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A criança e o adolescente como sujeitos de direito e sua inserção na sociedade brasileira: uma análise a partir do município de Ijuí, RS

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ANGELA CRISTINA MARCHIONATTI

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE COMO SUJEITOS DE DIREITO

E SUA INSERÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA:

UMA ANÁLISE A PARTIR DO MUNICÍPIO DE IJUÍ, RS

Ijuí (RS) 2012

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ANGELA CRISTINA MARCHIONATTI

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE COMO SUJEITOS DE DIREITO

E SUA INSERÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA:

UMA ANÁLISE A PARTIR DO MUNICÍPIO DE IJUÍ, RS

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado em Desenvolvimento da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, Área de Concentração: Direitos Humanos e Desenvolvimento, requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento.

Orientador: professor doutor Gilmar Antonio Bedin

Ijuí (RS) 2012

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

A A CCRRIIAANNÇÇAA EE OO AADDOOLLEESSCCEENNTTEE CCOOMMOO SSUUJJEEIITTOOSS DDEE DDIIRREEIITTOO EE SSUUAA I INNSSEERRÇÇÃÃOO NNAA SSOOCCIIEEDDAADDEE BBRRAASSIILLEEIIRRAA:: UUMMAA AANNÁÁLLIISSEE AA PPAARRTTIIRR DDOO M MUNUNIICCÍÍPPIIOO DDEE IIJJUUÍÍ,, RRSS elaborada por

ANGEL A CRISTINA MARCH IONATT I

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________

Profª. Drª. Janaína Machado Sturza (FDA): ________________________________________

Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler (UNIJUÍ): _____________________________________

Profª. Drª. Lislei Teresinha Preuss (UNIJUÍ): ______________________________________

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Um país chamado Infância

Há um país chamado Infância, cuja localização ninguém conhece ao certo. Pode ficar lá onde mora o Papai Noel, no Pólo Norte; ao Sul do Equador, onde não existe pecado; ou nas florestas da Amazônia ou na África misteriosa,

ou mesmo na velha Europa. Os habitantes deste país deslocam-se em naves siderais,

mergulham nas profundezas do oceano, caçam leões, aprisionam dragões. E depois, exaustos, tombam na cama.

No dia seguinte, mais aventuras. Não há deja vu no País da Infância.

Não há tédio. Nem todas as crianças, contudo, podem viver no país da Infância.

Existem aquelas que, nascidas e criadas nos cinturões de miséria que hoje rodeiam as grandes cidades, descobrem muito cedo que seu chão é o asfalto hostil, onde são caçados por automóveis e onde se iniciam na rotina da criminalidade. Para estas crianças, a Infância é um lugar mítico

que podem apenas imaginar quando olham as vitrinas das lojas de brinquedos, quando veem TV ou quando olham passar,

nos carros dos pais, os garotos de classe média. Quando pedem, num tom súplice – tem um trocadinho aí tio?

- não é só dinheiro que querem; é uma oportunidade para visitar, por momentos que seja o país com que sonham.

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AGRADECIMENTOS

Desejo expressar minha gratidão àqueles que generosamente me ajudaram a construir essa dissertação. Alguns com seus conhecimentos e técnicas, outros por serem presença constante em minha vida.

Agradeço a Deus, pois acreditar em Sua força me torna forte.

Às minhas filhas, Amanda e Júlia, pelo amor, carinho e doçura que me motivam diariamente a dar o melhor de mim.

Aos meus pais, pela vida, por me ensinarem valores e a lutar pelos meus objetivos; aos meus irmãos, meus sobrinhos e a todos os familiares, por estarem ao meu lado nos bons e maus momentos.

Aos professores e aos técnicos administrativos e de apoio do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, em especial ao professor doutor

Gilmar Antonio Bedin, pelas valiosas contribuições ao orientar este estudo.

Aos colegas do Centro de Referência Especializado da Assistência Social, pelo carinho e apoio.

Aos colegas do Mestrado, pelo convívio e aprendizado, em especial à

Silvia Adriane Teixeira do Amaral, por ter me incentivado e acreditado

na minha capacidade em conquistar mais esta etapa, Ângela Costa e Aline

Madrid, pela amizade que se fortaleceu dia a dia.

A todos os meus amigos que de alguma forma me ajudaram, lendo meu trabalho, opinando ou apenas compreendendo minha ausência em alguns momentos.

Aos assistentes sociais do NUCRESS-Ijuí, por acreditarem na importância da união da categoria.

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RESUMO

Uma breve análise histórica permite observar que demorou muito tempo para que a criança e o adolescente fossem reconhecidos como sujeitos de direitos. O mundo Antigo não dispensava um olhar diferenciado para a infância, o que veio a acontecer apenas na Modernidade. O tardio reconhecimento da infância fez com que crianças e adolescentes fossem vítimas de abandono, violência, trabalho infantil, entre outras. Tais violações repercutem ainda hoje na história de vida dos sujeitos, seja por meio da reprodução da violência ou pela exploração da mão de obra infantil. No Brasil República, a criança, filha da pobreza, passou a ser vista como um problema social, surgindo assim à visão do menor, ou seja, da criança perigosa contrapondo-se à criança em perigo. No ano de 1927 foi criado o Código de Menores, a primeira legislação voltada para as crianças por meio do qual o Estado respondeu com a internação, propondo-se a aplicar os corretivos necessários para suprir os comportamentos considerados delinquentes. Foi a Constituição Federal de 1988, considerada Constituição Cidadã, entretanto, a primeira a reconhecer no Brasil a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, colocando como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a sua proteção. A partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente instaurou-se, no Brasil, a doutrina da proteção integral, contrapondo-se à doutrina da situação irregular. A Constituição Federal de 1988 deu diretrizes às ações da Assistência Social. A Lei Orgânica da Assistência Social estabeleceu os princípios e as diretrizes das ações da Assistência Social, e o Sistema Único de Assistência Social estabeleceu meios para a execução dos programas, serviços e benefícios socioassistenciais, buscando a promoção e a proteção social a famílias, crianças e adolescentes. O interesse pelo assunto surgiu em função do trabalho realizado pela mestranda como Assistente Social junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), especificamente no Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS). Neste sentido, o presente estudo apresenta a organização do município de Ijuí e a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes por meio dos projetos voltados à criança e ao adolescente. Tem como objetivo discutir como o município de Ijuí (RS) tem enfrentado o problema do reconhecimento da criança e do adolescente como tais e como tem viabilizado a sua proteção

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ABSTRACT

A brief historical analysis allows us to observe that it took a long time for children and adolescents were recognized as subjects of rights. The Old World did not excuse a different look to childhood, which occurred only in modernity. The belated recognition of childhood made children and adolescents were victims of neglect, violence, child labor, among others. Such violations reverberate even today in the history of life of individuals, whether through the reproduction of violence or exploitation of child labor. In Brazil the Republic, the child, the daughter of poverty, was seen as a social problem, giving rise to the vision of the child, or child's dangerous opposition to the child in danger. In 1927 was created the Juvenile Code, the first legislation aimed at children by means of which the State responded to the hospital, proposing to apply the necessary correctives to address the behaviors considered delinquent. It was the Constitution of 1988, considered the Citizen Constitution, however, the first in Brazil to recognize children and adolescents as subjects of rights, placing a duty of the family, society and the State to ensure their protection. From the creation of the Child and Adolescent brought up in Brazil, the doctrine of full protection, in opposition to the doctrine of irregular situation. The Federal Constitution of 1988 gave guidelines to the actions of Social Welfare. The Organic Law of Social Welfare established the principles and guidelines of the shares of Social Work and Social Assistance System established means for the implementation of programs, services and benefits socioassistenciais, seeking promotion and social protection to families, children and adolescents. The interest in the subject was triggered by the work of the master's degree as a Social Worker with the City Department of Social Development (SMDS), specifically in the Reference Center for Specialized Social Assistance (CREAS). In this sense, this study presents the organization of the municipality of Ijuí and realization of the rights of children and adolescents through projects aimed at children and adolescents. Aims to discuss how the city of Ijuí (RS) has faced the problem of recognition of child and adolescent as such has succeeded and how its protection.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. – Artigo

