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O Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), constitui-se como espaço de atuação da mestranda como Assistente Social e faz parte da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Alguns programas e serviços que hoje são desenvolvidos neste local foram implantados no município de Ijuí mesmo antes da criação deste espaço, sendo então desenvolvidos pela Secretaria Municipal de Assistência Social.

O CREAS constitui-se numa unidade pública de prestação de serviço especializado e continuado a indivíduos e famílias com seus direitos violados, articulando os serviços de Média e Alta Complexidade com a rede de serviços Socioassistenciais de Proteção Social, fundamentada na Política Nacional de Assistência Social.

Conforme a Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004, p. 30),

A realidade brasileira nos mostra que existem famílias com as mais diversas situações socioeconômicas que induzem à violação de direito de seus membros, em especial, de suas crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência, além da geração de outros fenômenos como, por exemplo, pessoas em situação de rua, migrantes, idosos abandonados que estão nessa condição não só pela ausência de renda, mas por outras variáveis da exclusão social. Percebe-se que estas situações se agravam justamente nas parcelas da população onde há maiores índices de desemprego e de baixa renda dos adultos.

[...] As situações de risco demandarão intervenções em problemas específicos e ou, abrangentes. Nesse sentido, é preciso desencadear estratégias de atenção sociofamiliar que visem à reestruturação do grupo familiar e a elaboração de novas referências morais e afetivas, no sentido de fortalecê-lo para o exercício de suas funções de proteção básica ao lado de sua auto-organização e exercício da autonomia. Longe de significar um retorno à visão tradicional, e considerando a família como uma instituição em transformação, a ética da atenção da proteção especial pressupõe o respeito à cidadania, o reconhecimento do grupo familiar como referência afetiva e moral e a reestruturação das redes de reciprocidade social.

O serviço conta com uma equipe composta por três assistentes sociais, sendo uma delas a autora deste trabalho, três psicólogas, um assessor jurídico, um auxiliar administrativo, um motorista, uma recepcionista/telefonista e dois profissionais serviços gerais. Os profissionais estão organizados em equipes de referência para atuar nos programas, projetos e serviços disponibilizados. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), inspirado nos conhecimentos já produzidos no âmbito do SUS, adota o modelo de equipes de referência. Isso significa que cada unidade de assistência social organiza equipes com características e objetivos adequados aos serviços que realiza, de acordo com a realidade do território em que atua e dos recursos de que dispõe. As equipes de referência do SUAS são entendidas como grupos de profissionais com diferentes conhecimentos, que têm objetivos comuns e definem coletivamente estratégias para alcançá-los.

Quando se fala de organização dos serviços está se referindo à função desempenhada pelos coordenadores; quando se fala de oferta dos serviços refere-se às categorias profissionais que atuam diretamente com os usuários. Estas equipes são responsáveis por um certo número de famílias e usuários, de acordo com a referência do serviço de proteção social básica e especial (FERREIRA, 2011).

No CREAS é desenvolvido o serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI). Conforme determina a tipificação nacional de serviços socioassistenciais, trata-se de um serviço de apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos. Compreende atenções e orientações direcionadas para a promoção de direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e sociais e para o fortalecimento da função protetiva das famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e social.

Os usuários atendidos são famílias e indivíduos que vivenciam violações de direitos por ocorrência de violência física, psicológica e negligência; violência sexual (abuso e/ou exploração sexual); afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medida socioeducativa ou medida de proteção; situação de rua e mendicância; abandono; vivência de trabalho infantil; outras formas de violação de direitos decorrentes de discriminações/ submissões a situações que provocam danos e agravos a sua condição de vida e os impedem de usufruir autonomia e bem-estar.

Os objetivos do serviço seguem a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, e visam contribuir para o fortalecimento da família no desempenho de sua função protetiva; processar a inclusão das famílias no sistema de proteção social e nos serviços públicos, conforme necessidades; contribuir para restaurar e preservar a integridade e as condições de autonomia dos usuários; contribuir para romper com padrões violadores de direitos no interior da família; contribuir para a reparação de danos e da incidência de violação de direitos; prevenir a reincidência de violações de direitos.

