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O Método BPI para criança : considerações acerca de uma prática corporal realizada com crianças de 7-8 anos

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Academic year: 2021

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MARIANA FLORIANO

O MÉTODO BPI PARA CRIANÇA:

considerações acerca de uma

prática corporal realizada com

crianças de 7-8 anos

CAMPINAS

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

MARIANA FLORIANO

O MÉTODO BPI PARA CRIANÇA:

considerações acerca de uma

prática corporal realizada com

crianças de 7-8 anos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra de Artes da Cena, na Área de Concentração: Dança, Performance e Teatro.

Orientadora: Graziela Estela Fonseca Rodrigues

Este exemplar corresponde à versão final de Dissertação defendida pela aluna Mariana Floriano, e orientada pela Prof.ª Dr.ª Graziela Estela Fonseca Rodrigues.

CAMPINAS

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AGRADECIMENTOS

À Prof.ª Dr.ª Graziela Rodrigues pela orientação e direção nestes anos de trabalho. Pelo exemplo e inspiração, por acreditar no meu processo e proporcionar um espaço rico e de aprendizado ao seu lado. Por aceitar meus erros e pela força para superá-los. Por ser uma mestra dedicada, atenciosa, cuidadosa e generosa.

À Prof.ª Dr.ª Larissa Sato Turtelli pela vivência inspiradora e pelas contribuições nesta pesquisa e no meu desenvolvimento artístico e pessoal.

À Prof.ª Dr.ª Maria da Consolação Tavares pelas contribuições durante o Exame de Qualificação e durante a Defesa desta dissertação.

Aos companheiros de trabalho do Grupo de Pesquisa “Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) e Danças do Brasil” pela união e pelo apoio nas atividades com as crianças.

Aos estagiários Jun Hosotani. Flávia Pagliusi e Carol Constantino pelo apoio nas atividades com as crianças

À Elisa Massariolli da Costa, Nara Cálipo Dilly, Flávio Campos Braga e Sara Dias Vallardão pela amizade sincera.

À Crisia Airiny pelo companheirismo no dia a dia.

Ao João Maria e Igor Capelatto pelas edições do vídeo, Júlio Giacomelli pela arte gráfica e Janaína Possati pela revisão do texto.

Ao Colégio Educap, em especial ao Coordenador Marcus Novaes, pela parceria.

À FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP – pelo financiamento desta pesquisa.

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RESUMO

Este projeto intitulado “O Método BPI para criança: considerações acerca de uma prática corporal com crianças de 7-8 anos” é fruto de uma pesquisa de criação e formação no Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI). O projeto teve por objetivo desenvolver uma prática corporal no Método BPI para crianças, considerando aspectos do desenvolvimento humano, principalmente os estudos de imagem corporal e de psicomotricidade. Como procedimento, foram realizados 27 encontros com 10 crianças na faixa etária de 7-8 anos no Colégio EDUCAP da Cidade de Campinas, nos quais foram aplicadas as seguintes ferramentas do Método BPI: Técnica de Dança, Técnica dos Sentidos, Laboratórios Dirigidos e Registro, ambientados pela temática dos festejos de Boi. Como principal estratégia de aproximação e de identificação com as crianças foram apresentadas cenas de um roteiro coreográfico da personagem Menina. Essa personagem foi resultante de um processo criativo no Método BPI, anterior ao Mestrado, vivenciado no corpo da pesquisadora. Após a atividade com as crianças, foram organizados os registros audiovisuais coletados durante os encontros e os diários de pesquisa da pesquisadora sobre a atividade, e realizados laboratórios corporais da pesquisadora dirigidos pela Prof.ª Dr.ª Graziela Rodrigues. Os dados obtidos apresentam resultados positivos para o desenvolvimento corporal do grupo de crianças participantes, levantando discussões sobre a importância de serem desenvolvidos o imaginário e a criatividade, aspectos bastante atrofiados neste grupo de crianças. Outro ponto de discussão envolve as reverberações no corpo da pesquisadora a partir da sua atuação como diretora no trabalho com as crianças, destacando o desenvolvimento pessoal e artístico enquanto aprendiz do Método BPI. As conclusões revelam aspectos fundamentais no Processo BPI para crianças: o brincar, no sentido pleno, como ponte para o desenvolvimento corporal das crianças e o preparo do diretor para conduzir uma prática corporal com crianças, que envolve a sua própria reconexão com a criança que ele foi. Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP – e foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Palavras-chave: Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI); Dança para Criança; Dança – Brasil.

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ABSTRACT

This Project named “The BPI Method for children: considerations over a body practice with 7-8 years old children” is a research of creation and training at the Dance-Researcher-Performer (BPI) Method. The aim of the project was to develop a body practice at the BPI Method for children, considering human developments aspects, specially those among body image and psychomotor. As a procedure, it was made 27 encounters with 10 kids among 7-8 years old of the Colégio EDUCAP School at Campinas city, in wich were applied BPI Method tools: Dance techniques, Senses Techniques, Registers and Conducted Laboratories, acclimatized by the Boi Celebration theme. As main goal of approaching and identification with children, it were shown scenes of a choreographic script of Menina’s character. This character was the result of a creational process at the BPI Method, before the Master’s degree, experienced in the researcher’s body. After the activity with the children, the organization of the collected video records and the research diaries were made over the activity. Furthermore the researcher made body practice laboratories, directed by the Graziela Rodrigues, Dr. Prof. The data obtained indicates positive results for the children’s body development, raising discussions over the importance of developing the imagination and creativity, aspects very stunted in this group of children. Another point of discussion involves the reverberations in the researcher’s body from her work as a director of the group of children, highlighting the artistic and personal development as apprentice at the BPI Method. The deductions indicates fundamental aspects at the BPI Process for children: the play, in its full sense, as a bridge for the body development of the children and the director’s prepare to conduct a body practice with children, that involves his own reconnection with the child he has been once. This research was approved by Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP – and was funded by Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Keywords: Dance-Researcher-Performer; Dance for Children; Brazilian Dance.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 1

1 – INTRODUÇÃO ...3

O Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete: pontos importantes para a compreensão da pesquisa ... 5

Graduação em Dança (UNICAMP) ... 15

A pesquisa de Iniciação Científica ... 17

A Personagem Menina: primeiras observações ... 22

Estágio Supervisionado da Licenciatura em Dança ... 28

Consolidando o projeto de Mestrado ... 29

A criança de 7-8 anos: revisão bibliográfica ... 30

Resumo das etapas da pesquisa... 39

2 – DESCRIÇÃO DO PROJETO ... 43

Objetivo ... 45 Metodologia ... 45 Procedimentos ... 46 Crianças da pesquisa ... 48 Materiais ... 49

Ferramentas do Método BPI ... 50

Estratégias ... 50

3 - ORGANIZAÇÃO DOS DADOS ... 51

A prática corporal com as crianças ... 53

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4 - DISCUSSÃO ... 79

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA CORPORAL ... 81

O trabalho com os pés ... 81

“Contar uma história com os pés” ... 87

O imaginário atrofiado... 90

As apresentações da personagem Menina ... 95

A musicalidade e os objetos ... 100

Festejos de Boi: as matrizes, os movimentos e seus elementos ... 114

O registro: os desenhos, histórias escritas e modelagens na argila ... 120

Os laboratórios corporais ... 145

A entrada no eixo Inventário no Corpo ... 153

Reflexão Final: Imaginar, Criar e Brincar ... 155

REVERBERAÇÕES NO CORPO DA BAILARINA-PESQUISADORA ... 163

Os laboratórios preparatórios ... 163

A atividade com as crianças ... 167

Os laboratórios simultâneos à atividade com as crianças ... 174

Menina e Urubu: a Heroína e a Sombra ... 175

Os laboratórios seguintes ... 179

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 183

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 187

ANEXO ... 195

Anexo 1 - A PERSONAGEM MENINA ... 197

Anexo 2 - PARECER DA COMISSÃO DE ÉTICA EM PESQUISAS – CONEP ... 205

Anexo 3 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 207

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APRESENTAÇÃO

Esta pesquisa tem como eixo o Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) para criança. O objetivo central do estudo foi destacar o desenvolvimento pessoal e artístico de crianças na faixa etária de 7-8 anos a partir da condução de uma prática corporal do Método BPI organizada, exclusivamente, para crianças, sujeitos de pesquisa nunca antes participantes do Processo BPI. Conforme as regras de ética em pesquisa com sujeitos, o projeto foi submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e aprovado em Outubro de 2012, com parecer n.º 134.251.