CASE – Centro de Atendimento Socioeducativo

CF – Constituição Federal

CT – Conselho Tutelar

CEDEDICAI – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí COMDICA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social CUT – Central Única dos Trabalhadores

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor FIA – Fundo da Infância e Adolescência

FNBEM – Fundação Nacional de Bem- Estar do Menor

FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor IIN – Instituto Interamericano del Nino

INAN – Instituto Nacional de Assistência ao Menor LA – Liberdade Assistida

LBA – Legião da Boa Vontade

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

NOB RH – Norma Operacional Básica de Recursos Humanos NUCRESS – Núcleo do Conselho Regional de Serviço Social

ONU – Organização das Nações Unidas

PNAS – Política Nacional de Assistência Social PSC – Prestação de Serviço a Comunidade

SAM – Serviço de Atendimento ao Menor

SAMSE – Serviço de Atendimento a Medida Socioeducativa

SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem de Cooperativismo do Estado SMDS – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social

SUS – Sistema Único de Saúde

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 A INFÂNCIA NA HISTÓRIA E SUAS PRIMEIRAS LEIS PROTETIVAS ... 12

1.1 A infância no mundo Antigo ... 12

1.2 A infância na Idade Média... 18

1.3 A infância na Idade Moderna ... 23

1.4 As primeiras leis protetivas da infância ... 29

1.5 A Declaração dos Direitos da Criança ... 31

2 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NO BRASIL E SUA PROTEÇÃO LEGAL ... 33

2.1 A infância no Período Colonial ... 33

2.2 A infância no Período do Império ... 37

2.3 A criança e o adolescente no início da República ... 43

2.4 As primeiras legislações ... 48

2.5 A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente ... 55

3 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NA CIDADE DE IJUÍ, RS ... 61

3.1 Atuais políticas públicas e sociais de proteção à criança e ao adolescente no Brasil... 61

3.2 A cidade de Ijuí, RS ... 66

3.3 Órgãos de proteção à criança e ao adolescente... 70

3.4 Programas e projetos de proteção à criança e ao adolescente na cidade de Ijuí, RS ... 73

3.5 O trabalho do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) ... 79

3.6 A efetivação social dos direitos das crianças e dos adolescentes no município de Ijuí ... 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 91

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INTRODUÇÃO

Há tempos que a infância vem sendo alvo de preocupação, e objeto de discussão nas mais diversas esferas públicas. Foram formuladas leis para protegê-la, criadas redes de atendimento e instituições para ampará-la. Mesmo com todo este aparato social, no entanto, ainda persistem diversas situações de violação de direitos da criança e do adolescente.

O tema desta dissertação é a caracterização da criança e do adolescente como sujeitos de direitos no Brasil, utilizando como base o município de Ijuí. O objetivo é discutir como o município de Ijuí (RS) tem enfrentado o problema do reconhecimento da criança e do adolescente como tais e viabilizado a sua proteção. O estudo, portanto, apresenta e problematiza a efetivação social dos direitos das crianças e dos adolescentes. Para a construção do trabalho o método utilizado foi a pesquisa bibliográfica.

O interesse pelo assunto surgiu em função do trabalho realizado pela mestranda como Assistente Social junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), especificamente no Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS). Percebe-se que apesar de toda implicação da Rede de Atendimento à Criança e ao Adolescente, e os diversos programas sociais disponibilizados, um grande número de crianças e de adolescentes ainda se encontra em situação de risco pessoal e social.

A dissertação se desenvolve em três capítulos, apresentando no primeiro às balizas teóricas sobre o processo de evolução do tratamento dispensado à infância. O estudo da história da infância permite um olhar para as crianças e adolescentes no mundo Antigo, na Idade Média e no mundo Moderno, apontando as primeiras Leis Protetivas, com destaque para a Declaração dos Direitos das Crianças, que lhes garante o direito a uma infância feliz e no gozo de seus direitos e liberdades fundamentais.

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No mundo Antigo, a preocupação do homem era com a sobrevivência, não havendo ainda, um olhar diferenciado para a infância. Na Idade Média a criança era vista como um adulto em miniatura e assim que apresentava certa independência era inserida nas mesmas atividades dos adultos. Mais para o final da Idade Média surgiu o sentimento de infância, quando passou a ser dispensado à criança um tratamento diferente, conhecido como “paparicação”.

A percepção da infância como uma construção social não levou à criação de um mundo melhor para as crianças, pois o conceito de infância se apresentou acompanhado dos mais severos métodos de educação. No transcurso do século 17 os castigos contra as crianças se tornaram mais cruéis.

Na análise histórica, de forma complementar, são abordados os conceitos de família, tendo em vista que as diversas políticas públicas desenvolvidas para a criança e o adolescente trazem como foco o trabalho com o grupo familiar. É na contemporaneidade, porém, que a família patriarcal, tradicional, com papeis masculinos, femininos, direitos e deveres claramente definidos está deixando de existir.

O segundo capítulo destaca a particular trajetória das legislações voltadas para a criança e o adolescente, quando a adoção da Doutrina Jurídica da Proteção Integral, a partir da Constituição Federal de 1988, passou a representar um novo momento na história da criança. A partir dessa etapa, crianças e jovens, em qualquer situação, passaram a ter assegurada a sua proteção e garantidos os seus direitos, bem como reconhecidas prerrogativas idênticas às dos adultos.

Este capítulo aborda também o tratamento dispensado às primeiras crianças brasileiras, mostrando a preocupação dos jesuítas em converter as crianças ameríndias em futuros súditos do Estado português. E a introdução, no Brasil, primeiramente na cidade de Salvador, da Roda de Expostos (local onde eram deixadas as crianças indesejadas), que seguia os moldes de Lisboa.

Na passagem para o século 20 foi introduzida à política de “limpar as ruas”, quando crianças e adolescentes, considerados elementos indesejáveis ou desordeiros, eram encaminhados para reformatórios ou casas de correção, ficando a infância na mão dos juristas. A família pobre aparece como aquela que não apresenta condições de cuidar dos filhos, necessitando da intervenção do Estado, surgindo órgãos como o Serviço de Atendimento ao

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Menor (SAM) e a Fundação Nacional de Bem Estar ao Menor (FUNABEM), todos atuando de forma carcerária e repressiva.

O cenário do século 20, finalmente, apresenta crianças e adolescentes reconhecidos como sujeitos de direito, cujo processo foi bastante tardio, ocorrendo apenas com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, determinado pela Constituição Federal de 1988. A legislação garante à criança e ao adolescente, direitos universalmente reconhecidos, não apenas comuns aos adultos, mas também especiais provenientes de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que devem ser assegurados pela família, Estado e sociedade.

A existência da legislação, entretanto, não garante a toda criança e adolescente um tratamento respeitoso e acolhedor. Uma história com tantos anos de não reconhecimento não pode ser modificada apenas com a criação de uma lei. Surgem, porém, possibilidades de reorganização das políticas públicas, com mais recursos destinados a serviços voltados à prevenção, orientação e acompanhamento de tais violações.

O terceiro capítulo trata das políticas públicas de proteção à criança e ao adolescente no Brasil nos dias atuais. Aborda especificamente o tratamento dispensado à criança e ao adolescente no município de Ijuí, conhecendo o trabalho disponibilizado pela Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente e as formas utilizadas para trabalhar com a criança e o adolescente que possuem seus direitos violados, trazendo dados atuais e a discussão referente à eficácia das atuais práticas voltadas à infância.

