que toca à remessa necessária, não se trata de recurso, pois não estão presentes os elementos básicos dos recursos cíveis, (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. V. p. 232).

35 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Teoria geral dos recursos. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos

Tribunais, n. 58, 1991. p. 151.

36 “[...] o meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a

viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada”(NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 809).

37 MOREIRA, José Carlos Barbosa. op. cit. p. 233.

38 “Em particular, o relevo emprestado à voluntariedade do no recurso excessivo. O problema aparece na

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conforme defende Flávio Cheim Jorge.39 Não há a manifestação de inconformidade de nenhum dos legitimados para a revisão do julgado, configurando-se apenas uma condição de eficácia da sentença.

Por todo o exposto, tem-se que recurso é o meio de impugnação utilizado ao arbítrio dos legitimados, dentro da mesma relação jurídica processual, embora nem sempre dentro dos mesmos autos, visando à reforma, à integração, à anulação ou ao aclaramento de um provimento judicial.

1.2 NATUREZA JURÍDICA DOS RECURSOS

Do próprio conceito de recurso tecido, no tópico anterior, constroem-se as ideias para uma definição de sua natureza jurídica. Como dito, os recursos são meios de impugnação utilizados dentro da mesma relação processual em que é proferida a decisão impugnada. Salienta-se: dentro da mesma relação processual, ou seja, não é necessário ultrapassar o “limite” do trânsito em julgado, necessitando-se da formação de nova relação jurídico-processual.

Como também assinalado em passo anterior, os recursos em alguns países europeus, como na Itália, são considerados meios de impugnação por ação distinta e autônoma daquela que vinha se exercitando no processo.40 Não obstante o acerto no objetivo da remoção da decisão impugnada em conceitos adotados pela doutrina brasileira, não se pode utilizar este aspecto para definir a natureza jurídica dos recursos. Eles têm, como traço principal, a função de propiciar a rediscussão do objeto da lide ou de uma decisão proferida no curso da ação, quando ainda não transitada em julgado, não necessitando da formação de outra relação jurídica.

39 Cf. JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

p. 220.

40 Cf. BETTI, Emilio. Diritto processuale civile italiano. 2. ed. Roma: Il Foro Italiano, 1936. p. 93 apud

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O poder de recorrer é um exercício do direito de ação dentro do próprio processo.41 Deve-se ressaltar isto: o fato que originou a irresignação deve estar dentro do objeto da lide, podendo ser exercido segundo os pressupostos de admissibilidade de um recurso. Não é porque houve um fato que mereça ser combatido dentro do processo, que o remédio processual deva ser um recurso, haja vista a possibilidade de uso de ações impugnativas como o mandado de segurança contra ato judicial, embargos de terceiro e a ação rescisória por error in procedendo. Tais impugnações detêm uma característica marcante, pois são postuladas em outra ação, e não pedem a revisão de ato judicial.

Nelson Nery Junior é um dos autores que sustentam serem os recursos prolongamento do exercício do direito de ação. O processualista assegura que a semelhança entre a ação e os recursos é tamanha, a ponto de as condições da ação e dos pressupostos processuais serem encontrados nos recursos, no que tange a seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos, respectivamente.42 Araken de Assis discorda de tal natureza jurídica dos recursos – a de prolongamento do direito de ação. O processualista, embora em discretas críticas, pondera que os recursos, anteriormente, eram admitidos como um prolongamento do direito de ação, pois não era necessária nova juntada de procuração, como nas ações autônomas; a dedução de pedido em juízo (CPC, art. 514, III) não se revestia de formalidades de uma ação, e não havia