O texto intercala a primeira pessoa do singular e a terceira pessoa do plural, o que sugere momentos de relato da pesquisadora e momentos de abordagem em conjunto com a Prof.ª Dr.ª Graziela Rodrigues, orientadora desta pesquisa e diretora no processo corporal da pesquisadora.

Na Introdução, apresentamos o Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) e destacamos conceitos e aspectos essenciais para a discussão da pesquisa. Abordamos, com detalhes, a trajetória da pesquisadora pelo Método BPI, percorrendo os caminhos do processo instaurado durante a Graduação em Dança na UNICAMP e durante a Iniciação Científica realizada em 2009, trabalho cujos resultados e questionamentos culminaram na proposição do projeto de Mestrado. Apresentamos, também, as etapas do projeto e uma revisão bibliográfica acerca da criança em desenvolvimento, evidenciando a faixa etária de 7-8 anos.

Na Descrição do Projeto, apresentamos um panorama do projeto, relatando o objetivo, o método, os procedimentos, os sujeitos participantes, as ferramentas, as estratégias e os materiais utilizados na pesquisa.

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A Organização dos Dados encontra-se dividida em dois capítulos, sendo que ambos trazem a organização dos dados obtidos na atividade com as crianças a partir dos seguintes focos:

A prática corporal com as crianças;

As estratégias utilizadas na prática corporal.

A organização dos dados apresentada nestes dois capítulos, citados acima, foi realizada a partir do estudo corporal proposto no livro Bailarino-Pesquisador-Intérprete: processos de formação, escrito pela Prof.ª Dr.ª Graziela Rodrigues (1997), e das ferramentas do Método BPI, cuja síntese encontra-se na comunicação As ferramentas do BPI (RODRIGUES, 2010).

A Discussão foi organizada em dois capítulos. No capítulo Considerações

sobre a prática corporal, propomos um olhar para a resposta corporal das crianças à

condução do trabalho com as ferramentas do Método BPI e às estratégias utilizadas nos encontros com este grupo. Abordamos questões referentes à criatividade e ao imaginário deste grupo de crianças e à importância do brincar. No capítulo

Reverberações no corpo da bailarina-pesquisadora, o foco está no processo da

pesquisadora a partir do contato com as crianças. Relatamos os laboratórios corporais da pesquisadora dirigidos pela Prof.ª Dr.ª Graziela Rodrigues antes, durante e depois da atividade com as crianças. Neste percurso, o capítulo evidencia as realizações e as dificuldades da pesquisadora ao conduzir a atividade e destaca a importância do preparo do diretor para conduzir um trabalho corporal com crianças.

As Considerações Finais pontuam aspectos importantes a respeito de uma prática corporal com crianças no Método BPI, tais como: o contrato, o espaço e o tempo dos encontros. O capitulo levanta a questão da ética do diretor no entrelace das crianças com seus responsáveis.

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O Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete: pontos importantes para

a compreensão da pesquisa

O Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) é um método de pesquisa e criação em dança que valoriza o processo corporal do bailarino em busca de uma criação artística única, carregada de originalidade e força de vida, ao qual os desenvolvimentos artístico e pessoal se encontram integrados. É, em sua excelência, um processo que valida a experiência corporal da pessoa que o vivencia ao lidar com uma visão de corpo integrado em seus aspectos fisiológicos, mentais, libidinais, emocionais, sociais e culturais.

O Método BPI vem sendo desenvolvido desde 1980 pela Prof.ª Dr.ª Graziela Rodrigues, primeiramente vivenciado no corpo da própria professora por meio de inúmeras pesquisas de campo e de criações artísticas ímpares e, posteriormente, no Departamento de Artes Corporais e no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da UNICAMP. Esse método é sistematizado em eixos1, ferramentas e instrumentos para abarcar uma metodologia de criação artística em Dança.

O Método BPI trabalha a identidade corporal do bailarino-pesquisador-intérprete ao propor que ele desbrave seu processo corporal por meio de uma intensa investigação pessoal e por meio de uma trajetória que lhe traz vitalidade e plenitude. A imersão no processo Bailarino-Pesquisador-Intérprete torna a pessoa detentora de sua corporeidade por meio de um percurso pela sua história pessoal e por meio da relação que ele estabelece com o outro. O método utiliza como fonte as manifestações culturais brasileiras e os segmentos sociais brasileiros marginalizados, em que são localizados

1 O Método BPI estrutura-se em três eixos que atuam de forma sistêmica, podendo, também, ser

consideradas fases do processo: O Inventário no Corpo, O Co-habitar com a Fonte e A Estruturação da Personagem. Seus eixos permeiam todo o processo em contínuo movimento.

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habitats de vida e corpos com potência. Entretanto, é importante salientar que a cultura brasileira não é o principal foco do trabalho no Método BPI, mas é um aspecto importante no desenvolvimento do bailarino-pesquisador.

Graziela Rodrigues (1997, p. 147) esclarece:

O fato do processo estar vinculado a um contexto nacional, bojo de várias manifestações culturais, não significa que seu principal objetivo esteja voltado para uma estética brasileira, mas sim para o que ela nos propicia: o desenvolvimento das potencialidades artísticas numa relação mais direta do bailarino com a vida ao seu redor.(...) Sua essência [do método] reside na inter-relação dos registros emocionais que emergem da vivência na pesquisa de campo com a memória afetiva do próprio intérprete.

As manifestações brasileiras com seus personagens, sua musicalidade e seu movimento transbordam festividade e fantasia, elementos da cultura que são vitais para a existência humana (COX, 1974). Nesta referência, Harvey Cox2 destaca a festividade como a capacidade genuína de celebrar e a sua relação com a memória/passado, e a fantasia como o potencial criativo e a sua relação com a esperança. Ao longo de mais de trinta anos de pesquisas de campo registradas em teses, dissertações, livros e artigos, o Método BPI nos mostra que as manifestações populares brasileiras estão intimamente ligadas aos corpos marginalizados da sociedade brasileira – homens, mulheres e crianças que lutam dia a dia pela sobrevivência. Em muito destes corpos, encontram-se força, potência, resistência, vitalidade, modos de viver e de festejar, saberes, dor e superação.

As manifestações populares brasileiras, presentes na cultura popular, são consideradas como uma forma de consciência, através dos saberes e da experiência das pessoas que a vivem. Possuem a característica de se relacionarem com o modo de viver, sentir e agir, com a identidade cultural, a união de festividade e cotidiano e com o sentido de resistência cultural. (MELCHERT, 2010, p. 96)

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O contato com esses campos, fontes de origem e de esperança, é parte do Processo BPI; a pessoa em processo é convidada a entrar em contato com o outro e a refletir sobre esta experiência, percebendo seu corpo e o corpo do outro na vivência de campo, promovendo uma experiência de alteridade.

Mesmo que a etapa da pesquisa de campo seja um momento de abertura corporal para apreender o universo do outro, é importante que o bailarino-pesquisador-intérprete tenha um olhar voltado para as suas sensações e emoções, para a percepção da sua postura diante daquele universo. Ter um olhar reflexivo sobre os estados corporais durante o campo proporciona ao bailarino desbravar cada vez mais a sua história corporal, pois a reflexão gera questionamentos sobre si mesmo e sobre o mundo que o circunda.