Por fim, é importante destacar, que o objetivo do presente trabalho foi contribuir com o desenvolvimento das políticas públicas destinados à criança e ao adolescente, identificando particularidades específicas do município em questão. Deseja-se que cada vez mais sejam investidos recursos na prevenção e no fortalecimento das famílias e, paralelamente, que possam ser reduzidos os investimentos em programas de internação, de acolhimento institucional, de situações de rua, de violência doméstica, entre outras tantas situações que causam sofrimento às crianças e aos adolescentes.

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1 A INFÂNCIA NA HISTÓRIA E SUAS PRIMEIRAS LEIS PROTETIVAS

O conceito de criança e de adolescente habita um lugar no imaginário, geralmente relacionado à alegria, vivacidade, dependência e fragilidade. Situações de violação de direitos, como abandono, violência, abuso e exploração sexual, entre outras, causam repulsa e indignação, uma vez que houve todo um percurso para que a criança e o adolescente fossem reconhecidos como sujeitos de direitos.

A forma de visualizar a criança e o adolescente e os cuidados da sociedade em relação à infância nem sempre foram os mesmos, mas evoluíram conforme a sociedade foi se modificando. Para o homem em si já foi necessário um longo percurso até que pudesse ser visto como um sujeito de direitos. Este processo teve início a partir dos séculos 16 e 17, com a conformação do mundo Moderno, e adquiriu uma relevância extraordinária no último século.

A constituição deste novo sujeito de direitos produziu um novo lugar para a criança e o adolescente na sociedade. De fato,

a criança deixa de ocupar uma posição secundária e mesmo sem importância na família e na sociedade e passa a ser percebida como valioso patrimônio de uma nação; como ‘chave para o futuro’, um ser em formação – ‘dúctil e moldável’ – que tanto pode ser transformado em ‘homem de bem’ (elemento útil para o progresso da nação) ou num ‘degenerado’ (um vicioso inútil a pesar nos cofres públicos). (RIZZINI, 1997, p. 25).

Esta grande relevância dada à criança e ao adolescente nas sociedades modernas tem impulsionado o debate sobre como tratar adequadamente este grupo social específico e sobre quais são as melhores políticas a serem adotadas. Por isso, “o bem estar e o aprimoramento das relações entre pais e filhos são assuntos constantes de psicólogos, sociólogos, psicanalistas, enfim de especialistas [...]” (PRIORI, 1999, p. 7-8). Isto pode ser considerado um avanço extraordinário.

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A Idade Antiga é um período histórico que coincide com o surgimento e o desenvolvimento das primeiras civilizações, também conhecidas como civilizações antigas. De acordo com a historiografia, o início deste período foi marcado pelo surgimento da escrita (por volta de 4.000 a.C.), que representa também o fim da pré-história. De acordo com este sistema de periodização histórica, a Antiguidade em sentido amplo (o que engloba também a Antiguidade Clássica) vai até o século 5, com a queda do Império Romano do Ocidente após as invasões dos povos germânicos (bárbaros).

Contextualizando esse período, não é difícil entender o tratamento dispensado às crianças, compreendendo que, por mais que haja o desenvolvimento, ainda prevalecem resquícios da pré-história, quando

os seres humanos viviam em cavernas, se alimentavam da caça, da pesca e da coleta de grãos, frutos e raízes, não cultivavam nem criavam animais, consumiam o que encontravam na natureza, como frutos grãos e raízes e o que caçavam e pescavam. Quando se esgotavam os alimentos de onde moravam mudavam-se para outros locais (COTRIM, 2008, p. 29).

Para conviver socialmente, homens, mulheres e crianças foram buscando formas de organização entre os membros dos grupos, construindo abrigos e caçando em conjunto.

Estabeleceram divisão de tarefas entre eles. Segundo estudiosos, na maioria das sociedades de caçadores-coletores ocorreu uma divisão do trabalho de acordo com o sexo e a idade. Geralmente, entre os adultos, os homens caçavam; as mulheres faziam a maior parte da coleta de alimentos vegetais e cuidavam das crianças. O produto obtido por meio do trabalho era compartilhado entre os membros e não havia entre eles a preocupação de estocar alimentos para o futuro (COTRIM, 2008, p. 30).

De acordo com Muraro (1994), num primeiro momento da história da humanidade a participação do homem na reprodução da espécie era desconhecida. Os seres humanos viviam da coleta de vegetais e da caça de pequenos animais. A estrutura social e familiar se confundia; não existia público e privado; o grupo formava uma espécie de unidade, era regido pela lógica da partilha e da solidariedade; e a criação das crianças era compartilhada pelo grupo. Nesse momento os papéis das mulheres e dos homens não eram hierarquizados, sendo a procriação a questão central da permanência do grupo. A mulher era socialmente valorizada graças à geração da vida. Desta forma, as famílias seguiam uma estrutura proto-familiar, centrada na mãe.

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Quando as atividades de coleta tornaram-se insuficientes devido às modificações ambientais passou a ser necessário lutar por território e alimentos, caçando animais de grande porte. A força física passou a ser fundamental agora para a subsistência, dando início à supremacia masculina. Contudo, o homem caçador neste período não tinha consciência de sua condição de pai, era um sujeito que se ausentava para as caçadas e as lutas a fim de garantir o necessário para a sobrevivência. No entanto, era uma pessoa visivelmente envolvida na instrução das crianças, nos ritos, na caça e nas lutas (RAMIRES, 1997).

A criação de instrumentos passou a ser aperfeiçoada e os grupos passaram a interferir no meio ambiente, produzindo seus alimentos e criando animais. Para viverem mais próximos dos rebanhos, começaram a construção de casas de madeiras, barro, pedra e folhas secas. Quando

conseguiram controlar o cultivo de certos vegetais e a criação de determinados animais em terras mesopotâmicas, alguns grupos humanos não tiveram mais a necessidade de buscar alimentos em outras áreas. Assim permaneceram mais tempo nos lugares que ocupavam e formaram aldeias agrícolas e pastoris (COTRIM, 2008, p. 48).

No início do II milênio a.C. muitas famílias já controlavam seus próprios campos e plantações e algumas delas já faziam negócios com outras, realizando trocas. Essas trocas propiciaram a acumulação de bens, rebanhos ou terras, propiciando a algumas famílias um maior poder aquisitivo (COTRIM, 2008).

Com a união de pequenas aldeias surgiram as cidades. Uma das explicações para isso é que o aumento e a concentração das pessoas nas aldeias sedentárias, aliados ao crescimento do intercâmbio econômico e social, impulsionaram novas formas de organização do trabalho, da justiça, da religião, da segurança dos habitantes e da proteção dos bens econômicos. Foi no contexto dessas mudanças que as decisões sobre a vida em sociedade passaram a ser tomadas pelos grupos mais poderosos que controlavam os templos (os sacerdotes) e os palácios (o rei e sua corte).

Segundo Lyra et al. (2010, p. 80), após os seres humanos deixarem de viver como nômades e tornarem-se sedentários houve uma grande mudança na estrutura social, em que o poder foi conquistado pela força e medido pela posse, passando a ser mais valorizado o poder masculino. Concomitante, há cerca de sete mil anos, os egípcios e indo-europeus passaram a conhecer a função reprodutiva do homem, dando-se então a descoberta da paternidade, ocorrendo aos poucos, a passagem das sociedades matrilineares para as patrilineares.

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Diferentemente dos grupos nômades de coleta, quando o cuidado com a prole era descentralizado, houve um desequilíbrio nas relações de poder, pois, apesar de haver diferenças de papéis, as relações entre os gêneros não estavam configuradas como homem provedor e mulher cuidadora. Essa compreensão produz consequências ainda no presente, pois essa relação de dominação e subordinação contribuiu para a pouca participação da mulher nas decisões sociopolíticas.

