• Nenhum resultado encontrado

O período de 1822 a 1889 foi considerado o período do Brasil Império, também chamado Brasil Imperial ou Brasil Monárquico. O sistema político constituía-se na Monarquia Constitucional Parlamentarista. Foi o período que antecedeu a República dos Estados Unidos do Brasil, e posteriormente tornou-se República Federativa do Brasil.

O período do Brasil Império iniciou com a declaração da independência em relação ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e o seu fim ocorreu com o Golpe de Estado Militar que instaurou a forma republicana presidencialista em 15 de novembro de 1889. O período do Brasil Império foi dividido em dois reinados e uma regência. O primeiro Reinado teve início em 7 de setembro de 1822 e durou até 7 de abril de 1831, quando Dom Pedro I abdicou em nome de seu filho Pedro de Alcântara, na época com cinco anos de idade, iniciando então o Período Regencial. O Segundo Reinado iniciou em 23 de julho de 1840, com a aclamação de Dom Pedro II, e perdurou até a proclamação da República brasileira.

Conforme Cotrim (2008, p. 412), em junho de 1822 foi elaborada uma Assembleia para elaborar a primeira Constituição brasileira. A maioria dos membros da Assembleia representava e defendia o interesse dos grandes proprietários rurais, que haviam tido grande influência no processo de independência do Brasil.

Conforme o referido autor, Dom Pedro recusou o projeto de Constituição, pois este limitava seus poderes. Nomeou então nova comissão composta por dez brasileiros natos para preparar nova Constituição. Foram concluídos os trabalhos e em 25 de março de 1824 Dom Pedro I outorgou à nação a sua primeira Constituição.

Ainda em 1823 o termo “criança” começou a aparecer na construção do Estado, em discursos sobre a expansão da instrução e do ensino aos moradores do Império. Com o funcionamento das instituições de nível superior o tema passou a adquirir maior significado. Conforme Azambuja (2006, p. 46), no período de 1836 a 1870 foram realizadas 81 teses abordando a criança, enfocando a prostituição infantil, a exiguidade da frequência escolar, a higiene dos escravos, o infanticídio, a mortalidade das crianças populares, entre outros. A partir de meados do século 19 é que a preocupação com as crianças se estendeu a áreas não abrangidas pelas academias de Medicina, motivando o envolvimento de outros setores sociais.

Maud (apud PRIORI, 1999, p. 160) relata que conforme o sentimento de pesar pela perda de uma criança se desenvolvia, crescia também a preocupação em cuidar de sua sobrevivência. Foram surgindo procedimentos diferentes para as etapas da infância. E diante da pergunta de quem era a responsabilidade de cuidar da criança, a sociedade respondia que era da mãe, apesar dela mal ter saído da meninice e estar trocando as bonecas de brinquedo por uma de carne e osso. O trabalho de amamentar, por ser considerada uma tarefa árdua, foi logo atribuído à mão de obra escrava. Programadas para manter a exclusão social, ao chegar a certa idade as crianças eram afastadas de mucamas e amigos de infância, filhos de escravos e enviados a estudar fora.

Segundo Marcílio (1998), com a Independência do Brasil, as três Rodas de Expostos do Período Colonial continuaram a funcionar. Da mesma forma seguiam as Ordenações Filipinas, pelas quais toda a assistência aos expostos era obrigação das câmaras municipais. Assistir à criança abandonada, no entanto, era uma tarefa aceita com relutância pelas câmaras municipais.

Segundo Rizzini (2011, p. 20), na casa dos expostos a mortalidade era bastante elevada, tendo atingido nos anos de 1852 e 1853, no Rio de Janeiro, a faixa dos 70% devido à falta de condições adequadas de higiene, alimentação e cuidados em geral. Consta que a Roda do Rio de Janeiro funcionou até 1935 e a de São Paulo até 1948, apesar de terem sido abolidas formalmente em 1927.

Conforme Marcílio (apud PRIORI, 1999, p. 68), as crianças que eram encontradas e não recebiam a proteção devida pela Câmara ou pela Roda dos Expostos acabavam sendo acolhidas em famílias que as criavam por dever de caridade ou compaixão. A prática de criar

filhos alheios sempre foi aceita no Brasil, sendo inclusive raras as famílias que mesmo antes de existir o Estatuto da Adoção não possuíam um filho de criação em seu seio.

Segundo Rizzini (2011, p. 24), no Brasil muitas Rodas de Expostos surgiram, quando na Europa já estavam sendo combatidas pelos higienistas e reformadores, devido à alta mortalidade e suspeita de fomentar o abandono de crianças. Esta discussão não era desconhecida no Brasil, mas foi somente no século 20, com o processo de organização da assistência à infância no país e pela interferência da ação normativa do Estado, que o atendimento aos abandonados sofreu mudanças significativas.