41 “A doutrina dominante defende a idéia de que o recurso é continuação do procedimento, funcionando como

uma modalidade do direito de ação exercido no segundo grau de jurisdição. Seguimos o pensamento dominante, cujos fundamentos procuraremos demonstrar em seguida. Existem diferenças e nuanças de posicionamento, mas na essência negam seus seguidores a autonomia do recurso como ação autônoma” (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: Teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 190). “Sem medo de errar, pode-se fazer uma analogia entre o mecanismo que há entre os pressupostos de julgamento da lide (que são, especificamente, os pressupostos processuais e as condições da ação) e o mérito da ação, e as condições de admissibilidade de um recurso e o mérito do recurso. Não empobrece esta analogia a circunstância de, com relação aos recursos, o juízo de admissibilidade dever ser aferido endoprocessualmente, i.e., a partir de critérios encontráveis no próprio processo, o que não ocorre com a ação em que, por exemplo, a capacidade da parte (pressuposto processual positivo de validade) e legitimidade ad causam (condição da ação) são realidades que se localizam num plano quase pré-processual. Conforme assevera Barbosa Moreira, também ‘não turva (esta analogia) a circunstância de que, no primeiro caso, a provocação se fundamente em fato exterior e anterior ao processo (no caso da ação), ao passo que no segundo ela tem origem já processual (no caso do recurso), encontrando sua ratio essendi no próprio ato recorrido” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 135-136).

42 “Em sendo o recurso o prolongamento do direito de ação dentro do mesmo processo, há igualmente

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nova citação do recorrido. Aí estariam as linhas mestras para não admitir os recursos como prolongamentos da ação, porque não obedeciam às mesmas características da ação judicial. O doutrinador prega, que no agravo de instrumento, há necessidade de juntada – ainda que

repetida – de procuração, pois, dependendo do procedimento do Tribunal, há intimação

pessoal – aí se assemelhando a uma citação –, e, em alguns casos, não há citação para uma

própria ação autônoma, como nos embargos à execução, sendo tais distinções inexistentes. Acrescenta que nos embargos de divergência, por exemplo, há objeto totalmente estranho à lide, já que este recurso consiste em uma tentativa de pacificação de entendimento no Tribunal, e não uma revisão da decisão.43

Primeiramente, afirma-se que as necessidades apontadas em relação ao agravo de instrumento (como a juntada de procuração) existem, pois este é um recurso em que há julgamento pelo Tribunal sem “os autos em mãos”. É uma simples necessidade que a localização dos autos impõe, de serem entregues ao Tribunal as cópias necessárias ao exame do objeto do recurso (CPC, art. 525). No tocante à intimação pessoal para contrarrazoar, a Lei n. 10.352/01 modificou o art. 527, V, estabelecendo a intimação por imprensa oficial, onde houver circulação desta, o que já constituia o entendimento majoritário dos Tribunais44 e da doutrina.45 Constata-se que as distinções assinaladas por Araken de Assis são meramente

43 Cf. ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 44 e ss. 44 “Intimação do advogado pelo órgão oficial, quando este circula na Comarca do Juízo agravado, não constitui

violação ao disposto no art. 527, III, do CPC. Nulidade inexistente. Precedentes judiciais” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, EmbDec 599303773, 20ª Câmara Cível, rel. Des. José Aquino Flores de Camargo, j. 01.06.1999). “Processual civil. Agravo de instrumento. Intimação do recorrido. Órgão oficial. Possibilidade. 1. Admite-se a intimação do agravado mediante publicação no órgão oficial, pois o Diário de Justiça da União abrange todos os Estados que integram a 5.ª Região da Justiça Federal. Inteligência do art. 527, III, parte final, do CPC. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 4ª Turma, AgRegAgIn 33710-SE, rel. Des. Luiz Alberto Gurgel de Faria, j. 27.11.2001, DJU 17.01.2002, p. 1871). “Embargos de declaração. Agravo de instrumento. Intimação do agravado pelo Diário da Justiça. Ausência de manifestação do agravado para oferecimento de resposta. Questionamento sobre a legalidade da intimação. Inadmissibilidade. Aplicação do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça e art. 527, III, do CPC. Não conhecimento do recurso, com aplicação de multa. Decisão unânime” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, 6ª Câmara Cível, EmbDec 90800701, rel. Des. Antonio Lopes de Noronha, j. 25.04.2001). Com efeito, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo preceitua em seu art. 109 que, “para efeito de intimação, serão obrigatoriamente publicados no Diário da Justiça os atos que devam ser levados ao conhecimento das partes e dos advogados. [...] § 7.º Nos agravos de instrumento a intimação do agravado para responder e juntar documentos será efetivada na forma do § 7.º do art. 796.” O § 7.º do art. 796, por sua vez, assim dispõe: “§ 7.º O relator determinará a intimação do agravado, para que responda no prazo de 10 (dez) dias. Na comarca-sede do Tribunal e nas comarcas integradas ao sistema de intimação pela imprensa, esta far-se-á por meio de Órgão Oficial. Nas comarcas que não têm acesso a esse serviço os agravados serão intimados por ofício, dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento.” O Regimento Interno do Extinto 2.º Tribunal de