Após a descoberta da paternidade e a questão da propriedade, os homens passaram a controlar a vida sexual das mulheres, sendo a virgindade até o casamento e a fidelidade exigências fundamentais. Neste momento, está instituída a família monogâmica e patriarcal, como meio de assegurar a transmissão da herança a filhos de paternidade incontestável. O homem agora pai torna-se mais inacessível para os filhos e domina a família como uma figura de autoridade e poder, requerido principalmente para as grandes decisões (LYRA et al., 2010, p. 81).

As principais características da Idade Antiga são: o surgimento e desenvolvimento da vida urbana; a consolidação do poder político centralizado nas mãos de reis; a estratificação social como forma constitutiva das sociedades; o desenvolvimento de religiões (maioria politeístas) organizadas; a militarização e ocorrências constantes de guerras entre povos; o desenvolvimento e fortalecimento do comércio; o desenvolvimento do sistema de cobrança de impostos e obrigações sociais; e a criação de sistemas jurídicos.

Dentre os principais povos e civilizações antigas podem-se citar os Mesopotâmicos, Persas, Egito Antigo, Hebreus, Hititas, Grécia Antiga, Roma Antiga, Creta, Celtas e Etruscos.

Os povos mesopotâmicos adoravam diversos deuses. Era comum a cidade ter um protetor para o qual se construía um templo principal. Os sacerdotes ou sacerdotisas realizavam cerimônias religiosas e exerciam outras atividades econômicas. Devido às oferendas recebidas dos fiéis, acumularam um grande patrimônio e, em muitos casos, desenvolveram um sistema de escrita e numeração para controlar a contabilidade (COTRIM, 2008, p.48).

Ao longo do III milênio a.C , o rei se tornaria o principal centro do poder político. Uma das hipóteses para explicar a acumulação de poder, segundo Cotrim (2008, p.49), é que: “à medida que as cidades foram crescendo e acumulando riquezas foram atraindo a cobiça de povos vizinhos”. Diante do risco de invasões e saques, foi necessária a criação de forças militares e a constituição de um comandante para as mesmas. Estes tinham também funções

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sacerdotais. Com o passar do tempo este comandante sacerdote ampliou seus poderes, dando origem à figura do rei.

Enquanto a maioria dos povos era politeísta, os hebreus baseavam-se na crença de um Deus único, sendo esse o criador do universo. O judaísmo surgiu com os princípios fundamentais do cristianismo e do islamismo, tendo no Velho Testamento uma de suas referências fundamentais. Os judeus acreditavam na vinda de um messias enviado por Deus para proporcionar a salvação aos seres humanos.

Neste contexto, originou-se a família, que conforme Roudinesco (2003, p.18), seguindo Aristóteles, é uma comunidade (oikia ou oikos) que serve de base para a cidade (polis). Longe de construir um grupo ela é organizada em uma estrutura hierarquizada, centralizada no princípio da dominação patriarcal.

Três tipos de relações ditas elementares lhe são constitutivas: a relação entre o senhor e o escravo, a associação entre o marido e a esposa, o vínculo entre pai e filhos. Como consequência, a oikia revelava-se indispensável à vida em sociedade, uma vez que toda cidade se compõe de famílias, e que uma cidade privada delas estaria ameaçada de mergulhar na anarquia.

Nesse período, a organização se dava por meio de grupos e por mais que fossem dispensados os cuidados das mulheres com as crianças, não se falava em família ou em relações afetivas até por volta do Século 17. Neste sentido, podemos dizer que: “a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (ARIÈS,1981, p. 17).

Marcus Flavius Quintiliano, nascido na Espanha e falecido em 95 d.C., professor de oratória e retórica, já na época manifestou censura a seus pares por exporem crianças aos segredos dos adultos. A visão manifestada pelo autor corresponde a um entendimento da cultura civilizada, que busca evitar que os impulsos dos adultos, especialmente os sexuais, fossem praticados na presença dos jovens (AZAMBUJA, 2006, p. 27).

Neste período, a infância não tinha visibilidade. A preocupação do homem era com a sobrevivência, em conseguir alimentos e se proteger do frio, do calor, da chuva e dos animais ferozes. Azambuja (2006) refere que conforme se regressa na história depara-se com a falta de

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proteção à criança, aumentando as probabilidades de serem assassinadas, espancadas, aterrorizadas e abusadas física e sexualmente. Neste sentido, pode-se citar, Carter-Lourensz e Johnson-Powel:

Atos físicos e sexuais contra crianças eram comuns na antiguidade, havendo abundantes referências bíblicas e mitológicas sobre o fratricídio e o infanticídio. Caim matou Abel, enquanto Zeus sequestrou o Jovem Ganimedes para lhe servir de copeiro e amante. O livro, a vida dos doze Césares, de Suetônio, registrou as inclinações sexuais do imperador romano Tibério com crianças pequenas, as quais forçava a cometer atos sexuais vulgares e atenderem a seus desejos pornográficos (apud AZAMBUJA, 2006, p. 266).

Com isto, constata-se que atos de abandono e violência contra as crianças eram práticas comuns e que a vida da criança ficava nas mãos da vontade do pai.

(...) Em Roma, um cidadão não ‘tem’ um filho: ele o ‘toma’, ‘levanta’(...) Em Roma a ‘voz de sangue’, falava muito pouco; o que falava mais alto era a voz do nome de família (...) A passagem à idade de homem já não será fato físico reconhecido pelo direito habitual, e sim uma ficção jurídica (...) púbere ou não, casado ou não, um menino permanecia sob a autoridade paterna e só se tornava inteiramente romano, ‘pai de família’, após a morte do pai; ainda mais, este era seu juiz natural e podia condená-lo à morte por sentença privada (...) psicologicamente, a situação de um adulto com o pai vivo era insuportável (Veyne,1990, p. 23-41).

Segundo D’Agostini (2010, p. 26):

A civilização grega foi palco de uma das maiores manifestações sociais conhecidas na História da humanidade. Apesar de ser fundamentalmente alicerce de um sistema enaltecedor dos valores masculinos e sua superioridade sobre o sexo feminino, foi uma das primeiras civilizações a delinear a função do jovem na polis (cidade). Desde muito cedo o jovem era separado de sua família e colocado sob um sistema rígido de educação física e intelectual para compor o corpo militar e alcançar o

status de cidadão grego, objetivando o fortalecimento da organização militar e a

supremacia do império grego sobre os outros povos. Os jovens serviam como objetos de prazer dos mestres (relação sexual educativa). Pode-se dizer que foi a Grécia a primeira a revelar o fenômeno da pederastia (relação sexual de um adulto com um adolescente).

Na Antiga Roma (outra destacada civilização da Idade Antiga) o vínculo de sangue contava menos que o vínculo de escolha. Por isso, recém-nascidos eram expostos na porta do palácio imperial, matando-se os que não eram escolhidos. Uma prática que cumpria as atuais funções do aborto.

No mundo Antigo, os costumes germânicos eram menos agressivos que os romanos.

Os germanos não praticavam o infanticídio, as próprias mães amamentavam seus filhos e as crianças eram educadas sem distinção de posição social. O povo germânico era composto por um conjunto de lares, com dois poderes distintos: o matriarcal, exercido no seio da família, e o patriarcal, predominante na política e na organização social. No entanto, o destino das crianças naqueles clãs, como na

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cultura romana, também dependia da vontade paterna (direito de adoção, de renegação, de compra e venda). A criança aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos, órfãos e abandonados era entregue aos parentes maternos, especialmente a tios e avós maternos (COSTA, 2002).

