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ACÓRDÃO RECORRIDO QUE JULGA VÁLIDA LEI OU ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 131-135)

4 DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

4.3 ACÓRDÃO RECORRIDO QUE JULGA VÁLIDA LEI OU ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

De acordo com o ventilado no início deste capítulo sobre os recursos excepcionais, o recurso extraordinário brasileiro tem suas raízes no recours en cassation do direito francês e no writ of error do direito norte-americano. Este último, que talvez tenha até mais semelhança com os recursos excepcionais, previa na Seção 25 do Judiciary Act de 1789 que, quando a questão se tratasse de validade de lei ou ato normativo de um Estado, que o recorrente entendeu ser contrário à Constituição, aos Tratados ou à lei dos Estados Unidos, a decisão seria a favor de sua validade. 357Deste modo, verifica-se que, desde o writ of error, há previsão de controle dos atos do Governo que destoem da correta interpretação da Constituição Federal.

No Brasil, o pensamento foi seguido pelo art. 119 da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda 1/69. O mencionado dispositivo preceituava pelo cabimento de recurso extraordinário quando o acórdão recorrido atribuísse validade à lei ou a ato de governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal. Vê-se, no que toca à primeira previsão constitucional sobre o tema que já foi tratado de modo amplo, a ponto de

356 Exemplo disso foi realizado pelo e. TRF da 2.ª Região: “Em que pese a aparente vedação recursal

implementada pela Lei n. 11.187/2005, poderá a parte sucumbente impugnar os fundamentos da decisão monocrática pelo agravo interno, como forma de assegurar o princípio constitucional da colegialidade, garantia fundamental do processo que visa neutralizar o individualismo das decisões.” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região, 3ª Seção Especial, MS n. 200602010044162, rel. Des. Fernando Marques, j. 18.05.06, DJU 14.07.06. p. 167).

357 Cf. BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. São Paulo: Revista dos

abranger o acórdão do Tribunal estadual que entendesse válido qualquer ato do Poder Executivo, em detrimento de qualquer norma de âmbito federal.

Posteriormente, com a Constituição Federal de 1988358, “a Constituição Federal dividiu o Recurso Extraordinário em dois”359 ramificando o antigo art. 119, III, c, da CF/67, em recurso extraordinário cabível pela alínea c, quando o acórdão recorrido julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição, ou pela alínea d, quando o acórdão recorrido julga válida lei local contestada em face de lei federal. Previu ainda, como já dito no item 3.2, o cabimento de recurso especial quando o acórdão do Tribunal ordinário julgue válido ato de governo local contestado em face de lei federal.

A intenção do legislador foi combater a realização de atos executivos pelos governos locais em desfavor das normas de âmbito nacional. Ocorre que, como houve a “divisão” entre recurso extraordinário como meio de tutelar a correta interpretação da CF/88, e recurso especial para a guarda da legislação federal infraconstitucional, as hipóteses também necessitaram de uma divisão.

Dado que para se verificar a legalidade de um ato (administrativo) de governo local em face de lei federal é necessário interpretar estritamente o dispositivo da lei, como trazido no item 3.2, retro, a hipótese ficou resguardada ao recurso especial, conforme se extrai da alíena b do inc. III do art. 105 da CF/88. Já para o caso de conflito entre lei local e lei federal, por ser necessário consultar as regras constitucionais sobre a competência legislativa para a situação, é cabível recurso extraordinário, conforme o art. 102, III, d, como se verá no item seguinte. Por outro lado, quando a questão envolve um julgamento de validade de lei ou ato de governo em detrimento da Constituição, faz-se necessário examinar exclusivamente o dispositivo constitucional a fim de concluir se, no julgamento pelo Tribunal a quo que declarou válida lei ou ato de governo local, houve ou não lesão à sua correta interpretação. É neste último caso que reside a razão de ser do cabimento de recurso extraordinário pela alíena “c” do inc. III do art. 102, III da CF/88.

Em razão do exposto, verifica-se que as hipóteses tratadas no parágrafo anterior são extremamente semelhantes uma das outras, devendo ser analisado o contraste para extrair primeiramente o recurso cabível e, depois, por qual alínea.

358 Levando-se em conta a Emenda Constitucional 45/2004.

359 NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil comentado. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, nota I ao art.

325 do RISTF. p. 2102. apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.p. 265.

Preliminarmente, deve-se verificar qual ato de governo local é tido como válido, e ao depois, em detrimento de qual legislação. Por isso, Rodolfo de Camargo Mancuso360 ressalta que a diferença está no contraste entre as hipóteses estampadas no art. 105, III, b, e 102, III, c, da CF/88, afirmando:

[...] as hipóteses sob alíneas “b” do art. 105, III (recurso especial), e “c” do art. 102, III (recurso extraordinário), podem e devem ser tratadas conjuntamente, porque nelas o núcleo é comum: a decisão recorrida privilegiou o direito local. A diferença específica, que irá determinar se ela desafiará recurso especial ou extraordinário está no contraste que órgão a quo tenha feito: se foi uma lei federal que restou afastada, o caso será de recurso especial; se o conjunto resultou em desfavor de permissivo constitucional, o caso será de extraordinário, pelas alíneas c ou d, do art. 102, III, conforme o caso.

Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha ponderam que a diferença das hipóteses de cabimento também está no contraste quando se comparam o art. 105, III, b, e o art. 102, III, d361.

Detectado que o contraste é entre lei ou ato de governo local e a Constituição Federal, ainda há algumas situações que, necessariamente, hão de ocorrer para a subsunção da norma insculpida no art. 102, III, c, da CF/88.

Para Rodrigo Barioni362, em primeiro lugar deve haver uma contestação ou impugnação pelo recorrente, ou seja, deve-se aduzir, nas suas razões recursais ou na petição inicial que originou o acórdão recorrido, que o ato do governo ou a lei local é contrária à

360 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010.p. 265. Nelson Luiz Pinto, comentando a redação ao art. 102, III, c, da CF, anteriormente à Emenda 45/2004, entendeu que “a aliena c refere-se à hipótese semelhante à da alínea b do art. 105, III, da CF/88, que trata do recurso especial, com a diferença de que, aqui, estamos diante de aplicação de lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal.” (PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos

cíveis. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 225).

361 “Na verdade, essa hipótese de cabimento do recurso extraordinário pode e deve ser tratada conjuntamente

com a hipótese seguinte, da letra ‘d’. A diferença específica está no contraste que o órgão a quo tenha feito: se o ato ou a lei local prevalece sobre a norma constitucional, cabe o extraordinário pela alínea ‘c’. Diversamente, se a lei local atenta contra (rectius, incave competência de) lei federal, cabe recurso extraordinário pela letra ‘d’, pois, neste último caso, a questão também é constitucional, exatamente por aguardar pertinência com a competência legislativa concorrente de que trata o art. 24 da Constituição Federal.” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da.Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos Tribunais. 5. ed. Salvador: Podivm, 2008. v. 3. p. 310).

362 “A aliena c do inc. III do art. 102, da CF, pressupõe, em primeiro lugar, que tenha havido contestação, isto é, impugnação da validade da lei ou do ato de governo local diante de dispositivo constitucional. Em segundo

lugar, a decisão recorrida deve ter rejeitado a imputação de inconstitucionalidade da lei ou do ato de governo, reconhecendo-os válidos.” (BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 212).

Carta Magna e, após, deve o Tribunal declarar o ato ou lei local válida em detrimento da Constituição.

Sem desmerecer o pensar do ao ilustre processualista, discorda-se da primeira parte da afirmação. O dispositivo constitucional preceitua pelo cabimento de recurso extraordinário se for demonstrado pelo recorrente, em suas razões de recurso extraordinário, que o acórdão recorrido entendeu como válido lei ou ato de governo local que esteja em desacordo com um dispositivo constitucional, não sendo obrigatório que a questão tenha sido levantada pelo recorrente. Por exemplo, o recorrente poderia ter suscitado, em suas razões de apelação, que uma lei estadual é inconstitucional perante o art. X da CF/88, e o Tribunal local, em seu acórdão, ter entendido como válida a lei estadual, tanto porque respeita o art. X da CF/88, bem como por respeitar o art. Y da Constituição. Se o recorrente, que não tinha contestado a lei estadual com fundamento no art. Y, entender que, com esse fundamento, seu recurso extraordinário agasalha mais chances de êxito, é permitida a oposição do recurso excepcional alegando que a lei estadual deve ser declarada inválida por vício de inconstitucionalidade, pois desrespeita o art. Y da CF/88.

Resta ainda definir o que é lei local e o que é ato de governo local. Segundo Araken de Assis, “os atos do governo – expressão nada feliz – são os atos administrativos, em geral, originários dos Poderes locais (Executivo, Legislativo e Judiciário)”.363 Rodrigo Barioni completa afirmando que tais atos de governo local também podem englobar atos “dos órgãos da administração pública (autarquias, fundações públicas, etc.)”.364 Já a expressão “lei local” engloba qualquer norma jurídica editada por qualquer dos órgãos Legislativo, Executivo ou Judiciário das esferas municipal, estadual ou distrital.

Outro ponto a ser mencionado é que, para o cabimento do recurso extraordinário pela alínea c, é obrigatório que o acórdão recorrido tenha afirmado que o ato da administração pública local é constitucional.365Do contrário, se o acórdão afirma pela inconstitucionalidade, não há o preenchimento do preceituado pela alínea c para possível recurso da administração pública. Neste caso, deverá invocar a hipótese ordinária de cabimento pela alínea a, pois se estará discutindo a interpretação do dispositivo constitucional em si.

363 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 765.

364 BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010.p. 212.

365 “Declarando o órgão judiciário a constitucionalidade perante a CF/88, o STF reexaminará a questão através

de recurso extraordinário, a teor do art. 102, III, c; ao revés, pronunciando o órgão judiciário a inconstitucionalidade, e, portanto, respetitando a supremacia da Constituição da República, recurso extraordinário somente se admitirá configurado outro tipo – o do art. 102, III, a, da CF/88” (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 765).

4.4 CABIMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUANDO O ACÓRDÃO

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 131-135)

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