Além disso, a escolha do campo e do objeto que será pesquisado é feita pelo bailarino-pesquisador de acordo com “aquilo que o motiva”, isto é, “a proposta de campo de pesquisa está relacionada a aspectos internos do pesquisador, que naquele momento tornam-se vitais para ele vivenciá-los” (RODRIGUES, 2003, p. 106). A pesquisa de campo está intimamente ligada à identidade do bailarino-pesquisador-intérprete, pois está relacionada ao “conteúdo imanente desse corpo” (RODRIGUES, 2003, p. 106).

Durante todo o processo no Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete, toca-se em questões relacionadas ao desenvolvimento da imagem corporal.

No BPI trabalha-se todo o tempo com mudanças na imagem corporal. Tanto através da incorporação de adereços e objetos, quanto através dos movimentos, imagens, sensações e de diferentes vivências emocionais. O conceito de imagem corporal é utilizado no BPI, pois auxilia na compreensão dessas transformações do corpo – as quais superam seus limites físicos – e no entendimento do movimento como fenômeno individualizado, que integra inúmeras experiências, memórias e anseios, e está ligado a uma identidade corporal do intérprete. (TURTELLI, 2009, p. 28)

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A principal referência sobre imagem corporal utilizada no Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete são os estudos de Paul Schilder3. Para Schilder (1999, p.7), imagem corporal é o “modo como nosso corpo se apresenta para nós”, uma figuração do corpo por meio de uma representação mental que abarca os aspectos mentais, fisiológicos, sociais e libidinais. Percepção, sensações táteis, musculares e viscerais, postura, tônus e experiências vividas são elementos que dinamizam a imagem corporal que temos de nós mesmos.

A imagem corporal é a maneira pela qual nosso corpo aparece para nós mesmos. É a representação mental do nosso próprio corpo. A abordagem da imagem corporal incrementa a convergência de intervenções motoras e psíquicas na busca do desenvolvimento da pessoa. A questão central se refere ao cerne da identidade corporal. (TAVARES, 2003, p.27)

O desenvolvimento da imagem corporal está em íntima relação com a identidade do corpo, pois os aspectos e os elementos relacionados à construção da imagem mental dizem respeito ao reconhecimento do indivíduo como ser existencial.

A possibilidade de o indivíduo reconhecer pela vida a fora sua presença real e sentir que é reconhecido e valorizado pela sua singularidade é ponto-chave para a integridade de sua identidade corporal. É o ponto de partida para o desenvolvimento de uma imagem corporal integrada e positiva. Garante a vivência de sua impulsividade em um contexto prazeroso em que sua energia vital flui nas atividades que realiza. (TAVARES, 2003, p.101)

O Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete permite “dançar de posse da própria identidade” (RODRIGUES, 2003, p. 159), pois lida com o corpo real (RODRIGUES, 2003) ao valorizar o que esse corpo irá produzir de posse com sua história em contínuo desenvolvimento e dinamismo. O processo prioriza o percurso interno e está intimamente ligado às imagens deste corpo na sua relação consigo e com o mundo. No eixo Inventário no Corpo, o resgate da história corporal leva o bailarino-pesquisador a travar uma busca pela sua existência. Na etapa da pesquisa de campo, vinculada ao eixo Co-habitar com a Fonte, o bailarino-pesquisador dispõe-se para apreender

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cinestesicamente os modos de viver e de festejar do outro, e isto proporciona uma interação entre as imagens corporais do bailarino e os corpos da pesquisa de campo. A personagem é uma modificação dinâmica da imagem corporal do bailarino-pesquisador-intérprete após a pesquisa de campo. “Toda essa dinâmica de materializar as imagens, no corpo e no espaço, vai estruturando o corpo da personagem” (RODRIGUES, 2003, p.132).

Campos (2012, p. 108) evidencia:

As relações afetivas no método BPI implicam num aprofundamento do intérprete sobre si mesmo. Deste aprofundamento dependerá a criação de um produto cênico dotado de originalidade e potência expressiva. Entretanto, o mergulho do intérprete sobre si mesmo está diretamente ligado e depende das relações interpessoais. Então, é possível dizer que, através da sintonia com o diretor e a partir da identificação cinestésica com os sujeitos do campo, a investigação do intérprete sobre si mesmo se intensifica. No BPI, o outro viabiliza que o intérprete reconheça aspectos desconhecidos de sua identidade. Esta relação possibilita que o sujeito em processo dê vazão a seus conteúdos internos, dando consciência ao inconsciente.

Acolher as relações no corpo requer estar em um estado permanente de sintonia, seja consigo mesmo ou com outro. Ao voltarmos a atenção para nosso corpo, nos conectamos cada vez mais com nós mesmos, nesta busca pela relação. Erskine4 (1997, p.1) afirma que “quando cada um de nós está buscando sintonizar com outra pessoa, somos também nós mesmos de forma mais plena, presentes e conectados a este outro”. Esse ciclo relacional permeia todo o processo BPI.

A expressão cênica proposta pelo BPI atinge níveis de contato entre o intérprete e o outro que integram harmoniosamente as suas emoções, movimentos, imagens e percursos internos. Para o BPI, harmonizar-se afetivamente é entrar em comunhão, irrestrita, com o outro e consigo mesmo, com plenitude e vitalidade. (CAMPOS, 2012, p. 109)

Como a identidade corporal é o cerne do Método BPI, para que o processo aconteça “é necessário um trabalho de preparo do corpo que envolve tanto a

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musculatura e as articulações, quanto o campo do afeto e das imagens, memórias e sensações” (Turtelli, 2009, p. 266). O bailarino-pesquisador necessita de um preparo que vai além de habilidades motoras e, para isto, duas ferramentas do Método BPI dão suporte ao desenvolvimento artístico e pessoal do bailarino: a Técnica de Dança e a Técnica dos Sentidos.

A Técnica de Dança do Método BPI surgiu a partir das análises de pesquisas de campo em variados segmentos sociais, festividades e manifestações da cultura e dos rituais brasileiros realizadas pela Prof.ª Graziela. A partir destas pesquisas, foi identificada uma organização física e sensível do corpo e de suas reverberações, decodificada e estruturada numa técnica que entra em harmonia com a própria natureza do homem (RODRIGUES, 2010).

Através dessas pesquisas Graziela Rodrigues decodificou os elementos principais que estruturam o corpo nestas manifestações, chegando assim à sistematização de uma organização do corpo que o prepara para o movimento e para a vivência de suas emoções e sensações, em uma “técnica interligada aos sentidos”. (TURTELLI, 2009, p. 10)

Rodrigues (1997, p. 43) afirma que “a partir de uma intensa relação com a terra o corpo se organiza para a dança”, e é a partir dos pés que toda estrutura física da técnica se alinha. Os pés adquirem raízes para o corpo mastro; o movimento da bacia desenha o infinito sensibilizando e ampliando a percepção do cóccix-rabo; as mãos e o tronco revelam a sutileza dos estandartes e a agilidade das lanças e das espadas; a cabeça remete ao sagrado/céu. Esta amostra de como estruturar a anatomia do corpo, levando em conta as simbologias da linguagem brasileira5, faz parte da Estrutura Física e da Anatomia Simbólica da Técnica de Dança do Método BPI.

5 Graziela Rodrigues (1997 e 2003) descreve características de uma linguagem brasileira a partir da

observação dos corpos brasileiros em movimentos; corpos que se encontram à margem da sociedade. Sua pesquisa nas manifestações culturais brasileiras evidencia que existem distintas linguagens com sotaques regionais, mas que existem aspectos fundamentais, que foram comuns e marcantes.