Para D’Agostini (2010), no século 4, o infanticídio começou a ser juridicamente considerado um delito, mas somente no século 15 iniciaram as manifestações de uma certa repulsa social por parte das classes populares quanto a esta prática. Esta repulsa coincide, por outro lado, com a necessidade estrutural de se possuir uma família numerosa para trabalhar a terra.

1.2 A infância na Idade Média

Algumas informações são importantes para que se possa compreender um pouco deste período caracterizado de Idade Média. A primeira delas é o tempo de duração: “são poucos os momentos da história tão longos. Abrange mais ou menos, dez séculos ou, aproximadamente um milênio, Normalmente, aponta-se que este período histórico teve início no século 5 d.C. e chegou até o final do século 15” (BEDIN, 2008, p. 13).

Alguns autores apontam que durante a Idade Média o status da criança ainda aparece praticamente nulo. E não se pode desconsiderá-lo como um período intermediário, entre a Antiguidade e a Modernidade, “assim, a ideia de corte nítido, de um novo limiar na sua evolução, guia muitos discursos que caracterizam a Idade Média como a época de ignorância, de embrutecimento, de subdesenvolvimento generalizado”, podendo o termo medieval ser usado por muitos num sentido pejorativo (BEDIN, 2008, p. 16).

Outra característica presente é a predominância das atividades rurais ou agrárias, situação que contribuiu com a queda do Império Romano e o fortalecimento do poder da Igreja. Esta passou, então, a ser a instituição mais valorizada, disponibilizando um grande poder papal na resolução de conflitos.

O Cristianismo trouxe possibilidades de mudanças em relação ao tratamento dispensado à criança.

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No entanto, foi um processo bastante lento, um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja. Primeiro, por força das circunstâncias. Por exemplo, dos séculos V ao VIII, na Normandia, o índice de mortalidade infantil era muito elevado, 45%, e a expectativa de vida bem pequena, 30 anos (COSTA, 2002).

De fato, poucas eram as pessoas que conseguiam atravessar todas as fases da vida. Em época de guerras e de doenças, a morte era:

comum para a população europeia. Alguns historiadores asseguram que aproximadamente um terço dos habitantes morreu neste período devido à peste negra, a doença era provocada pelo bacilo Pasteurella pestis, com duas formas de transmissão: a bubônica, contraída através da picada de pulgas vindas de ratos portadores do bacilo, e a pulmonar, transmitida de uma pessoa para outra através da tosse ou do hálito. Talvez por esse motivo não valorizavam muito a criança, pois ela era considerada frágil e poderia vir a óbito com facilidade. (COTRIM, 2008, p. 160).

À primeira vista esses dados arqueológicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a criança: a regularidade da morte poderia criar nos espíritos de então uma apatia, um medo de se apegar a algo tão frágil que poderia morrer à primeira doença (COSTA, 2002).

Segundo Ariès (1981, p. 99), o sentimento de infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia.

Já Costa (2002) nesse sentido destaca que:

a documentação nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos, apesar da mortalidade infantil. Em sua História dos Francos, Gregório de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentação de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico), quando da morte de crianças. Essa epidemia que começou no mês de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte. Nós perdemos algumas criancinhas encantadoras e que

nos eram queridas, a quem nós havíamos aquecido em nosso peito, carregado em nossos braços ou nutrido por nossa própria mão, lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [...]. O rei Chilperico também esteve

gravemente doente. Quando entrou em convalescença, seu filho mais novo, que não era ainda renascido pela água e pelo Espírito Santo, caiu enfermo. Assim que melhorou um pouco, seu irmão mais velho, Clodoberto, foi atingido pela mesma doença, e sua mãe Fredegunda, vendo-o em perigo de morte e se arrependendo tardiamente, disse ao rei: “A misericórdia divina nos suporta há muito tempo, nós que fazemos o mal, porque sempre ela nos tem advertido através das febres e outras doenças, mas sem que nos corrijamos. Nós perdemos agora os nossos filhos, eis

que as lágrimas dos pobres, as lamentações das viúvas e os suspiros dos órfãos os matam e não nos resta esperança de deixar os bens para ninguém. Nós

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carregados de rapina e maldições! Nossas adegas não abundam em vinho? Nossos celeiros não estão repletos de trigo? Nossos tesouros não estão abarrotados de ouro e de prata, de pedras preciosas, de colares e outras jóias imperiais? Nós perdemos o

que tínhamos de mais belo! Agora, por favor, venha! Queimemos todos os livros

de imposições iníquas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotário (Gregório de Tours, Historiae, V, 34)

Evidencia-se, a partir dessa passagem, que não se pode afirmar que não havia sentimentos em relação às crianças, no entanto, o tratamento dispensado a elas aparece como o mesmo dispensado aos adultos. Não havia um cuidado com a influência do modo de vida dos adultos na vida das crianças, até porque esta não era percebida como um ser em desenvolvimento.

Segundo Ariès (1981, p.51), as crianças eram tratadas

como adultos em miniatura: na maneira de vestir-se, na participação ativa em reuniões, festas e danças. Os adultos se relacionavam com as crianças sem discriminações, falavam vulgaridades, realizavam brincadeiras grosseiras, todos os tipos de assuntos eram discutidos na sua frente, inclusive a participação em jogos sexuais. Isto ocorria porque não acreditavam na possibilidade da existência de uma inocência pueril, ou na diferença de características entre adultos e crianças.

Neste período, quando a criança não dependia mais do apoio da mãe ou da ama, passando a adquirir certa autonomia de sobrevivência, ela já ingressava na vida adulta. Passava então a conviver com os adultos em suas reuniões e festas, atividades de lazer ou tarefas, sem nenhuma transição. Não havia diferenciação das suas características psicossociais ou que estas estariam em desenvolvimento.

A educação da criança não era assegurada pela família. Precocemente se envolviam com os adultos nas atividades de ajuda aos pais, no caso das meninas nos trabalhos domésticos e no caso dos meninos na conservação dos bens e negócios familiares. Era esta a forma de que dispunham para adquirir conhecimentos e valores essenciais à sua formação.

Azambuja (2006, p. 29) destaca que “no mundo medieval não havia concepção de desenvolvimento infantil, o que é constatado pela inexistência de pré-requisitos de aprendizagem sequencial e pela falta de uma concepção que apontasse a escola como uma etapa de preparação para o mundo adulto”. Nesse período o adulto-criança era uma condição normal, em grande parte porque na falta de alfabetização, escolas e civilidade, não se exigia disciplina ou aprendizagem especial para ser um adulto.

Ariès (1981), em sua obra relata que a criança não estava ausente nas artes na Idade Média, mas nunca era modelo real de um retrato, pois não se pensava em conservar uma

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imagem de criança que tivesse se tornado adulta ou então que tivesse morrido quando pequena, pois não fazia sentido fixar na lembrança uma fase sem importância. Por muito tempo permaneceu a ideia de que era necessário ter vários filhos para conservar alguns.

O abandono de crianças e o infanticídio continuavam sendo praticados, este último, na maioria das vezes, por sufocamento. A partir do século 13, na Itália, Espanha, Portugal e França foram criadas casas de caridade. Segundo Marcílio (1998), a preocupação em garantir o sacramento do batismo para todos os recém-nascidos – protegendo-os dessa forma do Limbo – somada ao temor frente ao risco do reaparecimento do infanticídio nas cidades, levaram à fundação de uma forma de assistência infantil – a Roda dos Expostos.

Sobre as rodas, Marcílio (1998, p. 57) explica:

De forma cilíndrica e com uma divisória no meio, esse dispositivo era fixado no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior da parte externa, o expositor colocava a criança que enjeitava, girava a Roda e puxava um cordão com uma sineta para avisar à vigilante – ou Rodeira – que um bebê acabara de ser abandonado, retirando-se furtivamente do local, sem ser reconhecido.