Atualmente é disponibilizado no CREAS o Serviço de Acompanhamento à Medida Socioeducativa (SAMSE), atendendo aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente do SINASE.

Segundo Volpi (2006, p. 15): “o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 103, define taxativamente como ato infracional aquela conduta prevista em lei como contravenção ou crime. A responsabilidade pela conduta descrita começa aos 12 anos”.

Ao definir dessa forma o ato infracional, em correspondência absoluta com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o ECA considera o

adolescente infrator como uma categoria jurídica, passando a ser sujeito dos direitos estabelecidos na Doutrina da Proteção Integral, inclusive do devido processo legal.

Essa conceituação rompe com a ideia de adolescente infrator como categoria sociológica vaga implícita no antigo Código de Menores, concepção que, amparando-se numa eufemística ideologia tutelar (doutrina da situação irregular), aceitava reclusões despidas de todas as garantias que uma medida de tal natureza deve necessariamente incluir e que implicavam uma verdadeira privação de liberdade.

Desta forma quando o adolescente chega para cumprir uma medida socioeducativa em Meio Aberto, podendo ser na forma de Prestação de Serviço à Comunidade ou de Liberdade Assistida, ele é acolhido pela equipe técnica do CREAS. Para a entrevista de acolhimento, este deve vir acompanhado de um dos pais ou responsáveis. Durante a entrevista são identificados fatores referentes ao núcleo familiar, situação de moradia, situação escolar e de saúde, como o adolescente percebe seu envolvimento delitivo, disponibilidade para cumprir a medida e planos para o futuro.

Após a entrevista verificam-se os encaminhamentos necessários, podendo haver indicativos para o adolescente retomar as atividades escolares, inserção da família em projeto habitacional, encaminhamento para tratamento de situações de drogadição e para confecção de documentação, atendimento psicológico e/ou social, inserção do adolescente e/ou da família em grupos de orientação e apoio.

O adolescente é encaminhado para o local onde vai cumprir sua medida socio- educativa de Prestação de Serviço à Comunidade, após contato prévio da equipe com o órgão e considerando a aptidão do adolescente para a atividade. Conforme Volpi (2006, p. 23):

Prestar serviços à comunidade constitui uma medida com forte apelo comunitário e educativo tanto para o jovem infrator quanto para a comunidade, que por sua vez poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral desse adolescente. Para o jovem é oportunizada a experiência da vida comunitária, de valores sociais e compromisso social.

Nesse sentido, o envolvimento da comunidade por intermédio de órgãos governamentais, clubes de serviços, entidades sociais e outros, é fundamental na operacionalização dessa medida.

[...] Entendemos que a prestação de serviço à comunidade será cada vez mais efetiva na medida em que houver o adequado acompanhamento do adolescente pelo órgão executor, o apoio da entidade que o recebe, e a utilidade real da dimensão do trabalho realizado.

Os órgãos que disponibilizam espaço para o cumprimento da medida socioeducativa devem disponibilizar um referencial para que a equipe técnica mantenha contato e seja informada caso o adolescente interrompa o cumprimento da medida, para que possa realizar contato por meio de visita domiciliar, identificando o motivo da interrupção do cumprimento da medida de prestação de serviço à comunidade. Periodicamente são realizadas reuniões com os referenciais para orientações e discussões sobre o trabalho desenvolvido pelos adolescentes.

O CREAS também realiza os encaminhamentos referentes à Liberdade Assistida que, conforme Volpi (2006, p. 24):

Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e família). Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado, garantindo- se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos familiares, frequência à escola, e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos.

No município de Ijuí os orientadores são voluntários da comunidade, sendo os mesmos orientados pela equipe técnica do CREAS, que também acompanha a Medida de Liberdade Assistida, buscando o cumprimento do art. 119 do ECA que prevê como incumbência do orientador:

i) promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;

ii) supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;

iii) diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;

iv) apresentar relatório do caso.