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[...] a qualidade da estrutura física possibilita o recebimento do campo simbólico, bem como a sensibilidade na apreensão dos símbolos faz com que o corpo chegue a ganhar esta estrutura. (RODRIGUES, 1997, p. 43)

A Estrutura Física, com sua anatomia simbólica, embora tenha sido extraída das manifestações culturais brasileiras, ela é arquetípica, extrapola as referências culturais regionalizadas. (RODRIGUES, 2003, p. 86)

Na observação dos corpos brasileiros, a Prof.ª Graziela Rodrigues (1997), destaca elementos e fatores característicos da linguagem. São eles:

Fatores essenciais da linguagem: “são as condições que o corpo adquire no seu amplo contexto de linguagem” (RODRIGUES, 1997, p. 75).

 Sentido no Corpo: Tônus de resistência e tônus de apoio;

 Pulso;

 Atos de impulsionar e pontuar: a busca pelo dínamo.

 Dinâmicas: gira, ginga e o incorpora/desincorpora.

Elementos confluentes: aspectos fundamentais das manifestações que possibilitam a mobilização do corpo com sentido (RODRIGUES, 1997).

 Tocar instrumentos e Cantar;

 Roupas e adereços: o ato de investir-se dos fundamentos das festividades/manifestações;

 As construções do espaço-tempo: paisagens, cenários e trajetórias coreográficas.

O movimento das partes do corpo na Técnica de Dança é um trabalho integrado a estes elementos e fatores que confluem para uma maior qualidade do fluxo dos sentidos no corpo. O fluxo dos sentidos no Método BPI é um termo utilizado frequentemente pela Prof.ª Graziela nas práticas e dinâmicas do método, e consiste em um percurso consciente e interno no corpo por um circuito de imagens, sensações,

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emoções e memória, integrado ao movimento do corpo. Na bibliografia do Método BPI, este termo é compatível com Técnica dos Sentidos.

A Técnica dos Sentidos é uma das ferramentas do Método BPI e, nas palavras de Graziela Rodrigues (2010, p. 2),

São circuitos de imagens/sensações/emoções/movimentos, não importando a ordem com a qual eles se apresentem. É um referencial para o Intérprete trafegar em seu corpo um conteúdo que se tornará consciente. Ele estará, ao longo do desenvolvimento dos eixos, em exercício corporal com as imagens, sensações, emoções e movimentos advindos em cada fase, descobrindo o repertório de suas imagens corporais, reconhecendo-as para alcançar ao longo do trabalho a sua integração.

O bailarino-pesquisador-intérprete modela em seu corpo uma postura a partir destes circuitos. A qualidade do trabalho com as emoções, as sensações e as imagens interfere na vazão do corpo para alcançar a fluidez nos movimentos, nos sentidos e nas paisagens do corpo. O fluxo dos sentidos no corpo é o ápice deste trabalho criativo.

Para chegar a um nível profundo no processo do Método BPI, o bailarino-pesquisador-intérprete necessita de um espaço laboratorial para depurar os conteúdos corporais. A ferramenta Laboratórios Dirigidos (RODRIGUES, 2010) é realizada com a presença do diretor e acontece ao longo de todo o processo no Método BPI.

Esse trabalho é fundamental no processo de coleta dos dados do corpo que brotam na investigação proposta no eixo Inventário no Corpo e, também, no contato com o campo no eixo Co-habitar com a Fonte. Nesses dois eixos do processo, a coleta de dados por meio dos laboratórios consiste em possibilitar ao corpo dar espaço às emoções que realçam e revelam os dados que se tornam conscientes provindos da relação do bailarino-pesquisador-intérprete com sua própria história e com a pesquisa de campo. Nos laboratórios do eixo Estruturação da Personagem, a busca é pela “nucleação dos conteúdos” (RODRIGUES, 2003) que configura uma personagem e o desenvolvimento da mesma.

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O laboratório é o espaço onde se dá visibilidade às sensações e imagens. As emoções são conhecidas, elaboradas e trabalhadas a partir do fluxo de movimentos. O laboratório é um espaço de experimentação (considerando o tempo, espaço e ritmo de movimento), de decantação e de liberdade de expressão. É o espaço onde as fontes de pesquisa são processadas. (MELCHERT, 2007, p.3)

Um dos formatos dos laboratórios no Método BPI é chamado de dojo. A Prof.ª Graziela define o dojo no BPI:

São espaços individualizados, a princípio circunscritos em torno da pessoa, configurando um espaço do próprio do corpo, denominado de Dojo, que depois, à medida que o corpo vai ganhando projeções no espaço, amplia-se para dar acolhimento cada vez mais à representação das imagens internas. (Rodrigues, 2010, p. 3)

Os estudos de imagem corporal consideram ao redor do corpo uma extensão do corpo por ser uma esfera de sensibilidade especial. Segundo Paul Schilder, do ponto de vista psicológico, os arredores do corpo são animados por ele. Em dança, este espaço significa um espaço pessoal que, segundo Laban, é chamado Kinesfera. Em tradições orientais este espaço em torno do corpo é chamado de dôjo, espaço este que o guerreiro deve cuidar para que não seja invadido pelo inimigo por ser parte de seu corpo. (RODRIGUES; MÜLLER, 2006, p.136)

Sobre o dojo no BPI, também citamos Nagai (2008), que sintetiza o dojo como “lugar onde se desbrava um caminho”, e Melchet (2010, p. 100), que diz que “os dojos são espaços individuais, demarcados na sala de dança, para decantação, processamento e contato com as imagens internas”.

O processo no Método BPI fundamenta-se em uma busca constante de tornar conscientes os conteúdos emanados do corpo. A ferramenta Registro no Método BPI é utilizada para auxiliar o bailarino-pesquisador-intérprete a “montar o mapa de consciência de seu processo” (RODRIGUES, 2010, p. 4). São diversas as formas de registros que ajudam nesta tarefa.

No decorrer do trabalho laboratorial exercita-se o “diário de dojo”: um relato, uma “decantação da vivência do dojo, numa interação entre corpo, escrita e dança”

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(Melchert, 2010, p. 136). Por meio da escrita, reaviva-se o momento do laboratório, exercita-se a reflexão. Rodrigues (2003) utiliza o termo “corpos na argila” como uma representação do corpo a partir de uma dinâmica com massa de argila. Modelagens do corpo na argila, assim como o desenho, são instrumentos que possibilitam outras formas de expressar o que o corpo tem a dizer. Geralmente, esses instrumentos são usados no fim de práticas corporais, nas quais as pessoas estão em intensa conexão com os seus corpos e seus conteúdos. Esta dinâmica de registrar possibilita uma apreensão da imagem corporal dinamizada no momento do laboratório. Nas pesquisas de campo, utiliza-se o “diário de campo” (RODRIGUES, 2003), além de registros audiovisuais, sendo que ambos priorizam as experiências entre o pesquisador e os pesquisados.

O Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete legitima a originalidade do corpo em processo. O Método BPI é dinâmico e está em constante desenvolvimento por meio de pesquisas no âmbito acadêmico e artístico, que vão desde pesquisa-docente, passando por Doutorados, Mestrados e Iniciações Científicas. Atualmente, são três livros publicados, cinco teses e oito dissertações homologadas e mais de quatorze artigos em revistas especializadas, além de 53 textos completos em anais de eventos nacionais e internacionais. Cada publicação traz a singularidade do processo vivenciado pelos seus pesquisadores, o que os torna uma referência única e marcante na bibliografia do Método BPI. Muitas das publicações podem ser acessadas em:

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Graduação em Dança (UNICAMP)

Meu primeiro contato com o Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) foi durante o curso de Graduação em Dança da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, 2005-2009).

Posso dizer que, no primeiro ano da graduação em Dança, eu não havia entendido metade, ou talvez nem um terço, do que realmente seria o BPI. Naquele momento, encantei-me simplesmente pelas suas cores, pelas suas músicas, sua estética, seus personagens, seu Brasil. E quando vi este Brasil no meu corpo, encantei-me mais ainda. Não é algo que se vê a todo o moencantei-mento. Na verdade, é um corpo que se revela aos poucos. Digo isso porque eu vivi esta sensação de desabrochar no meu corpo; deixei-me revelar.

