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Da necessidade de a decisão impugnada ser de recurso excepcional

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 163-166)

5 DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

5.3 CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

5.3.1 Da decisão impugnada pelo recurso de embargos de divergência

5.3.1.1 Da necessidade de a decisão impugnada ser de recurso excepcional

O art. 546 do Código de Processo Civil, primeira fonte normativa quanto ao cabimento dos embargos de divergência, preceitua claramente que a decisão recorrida deve ser proveniente de recurso excepcional.

Lembrando o pequeno histórico que foi trazido no item anterior, o art. 6.º, II, b, do Dec.-Lei 6/1937, bem como o parágrafo único do art. 833 do CPC/39, preceituava que cabia o recurso de embargos de divergência quando houvesse divergência entre decisão de Turma

443 Cf. ABDO, Helena Najjar. Embargos de Divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de

direito comparado. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos

com decisão de outra Turma ou mesmo do Pleno. Ou seja, quando do surgimento do recurso ora tratado, esse tinha realmente o intuito de corrigir qualquer dissenso jurisprudencial acerca de uma tese jurídica, independentemente do meio de impugnação que gerou o acórdão. Desta forma, era cabível o recurso de embargos contra decisão de mandado de segurança, de reclamação constitucional, de recurso extraordinário, de ação rescisória, e qualquer outro julgamento no Supremo. O Código de 1973 estabeleceu a primeira restrição quanto ao cabimento do recurso de embargos de divergência, o qual foi seguindo até os dias de hoje, não sendo modificado pelo RISTF, em seu art. 330. Neste sentido, a redação atual é bem clara no sentido de que somente cabe o recurso de embargos de divergência para impugnar acórdão de recurso excepcional, tornando inaplicável o art. 330 do RISTF, conforme grande parte da doutrina444, e as Súmulas 315 do STJ445, e 300 do STF446 preceituam.

Quanto ao cabimento de embargos de divergência somente para impugnar acórdãos de recursos excepcionais, por uma simples interpretação gramatical, não restam dúvidas, já que o preceito é claro (art. 546 do CPC). Porém, opina-se pela não completude técnica do legislador em tal posicionamento.

O objetivo do recurso em questão é eliminar a divergência interna dos Tribunais Superiores, pois, justamente por estes serem os guardiões da interpretação do ordenamento jurídico brasileiro, devem dar a correta e única interpretação acerca da tese jurídica. Poder-se- ia até pensar que a intenção do legislador foi no sentido de restringir o cabimento dos embargos de divergência para somente impugnar decisões de recursos excepcionais, já que, em regra, são neles que os Tribunais Superiores exteriorizam a interpretação da norma jurídica, e, via de consequência, só neles haveria dissenso jurisprudencial interno que justificasse o cabimento dos embargos de divergência.

Com todo o respeito aos que seguem tal pensamento, afirma-se que tal raciocínio é equivocado. O Tribunal Superior pode exteriorizar o entendimento acerca de uma tese jurídica até mesmo em um recurso ordinário constitucional447 no caso de competência atribuída pelo art. 105, II, b, da CF/88. Pode, eventualmente, o entendimento desta decisão contrariar o do Tribunal em vários outros julgados. O que é interessante, no caso, é que se a segurança tivesse sido concedida e não denegada no Tribunal a quo, pela própria locução do dispositivo

444 Cf. MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no Processo Civil. 5. ed. São Paulo:

Atlas, 2007.p. 163; TORREÃO, Marcelo Pires. Dos embargos de divergência. Porto Alegre: Fabris, 2004. p. 114; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. V. p. 634.

445 “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial.” 446 “São incabíveis os embargos da Lei n. 623. de 19 de fevereiro de 1949, contra provimento de agravo para

subida de recurso extraordinário.”

constitucional, não caberia recurso ordinário constitucional, mas somente o recurso especial com base no inc. III, alíneas a a c da Carta Magna, ou seja, a mesma questão poderia ser decidida pelo mesmo órgão. No entanto: (a) no primeiro caso, não caberia o recurso de embargos de divergência pelo fato de o pedido do mandado de segurança ter sido julgado improcedente no Tribunal a quo, e a questão ter chegado ao órgão julgador por meio de recurso ordinário constitucional, assim permitindo-se a divergência de entendimentos de Turmas dentro de um Tribunal Superior, como se isso não fosse nocivo ao sistema e aos jurisdicionados que dele esperam segurança jurídica; (b) no segundo caso, caberia o recurso de embargos de divergência, pois, como a segurança foi concedida no Tribunal a quo, a questão chegou ao Tribunal Superior via recurso especial, então a divergência jurisprudencial merece ser sanada pelo órgão competente sob pena de gerar grave insegurança aos jurisdicionados.

Ainda pode ser utilizado o exemplo de uma decisão de Reclamação Constitucional apresentada no Supremo Tribunal Federal448, onde a Turma decide de modo totalmente diverso de outros julgados de outra Turma ou do Pleno onde se discutia competência do Supremo Tribunal Federal.

Vê-se, de acordo com os exemplos trazidos, que podem perfeitamente as Turmas dos Tribunais Superiores proferir decisões em outros recursos ou ações de competência originária que contrariem completamente do entendimento de outros órgãos de tais Tribunais. Assim, se o objetivo dos embargos de divergência é evitar que Turmas decidam de forma diferente do entendimento do Tribunal Superior, mas se o cabimento do recurso de embargos de divergência se dá somente para impugnar acórdãos de recursos excepcionais, tal intenção de uniformizar entendimento não é alcançada em sua totalidade.

Tendo em vista a necessidade de tutela jurisdicional contra a discrepância de entendimento de interpretação de tese jurídica e considerando que o objetivo do legislador, com a criação dos embargos de divergência, foi impedir que Turmas (órgãos fracionários) decidam em desconformidade com outras turmas, ou órgãos de cúpula, o mais coerente e salutar para o sistema é a possibilidade de impugnação na via dos embargos de divergência contra qualquer decisão de Turma que contrarie entendimento do Tribunal Superior, e não somente as proferidas em matéria de recurso excepcional.

Tendo em vista os argumentos ora trazidos, neste ponto foi muito feliz a redação do art. 997, inc. IV, do Projeto do Novo Código de Processo Civil449, que, apesar de restringir o cabimento dos embargos de divergência ao Superior Tribunal de Justiça, estendeu tal hipótese de impugnação para além dos acórdãos de recursos especiais, abrangendo os acórdãos de todas as ações de competência originária do Superior Tribunal de Justiça.

Posto isso, de lege lata, de acordo com a interpretação gramatical e a mens legis hodierna das transformações acerca do cabimento dos embargos de divergência, entende-se cabível o recurso ora tratado somente contra decisões proferidas no caso de recurso excepcional, porém, de lege ferenda, ante a função dos embargos de divergência de eliminar a disparidade de entendimentos acerca de uma mesma tese jurídica, e o dever de os Tribunais Superiores exteriorizarem somente um entendimento acerca de uma questão de direito,bem como a possibilidade de as Turmas firmarem entendimentos, em outras decisões, além das decisões de recurso excepcional, necessário se faz o cabimento dos embargos de divergência contra qualquer acórdão proferido por Turma em Tribunal Superior, o que muito provavelmente ocorrerá tendo em vista a redação do art. 997, inc. IV, do Projeto 166/2010 do Senado Federal.

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 163-166)

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