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Durante a atividade com as crianças, no que concerne a minha atuação na direção do trabalho, destaco as seguintes atividades realizadas:

 Preparar as aulas;

 Organizar o espaço e os materiais;

 Conduzir a prática;

 Conduzir e dirigir os laboratórios;

 Observar as respostas corporais das crianças;

 Ser receptiva, atenciosa e cuidadosa com as crianças;

 Apresentar as cenas da personagem Menina;

 Registrar meus sentimentos, sensações, dúvidas e dificuldades;

 Escrever relatórios da atividade – diário de pesquisa.

Durante toda a atividade com as crianças, contei com a supervisão da Prof.ª Graziela, por meio de reuniões semanais e avaliações dos encontros. Na organização do espaço, tive ajuda dos três estagiários e de um membro do Grupo de Pesquisa “Bailarino-Pesquisador-Intérprete e Dança do Brasil” para montar o espaço cenográfico da personagem, cuidar dos materiais e observar as crianças, sendo que, em alguns momentos, pude contar com o reforço dos estagiários na execução de dinâmicas junto às crianças. Destacamos a importância deste grupo de apoio na prática corporal, pois, na minha vivência de aprendiz como diretora no Método BPI, ter a supervisão da Prof.ª Graziela e a presença deste grupo de apoio foi significativo para ampliar a visão sobre o trabalho com as crianças e, principalmente, sobre a minha atuação junto a elas.

Na fase de aprendiz é preciso exercitar a escuta do que o outro tem a dizer sobre o seu trabalho com humildade, reconhecendo os pontos que necessitam de desenvolvimento. Para isso acontecer, consideramos que as pessoas participantes de

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um grupo de apoio necessitam conhecer a metodologia trabalhada para que o desenvolvimento do trabalho seja mais coerente e enriquecedor.

O relatório da atividade – diário de pesquisa – foi produzido como uma forma de registro da condução da prática corporal e da minha direção junto ao grupo de crianças, apontando observações sobre elas e sobre minha postura, conduta, dúvidas, dificuldades e acertos. A escrita deste diário foi de extrema importância para a organização dos dados da pesquisa. A sua produção baseava-se no relato dos seguintes pontos:

 Data e local da atividade;

 Descrição da equipe de apoio presente;

 Quantidade de crianças presentes;

 Descrição do planejamento da atividade: aspectos do Método BPI previstos no trabalho e principais dinâmicas planejadas;

 Descrição detalhada da atividade, incluindo as modificações no planejamento e observações sobre as crianças;

 Observações gerais sobre o encontro;

 Observações sobre meu estado e postura durante o encontro;

 Dúvidas.

As dinâmicas conduzidas e os materiais utilizados nos encontros com as crianças eram previamente organizados e discutidos com a Prof.ª Graziela. Havia uma organicidade em observar as crianças e buscar dinâmicas que atendessem às suas necessidades corporais. No BPI é importante a qualidade do trabalho desenvolvido e, para o trabalho corporal avançar com qualidade, os dados fornecidos pelas crianças não podem ser ignorados. Desta forma, a observação das crianças durante a atividade era um exercício necessário e que exigiu uma preparação.

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Em seu livro Bailarino-Pesquisador-Intérprete: processo de formação (1997), bem como em sua tese de doutorado, a Prof.ª Graziela pontua quesitos da preparação do corpo do bailarino para a coleta de dados nas pesquisas de campo. Considero que esta preparação corporal que antecede o momento de contato com o outro é fundamental na preparação do diretor no Método BPI. Os quesitos para preparação do corpo do bailarino são:

 Ampliar os referenciais: percepção do que é Dança e movimentos de valor, além do exercício de observação dos seus próprios sentimentos, seja de estranheza ou de proximidade, procurando não interferir e nem julgar;

 Ampliar o olhar: enraizamento e expansão corporal; olhar com o corpo todo. Um estado de prontidão e plasticidade corporal, aberto para as sensações cinestésicas;

 Ler o movimento: ver o movimento no espaço-tempo, identificar as partes que evidenciam o movimento e a habilidade para realizar a leitura dos significados deste corpo em movimento, sem pressa em nomear, classificar ou interpretar (RODRIGUES, 2003, p. 111 e 112).

Estes três pontos citados apresentam-se como um rumo para o pesquisador não se perder no contato com o outro e, tendo conhecimento deles, os levei como base para minha atuação na atividade com as crianças. Só que saber é diferente de realizar. No início, sentia uma atenção – quase tensão – nesse exercício da escuta; uma tensão gerada pela expectativa e pela preocupação em acertar. Ressalto que para alcançar um desenvolvimento com qualidade na prática do Método BPI, a pessoa que conduz tem que estar disposta a observar e a romper com o planejamento. Romper o planejamento não só no momento em que se organiza ou esboça as dinâmicas do encontro, mas romper também no momento do encontro.

