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No contexto há pouco referido, juristas, filantropos, médicos, entre outros, lutavam para que as questões referentes ao “menor” se tornassem objetos específicos de uma normatização, uma vez que a criminalidade aumentava e o tratamento repressivo do Código Penal de 1890 precisava ser revisto. Nesse sentido, em 1927, foi criado o Código de Menores (Código Mello Matos).

O Código de Menores (Decreto n. 17.343/A, de 12 de outubro de 1927) foi a primeira lei específica voltada para as crianças. Conforme Passetti (1999, p. 354), foi com o Código de Menores que o Estado respondeu pela primeira vez com internação, responsabilizando-se pela situação de abandono e propondo aplicar os corretivos necessários para suprir o comportamento delinquencial. Os abandonados estavam na mira do Estado.

O Código passou a ser um marco importante na história da proteção da criança e do adolescente. Conforme Azambuja (2006), a nova legislação, entre outras disposições, veio: a) assegurar assistência e proteção aos abandonados e delinquentes;

b) estabelecer regras para disciplinar a situação dos expostos;

c) vedar aos delinquentes menores de 14 anos que respondessem processo penal;

d) estabelecer a necessidade de os menores autores ou cúmplices de crime ou contravenção penal, portadores de deficiência física ou mental, receber tratamento apropriado;

e) limitar em 12 anos a idade mínima para o trabalho; f) proibir o trabalho noturno a menores de 18 anos.

Conforme Passetti (1999, p. 356), ao escolher políticas de internação para crianças abandonadas e infratoras, o Estado optou educar pelo medo. Absolutizou a autoridade de seus funcionários, vigiou comportamentos a partir de uma idealização das atitudes, criou impessoalidade para a criança e o jovem, vestindo-os uniformemente, e estabeleceu rígidas rotinas de atividades, higiene, alimentação, vestuário, ofício, lazer e repouso.

O objetivo principal era tratar o indivíduo perigoso, ele seria internado para, no futuro, vir a se integrar na sociedade. Conforme Pilotti e Rizzini (2011, p. 113), a infância foi nitidamente judicializada neste período. Decorre daí a popularização da categoria jurídica

“menor”, comumente empregada no debates da época. O termo “menor” para designar a criança abandonada, desvalida, delinquente, viciosa, entre outras, foi naturalmente incorporado na linguagem para além do círculo jurídico.

Em 16 de julho de 1934 foi promulgada nova Constituição brasileira pela Assembleia Nacional Constituinte, redigida com o propósito de organizar um regime democrático que assegurasse à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico. Durou três anos, mas vigorou oficialmente apenas um ano (suspensa pela Lei de Segurança Nacional). O cumprimento à risca de seus princípios não chegou a ocorrer. Ainda assim ela foi importante por institucionalizar a reforma da organização político-social brasileira – não com a exclusão das oligarquias rurais, mas com a inclusão dos militares, da classe média urbana e dos industriais no jogo de poder.

Conforme Passetti (1999, p. 360), foi na Constituição de 1934 que pela primeira vez a instrução pública apareceu como direito de todos, independente da condição socioeconômica. Dizia em seu art. 149:

A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros estrangeiros e domiciliados no país, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.

Considerada progressista para a época, a nova Constituição instituiu o voto secreto; estabeleceu o voto obrigatório para maiores de 18 anos; propiciou o voto feminino; previu a criação da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral; nacionalizou as riquezas do subsolo e quedas d’água no país; previu a nacionalização dos bancos e das empresas de seguros; determinou que as empresas estrangeiras deveriam ter, pelo menos, 2/3 de empregados brasileiros; proibiu o trabalho infantil; determinou jornada de trabalho de oito horas; repouso semanal obrigatório; férias remuneradas; indenização para trabalhadores demitidos sem justa causa; assistência médica e dentária; assistência remunerada a trabalhadoras grávidas; proibiu a diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil.

No dia 10 de novembro de 1937 foi outorgada pelo presidente Getúlio Vargas a quarta Constituição do Brasil que vem a ser a terceira da República, no mesmo dia em que foi implantada a ditadura do Estado Novo. Redigida pelo jurista Francisco Campos, ministro da

Justiça, foi a primeira Constituição republicana autoritária do Brasil. A principal característica dessa Constituição era a enorme concentração de poderes nas mãos do chefe do Executivo.

Entre as principais disposições pode-se citar que centralizou os poderes executivo e legislativo nas mãos do Presidente da República; estabeleceu eleições indiretas para presidente, que tinha mandato de seis anos; acabou com o liberalismo; admitiu a pena de morte; retirou do trabalhador o direito de greve; permitiu ao governo expurgar funcionários que se opusessem ao regime; previu a realização de um plebiscito para referendá-la, o que nunca ocorreu.

No período do Estado Novo, iniciado em 1937 com o Golpe de Estado, o governo federal inaugurou uma política de proteção a duas categorias separadas: o menor e a criança. Até então o tratamento ao menor era trabalho apenas da esfera jurídica.