Nas disciplinas “Dança do Brasil I e II” do curso de Dança, ministradas pela Prof.ª Dr.ª Larissa Turtelli e Dr.ª Ana Carolina Melchert, respectivamente, entrei em contato com aspectos do eixo Inventário no Corpo e com o estudo da manifestação Batuque de Umbigada. No eixo Inventário no Corpo do Método BPI, o bailarino vivencia a compreensão do seu corpo no tocante aos sentimentos, às sensações e aos movimentos que lhe são próprios. O bailarino tem a possibilidade de escavar a sua originalidade ao recuperar “fragmentos, pedaços de histórias que ficam incrustados inconscientemente nos músculos, nos ossos, na pele, no entorno do corpo e no ‘miolo do corpo’” (RODRIGUES, 2003, p. 80). Nesta fase inicial da pesquisa corporal, a disciplina “Dança do Brasil” propõe que o aluno entre em contato com as manifestações culturais brasileiras no sentido de pesquisar os pontos de identificação e de rejeição, a fim de promover um mergulho na investigação da história corporal do aluno.

Nestas disciplinas, pude perceber o desabrochar de um modo especial de sentir-me e movisentir-mentar-sentir-me. Os laboratórios corporais realizados nas disciplinas trouxeram-me a sensação de “assentar um boi festivo” no trouxeram-meu corpo, com a imagem expandida

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das laterais e com movimentos volumosos. Os tecidos floridos e a sonoridade dos sinos de boi alimentavam o meu imaginário.

Nos anos seguintes, encantei-me pela profundidade do Método BPI. E, mais uma vez, ao voltar para mim e localizar-me nesta esfera tão individual e original, mas ao mesmo tempo tão coletiva, o meu “corpo-revelador” duplicou. Na disciplina “Dança do Brasil IV”, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Graziela Rodrigues, foi proposta a realização da Pesquisa de Campo com a finalidade de introduzir a experiência de aspectos do eixo Co-habitar com a Fonte. Neste eixo, a pesquisa de campo centraliza o processo e proporciona ao bailarino-pesquisador-intérprete o contato com outras realidades, possibilitando-lhe adentrar espaços com outras referências de corpo e paisagens.

Segundo Rodrigues (2003, p. 105), “o Co-habitar com a Fonte possibilita uma rica interação entre corpos”, modificando as percepções corporais que, por sua vez, proporcionam uma melhor apreensão do campo de pesquisa. Ao sintonizar-se com outras pessoas, culturas, objetos e lugares, abre-se o mundo de relações internas e externas. “O principal para o bailarino-pesquisador-intérprete é a apreensão sinestésica profunda dos corpos dos outros e das paisagens-cenários de campo” (TEIXEIRA, 2007, p. 103). Por meio desta experiência de campo e do contato com o outro, o bailarino-pesquisador-intérprete “poderá sintonizar-se consigo mesmo de forma a assumir com consciência a singularidade de seus movimentos” (RODRIGUES E TAVARES, 2006, p. 121).

Meu primeiro impulso era pesquisar o “Bumba meu boi”, mas, como a disciplina acontecia em um período do ano que não possibilitava vivenciar este campo, optei pela minha segunda motivação: as lavadeiras de beira de rio. A pesquisa com as lavadeiras de rio, realizada no ano de 2006, ocorreu na cidade de Almenara, na região do Vale do Jequitinhonha (MG). O encontro com essas lavadeiras foi marcado por uma intensa observação dos corpos, das ações e das falas dessas mulheres. Foi possível verificar

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as qualidades de movimento das lavadeiras enquanto trabalhavam na beira do rio ou caminhavam com as bacias na cabeça ou, até mesmo, enquanto realizavam os simples afazeres de casa. Durante a pesquisa de campo, eu questionava-me, constantemente, sobre o que sentia e sobre a minha postura nesta fase de contato com o outro.

O comportamento do pesquisador quando este se encontra em campo e a relação que é estabelecida entre ele e o pesquisado são aspectos propostos pelo Método BPI. Para aprofundar a compreensão destes aspectos, organizei um projeto de Iniciação Científica.

A pesquisa de Iniciação Científica

A partir do meu interesse em pesquisar o Método BPI, em 2008, passei a integrar o Grupo de Pesquisa Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) e Dança do Brasil - Diretório de Grupos do CNPq. O projeto de Iniciação Científica foi aprovado em 2009 – bolsa FAPESP – com o título “A questão do afeto no Método BPI a partir de pesquisa de campo no Vale do Jequitinhonha” com orientação da Prof.ª Dr.ª Graziela Rodrigues. O objetivo do projeto era abrir meu corpo para a percepção dos sentimentos despertados nele durante a pesquisa de campo. As percepções corporais são bastante trabalhadas pelo Método BPI e, na pesquisa de campo, ganham destaque.

O Vale do Jequitinhonha já havia despertado meu interesse como fonte rica para pesquisa, primeiramente, por meio de materiais audiovisuais de pesquisas realizadas em 19876 pela Prof.ª Graziela Rodrigues e, depois, pela pesquisa de campo realizada na disciplina “Dança do Brasil IV”. Para manter minhas motivações corporais e minha afinidade com o Vale do Jequitinhonha, decidi pesquisar a manifestação “Boi de Janeiro” na cidade de Pedra Azul (região norte do vale).

6 Material audiovisual do Projeto “Trilhas e Veredas da Dança Brasileira” de Graziela Rodrigues (1987).

Tive contato com este material durante monitoria realizada na disciplina “Dança do Brasil IV” pelo PAD (Programa de Apoio Didático da UNICAMP).

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O “Boi de Janeiro” de Pedra Azul é uma folia ligada às festas de Reis, fazendo parte dos Reisados, comuns também em outras partes do país. Mantém-se pela força da tradição oral e por isso não é uma manifestação cristalizada, variando em cada cidade que se faz presente7. Acontece do 1º ao 6º dia de Janeiro em homenagem aos Santos Reis. A manifestação envolve música, brincadeira, dança e um longo cortejo pela cidade. Seus personagens são um Boi, maior do que um homem, e uma Boneca Maria Tereza8, de quase três metros.

No fim da tarde cada grupo sai de suas casas, localizadas na periferia da cidade, num cortejo que passa pelo centro e por bairros distintos dos seus, retornando no fim da madrugada. Neste cortejo, devotos abrem suas portas para que o grupo cante em homenagem aos Santos Reis; desta forma os foliões também são caracterizados como “reiseiros”, cantadores de reis. A musicalidade é gerada pelas gaitas (flautas), triângulo, caixa, reco-reco e bumbo. Além dos cantadores de reis, o cortejo contém um vaqueiro que conduz a travessia do Boi e da Boneca pela cidade.

Esta travessia é cercada por paisagens de morros de pedra, casas de pau-a-pique, centro da cidade, e o Boi e a Boneca transitam por ladeiras de terra, ladeiras de pedra, ruas de asfalto e barrocas (fendas/buracos na ladeira de terra). A folia é sempre acompanhada pelas crianças que trazem fluxo para a dinâmica da festa, momento em que os bois saem correndo atrás delas. Desta forma, as crianças são um gerador de fluxo e dinamismo. A festa termina no 6° dia com um grande encontro dos Bois.

7 José Luiz dos Santos (1994, p. 26), considera que as “culturas humanas são dinâmicas”, passíveis de

transformação de acordo com a sociedade que a produz e seu contexto histórico.