Parte da sociedade brasileira considera que o Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta-se de forma paternalista no que se refere aos atos infracionais cometidos pelos adolescentes. Alegam que o fato de o adolescente ser protegido pelo Estatuto permite que adultos utilizem o mesmo para livrar-se de responsabilidades criminais, fazendo com que adolescentes assumam a culpa pelos crimes. A diminuição da maioridade penal e tratamento mais duro para atos infracionais é tema de diversas publicações.

No CREAS também é desenvolvido o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, quando as crianças e/ou adolescentes nessa condição são encaminhadas por meio do Conselho

Tutelar ou Ministério Público, por se encontrarem nas mais diversas situações de trabalho infantil.

A literatura aponta para o fato de que o trabalho infantil tem origens históricas e socioculturais que o naturalizam. Algumas culturas percebem o trabalho como fator positivo, acreditando que é por meio de uma ocupação que as crianças e os adolescentes são protegidos e escapam de situações de exclusão social e que, com a obtenção de uma renda, não ingressam na criminalidade.

O Caderno de Orientações, editado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS, 2010) aponta três causas especiais para inserção das crianças e adolescentes em trabalho infantil: a) necessidade econômica de manutenção da família; b) a reprodução cultural dos mitos sobre trabalho infantil; c) falta de universalização das políticas públicas de atendimento aos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias. No que se refere às necessidades econômicas o trabalho infantil é utilizado como forma de ampliar a renda das famílias. Entre os mitos em torno do trabalho infantil destacam-se: o trabalho das crianças ajuda a família; é melhor trabalhar do que ficar nas ruas; é melhor trabalhar do que roubar; a criança/adolescente que trabalha fica mais esperta; quem começa a trabalhar cedo garante o futuro.

No município de Ijuí, a realidade não é diferente. Durante as palestras e capacitações realizadas na comunidade é comum a expressão de que a criança que está trabalhando ao menos não está roubando, ou então que começar a trabalhar cedo não faz mal a ninguém. A inserção precoce da criança no mundo do trabalho, no entanto, interfere diretamente na questão educacional, assim como pode afetar a saúde da criança, causando prejuízos no desenvolvimento físico. A exploração econômica é uma das piores formas de violência, visto que expõe suas vítimas a muitas outras violências: negligência, agressões físicas e psicoló- gicas e torturas que, muitas vezes, resultam em morte (FALEIROS; FALEIROS, 2008).

No CREAS semanalmente acontecem encontros com as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Nesses encontros são realizadas discussões e orientações por meio de dinâmicas, brincadeiras, oficinas e desenhos. São realizados contatos com escolas, Conselho Tutelar e demais órgãos de atendimento sempre que identificada necessidade.

Nas discussões aparece a necessidade de consumo, ter dinheiro para ir à Lan House jogar vídeogame, comprar doces, brinquedos, roupas e calçados ou até mesmo para ajudar os

pais no sustento da casa. As atividades que se destacam são o trabalho como engraxate e como catador de materiais recicláveis.

Evidencia-se que o trabalho desenvolvido pela criança e pelo adolescente os aproxima das ruas, do contato com substâncias psicoativas, do álcool e do tabaco, e de outras situações de violação de direitos, ou seja, eles ficam suscetíveis a duas formas de violação de direito: a do trabalho infantil e a da exposição às vulnerabilidades do espaço da rua.

É disponibilizado no CREAS o Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Segundo Pedersen (2008, p. 21), nos últimos tempos,

em especial na década de 1970, a violência vem sendo apontada como uma das principais causas de mortalidade na sociedade brasileira, deixando de ser percebida apenas como problema da área jurídica, social e de segurança, passando a ser incluída no universo dos problemas e preocupações da saúde pública. Cabe aqui destacar que a violência em suas diversas formas de manifestação está inserida num contexto histórico-social, com profundas raízes culturais e que precisam ser apreendidas como um fenômeno único.

Apesar de a Constituição Federal, em seu art. 227, ressaltar que é dever da família, sociedade e Estado colocar as crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, as estatísticas continuam sendo alarmantes.