Conforme Pilotti e Rizzini (2011, p. 245):

Nos anos de 1937 e 1938, o Juízo de Menores do Rio de Janeiro tramitou 4.546 pedidos de internação, quando, nestes anos, a lotação dos estabelecimentos disponíveis não passava de 2.630 vagas. Em 1938, 1.626 menores foram considerados abandonados, mas só 678 foram internados. As delegacias recolheram 300 menores das ruas.

Do período que vai da criação do Juízo de Menores do Distrito Federal até o surgimento do Serviço de Assistência aos Menores (SAM), em 1941, prevaleceu uma espécie de justiça assistencialista, paternalista. O Juízo em geral determinava a internação dos jovens nas instituições oficiais e contratadas. Apesar dos convênios as vagas eram insuficientes para toda demanda.

O SAM foi o órgão criado pelo governo federal em que deveria ser centralizada toda assistência ao menor. Segundo o Decreto-Lei n. 3.799, de 5/11/1941 que instituiu o SAM, este tinha como objetivos:

a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares;

b) proceder a investigação social e ao exame médico-psico-pedagógico dos menores desvalidos e delinquentes;

c) abrigar menores à disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal;

d) recolher os menores em estabelecimentos adequados, a fim de ministrar-lhes educação, instrução e tratamento sômato-psíquico até seu desligamento;

e) estudar as causas do abandono e da delinquência infantil para orientação dos poderes públicos;

f) promover a publicação periódica dos resultados de pesquisas, estudos e estatísticas.

Conforme Pilotti e Rizzini (2011, p. 262), no Governo Vargas, no período de 1940 a 1943, a criança pobre e sua família passaram a ser objeto de inúmeras ações. Em 1940 o governo criou uma política de proteção materno-infantil, tendo como meta a preparação do futuro cidadão, de acordo com a concepção de cidadania da época, isto é, a formação do trabalhador como capital humano do país, por meio do preparo profissional, e o respeito à hierarquia mediante a educação da criança.

Nos anos de 1942 e 1943 surgiram outras instituições que buscaram trabalhar os problemas do trabalhador e de sua família. São elas: Legião Brasileira de Assistência, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Serviço Social do Comércio, Serviço Social da Indústria e Campanha Nacional de Educandários Gratuitos.

Com o decorrer do tempo foram constatadas diversas irregularidades, como agências do SAM que inexistiam, mas que constavam para efeito de designação de pessoal ou então falta de critérios na composição do educandário. O SAM foi se tornando assustador no imaginário popular. Alcançou uma fama que automaticamente remete à imagem de uma enorme estrutura cuja atuação representava mais uma ameaça à criança pobre do que propriamente proteção. “Escola do crime”, “Fábrica de Criminosos”, “Sucursal do Inferno”, “Fábrica de Monstros”, “SAM – Sem Amor ao Menor” (PILOTTI e RIZZINI, 2011, p. 268).

Quando se viu lograda a tentativa de reformar o SAM, passou a ser defendida a ideia de criação de um novo órgão – o Instituto Nacional de Assistência a Menores (INAM). Mas a comissão parlamentar de inquérito instaurada para apurar irregularidades no SAM não apontou resultados que ameaçassem a sua existência. Somente seis anos depois, quando houve uma sindicância para apurar irregularidades no SAM, foi retomada a proposta de extinção do serviço.

Foi com a Constituição de 1946, promulgada em 18 de setembro daquele ano, que consagraram-se as liberdades expressas na Constituição de 1934, que haviam sido retiradas em 1937. Pode-se dizer que foi uma legislação avançada para o período, sendo regulados os seguintes dispositivos básicos: a igualdade de todos perante a lei; a liberdade de manifestação de pensamento, sem censura, a não ser em espetáculos e diversões públicas; a inviolabilidade

do sigilo de correspondência; a liberdade de consciência, de crença e de exercício de cultos religiosos; a liberdade de associação para fins lícitos; a inviolabilidade do asilo como casa do indivíduo; a prisão só em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente e a garantia ampla de defesa do acusado; extinção da pena de morte; separação dos três poderes.

Segundo Alberton (2005, p. 49), com a posse do presidente Juscelino Kubitschek em 1956, o Brasil entrou num período de grande crescimento econômico. Em contraposição, a dívida externa crescia astronomicamente, a moeda desvalorizava-se e a inflação disparava, atingindo patamares assustadores. Aumentam as desigualdades sociais e o povo experimentava um empobrecimento galopante. Com isso, as crianças e os adolescentes ficavam cada vez mais vulneráveis.

Durante o período em que vigorou a Constituição de 1946, ocorreu o Golpe Militar de 1964, quando governava o presidente João Goulart. A partir de então, a Constituição passou a receber várias emendas.

Conforme Azambuja (2006, p. 50), foi em 1964, diante da ausência de uma política voltada para o amparo social dos menores, que o governo, em atenção ao clamor público, instituiu a Fundação Nacional de Bem-Estar ao Menor (FNBEM), por meio da Lei 4.513/64. Importante salientar que a partir de 1971 a instituição passou a ser chamada FUNABEM.