8 Em entrevista com Heitor de Pedra Azul, compositor e musicista natural da cidade de Pedra Azul, ele

explica que “a Boneca que vem junto é, na verdade, a Mulher do Aragão, numa alusão à Catarina de Aragão da Espanha, no quarto do qual Gil Vicente encenou o Auto do Vaqueiro. Maria Tereza é simplesmente uma apelação popular. Um dia alguém falou: lá vem o Boi e a Maria Teresa! E aí ficou”. Entrevista concedida online em Março de 2014.

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Figura 1: Boi Satan. Boi de Janeiro, Pedra Azul (MG). Janeiro de 2009. Arquivo Pessoal.

Figura 2: Boi Satan, Boneca Patativa e Foliões. Boi de Janeiro, Pedra Azul (MG). Janeiro de 2009. Arquivo Pessoal.

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Figura 3: Boneca Patativa. Boi de Janeiro, Pedra Azul (MG). Janeiro de 2009. Arquivo Pessoal

Figura 4: Boi Satan, Boneca Patativa e as

crianças. Boi de Janeiro, Pedra Azul (MG).

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A primeira ida a campo durou oito dias – 31 de Dezembro de 2008 a 7 de Janeiro de 2009. Neste período, acompanhei os preparativos para a festa: a arrumação dos enfeites do Boi e da Boneca e o aquecimento das gaitas e das caixas, assim como o cortejo noturno da folia, com suas músicas e dinâmicas. A segunda ida a campo ocorreu de 20 a 23 de Março de 2009 e, neste momento, pude vivenciar o cotidiano fora da época de festa do vaqueiro (líder) do grupo que acompanhei em Janeiro. Neste encontro singular, entrei em contato com a família do vaqueiro, vivenciei, junto a ele, os momentos de recordações da festa, o ócio do desemprego, a falta de comida, o desejo de sua filha por um bombom de chocolate, o silêncio das tardes sem companhia, a doença e quase morte de um folião. Estive cara a cara com uma vida marcada pela miséria. Após a pesquisa de campo, entrei na fase laboratorial do eixo Co-habitar com a Fonte, dirigidos pela Prof.ª Graziela.

Rodrigues e Tavares (2006, p. 124) afirmam que “os laboratórios corporais desenvolvidos neste eixo encontram-se no trânsito entre as pesquisas de campo e os espaços de reflexão e atuação”. Iniciou-se uma coleta de dados proveniente do contato do meu corpo com o campo. Essa coleta de dados no Método BPI consiste em retirar do corpo as emoções mais profundas e, de certa forma, possíveis de serem acessadas naquele momento; emoções que realçam e revelam os dados que se tornam conscientes, permeando a relação do bailarino-pesquisador-intérprete com sua própria história e com a pesquisa de campo. Por meio da ação dos movimentos conscientes, clareamos os conteúdos internos.

A profundidade destes laboratórios e o trabalho de direção da Prof.ª Graziela possibilitaram a minha entrada no eixo Estruturação da Personagem. Neste eixo, tem-se a integração das emoções, das tem-sensações e das imagens que emergem do Co-habitar com a fonte, unido ao Inventário no Corpo, nucleando uma “personagem”.

A personagem no Método BPI é a resultante de um processo corporal, em que as emoções, os movimentos, as sensações e as imagens apresentam-se com mais

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clareza. Não deve ser considerada o fim, nem o meio do processo no Método BPI, pois, como Rodrigues (2003, pag. 127) afirma, “a personagem não cristaliza no corpo”; a personagem sintetiza uma experiência corporal do bailarino-pesquisador-intérprete e, se levarmos em conta que as experiências emocionais nunca cessam, a personagem absorve esse dinamismo e plasticidade, num processo de retroalimentação das paisagens e dos corpos atribuídos a ela.

A Personagem Menina: primeiras observações

Neste item, detalho o meu processo corporal, desde os primeiros laboratórios corporais até a incorporação da personagem que se nomeia Menina. Descrever esta trajetória é de suma importância para compreender o universo desta pesquisa e do trabalho realizado com as crianças.

Como relatado no item anterior, a primeira ida para o campo ocorreu em Janeiro de 2009 e, logo em seguida, iniciamos os laboratórios dirigidos pela Prof.ª Graziela. No primeiro dia de laboratório, a imagem que surgiu era de uma ladeira de terra com casas de pau a pique. Havia outras pessoas no espaço, adultos e crianças, e um boi correndo de um lado para o outro. O movimento que acompanhava esta imagem era o de pisotear o chão de terra. De repente, um ser modelou-se e ocupou o lugar.

Rodrigues (2003, p. 136) diz que “modelar é despertar uma vivência que está alojada em nossa pele, em nossos músculos, em nossas articulações, em nossas vísceras” 9. A modelagem tinha a postura abaulada e mesclava a sensação de ser velho e de ser boi. Os pés desta modelagem pisavam cuidadosamente no chão, gerando uma

9 Pode-se considerar uma diferença entre o que é considerado um corpo, nesta fase laboratorial, e o que

é a modelagem corporal. Turtelli (2009, p. 42) diz que modelagens são “configurações dinâmicas do corpo [do bailarino] que estão ligadas a sensações internas, a determinadas qualidades de movimento e a imagens”. Nagai (2008, p. 14) considera que o corpo que se apresenta em um momento do laboratórios é “o resultado de uma modelagem, ou seja, uma postura com atributos de emoção, sentido e gestos bem definidos”. Melchert (2010, p. 139) diz que “corpo é um conteúdo que se manifesta através de uma modelagem”.

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sensação de insegurança seguida por uma vontade de vomitar. No segundo laboratório, uma modelagem em torção caminhava por uma rua cercada de casinhas. A respiração era ofegante e acompanhada de grunhidos. Logo depois, estava dentro de uma casa. Percebi que, para sair, tinha de passar por uma fresta estreita, com movimentos encolhidos do corpo. Após sair da casa, a sensação de eixo (verticalidade) ficou forte. Essa sensação trazia para meu corpo a imagem de uma boneca gigante.

Prosseguindo os laboratórios, esse corpo de boneca andava por uma corda bamba. Abaixo da corda, via-se a escuridão e, acima da corda, um céu azul e ensolarado. No dinamismo das imagens, essa corda passa a entrar direto no meu peito, bem na região do esterno. A sensação era de dor e incompletude, um vazio no peito.

Outras duas paisagens fizeram-se presentes nesta primeira fase laboratorial. A primeira representava o estar em cima de um morro, de onde eram vistas casas e um grande lago formado a partir de um riozinho. A modelagem no corpo era de uma criança pequena e seus movimentos eram de torções no nível baixo, como se estivesse espreguiçando. A sensação era de curiosidade e vontade, vontade de seguir em frente, de olhar adiante. A segunda paisagem representava o estar em um cercado de arbustos. A modelagem ainda era de uma criança e seus movimentos eram arrastados pelo chão, simulando uma fuga. O sentimento que habitava meu corpo era de indignação; uma sensação de estar perdida, de estar sem saída apoderou-se de mim.