Conforme a autora, as primeiras instituições para a educação de órfãos datam do século 18, sendo instaladas em diversas cidades brasileiras, cujas características fundamentais eram as práticas religiosas e o restrito contato com o mundo exterior. No século 19 questionava-se o domínio do ensino religioso em detrimento do ensino útil a si e à Pátria, embora as práticas religiosas fossem mantidas por compreender que garantiam bons hábitos, noções de ordem e hierarquia. Nos estabelecimentos governamentais masculinos começava a predominar o ofício mecânico e a instrução elementar. “Nove províncias brasileiras instalaram Casas de Educandos Artífices, onde meninos pobres recebiam instrução primária, musical e religiosa, além de aprendizado de ofícios mecânicos, tais como de sapateiro, alfaiate, marceneiro, entre outros” (RIZZINI, 2011, p. 25).

Segundo Venâncio (apud PRIORI, 1999, p. 192-193), em uma primeira fase após a Independência do Brasil, algumas crianças foram recrutadas para a Marinha, valorizando aquelas que tinham estudado nas Companhias de Aprendizes de Marinheiros, e em um segundo momento, em função da Guerra do Paraguai, foram enviadas inúmeras crianças sem treinamento algum para os campos de batalha. É possível perceber um conflito entre as famílias dos aprendizes e os burocratas militares, pois enquanto as primeiras procuravam proteger os próprios filhos, revelando assim a adoção de valores mais modernos relativos à infância, os últimos encaminharam sem aparente peso de consciência, vários meninos para batalhões navais.

Durante o período de expansão ultramarina europeia o trabalho infantil foi bastante valorizado, pelo menos 10% da tripulação nas caravelas era composta por meninos com menos de 15 anos. A razão desse recrutamento é que as viagens eram longas e o abastecimento era incerto. Para vencer vários meses em mar aberto os navios aumentaram de

tamanho e a tripulação também aumentava. Os comerciantes que financiavam as expedições se perguntavam como seria possível alimentar tantos marinheiros. Diante desta dificuldade, as embarcações começaram a valorizar o recrutamento de crianças, pois comiam menos e podiam substituir os adultos em inúmeras atividades. No final do século 18 passou a se exigir idade mínima e preparação prévia para o trabalho de marinheiro.

Conforme Venâncio (1999, p. 195), tais mudanças, na sua maior parte implantada no período napoleônico, às vezes tinha um caráter francamente utópico, pois se baseavam na ideia de que as crianças órfãs, bastardas ou abandonadas tornar-se-iam mais facilmente soldados ou marinheiros ideais. Segundo esse modo de ver, os garotos mantidos pelo poder público teriam a pátria como pai e mãe, e os demais combatentes como irmãos. Eles formariam, então, os denominados batalhões da esperança e supostamente dedicariam à nação todo amor, fidelidade e lealdade que os demais mortais costumavam consagrar aos familiares.

O projeto de recrutamento foi bem aceito, sendo então estabelecidos limites para o ingresso das crianças nas Forças Armadas. Desta forma, uma parcela de abandonados conseguiu sobreviver à primeira infância, pois encontrar um destino para as crianças órfãs era uma preocupação dos administradores dos hospitais.

Conforme Venâncio (1999), no Brasil a situação não era muito diferente de Portugal. Tendo em vista que no decorrer dos Períodos Colonial e Imperial foram criadas várias casas de expostos junto às santas casas e essas instituições seguiam os regimentos lusitanos, recebendo e mantendo meninos e meninas até completarem sete anos, foi possível comprovar desde o século 18 o envio de meninos para trabalhar nos arsenais e em navios mercantes.

Quando as primeiras instituições de formação de marinheiros foram criadas no Brasil, os resultados não foram os esperados, mostrando-se utópica a esperança de transformação dos meninos enjeitados em soldados leais. Os meninos saídos do abandono geralmente apresentavam saúde precária e não tinham noção do que significava o amor à nação, mantendo-se apegados as suas amas e aias.

Além dos enjeitados eram encaminhados também os enviados pela polícia por vadiagem ou os voluntários matriculados por seus pais ou tutores. As companhias instituídas em 1840 passavam aos meninos um enxoval e aos tutores ou responsáveis a quantia de cem mil reais, um valor que permitiria à família a compra de um escravo adulto ou de duas crianças escravas.

Conforme Venâncio (1999, p. 202):

É bom lembrar que nos cortiços que povoavam os centros das cidades imperiais, os meninos também estavam sujeitos à fome e aos maus tratos. Para esses pequenos protagonistas do mundo da miséria, não havia muitas escolhas; mesmo reconhecendo isso é importante frisar que os garotos não aceitavam passivamente o destino do arsenal: os administradores das companhias constantemente referiam-se em ofícios e relatórios as fugas praticadas por indóceis meninos; fugas que chegavam a envolver dez, vinte ou até mesmo trinta por cento do total de matriculados.

Durante a Guerra do Paraguai, o governo imperial não estava preparado para um conflito tão longo de cinco anos e quatro meses. Ao perceber a gravidade da situação foi progressivamente sancionando leis que procuravam contornar a falta de planejamento das Forças Armadas. Escravos libertos e prisioneiros foram recrutados para o Exército, enquanto a Marinha enviava os meninos para os batalhões navais. Para Venâncio (1999), seria incorreto restringir a atuação de meninos a meros criados dos oficiais que lutaram na guerra. Os meninos, por diversas vezes, sobrepujando as próprias forças, ajudavam no complicado manejo das velas e abasteciam as armas com cartuchos e pólvora.

Conforme Lorenzi (2007), o ensino obrigatório no Brasil foi regulamentado em 1854. A lei, no entanto, não se aplicava universalmente, já que ao escravo não havia esta garantia. O acesso era negado também àqueles que padecessem de moléstias contagiosas e aos que não tivessem sido vacinados. Estas restrições atingiam as crianças vindas de famílias que não tinham pleno acesso ao sistema de saúde, o que faz pensar sobre a influência da acessibilidade e qualidade de uma política social sobre a outra. A não cobertura da saúde, portanto, restringiu o acesso das crianças à escola, propiciando uma dupla exclusão aos direitos sociais.

Na Colônia e no Império, conforme Arantes (apud PILOTTI; RIZZINI, 2011, p. 193), as categorias consideradas problema eram as gentes “sem-eira-nem-beira”, os mendigos, os viciosos, os vadios, pois estes não tinham como se inserir na dual sociedade, pois não eram escravos, porque não haviam sido comprados e também não eram senhores.

O problema se modificou com a Lei do Ventre Livre e da Abolição da Escravatura, pois os escravos adquiriram a condição de liberdade, mas não condições materiais para o exercício pleno da cidadania. Foi quando crianças e adolescentes passaram a ser encontrados nas ruas, brincando, trabalhando, esmolando ou cometendo pequenos furtos.

Foi na virada do século 18 para 19, porém, que se iniciou o processo de separação da infância e da adolescência, quando se constatou que é na emergência da puberdade que ocorre a saída da infância. Para Stevens (2004), a adolescência pode ser compreendida como as transformações subjetivas da puberdade.

Salum (2010, p. 53) aponta o fato de o ECA estar fundamentado na seguinte premissa: crianças e adolescentes são seres em desenvolvimento. A criança necessita ser objeto de cuidados, e por ela um adulto deverá ser responsável e responsabilizado. Por outro lado, um adolescente começará a responder por algumas de suas escolhas. Ao adolescente a seguinte tarefa se impõe: sair da posição infantil para uma outra – a posição de responsável.

Para a autora, a tarefa que a puberdade inaugura não é uma das mais fáceis e, para dar conta dela, o adolescente deverá contar com o apoio de algumas instâncias encarregadas da socialização: família, escola, grupo de amigos, cultura, sociedade. E, ao pensar a adolescência como um projeto de subjetivação e não um tempo cronológico é possível marcar sua entrada, mas não a sua saída, embora o ECA delimite que o adolescente é a pessoa na faixa dos 12 aos 18 anos.

No mundo contemporâneo a emancipação do adolescente tem como fator prejudicial duas características: a crise no trabalho e a presença da morte violenta. Salum (2010) aponta a pesquisa de Novaes (2006), em que os jovens informam dificuldades de projetar o futuro devido aos medos com os quais se confrontam no presente: o desemprego e a violência.

A autora relata que a expectativa de vida tem se ampliado para os mais velhos enquanto os jovens têm demonstrado um sentimento de vulnerabilidade, sendo os principais medos: bala perdida, polícia, domínio do tráfico, ser preso, ser violentado, ser espancado e enterrado vivo, sofrer violência e sofrer injustiça. Os dados estatísticos da criminalidade violenta confirmam a pertinência desses medos, quando a juventude tem encontrado a morte cada vez mais cedo. O medo de morrer mobiliza estratégias de sobrevivência, dentre as quais atitudes defensivas, como atacar com agressividade.

Conforme Salum (2010, p. 61), a adolescência é uma época de incertezas, indefinições, de busca de autoafirmação e pertencimento. A sociedade de consumo fabrica e oferta objetos, e os adolescentes estão inseridos na lógica da sociedade contemporânea, isto é, na lógica das mercadorias. A autora destaca que nesta época percebe-se a presença de uma subjetividade que se afirma, sobretudo, na posse dos objetos de consumo. Desta forma, os

adolescentes são capazes de furtar para pertencer a um grupo, agredir para se afirmar e para se defender.

Para a autora, considerar o sujeito de direitos é conceber uma política para a criança e para o adolescente que demonstre a presença do Estado, prioritariamente, como promotor da cidadania, mediante o acesso à saúde, à educação, ao esporte e ao lazer.