Alçada Cível do Estado de São Paulo traz em seu art. 135 semelhante disposição: “Se não houver determinação em contrário do relator, a Secretaria providenciará a intimação do agravado pela imprensa e, se for o caso, a abertura de vista ao Ministério Público.”

45 “Quid iuris, quando o Diário Oficial publica também as notas do expediente forense de comarcas vizinhas,

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formais, não podendo alterar a essência da natureza jurídica dos recursos, qual seja a de ser um meio de impugnação de ato surgido dentro da lide, admitindo-se que pode haver semelhança ou não entre tutela jurisdicional do primeiro grau e tutela recursal. Os recursos sempre serão impugnações de decisões surgidas dentro do processo, em que, a arbítrio dos legitimados, possam buscar a reforma das decisões proferidas, ainda que remotamente, como nos embargos de divergência.

Neste sentido, acata-se a concepção de Nelson Nery Junior, porque os recursos nada mais são do que formas de propiciar a rediscussão de decisões judiciais proferidas em um processo, desde que visem à revisão de tais atos antes da formação da coisa julgada.

Percebe-se que o recurso é um ônus de obter uma vantagem ou afastar uma desvantagem, pois implica manifestação de um inconformismo para buscar a reforma ou anulação de uma decisão.

O fato de ser o recurso um ônus não altera a posição, antes adotada, acerca da natureza jurídica: são conceitos que se completam, visto que tal ônus será exercido sempre dentro da mesma relação processual46 e, como preceitua Nelson Nery Junior, são ângulos diversos da mesma realidade.47

1.3 DO DIREITO DE RECORRER

Os recursos são meios de impugnação que prolongam a relação processual no tempo, pois mantêm a discussão sobre ela. Algumas questões podem surgir, com base nesse raciocínio, como, pelo fato de justamente haver esse prolongamento, poderia ser um modo de protelar um processo indo contra sua efetividade, ou mesmo se, ante o fundamento de ser a extensão de uma ação, estariam os recursos munidos das mesmas garantias que o direito de ação, e, por isso, se sobreporiam a qualquer possível risco de ato protelatório.

Justiça, e disso então, pois, os advogados de todo cientes, a intimação do agravado poderá, e deverá, ser igualmente efetivada por esta forma mais expedita e segura de comunicação processual, ubi eadem ratio” (CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 151).

46 Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. v. V. p. 236.

47 Cf. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: Teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista

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Conforme pondera Flávio Cheim Jorge,48 os recursos são vistos por alguns como um instituto eminentemente privatístico, em benefício somente do recorrente, e grande mal ao Judiciário brasileiro, revelando-se um vilão no que tange à morosidade deste.49

Não obstante o inconformismo e a ânsia pelo resultado rápido que a pós-modernidade provoca e, com isso, a tradição da impugnação, o que realmente motiva o recurso no sistema processual civil brasileiro é a busca pela qualidade da prestação jurisdicional. Assim, pelo fato de uma primeira decisão não se precaver da melhor técnica jurídica possível, é imperioso que um órgão superior revise a decisão proferida, para se prestar a tutela jurisdicional adequada ao jurisdicionado.

Os “recursos são julgados por órgãos colegiados, circunstância significativa, per si, de que a convergência de opiniões num mesmo sentido admite se concluir que o grau de perfeição do que tenha sido decidido aumenta sobremaneira”.50 É a fortificação do que se chama de segurança jurídica.

Egas Dirceu Moniz de Aragão, defensor do direito dos litigantes em terem “as causas julgadas com sentenças claras, precisas e completas”,51 para fundamentar a existência dos embargos de declaração, apregoa que os recursos são meio de dar o direito certo à parte, e considera que os movimentos de mitigação dos recursos não passam de tentativa de uma economia processual muitas vezes inexistente.