Em Março de 2009, retornei à cidade de Pedra Azul, investindo, neste momento, no meu convívio com o cotidiano dos foliões do Boi de Janeiro fora dos dias de festa. Após este retorno ao campo, os laboratórios delinearam a existência de quatro Corpos:

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Criança: Um corpo “infantil”. Suas posturas e seus movimentos abarcam angústia, tristeza e solidão e a sensação de estar perdida, sem rumo, sem ter o que fazer. A paisagem que cerca este corpo é uma sala toda vermelha e de destroços. Seus movimentos são contidos, com resistência e força. A postura do corpo se mantém na vertical. A “voz” sai por meio de um choro e de um resmungar. As partes do corpo que mais se movimentam são os braços, os joelhos e os pés, algo parecido com uma criança fazendo manha. O corpo tem vontade de deitar no chão e espernear, mas tanto o espernear quanto o choro são contidos e reprimidos por uma censura interna. O corpo da criança é marcado por manchas pretas;

Boneca: Seu corpo é muito parecido com o da criança, porém ela tem um tônus muscular que lhe permite agilidade e flexibilidade. A boneca é quem dança, rodopiando e sambando. A sensação é a de que, para dançar, o corpo torna-se boneca. Ela tem um sambar debochado e, quando mexe com a saia que veste, faz com que suas manchas sejam reveladas. Exibe as manchas como um troféu. É um corpo vertical, entretanto mais fino na espessura. Ela tem os cabelos divididos ao meio e presos nas laterais em dois rabos baixos. Este corpo transita entre duas paisagens: a sala vermelha e uma rua de pedras;

Boi: É um corpo com menos indumentárias, mais cru. É o corpo das manchas. É pesado e permanece na posição perpendicular do tronco em relação ao chão. Este corpo varia entre contenção e expansão, as duas com o tônus muscular elevado. A expansão gera movimentos de esticar o corpo com o sentido de abrir um espaço apertado. É uma expansão com força de empurrar, trazendo um tônus alto para a modelagem e, também, sons parecidos com gritos (mas com a boca fechada). Tem a respiração pesada e barulhenta. Essa expansão do boi é “rodeada” pelos sentimentos de raiva e de ódio. A contenção aparece nos momentos em que o Boi sente medo (da perseguição do urubu). O corpo do Boi encolhe-se durante caminhadas suaves, vagarosas e quietas. O Boi fecha-se no chão, tentando ser o mais invisível possível, visto que ela não pode chamar a

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atenção. As mãos da modelagem são fechadas, formando patas. O Boi vive dentro da boneca; seu ambiente é totalmente escuro;

Urubu: É um corpo velho, com garras e bico. O som que sai de seu corpo são grunhidos misturados com uma respiração forte e roca. Seu corpo exala um cheiro de podridão. A boca, que não para de salivar, tem um gosto de podre. A posição do corpo é abaulada, tendo uma contração da bacia junto com o abaular das costas. As sensações que permeiam este corpo são nojo, asco e ânsia. As paisagens em que ele vive são carregadas de lixo, secas e cheias de ossadas. Persegue o boi no voo.

Para o desenvolvimento destes corpos, foi crucial a direção da Prof.ª Graziela. Em um dado momento, a professora indicou-me trazer para os laboratórios uma boneca de pano. A partir desta indicação precisa, neste momento do trabalho, ocorreu uma integração do corpo da criança com o corpo da boneca, evidenciando um só corpo:

Menina. Neste momento, a Menina passa a “nuclear os conteúdos” (Rodrigues, 2003) e

a incorporação da personagem acontece. Os corpos do Urubu e do Boi passam a dinamizar a trajetória da personagem Menina, sendo modelados de acordo com os conteúdos emocionais e os movimentos trabalhados em laboratório. Além dos corpos do Urubu e do Boi, a personagem possui dois objetos principais: a boneca de pano e uma máscara de boi feita de lata e enfeitada de fitas de cetim.

Com o avançar do trabalho laboratorial dirigido pela Prof.ª Graziela, percebemos uma diminuição do Urubu, que, gradativamente, vai deixando de ocupar os espaços dos laboratórios. Outra percepção importante é a forte ligação do Boi com o interior da personagem, ressaltando este ser como uma parte vital do processo de vida e de força da personagem Menina.

A finalização da Iniciação Científica e o avançar do processo laboratorial possibilitaram a síntese dos conteúdos da personagem, organizado em um roteiro descrito resumidamente a seguir:

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1- Quintal: Nesta paisagem, a menina acorda entre as folhas das bananeiras. A paisagem é o quintal da casa de sua “vozinha”. É um lugar bom para brincar, de terra batida, com um riozinho correndo ao fundo. Muitas árvores estão plantadas ali. É manhã. O céu está limpo e o sol bate forte na pele da Menina;

2- Fuga: Apesar de toda diversão que a Menina encontra na companhia da Boneca ao raiar do dia, a tristeza de perceber-se só no quintal transforma a atmosfera. Neste momento, brincar com a Boneca, nadar no riozinho, subir nas árvores não é suficiente para alegrá-la. O céu fica nublado e a Menina sente-se entediada. Procura outras companhias, mas o que encontra é somente um quintal vazio, uma casinha vazia. A imagem do quintal bom para brincar dá espaço para um quintal carregado de raiva. A Menina quebra as paredes da casa da “vozinha” e, com a Boneca embaixo do braço, parte sem rumo. É a sua fuga;

3- Travessia: Na subida da ladeira, a Menina aventura-se por novas paisagens. É uma travessia arriscada, cheia de perigos e buracos dos quais ela deve desviar. A mudança de ambiente permite-lhe esquecer, temporariamente, que está só. É imersa na sensação de liberdade e de felicidade na companhia da Boneca. Elas dançam a sensação de serem livres;

4- Briga: A felicidade não dura muito e a Menina se vê com fome e em um lugar desconhecido. A personagem pede ajuda para a Boneca, mas ela não responde. A personagem entra em conflito com sua boneca de pano. Em um grande momento de birra, a Menina maltrata, machuca, bate na Boneca, abandonando-a nesse local;

5- Boi: Já é noite quando a briga entre a Menina e sua boneca termina. Nesta hora, o Boi surge. A princípio, a modelagem do Boi está furiosa e sem controle. Ele libera chifradas em várias direções. Com o passar da noite, a sensação é a de que o Boi vai acalmando-se e passa a seguir uma caminhada no meio de uma mata. Lá encontra a Boneca e passa a protegê-la. Carrega a Boneca no seu lombo.

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Estágio Supervisionado da Licenciatura em Dança

Como descrito anteriormente, a personagem incorporada é um corpo infantil de quatro anos de idade que trilha um caminho em busca de sua força de sobrevivência, levando debaixo do braço apenas sua boneca10. No período da pesquisa de Iniciação Científica, eu estava concluindo o curso de Licenciatura em Dança, precisamente a fase dos estágios. Com o intuito de auxiliar o desenvolvimento corporal da personagem Menina, a Prof.ª Graziela orientou-me a conciliar a disciplina “Estágio Supervisionado II” com uma pesquisa corporal. A proposta era conduzir uma atividade artística com crianças e colocar a personagem em contato com estas, possibilitando um espaço para a convivência da personagem em meio às crianças.

Esta curta experiência, desenvolvida em 2009, durou seis encontros. Tive a companhia de duas colegas do estágio que também desenvolviam pesquisas no Método BPI11. Trabalhamos com crianças de 3 a 5 anos e desenvolvemos atividades de dança, artes plásticas e teatro com influência dos Folguedos de Boi. Realizamos, também, duas intervenções, neste ambiente escolar, da personagem Menina. Esta vivência caracterizou-se no meu processo como uma pesquisa de campo complementar. De acordo com RODRIGUES (2003, p. 132), “um aspecto importante de se destacar é que pesquisas de campo complementares podem vir a ser necessárias, dependendo do conteúdo que for caracterizando a personagem”. Neste caso, a necessidade era mergulhar no universo infantil, estar lado a lado com crianças para potencializar a expressividade do corpo.

Esta vivência trouxe questões relacionadas à aplicação do Método BPI para crianças, pois, mesmo que durante o estágio não houvesse o comprometimento em aplicar o Método BPI, ele estava, indiscutivelmente, ligado ao meu corpo, pela minha

10 Informações adicionais em ANEXO 1.

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imersão, e ao corpo das outras duas estagiárias, no Processo BPI. Com todos esses acontecimentos, restaram algumas inquietações. Seria possível aplicar o Método BPI para crianças? O que seria possível desenvolver com as crianças? De que forma?