Para Ariès (1981), a análise da evolução das pinturas dos séculos 13 ao 16 mostra como a sociedade, a partir de então passou a olhar a criança de modo diferente: de fato, a presença da criança na família foi sublinhada, sobretudo, por ser considerada engraçadinha, por fazer gracejos. Essa característica da criança vista como um ser engraçadinho, capaz de merecer todo tipo de paparicação, expressa um primeiro estalo na percepção da importância da criança na família. É característica do primeiro sentimento de infância, que vai se ampliando com o passar do tempo.

Para Azambuja (2006, p. 43), a percepção da existência da infância, presente no decorrer do século 13 e seguintes, não significa que as crianças tenham adquirido melhores condições de vida. A possibilidade de as crianças penetrarem na vida emocional dos pais motivou o surgimento do sentimento da necessidade de serem os infantes moldados. No período que antecedeu o século 18 os castigos físicos, espancamentos com chicote, ferros e paus, eram bastante comuns.

Ariès (1981) aponta que um homem da Idade Média se espantaria com as exigências de identificação civil a que o cidadão de hoje se submete com naturalidade. No período medieval, o primeiro nome já foi considerado uma designação imprecisa e foi necessário completá-lo com um sobrenome de família, ou o nome de um lugar. Enquanto o nome

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pertence ao mundo da fantasia, o sobrenome acompanha o mundo da tradição. Após foi necessário acrescentar uma nova precisão de caráter numérico – a idade.

Por mais que houvesse períodos marcando a passagem das idades, estes não eram necessariamente marcados por aspectos biológicos. A ideia de infância aparece vinculada à dependência econômica, pois “considerava-se adulto quem não dependesse dos pais, ainda que mais jovem à outra pessoa que, contudo, fosse dependente economicamente. Esta era considerada criança” (SEGUNDO, 2003).

É na Idade Média, contudo, que a família começou a se configurar na figura do pai, da mãe e dos filhos. Neste período, conforme Roudinesco (2003, p. 18), os casamentos eram arranjados entre os pais, sem que a vida sexual e afetiva dos futuros esposos, em geral unidos de forma precoce, fosse levada em conta. Nesta ótica, a célula familiar repousa em uma ordem do mundo imutável e inteiramente submetida a uma ordem patriarcal. O pai passava a ter grande poder nas relações familiares.

Conforme Roudinesco (2003, p. 21), “heróico ou guerreiro, o pai dos tempos arcaicos é a encarnação familiar de Deus, verdadeiro rei taumaturgo, senhor das famílias. Herdeiro do monoteísmo reina sobre o corpo das famílias e decide sobre os castigos infligidos aos filhos”.

No direito romano, o pater é aquele que se reconhece como pai de uma criança; a criança, mesmo que nascida da esposa legítima, é considerada sem pai caso este não a reconheça. O pai pode instituir os filhos (ou não filhos) herdeiros, assim como pode deserdá-los, pois é o senhor de sua casa.

Na época, os preceitos religiosos determinados pela Igreja Católica estabeleciam o modo de vida das pessoas, determinando as formas de comportamento:

assim os filhos dos senhores feudais, após uma rígida educação católica, eram levados ao sacramento do matrimônio, especialmente as meninas que eram vendidas por seus pais em troca de dotes de terra. Em contraposição, os descendentes de servos acabavam dando continuidade aos serviços prestados por seus progenitores ao senhor. Os jovens que desrespeitavam os costumes eram recriminados socialmente e ditos como cristãos infiéis. Na época, a juventude era tida como turbulenta, ruidosa e perigosa (D’AGOSTINI, 2010, p. 27).

Neste período os laços de sangue constituíam a família e a linhagem, conforme manifesta Scherer (2007, p. 50). O primeiro dizia respeito ao grupo de pessoas que formavam

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a família conjugal, podendo congregar vários casais que ocupavam uma propriedade a qual se negavam a dividir, a partir de um tipo de posse denominado frereche ou fraternitas.

Segundo Ariès (1981), este tipo de posse agrupava os filhos que não tinham bens próprios, sobrinhos ou primos solteiros. Esse costume que objetivava a indivisão da família, não durava além de duas gerações, e deu origem às teorias tradicionalistas do século 19 sobre a família patriarcal, muito presente no Brasil no Período Colonial.

1.3 A infância na Idade Moderna

A modernidade emergiu na Europa por volta do século 17, tornando se mundial rapidamente. Segundo Giddens, 1991, p.61: a Modernidade pode ser entendida dentro de quatro dimensões, ou quatro formas institucionais, a saber: o capitalismo, o industrialismo, a vigilância e o poder militar.

D’Agostini (2010, p. 28) destaca que

iniciou a decadência do feudalismo, houve a introdução do sistema mercantilista de produção. Ampliou-se o sentimento de infância, passando a criança a ser objeto tanto de interesses psicológicos como morais. A criança assumiu lugar central dentro da família – a disciplina e a educação ascenderam socialmente, mas a idade não era critério para a divisão de turmas; o rígido aos ditames sociais ainda era apregoado pelas igrejas; havia combate às ideias absolutistas impostas pelo regime monárquico, através da educação, com a construção de um novo cidadão a partir do processo educacional infantil para moldar o adulto em perspectiva. Foi na educação que os modernistas fortaleceram sua participação social e derrubaram o poder ditador imposto, sobretudo construindo um novo cidadão a partir do processo educacional infantil.

Na ótica de Giddens (1991, p. 61), o capitalismo pode ser entendido como “um sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse de propriedade, essa relação formando o eixo principal do sistema de classes”. O capitalismo necessita de mercados competitivos, assim como investidores, produtores e consumidores. Juntos esses fatores o geram e o realimentam.

Mocellim (2008) assinala que o industrialismo, na visão de Giddens (1991, p. 61), está ligado ao processo de industrialização, ao surgimento das fábricas e a vigilância é relacionada

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à supervisão da população pelos que detêm o poder político. Trata-se de vigilância tanto direta – como as de que trata Foucault (2004; 2005), como prisões, escolas, etc. – como também, indireta baseada no controle da informação por especialistas ou órgãos governamentais. No que se refere ao poder militar, o autor expressa que em grande parte este pode ser descrito pelo que se nomeia de monopólio da violência.

O monopólio bem-sucedido dos meios de violência dentro de fronteiras territoriais precisas é específico do estado moderno. Como o é igualmente a existência de vínculos específicos com o industrialismo, permeando as organizações militares e os armamentos a sua disposição (GIDDENS, 1991, p. 64).

Neste período, durante a luta contra o Absolutismo, surge o reconhecimento de que o homem é portador de direitos, sendo criado um documento importantíssimo no campo de direitos: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pela Assembléia Nacional Constituinte Francesa, em 1789. Conforme Couto (2006, p. 36), este documento foi elaborado em plena efervescência dos direitos civis e políticos.

Foi a partir dos séculos 17 e 18, portanto, que os direitos civis começaram a ser defendidos. Neste período, as classes burguesas em ascensão lutavam contra o poder absoluto dos reis e do Estado absolutista e, por intermédio dos direitos civis, tentavam limitar o poder tanto do rei como do Estado (COUTO, 2006).

Conforme Couto (2006, p. 47), são considerados direitos civis os direitos à vida, à liberdade de pensamento e fé, o direito de ir e vir, à propriedade privada, à liberdade de imprensa e à igualdade perante a lei, traduzida pelo direito a um processo legal, ao habeas

corpus e de petição. Esses direitos são apontados por Locke (principal teórico da Revolução

Gloriosa) como naturais e inalienáveis. A eles foram agregados os direitos políticos que se traduzem pelo direito de votar e ser votado, direito à associação e à organização, presentes na sociedade a partir do século 19.