Apesar de o fato da norma jurídica dever ter, durante sua vigência, somente uma interpretação, é também objetivo dos recursos propiciar que tais interpretações cheguem a uma estabilização, a uma uniformização. As decisões dos Tribunais locais, e especialmente as do STJ e STF – o qual só decide sobre direito federal relevante –, atuam como unificadoras

de interpretações discrepantes dadas a um caso em concreto e devem servir como paradigmas de interpretação/inteligência das normas jurídicas.52

48 Cf. JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

p. 37.

49 “Embora seja um dado de nossa experiência o fato de que os recursos constituem um dos pontos que mais

contribuem para a morosidade da justiça em nosso país, ninguém está disposto a revisá-los, com o objetivo de reduzir-lhes o número ou dar-lhes disciplina que faça minimamente declinar o peso extraordinário de sua significação” (SILVA, Ovidio A. Bapista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 242).

50 ALVIM, José Manuel Arruda. Anotações sobre a teoria geral dos recursos. In: WAMBIER, Teresa Arruda

Alvim; NERY JUNIOR, Nelson (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 93.

51 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Demasiados recursos? In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios

de impugnação ao julgado civil. Estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 199.

52 Cf. ALVIM, José Manoel de Arruda. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência dos

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No plano do primeiro grau de jurisdição, a discrepância de interpretações das situações assume proporções exorbitantes, sendo imprescindível uma revisão visando à harmonização, e esta função é constitucionalmente atribuída aos recursos. Flávio Cheim Jorge53 detecta essa função constitucional no próprio princípio do devido processo legal: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

O recurso, como já dito no tópico atinente à sua natureza jurídica, é prolongamento do direito de ação, sendo disso indissociável, o que revela a elevação dos recursos ao próprio direito de ação, não cabendo nenhuma vedação do sistema ao processo recursal brasileiro. Ou seja, vê-se o recurso como direito de revisão da decisão para a garantia da ampla defesa.

Os recursos ainda possuem outra função, como lembra Othmar Jauernig,54 que é a de nortear os juízes nos seus pronunciamentos judiciais, já que os Tribunais exteriorizam entendimentos provocados pelo ato de recorrer. Tal fenômeno se dá quer por ser modo de saneamento de dúvidas, quer por exercer uma influência sobre os juízes, a fim de que estes atuem com maior responsabilidade no prestar a tutela jurisdicional.

As constituições em geral, ao estabelecerem a organização judiciária de um país, pregam a função constitucional dos Tribunais, e, obviamente, dos recursos que a estes são submetidos, não deixando azo a que a legislação infraconstitucional talhe os recursos, como se isso fosse uma solução para o problema do Judiciário. Armindo Ribeiro Mendes, ao comentar a importância dos recursos em Portugal, assevera que

[...] razoavelmente pode, pois, concluir-se que a lei constitucional parte do princípio de que a organização judiciária tem tribunais de primeira instância e tribunais de recurso. Parece impor-se, como conclusão, que o legislador ordinário não pode suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos.55

O doutrinador, ao analisar lei portuguesa que suprimia um recurso sobre procedimentos, em que o valor da causa era pequeno, foi enfático ao defender a inconstitucionalidade de tal norma, mesmo levando em conta a menor importância da causa perante o ordenamento. Isso porque a situação jurídica ficaria sem recurso que permitisse a revisão da causa. Outrossim, afirmou que toda situação jurídica deve ter um recurso que

53 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.

39.

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faculte a sua revisão e, assim, confirme sua legitimação perante os princípios constitucionais. Acrescentou o processualista português que

[...] o legislador ordinário não poderá, porém, ir até a ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos. [...] O legislador poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer por meio da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer pela mera actualização dos valores das alçadas, mas não retirar recurso do ordenamento.56

O doutrinador advertiu que se pode criar recurso para determinadas situações, restringindo a admissibilidade para outras, como no caso do agravo de instrumento no direito brasileiro, somente cabível diante de situações urgentes e de difícil reparação. No presente caso, ainda há o recurso para as demais situações, que é o agravo retido, porém não há um impedimento à recorribilidade.