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Vemos constantemente a Prof.ª Graziela, nas disciplinas que ela ministra na Universidade, manter uma postura dinâmica para modificar o planejamento da aula de acordo com as necessidades dos seus alunos no dia. Essa postura não pode ser confundida com uma não preocupação com o objetivo final da disciplina, mas, sim, como uma flexibilidade em alcançar o resultado proposto. Esta conduta reforça que no Método BPI o processo é o mais importante.

A minha tensão em acertar bloqueou aspectos da escuta e da observação das crianças, ao não estar disposta a romper o planejamento no momento do contato com elas. A quebra do planejamento acontecia durante a organização das aulas, mas era difícil romper com a lista de dinâmicas organizadas para o encontro.

Apurar a sintonia com as crianças e primar por um espaço receptivo foram as orientações da Prof.ª Graziela para que fosse exercitada uma nova postura. De acordo com ERSKINE58 (1997, p. 1), “o contato é facilitado pela sintonia ao afeto”. Essa sintonia garante que nossos sentimentos sejam recebidos pelo outro de forma empática e isso gera segurança e estabilidade.

A sintonia afetiva refere-se a uma pessoa perceber o afeto do outro, respondendo com um afeto recíproco. A sintonia começa por valorizar o afeto da outra pessoa como sendo uma forma extremamente importante de comunicação humana, estando disposto a ser afetivamente despertado por esta outra pessoa. (ERSKINE, 1997, p. 1).

O momento em que as crianças chegavam ao local da atividade foi incorporado como um espaço para a sintonia com o grupo. Com o momento da conversa, buscamos gerar um espaço para a troca, para saber como as crianças encontravam-se fisicamente e emocionalmente, o que elas tinham feito no dia. A sintonia com as crianças foi exercitada a partir de uma boa recepção, da qualidade de atenção e cuidado com elas.

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A observação, a percepção, o envolvimento e a atenção com as crianças foram importantes para colocar a minha conduta no rumo certo; o da troca, da experiência positiva e da capacidade de ser acolhedor. A recepção das crianças ao chegarem ao espaço foi incorporada na minha dinâmica nos encontros e após quatro meses de contato com elas pude perceber o início de uma nova postura.

Destaco dois momentos no último mês da atividade que relatam uma postura diferenciada ao conduzir dinâmicas de movimento com as crianças:

1. Retomo o trecho discutido na página 64: A partir de um trabalho em duplas, com a boneca no meio dos corpos das crianças participantes e do pulso frente-trás do esterno, movimentação típica dos Folguedos de Boi, indiquei que elas acelerassem o ritmo, movimento e o pulso frente-trás, segurando a boneca e, por fim, transferindo a relação que estava com a parceira para a boneca. Ao liberar o fluxo de movimento pelo espaço, percebi que as crianças, além de estabelecerem a relação com a boneca, interagiam entre si, e, por isso, propus que elas enfatizassem esta relação e que também alternassem as duplas durante a movimentação. Desta forma, pude perceber a integração das relações criança-boneca, criança-criança e boneca-boneca.

2. Dando continuidade ao planejamento, inseri na aula curtos deslocamentos individuais, mantendo o trabalho das bordas do pé, com o intuito de dar passagem para uma caminhada com “pé-de-boi”. Neste momento, percebi que a resposta do grupo não foi positiva, pois senti as crianças agitadas e dispersas. Entretanto, o que mais chamou minha atenção foi a dinâmica do grupo em quebrar as regras que vínhamos trabalhando em aula; elas comportaram-se enfrentando a mim e aos estagiários, respondendo aos gritos e com risadas histéricas. Na beira do que poderia vir a se tornar incontrolável, senti que qualquer proposta coletiva poderia ser desastrosa e que as crianças necessitavam de um espaço para extravasar esta ansiedade. Recordei-me da

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orientação da Prof.ª Graziela quanto à necessidade que a criança tem de liberar suas referências corporais cotidianas antes de entrar no trabalho mais sensível. Como o primeiro exercício não atendeu a esta função, interrompi a proposta em que estávamos e pedi que elas delimitassem seu espaço. Escolhi fazer isso no dojo evitando que as crianças liberassem este turbilhão uma nas outras, o que poderia gerar descuido e agressividade. (Trecho retirado do Relatório de Atividades com as crianças)