Esses direitos são considerados de primeira geração e têm seu fundamento na ideia de liberdade, apresentando resistência ou oposição à atuação do Estado. Foram portadores deles os homens livres e proprietários, pois a propriedade privada era considerada o passaporte essencial para que o homem exercesse esses direitos sem ser corrompido. Cabia a esses homens decidirem o destino dos outros que não se enquadravam neste estatuto.

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Mocellim (2008) afirma que para Bauman (1999, p. 5), a “existência é moderna na medida em que contém a alternativa da ordem e do caos”. Para Bauman (1999), a modernidade significou uma constante luta contra a ambivalência, uma busca incessante de formas de conhecer, classificar e ordenar o mundo. Tudo o que não seja ordenado nesse sentido passa a ser considerado natural, e tudo que é natural deve ser controlado e adequado às condições humanas de vida. Modernidade é sinônimo de ordem. O projeto moderno era um projeto de ordem, e por ser projeto não podia ser diferente. Esse projeto era o projeto científico-técnico de conhecer para controlar, e utilizar a favor dos homens. O projeto do Estado Moderno visava organizar os povos e a existência social de cada um deles, para assim lhes trazer uma vida melhor.

No período Moderno destacam-se quatro modelos de estrutura familiar, dentre os quais a Família Aristocrática e a Família Camponesa dos séculos 16 e 17, e a Família Operária ou Proletária e a Família Burguesa do século 19.

A Família Aristocrática tinha seu modelo predominante no início da Era Moderna, a linhagem era fator determinante nas relações de parentesco. Residiam na mesma dependência patrões, crianças e um grande número de empregados e aprendizes que formavam um verdadeiro grupo social. A terra era de grande importância. Como mostra Ribeiro (1999, p. 105), “o casamento era antes de tudo um ato político, um arranjo de convivência, cujo objetivo primeiro era manter intacta a propriedade, logo, não tinha a ver com amor e sexo”.

Já Família Camponesa vivia em aldeias e se caracterizava como nuclear, porém, na aldeia todos estavam ligados por laços de dependência. Apesar de cada um ter seu espaço, tudo era feito em comunidade, existia uma relação intensa entre a criança e a comunidade, sendo esta muitas vezes punida com castigos físicos pelo grupo, ou pelo pároco, e não somente pelos pais.

Enquanto isso, a Família Operária ou Proletária tinha como principal função garantir a sobrevivência dos filhos. Era necessário que todos os membros da família trabalhassem devido ao início da industrialização. Viviam sob condições de extrema pobreza, miséria social e econômica.

Segundo Rodrigues (2003), o proletariado conservou alguns dos costumes camponeses. A vida da família era caracterizada por formas comunitárias de dependência e apoio mútuo. Os filhos foram criados de maneira informal, já que os pais não tinham tempo

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para se dedicar a eles. Na maioria das vezes, as crianças eram criadas por parentes e vizinhos. Houve um segundo estágio da família proletária, no qual a mulher passou a ficar mais em casa com os filhos. Isto aconteceu devido a uma aproximação do padrão burguês de diferenciação dos papéis sexuais, iniciando um envolvimento emocional entre mãe e filho.

Foi no século 18, porém, que o casamento por amor passou a ser permitido, sobrepondo-se a interesses políticos ou econômicos. A família burguesa trouxe como principal característica a distância da sociedade. A moradia já demonstrava essa preocupação, com cômodos que propiciavam maior privacidade, mantendo os criados em áreas separadas. A mulher passou a se responsabilizar pelos afazeres domésticos e cuidados com os filhos e os homens eram os responsáveis pela manutenção financeira.

Segundo Roudinesco (2003, p. 19), a família dita moderna tornou-se o receptáculo de uma lógica afetiva, cujo modelo se impôs entre o final do século 18 e meados do século 20. Fundada no amor romântico, ela sanciona a reciprocidade dos sentimentos e os desejos carnais por intermédio do casamento. Mas valoriza também a divisão do trabalho entre os esposos, fazendo ao mesmo tempo do filho um sujeito cuja educação é assegurada pela nação. A atribuição da autoridade torna-se então motivo de uma divisão incessante entre o Estado e os pais.

O conceito de infância que se conhece hoje é fruto da Modernidade. O primeiro sentimento que se destaca é a “paparicação”. Ele aparece na família, na companhia das crianças pequenas. As pessoas passam a admitir que se sentem felizes, ao observar as atitudes das crianças pequenas. Inicialmente este sentimento pertence às amas encarregadas de cuidar da criança.

Conforme Ariès (1981, p. 100):

A ama se alegra quando a criança fica alegre, e sente pena da criança quando esta fica doente [...] ela educa a criança e a ensina a falar [...] carrega a criança nos braços, nos ombros ou no colo, para acalmá-lo quando chora, mastiga a carne para a criança quando essa ainda não tem dentes para fazê-la engolir sem perigo e com proveito; nina a criança para fazer dormir.

Para Ariès (1981), a maneira de ser das crianças deve ter sido sempre encantadora às mães e às amas, mas esta compreensão pertencia ao vasto domínio dos sentimentos não expressos. De agora em diante, porém, as pessoas não hesitariam mais em admitir o prazer provocado pelas crianças pequenas, e demonstrariam o prazer que sentiam em paparicá-las.

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Esse sentimento provocou diversas reações críticas. No fim do século 16 e, sobretudo, no século 17, algumas pessoas não suportavam a atenção que passou a ser dada às crianças, e incomodavam-se com a maneira como eram paparicadas. Essa irritação e até mesmo hostilidades são bem ilustradas nas palavras de Montaigne, citadas por Ariès (1978, p.159):

Não posso conceber essa paixão que faz com que as pessoas beijem as crianças recém-nascidas, que não têm ainda nem movimento na alma, nem forma reconhecível no corpo pela qual se possam tornar amáveis, e nunca permiti de boa vontade que elas fossem alimentadas na minha frente. Ele não admite a ideia de se amar as crianças “como passatempo, como se fossem macacos”, nem de achar graça com seus “sapateados, brincadeiras e bobagens pueris”.

Em meio às paparicações a criança foi perdendo as características de “adulto em miniatura”. O novo sentimento de infância provocou mudanças inclusive nos trajes das crianças. A partir do século 17, a criança considerada nobre ou burguesa não mais se vestia como os adultos, passando a ter um vestuário diferenciado. Depois que deixava os cueiros, inicialmente usava uma camisola curta, meias, uma anágua grossa e um vestido com uma grande quantidade de tecido e pregas. Conforme Ariès (1981), Erasmo em Le Mariage Cherétien (1714) denunciava essa moda, preconizando mais liberdade aos jovens. Foi só depois do século 18, porém, que os trajes tornaram-se mais leves e folgados.

O segundo sentimento da infância que se desenvolveu foi a consciência da inocência e da fragilidade da criança. Este veio de fora da família. Foram os eclesiásticos, os homens da lei e os moralistas do século 17 que inicialmente perceberam a necessidade de proporcionar uma atenção especial à infância. Eles recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores. Viam nelas frágeis criaturas de Deus, a quem precisavam ao mesmo tempo preservar e disciplinar. Posteriormente, esse sentimento passou para a família.

No século 18, a família passou a reunir os dois elementos antigos associados a um terceiro e novo elemento: a preocupação com a higiene e a saúde da criança. “A partir de 1850, na Europa, já percebe os filhos como sendo objeto de amor dos pais, e a sua morte passa a ser motivo de luto para um adulto” (AZAMBUJA, 2006, p. 33).