Consolidando o projeto de Mestrado

Após o egresso da graduação, continuei fazendo parte do Grupo de Pesquisa Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) e Dança do Brasil, acompanhando disciplinas da Graduação e da Pós-graduação ministradas pela Prof.ª Graziela. Ao cursar essas disciplinas, pude dar continuidade ao trabalho corporal e ao desenvolvimento da personagem Menina. Entre 2011 e 2012, foquei meu interesse em continuar no rumo da pesquisa acadêmica e na elaboração do projeto de pesquisa para o Mestrado. Como os conteúdos da personagem Menina faziam-se presentes e vivos em meu corpo, a Prof.ª Graziela orientou-me a considerar esta etapa do meu processo corporal como um eixo importante para o projeto de Mestrado. Desta forma, realimentei as inquietações e os questionamentos surgidos no fim do Estágio Supervisionado e elaborei um projeto com foco no desenvolvimento de uma prática corporal para crianças com base no Método BPI, utilizando a personagem Menina como um ponto de aproximação e de interação com as crianças. É importante ressaltar que, nesta etapa do meu processo, o meu corpo não parava de revelar novas descobertas da personagem, e o olhar aguçado da Prof.ª Graziela em perceber a vivacidade da Menina foi de total importância para a construção deste projeto de pesquisa.

O ponto de partida do projeto seria a formação de um grupo de 10 crianças para vivenciar a prática corporal. Além disso, a prática teria como tema os Festejos de Boi e as apresentações de cenas da personagem Menina seriam realizadas ao longo da atividade com as crianças. Eu e a Prof.ª Graziela sabíamos que não seria possível abranger neste projeto todos os aspectos relacionados aos eixos e às ferramentas do Método BPI, uma vez que pesquisas realizadas anteriormente revelaram que o percurso por todo o método requer tempo, disciplina e disposição diária. Desta forma,

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reduzimos os procedimentos desta pesquisa para a aplicação das ferramentas Técnica de Danças, Técnica dos Sentidos, Laboratórios Dirigidos e Registros.

Definindo estes pontos iniciais, consideramos, como objetivo desta pesquisa, destacar aspectos importantes para o desenvolvimento corporal, expressivo e artístico de crianças nas faixas etárias de 7-8 anos, utilizando o Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) enquanto processo de formação. A escolha da faixa etária de 7-8 anos ocorreu a partir de uma leitura preliminar de autores e de estudiosos que abordam o desenvolvimento infantil, os aspectos psicodinâmicos da imagem corporal e o desenvolvimento psicomotor.

A criança de 7-8 anos: revisão bibliográfica

A partir da leitura de autores de diferentes áreas, farei uma breve exposição sobre características importantes da faixa etária de 7-8 anos no curso do desenvolvimento humano, levando em conta aspectos motores, cognitivos, psíquicos e afetivos.

Os estudos de Piaget12 impulsionaram a teoria cognitiva13 em 1941 e consideram a faixa etária dos 7-8 anos constituinte da 2ª Infância14. Para Piaget, esta fase é marcada por uma modificação decisiva no desenvolvimento mental ao observar o aparecimento de novas formas de organização, sejam elas da inteligência, da vida

12 Jean Piaget, epistemólogo e psicólogo suíço (1896-1980).

13 A Teoria Cognitiva foi criada por Piaget para explicar o desenvolvimento cognitivo humano. De acordo

com esta teoria, o desenvolvimento cognitivo é dividido em seis estágios: “1º: Estágio dos reflexos, ou mecanismos hereditários, assim como também das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das primeiras emoções; 2º: Estágio dos primeiros hábitos motores e das primeiras percepções organizadas, como também dos primeiros sentimentos diferenciados; 3º: Estágio da inteligência senso-motora ou prática (anterior à linguagem), das regulações afetivas elementares e das primeiras fixações exteriores da afetividade. 4º: Estágio da inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e das relações sociais de submissão ao adulto. 5º: Estágio das operações intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e sociais de cooperação. 6º Estágio das operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos”. (PIAGET, 1994, p. 15).

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afetiva, das relações sociais ou da atividade individual. Suas observações indicam que, depois dos sete anos, existe um duplo progresso da conduta: a concentração individual e a colaboração.

A criança torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio ponto de vista com o dos outros, dissociando-os mesmo para coordená-los. Isto é visível na linguagem entre crianças. As discussões tornam-se possíveis, porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. (Piaget, 1994, p. 41).

A criança segue regras e pensa antes de agir, alavancando o início da conquista da reflexão. Libera-se de seu egocentrismo social e intelectual tanto para a inteligência quanto para a afetividade. Para a inteligência, “trata-se do início da construção lógica, que constitui, precisamente, o sistema de relações que permite a coordenação dos pontos de vista entre si” e, para a afetividade, “o mesmo sistema de coordenações sociais e individuais produz uma moral de cooperação e de autonomia pessoal” (Piaget, 1994, p. 42).

Para Piaget, durante a 2ª infância a criança passa a compreender as noções de matéria (7 anos), tempo, velocidade e espaço (8 anos), peso (9 anos) e volume (11 anos). A inteligência sofre a passagem da intuição para as operações, isto é, “as ações tornam-se operatórias, logo que duas ações do mesmo gênero passam a compor uma terceira”, possibilitando que estas “ações possam ser invertidas” (Piaget, 1994, p. 48). Isso sugere a noção de reversibilidade, reunião (adição) e dissociação (subtração). A partir desta conquista, Piaget avança nas suas observações:

Na medida em que a cooperação entre os indivíduos coordena os pontos de vista em uma reciprocidade que assegura tanto a autonomia como a coesão, e na medida em que, paralelamente, o agrupamento das operações intelectuais situa os diversos pontos de vista intuitivos em conjunto reversível, desprovido de contradições, a afetividade caracteriza-se pela aparição de novos sentimentos morais e, sobretudo, pela organização da vontade, que leva a uma melhor integração do eu e a uma regulação da vida afetiva. (Piaget, 1994, p. 53).

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O respeito mútuo, provindo da cooperação e das formas da vida social da criança, conduz a novas formas de sentimentos e valores morais: honestidade, verdade/boa, mentira/ruim, justiça/justo.

Barnabé Tierno15 (2007) diz que, aos 7 anos, a criança se torna tranquila e sonhadora, adquire a capacidade de reflexão e é “capaz de diferenciar seus próprios sentimentos e ações das dos outros”. Nesta idade, as crianças “em geral modificam sua agressividade, porque desenvolvem a empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro”. Para Tierno, aos 8 anos, a criança volta a ser agitada e espontânea, mas é menos solícita e sente curiosidade por tudo. É uma etapa de confirmação da leitura e agradam-lhe desenhos e revistas. Ela necessita de afeto e de elogios. A inteligência sofre uma transformação importante:

A criança começa a se desligar das aparências e, antes de dar uma resposta, esforça-se para refletir e compreender a lógica das situações e dos objetos. Neste período, destaca-se a diminuição do egocentrismo e do pensamento mágico, favorecendo, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da consciência de si mesma e da consciência moral. (TIERNO, 2007, p. 125)

Vygotsky16 traçou as bases do pensamento histórico-cultural, que mostra que o funcionamento psicológico se fundamenta nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior e desenvolve-se em um processo histórico. Na abordagem histórico-cultural, o sujeito é interativo, não é passivo; não é moldado pelo meio da mesma forma que a gênese; o seu conhecimento é construído na interação sujeito-objeto, sendo tal ação socialmente mediada.

Para Vygotsky, o desenvolvimento é marcado por crises17. A crise dos sete anos caracteriza-se pela perda da espontaneidade infantil, marcada pela diferenciação da vida interior e exterior. A criança torna-se caprichosa e comporta-se de modo teatral (artificial). “Aos sete anos a criança pode compreender o significado das palavras que

15 Barnabé Tierno, psicólogo e psicopedagogo espanhol (1940-atual). 16 Lev Semenovitch Vygotsky, filósofo russo (1896-1934).

17 Grandes saltos no desenvolvimento: a crise pós-natal, a crise do primeiro ano, a crise dos três anos, a

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