O espanhol Manuel Ortells Ramos57 insere um dado interessante: a alçada do direito de recorrer ao status constitucional, não somente por ser este um prolongamento do direito de ação, mas também por ser manifestação expressa da efetividade da tutela jurisdicional, contida no art. 24 da Constituição Federal da Espanha. Esse dispositivo legal, princípio fundamental do direito espanhol, estende-se aos recursos justamente pela possibilidade de revisão pelo mesmo ou por outro órgão do Judiciário.

A função constitucional dos recursos e, em consequência, do direito de recorrer é reconhecida em ordenamentos que, em regra, seriam avessos aos recursos, como o norte-americano.58

É claro que é possível deparar com situações em que há a impossibilidade de recorrer; contudo, são situações excepcionalíssimas, como o julgamento do Presidente da República nas infrações penais pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, b, da CF/88) e pelo Senado, quando incorrer em crimes de responsabilidade (art. 52, I). Isso ocorre somente em situações sui generis, de processos nos quais é impossibilitada uma revisão por outro Tribunal por se

56 MENDES, Armindo Ribeiro. Recursos em processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1994. p. 101.

57 “En primer término, nel artículo 24 CE, ni el contenido esencial del derecho a la tutela judicial efectiva,

imponen al legislador el establecimiento de recursos en el proceso civil. En consecuencia, la mera falta de previsión de los mismos em la ley no genera inconstitucionalidad. Sin embargo, en el supuesto de que la ley los establezca, habrá inconstitucionalidad si el derecho a impugnar la resolución se regula con infración del principio de igualdad proclamado em el artículo 14 CE” (ORTELLS RAMOS, Manuel. Derecho procesal civil. 6. ed. Navarra: Thomson-Aranzadi, 2005. p. 482).

58 “Thus in federal courts the right to appeal derives from statute or court rule. Some state constitutions,

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tratar de instância máxima. Nos casos arquivados, o respeito aos princípios do devido processo legal e do contraditório é importante para demonstrar a correta leitura do sistema, o que não implica raciocinar que outras várias decisões judiciais possam ser irrecorríveis, justamente por todo esse resguardo constitucional que os recursos possuem e pela obrigação de o Estado de tutelar o direito da parte (art. 5º, XXXV, da CF/88).

Por tais razões, entre outras, Hugo de Brito Machado59 pontua que “a extinção dos recursos é providência que aponta para o totalitarismo do julgador, que é plenamente alcançado com a abolição de todos os recursos, chegando-se ao sistema de jurisdição de grau único”.

Assim, o direito de revisão da decisão é a manifestação mais expressa de busca pela real inteligência da aplicação da norma jurídica e, em alguns casos, das resoluções de situações jurídicas cotidianas. É a manifestação constitucional do direito de impugnar, sendo este imprescindível quando depara com uma questão de direito nova, ainda sem manifestação dos Tribunais.

1.4 O QUE SÃO RECURSOS EXCEPCIONAIS?

Os recursos possuem algumas classificações que variam, a depender do ordenamento e o doutrinador analisado. São encontradas (a) classificações tendo por base o conteúdo (ou capítulo) impugnado, assim classificando-se os recursos em parciais ou totais60; (b) classificações com relação à dependência dos recursos, classificando-os em principais e adesivos61. No entanto, há duas classificações tidas como mais significativas, (c) uma que tem por base o conteúdo da impugnação pela via do recurso (fundamentação do recurso)62, dividindo-se assim os recursos em de fundamentação livre – que são os recursos onde se pode alegar qualquer fundamento para impugnar a decisão recorrida, bastante a existência da decisão e o cabimento do recurso – e os recursos de fundamentação vinculada – que são recursos que só podem ser invocados quando existentes vícios específicos em uma decisão judicial, como no caso dos embargos de declaração, que visam impugnar um decisão judicial somente quando presentes os vícios de omissão, contradição ou obscuridade na decisão, de

59 MACHADO, Hugo de Brito. Agravo de instrumento, agravo regimental e o princípio da fungibilidade.

Revista Consulex, São Paulo, v. 2, n. 14, fev. 1998. p. 37.

60 Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2012. v. 2. p.

63.

61 Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. v. V. p. 252.

62 Cf. JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Referências

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