O primeiro trecho evidencia um momento em que modifico a dinâmica, buscando uma condução mais adequada às necessidades corporais das crianças. Foi interessante notar que, ao perceber a ação iniciada pelas crianças de relacionar-se entre si e propor que elas enfatizassem essa relação, as crianças avançaram no trabalho de sintonia com o objeto (boneca) e, consequentemente, na liberação dos sentidos no corpo. O segundo trecho trata da quebra do planejamento em prol da qualidade do trabalho corporal, pois apresenta uma postura diferenciada ao sentir o grupo e ao estar disposta a interromper a dinâmica, indo além das minhas exigências e pondo o trabalho corporal e as crianças acima das minhas necessidades e ansiedades.

É importante colocar que, por mais que a Prof.ª Graziela desde o início da coleta de dados tenha enfatizado esta postura, eu precisei percorrer um longo caminho para conseguir iniciar uma postura de escuta diferenciada. Este dado reafirma que o “processo pessoal requerido para dirigir trabalhos dessa natureza exige muitos investimentos” (RODRIGUES, 2003, p. 153). É preciso investir muitas vezes em questões de ordem pessoal, perceber-se corporalmente no momento do contato com o outro e aprofundar os sentimentos e sensações advindos desta vivência.

Nos momentos de reflexão, revi o diário de bordo da pesquisa e os registros das emoções afloradas no meu corpo e percebi conflitos e angústias vividas por mim ao longo da atividade com as crianças. A partir destes registros, faço um recorte do diário de pesquisa no qual destaco algumas experiências que mostram um universo de

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conflitos, ansiedade e angústia. Foi um trabalho difícil e, pela natureza desta pesquisa, a Prof.ª Graziela indicou-me que seria importante relatar essa experiência já que ela teve um impacto significativo no meu processo. Desta forma, apresento os conteúdos que mais me fizeram refletir sobre meu processo pessoal e artístico no Método BPI, no formato de sensações, sentimentos e comportamentos. Estes aspectos apresentados são reflexões pessoais e sentimentos percebidos ao longo de alguns dias da atividade com as crianças.

É importante salientar que estas emoções não foram manifestadas para as crianças e que nestes quatro dias tive a ajuda direta dos estagiários e de um membro do Grupo de Pesquisa. Eu não concordo com estas posturas/condutas, mas elas existiram, foram reais e vividas durante a pesquisa e precisam ser expostas, reconhecidas e aceitas. No Método BPI é importante o contato com o que acontece no aspecto interno das emoções, para que elas possam ser transformadas. Trabalhar a emoção é reconhecer o que acontece no seu corpo no momento em que ela ocorre. Passo a descrever aqueles relatos normalmente ocultados, mas que no trabalho com o Método BPI são fundamentais de serem vistos e trabalhados no espaço da supervisão junto à orientadora, mesmo que tenham ocorridos em lapsos de segundo.

Resumo do Relato Oculto do primeiro dia de atividade com as crianças: Nervosismo. Falta de noção espacial e a sensação de estar perdida. Ansiedade ao entrar em contato com as crianças. Sensação de perda de controle da ação com as crianças. Sensação de estar no meio de um caos. Impulso de organizar a ação das crianças. Repressão do impulso de organizar. Um momento de deixá- las ocuparem o espaço.

Resumo do Relato Oculto do segundo dia de atividade com as crianças: Ação constante de conter o movimento das crianças. Sensação de “perda da voz”. Momento de estar sem ação e sem ideia. Angústia pela sensação de estar paralisada. Impulso de entrar na brincadeira junto com as crianças. Impulso de

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modificar o planejamento. Preocupação em seguir o planejamento. Sensação de ser rejeitada pelas crianças. Revolta da rejeição sofrida. Tentativa de retomar o controle das crianças. Medo. Falta de sensibilidade em atender o chamado de algumas crianças. Vontade de fugir e de desistir.

Resumo do Relato Oculto do vigésimo quinto dia da atividade com as

crianças: Quebra da “quarta parede” durante a apresentação. A personagem em

diálogo direto e aproximação corporal com as crianças. A personagem é invadida pelo meu incômodo com as crianças, pois elas chutam as pedras. A personagem fica brava e o Urubu aparece em seu lugar.

Resumo do Relato Oculto do vigésimo sexto dia de atividade com as

crianças: Não consegui tirar as crianças da cabeça. Sensação de acúmulo de

expectativa e ansiedade. Dor no peito. Respiração forçada. “Nó na garganta”. Sentimento de incapacidade.