Esta aproximação entre pais e crianças gerou um sentimento de família e de infância que até então não existia, e a criança tornou-se o centro das atenções, pois a família começou a se organizar em torno dela. No início do século 17 foram multiplicadas as escolas com a finalidade de aproximá-las das famílias, impedindo desse modo, o afastamento dos pais e

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filhos. Marcílio (1998) aponta que a preocupação com a criança abandonada passou a ser vista como uma questão social, alvo de políticas do Estado.

Os pensadores do período passaram a reconhecer que as crianças eram importantes. Para alguns deles, como Rousseau, as crianças tinham características próprias nessa fase da vida. Heywood (2004, p. 38) mostra essa noção de Rousseau:

A infância tem formas próprias de ver, pensar, sentir e, particularmente sua própria forma de raciocínio, “sensível”, “pueril”, diferentemente da razão “intelectual” ou “humana” do adulto. Os muitos jovens não deveriam ter o encargo da distinção entre Bem e Mal. Como inocentes, poder-se-ia deixar que respondessem à natureza, e nada fariam que não fosse bom, podendo fazer mal, mas não com a intenção de prejudicar.

Conforme Scherer (2007), a disciplina a que a criança era submetida no período em que estava na escola separava-a das práticas e atividades dos adultos. Assim, o tempo da infância que antes acabava tão logo a criança conseguia cuidar-se sozinha e auxiliar nos trabalhos domésticos, passou a se prolongar por todo período escolar.

Azambuja (2006, p. 44) aponta que com o desenvolvimento industrial, a vida do proletariado passou a ser comandada por uma forte economia familiar, na qual a remuneração do pai passou a ser complementada pela contribuição dos filhos. Elevada taxa de natalidade e expressivo apoio e incentivo ao trabalho infantil eram observados no período.

Referindo-se às palavras de Marshall, D’Agostini (2010, p. 28) manifesta que

A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente, sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. [...]. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva.

Na escola a função dos professores era formar espíritos, inculcar valores e virtudes, além de transmitir conhecimentos. De fato, os homens, inicialmente, buscavam na terra recursos com o único intuito de garantir sua sobrevivência. Com o passar do tempo as necessidades foram se ampliando e gerando o desejo de garantir mais do que isso, ou seja, o excedente. Para Trindade (2002), o excedente abriu caminho para as pessoas serem apropriadas por outras pessoas, de forma contínua e com objetivos econômicos.

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Segundo Azambuja (2006, p. 31), no período que antecedeu o século 18, a utilização de castigos, punição física, espancamentos com chicotes, ferros e paus tinha a intenção de educar. Os pensadores da época recomendavam que os pais cuidassem para que seus filhos não recebessem más influências. Acreditavam que as crianças poderiam ser moldadas de acordo com os desejos dos adultos.

1.4 As primeiras leis protetivas da infância

As primeiras regras jurídicas surgiram no período primitivo, quando se formou a distinção entre o que é permitido e o que é considerado proibido. Mesmo que no período paleolítico já houvesse formas de organização social, foi no período neolítico, com a Lei de Talião, que se começou a vislumbrar a justiça penal.

Tal pena qual delito. Com o tempo se verifica que a Lei de Talião traz problemas

práticos na sua aplicação: nos crimes contra os costumes, cuja pena era a castração, como aplicá-la a pessoas de sexos diferentes? Toda a legislação antiga tem ecos da Lei de Talião, até mesmo em códigos penais dos séculos XIX e XX, como, por exemplo, o código espanhol de 1870, em que se estabelece que ao juiz penal que impunha sentença injusta em ação penal, se houvesse iniciado a execução, era imposta (CAVALCANTE, 2002).

O Código de Hamurabi parece ser uma das leis mais antigas, estima-se que tenha sido elaborado pelo rei Hamurabi, por volta de 1700 a.C. Foi encontrado por uma expedição francesa, em 1901, na região da antiga Mesopotâmia, correspondente à cidade de Susa, atual Irã. É um monumento monolítico talhado em rocha de diorito, sobre o qual se dispõem 46 colunas de escrita cuneiforme acádica, com 282 leis em 3.600 linhas. A numeração vai até 282, mas a cláusula 13 foi excluída por superstições da época. A peça tem 2,25 m de altura, 1,50 metro de circunferência na parte superior e 1,90 na base.1

A função do código era proteger os mais fracos dos mais fortes, não era uma lei que protegia a criança, mas em alguns aspectos se referia a ela. Apesar de sua função, o que se percebe é que era uma lei extremamente violenta, que incentivava a vingança, baseando-se na lei de Talião.

1

a b c “A solução das disputas”, pelo historiador Luiz Marques para a revista História Viva, nº 50 (OPPERT; MENANT. Documents juridiques de l'Assyrie et de la Chaldee. Paris, 1877; KOHLER, J.; PEISER, F.E. Aus

dem Babylonischen Rechtsleben. Leipzig, 1890; FALKENSTEIN, A. Die neusumerischen Gerichtsurkunden I– III. München, 1956-1957). Disponível em: <http://pt.goldenmap.com/C%C3%B3digo_de_Hamurabi>.

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Em seu artigo 192 previa o corte da língua do filho que ousasse dizer a seus pais adotivos que eles não eram seus pais, o filho que batesse no pai teria a mão decepada. Para o incesto praticado de pai para a filha, previa o código de Hamurabi a pena de banimento, que incluía o desligamento do pai de sua família, a perda dos bens e propriedades, além de ver cassados seus direitos de cidadão. Para a relação incestuosa do filho com a mãe a pena era de morte por cremação (AZAMBUJA, 2006, p. 22).

Conforme o Código, se um homem adotasse uma criança e desse a ela o seu nome, criando-a como filho, quando crescesse este filho não poderia ser reclamado por outra pessoa. O Código também previa que se um artesão tomasse algum menor para criar como filho adotivo, deveria ensinar-lhe seu ofício. Se ensinasse, o filho adotivo não poderia mais ser reclamado por seus pais de sangue. Mas se não lhe ensinasse o ofício, o adotivo poderia voltar livremente para a casa de seu pai biológico.

As leis de Rômulo, no início de Roma, determinavam aos pais o dever de criar todos os filhos homens e a primeira mulher a nascer. Os demais, entretanto, podiam ser expostos em locais especiais destinados à exposição de crianças indesejadas, onde se incluíam muitas meninas, assim como meninos deformados ou ilegítimos. Poucas crianças eram recolhidas por estranhos e adotadas ou criadas como escravas, sendo que a maioria era deixada à morte em suas cestas, pela exposição ao tempo ou à fome (AZAMBUJA, 2006, p. 24).

Este cenário foi duradouro na história da humanidade. As primeiras leis protetivas das crianças e dos adolescentes somente surgiram com a consolidação do mundo moderno. Na Inglaterra, a partir de 1802, foi aprovada a primeira lei de proteção à criança trabalhadora, mediante a “Carta dos Aprendizes”, que instituía a jornada de trabalho de, no máximo, 12 horas e proibia o trabalho noturno. Esta regulamentação, contudo, era circunscrita ao âmbito da indústria de algodão e lã. Já a Alemanha promulgou suas leis de proteção a partir de 1838; a Bélgica, em 1840; a França, em 1841; a Holanda, em 1889; Portugal, em 1891. Como se vê, somente a partir do século 19 é que os principais países industrializados da Europa criaram, sob pressão, as primeiras leis de proteção à infância trabalhadora (CUT, 1994).

Concluindo esse primeiro ciclo, é fundada em 1919 em Londres a primeira associação “Save the Children”, por Eglantyne Jebb e sua irmã Dorothy Buxton que, preocupadas com as consequências da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, resolveram criar uma organização internacional não governamental de defesa dos direitos da criança, com ramificações em todo o cenário mundial, buscando melhorar as condições de vida das crianças. Um ano depois foi fundada a União Internacional de Auxílio à Criança, que se

Referências

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