Conforme Pedersen (2008, p. 28):

Mesmo que esta violência tenha tido maior visibilidade nos últimos anos, devido a denúncias públicas e campanhas, esse fenômeno ainda é difícil de ser quantificado e, para enfrentar essa situação, é necessário aplicar a doutrina da proteção integral às crianças e aos adolescentes, preconizada pelo Estatuto, ou seja, é necessário que o Estado, família e sociedade civil desenvolvam ações efetivas e articuladas para garantia das políticas sociais básicas que asseguram os direitos fundamentais da população infanto-juvenil.

Nessa perspectiva, no ano de 2001, o governo federal implantou o Serviço Sentinela, que a partir de 2004 deixou de ser programa e passou a ser Serviço de Ação Continuada, sendo inserido no SUAS no ano de 2005, ficando estabelecido que as ações seriam desenvolvidas no CREAS. Buscando atender à demanda oriunda de situações de violência o serviço foi criado no município de Ijuí no ano de 2006 e oferece atendimento especializado a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso ou exploração sexual.

Após o desenvolvimento das ações do Serviço Sentinela no CREAS, o nome foi alterado para Serviço de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra crianças e adolescentes. Algumas pessoas, no entanto, utilizam o nome Sentinela para se referir ao Serviço e, algumas vezes, até mesmo ao CREAS.

O atendimento acontece a partir dos encaminhamentos do Conselho Tutelar, Ministério Público, Poder Judiciário, Delegacia de Polícia, hospitais, escolas, entidades e pela comunidade em geral. A partir do recebimento da denúncia sugere-se a realização do Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia para formalização da denúncia e encaminhamento para o Conselho Tutelar. Na Delegacia verifica-se a necessidade de realização de exame de corpo de delito, quando o médico legista examina minuciosamente a vítima e todas as lesões encontradas são descritas com fidelidade.

Por intermédio do Conselho Tutelar são realizados encaminhamentos na área de saúde, como atendimento médico, exames de sangue, atendimento pelo Serviço de Atendimento Especializado e aplicação das medidas protetivas pertinentes, como a realização de avaliação psicológica.

Após o recebimento do caso ocorre discussão entre a equipe técnica em reunião interdisciplinar, sendo realizada a análise documental (documentação encaminhada pelo Conselho Tutelar ou Ministério Público, cadastro único para programas sociais). Posteriormente é realizada visita domiciliar por um profissional do Serviço Social e da Psicologia, inserindo a criança ou adolescente em atendimento psicológico e social de forma individual ou grupal. Conforme a necessidade, o atendimento é disponibilizado aos familiares.

Já o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado à Família e Indivíduos (PAEFI) acontece de forma integrada aos demais serviços, e por meio de um conjunto articulado de ações, tem como objetivo favorecer a criação de condições para que crianças e adolescentes vítimas e vitimizadas, bem como suas respectivas famílias, possam resgatar e garantir seus direitos fundamentais, tomando como referência a multidisciplinariedade das ações, com compromisso ético e político.

Os Serviços da Proteção Social Especial de Alta Complexidade, conforme a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, sugerem o Serviço de Acolhimento Institucional, que deve ofertar: acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a

famílias e indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral.

Os casos em que judicialmente são determinados acolhimentos institucionais são encaminhados primeiramente para a Casa de Passagem do Município de Ijuí, um serviço de alta complexidade, onde o acolhido recebe atendimento de assistentes sociais e psicólogas do CREAS. Neste espaço identifica-se, no prazo máximo de 20 dias, se há possibilidade de retorno ao convívio familiar, família extensiva (caso esta ainda não tenha sido identificada pelo Conselho Tutelar), ou se de fato vai para uma instituição de acolhimento.

Para os casos em que é necessário acolhimento institucional o município possui convênios com as instituições municipais, como o Lar Henrique Liebisch, Lar Bom Abrigo, Lar Missão Evangélica de Acolhimento Município de Ijuí (MEAME) e Associação Filantrópica Monte Muriá. As instituições possuem equipes de atendimento que contam com profissionais das áreas de Serviço Social e Psicologia.