Segundo Alberton (2005, p. 51), a Política Nacional de Bem-Estar do Menor tentou substituir as práticas correcional-repressivas do antigo SAM por uma política assistencialista, em que o menor era visto como um “feixe de necessidades”, como um “carente” em todos os aspectos e, como tal, passivamente deveria se submeter à intervenção do Estado. O novo modelo, no entanto, sucumbiu às antigas práticas. Na realidade, os métodos correcional- repressivos nunca deixaram de existir e as FNBEMs continuaram a reproduzir a violência e o desrespeito que imperavam no antigo SAM.

A quinta Constituição brasileira entrou em vigor no dia 15 de março de 1967 e buscou a legalização do regime militar, aumentando a influência do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário, criando desta forma, uma hierarquia constitucional dominante. As emendas constitucionais ficaram todas a cargo dos que exerciam o Poder Executivo, ficando os demais relevados a meros espectadores das aprovações dos pacotes, como seriam posteriormente nominadas as emendas e legislações baixadas pelo Presidente da República.

No ano de 1969 a Constituição recebeu nova redação, conforme a Emenda Constitucional n° 1, decretada pela Junta Militar que assumiu o governo com a doença de Costa e Silva, em 1969. Esta emenda intensificou a concentração de poder no Executivo dominado pelo Exército. É considerada por alguns especialistas como uma nova Constituição de caráter outorgado.

No ano de 1970 o Brasil viveu o período considerado como o “Milagre Econômico”, quando a economia apresentou altos índices de crescimento, foram construídas hidrelétricas e estradas. Para Delfim Neto, a economia tinha que crescer, assim como um bolo, para depois serem os resultados divididos.

O resultado, segundo dados apresentados por Habert (1996), foi a alta concentração de renda nas mãos de uma minoria, sendo que em 1980, 1% da população concentrava renda quase igual aos 50% da população mais pobre. Outro resultado foi o aumento da dívida externa do país.

A sustentação do Milagre Econômico era, segundo Habert (1996, p. 13-14):

três pilares básicos: o aprofundamento da exploração da classe trabalhadora submetida ao arrocho salarial, às mais duras condições de trabalho e à repressão política; a ação do Estado, garantindo a expansão capitalista e a consolidação do grande capital nacional e internacional; e a entrada maciça de capitais estrangeiros na forma de investimentos e de empréstimos.

Com a promulgação da Lei n. 6.697/79 – 2° Código de Menores, poucas foram as modificações introduzidas, embora o seu art. 9º, diferentemente do Código de 1927, prevê a criação de entidades de assistência e proteção ao menor, pelo Poder Público, segundo o qual deveriam ser criados centros especializados destinados à recepção, triagem, observação e permanência de menores.

Marchi (2007) destaca que a literatura nas ciências sociais que trata da chamada “fabricação do menor” na sociedade brasileira, enfatiza a dimensão socialmente discriminató- ria do termo, revelando o fato de que este substantivo somente era aplicado aos indivíduos de uma camada específica da população e não a todos que se encontrassem em determinada faixa etária.

O menor foi legalmente definido pela idade e socialmente reconhecido por sinais estigmatizados e estigmatizantes. Vianna (1999, p.22) menciona que esta distinção implicava

não apenas uma seleção interna do grande contingente de “crianças e jovens”, mas poderia mesmo ser “tomado como o seu oposto”. Questiona, então, o que seria o “oposto” de uma criança senão uma “não-criança”? Ou, se o substantivo “menor” somente era aplicado a determinados indivíduos, o que dizer do substantivo “criança”? Assim, a “menoridade” atribuída às crianças pobres podia ser tomada não simplesmente como um atributo relativo à idade, mas como um instrumento hierarquizador de direitos.

O Código de Menores de 1979, assim como o anterior, tratava da proteção e da vigilância aos menores em situação irregular. Seus destinatários eram as crianças consideradas em estado de necessidade. Foi sucedido pela Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), fundamentada na doutrina da proteção integral.

Conforme a sociedade foi se transformando, ocorreram transformações na família, sendo estas ligadas às mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais. Ocorreram alterações como o pleno emprego na década de 30, assim como a crise do capitalismo e o movimento feminista na década de 70.

A mulher buscou igualdade, inserindo-se no mercado de trabalho em atividades antes ocupadas apenas pelos homens, podendo ampliar sua participação financeira na economia doméstica. Com a ampliação da sua participação no mercado de trabalho, passou a ser comum tanto o homem quanto a mulher serem os responsáveis pelo sustento da casa, sem haver necessariamente a presença dos dois, abrindo caminho para novas composições familiares.

A Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977, introduziu o divórcio no Brasil, sendo regulamentada pela Lei n. 6.515/1977, conhecida por Lei do Divórcio. Essa Lei, aliada à independência das mulheres, permitiu que homens e mulheres pudessem realizar novos matrimônios. Surgiu, assim, uma nova ordem familiar, baseada não apenas nos laços de sangue, mas sim nos vínculos afetivos. Passam a existir os novos papéis: padrasto, madrasta, meio irmão e enteado.

O período da História do Brasil conhecido como Nova República iniciou em 1985, com o fim da Ditadura Militar e início do processo de redemocratização. Este período da História do Brasil perdura até os dias atuais, tendo como marco a Constituição Cidadã de 1988 e a promulgação da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente.