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As primeiras crianças que chegaram ao Brasil vieram nas embarcações lusitanas do século 16, antes mesmo do descobrimento oficial do país. As meninas, na condição de órfãs do Rei, eram encaminhadas ao casamento com os súditos da Coroa, ou, assim como alguns meninos, vinham acompanhadas dos pais ou de algum parente. Os meninos também vinham na condição de grumets ou pagens, obrigados a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos. Crianças mesmo acompanhadas dos pais eram violadas por pedófilos e as órfãs tinham que ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manterem-se virgens pelo menos até que chegassem à Colônia (RAMOS, 1999, p. 19).

A mortalidade entre as crianças que vinham para o Brasil era altíssima. As péssimas condições de viagem, aliadas à sua própria fragilidade, eram determinantes para contraírem doenças. Eram mal alimentadas em quantidade e qualidade. Comiam restos ou alimentos deteriorados. Nos ataques de piratas e corsários ou nos naufrágios as crianças ficavam sempre entregues à própria sorte (ALBERTON, 2005, p. 42).

O Brasil, inicialmente chamado de Terra de Santa Cruz, no Período Colonial, seguia determinações de Portugal no que se referia à assistência à infância. Uma das primeiras preocupações dos quatro padres e dois irmãos da Companhia de Jesus, vindos de Portugal, era o ensino das crianças, preocupação que, aliás, também estava expressa no Regimento do Governador Tomé de Sousa, no qual o rei Dom João III determinava: “aos meninos porque neles imprimirá melhor doutrina trabalhareis por dar ordem como se façam cristãos” (CHAMBOULEYRON, 1999, p. 55).

A Igreja e o Estado uniram-se no processo de manutenção do poder, articulando a conquista armada com a legitimação religiosa. “Ao cuidar das crianças índias, os jesuítas visavam tirá-las do paganismo e discipliná-las, inculcando-lhes normas e costumes cristãos, como casamento monogâmico, a confissão dos pecados, o medo do inferno” (PILOTTI; RIZZINI, 2011, p. 17).

Assim, nas aldeias administradas pelos jesuítas, Mem de Sá ordenou que se fizesse um tronco e um pelourinho os quais eram utilizados sempre que as crianças ou adolescentes fugissem da escola (CHAMBOULEYRON, 1999, p. 62). As crianças índias eram chamadas de “curumins” e desde cedo já ajudavam os pais no plantio, na colheita, na caça e na pesca, etc. Depois do descobrimento, muitos índios foram escravizados, e os filhos de escravos eram vendidos ou então iam trabalhar nas casas dos barões.

Devido a disputas de poder na Corte de Portugal, os padres perderam seu poder político nas missões indígenas por ordem do Marquês de Pombal, em 1755, sendo a escravização dos índios proibida. Os colonos começaram então a importar escravos. Era comum a criança escrava morrer com facilidade devido às condições precárias que viviam seus pais, e porque suas mães eram alugadas como amas de leite para amamentar outras crianças.

Segundo Alberton (2005, p. 43), os colonizadores eram devassos e preconceituosos. Abusavam sexualmente das índias e das negras. Conquistavam-nas, mas não casavam com

elas. Não assumiam compromisso jurídico nem religioso a fim de não perder a pureza de sangue. Os colonos não aceitavam responsabilidades nem mesmo com os filhos nascidos dessas uniões. Os religiosos, preocupados com a degradação dos costumes e com a violência sofrida pelas índias, e posteriormente pelas negras, batalhavam pela implantação da instituição familiar na Colônia.

Os casamentos que foram realizados com as órfãs vindas de Portugal não fizeram diminuir os relacionamentos extraconjugais dos colonizadores com as índias e com as negras, pois as esposas em uma sociedade machista, de total desvalorização da mulher, também viviam subjugadas a seus maridos e fingiam ignorar a infidelidade.

As relações dos portugueses com as índias e negras, geralmente acompanhadas de violência sexual, geraram inúmeras crianças ilegítimas no período do Brasil Colônia. Como a sociedade era tipicamente rural, as próprias fazendas responsabilizavam-se pelo sustento e criação dessas crianças, sem serem reconhecidas pelo pai, sendo considerados filhos bastardos, sem direito ao nome de família e à sucessão de bens. Os filhos nascidos fora do casamento não eram aceitos, e com frequência eram abandonados. Tal situação preocupou as autoridades, levando o vice-Rei a propor, em 1726, esmolas e o recolhimento dos expostos em asilos.

Azambuja (2006, p. 45) afirma que para atender à demanda de crianças abandonadas, por influência portuguesa, foi instalada no Brasil, em 1726, anexo à Santa Casa de Salvador, a Roda dos Expostos. O Brasil implantou esta tradição de acordo com os moldes da Roda de Lisboa, criada por homens da alta elite que se dedicavam a recolher esmolas para amparar a pobreza e os sofrimentos de toda ordem.

FREITAS, 1997, p. 58, apresenta trecho de arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Salvador:

As autoridades estavam preocupadas com o crescente fenômeno do abandono de bebês pela cidade de Salvador. O objetivo era de “evitar o horror e desumanidade que então praticavam com alguns recém nascidos, as ingratas e desamorosas mães, desassistindo-os de si, e considerando expor crianças em vários lugares imundos com a sombra da noite, e de quando amanhecia o dia se achavam mortas, algumas devoradas por cães e outros animais, com lastimoso sentimento de piedade católica, por se perderem aquelas almas pela falta do Sacramento do Batismo.

Depois, em 1738, foi criada na cidade do Rio de Janeiro a segunda Roda de Expostos do Brasil, administrada pela Santa Casa de Misericórdia. A terceira e última Roda do Período Colonial foi criada na Santa Casa do Recife, em 1789.

As crianças enjeitadas nas Rodas eram alimentadas por amas-de-de leite alugadas e também entregues a famílias mediante pequenas pensões. Em geral, a assistência prestada pela Casa dos Expostos perdurava em torno de sete anos. A partir daí, a criança ficava, como qualquer outro órfão, à mercê da determinação do Juiz, que decidia sobre seu destino de acordo com os interesses de quem o quisesse manter. Era comum que fossem utilizadas para o trabalho desde pequenas (PILOTTI; RIZZINI, 2011, p. 19).

Conforme Pilotti e Rizzini (2011, p. 19), no Brasil Colônia não havia a “criança” pensada como categoria genérica, em relação a qual se pudesse deduzir algum direito universal, pois não existia o pressuposto da igualdade entre pessoas, sendo a sociedade colo- nial construída justamente na relação desigual senhor/escravo. O que existiam eram categorias específicas, como os filhos de família, os meninos da terra, os filhos dos escravos, órfãos, desvalidos, expostos ou enjeitados ou, ainda, os pardinhos, os negrinhos, os cabrinhas, etc.

Os considerados filhos legítimos não eram vistos como problemas para a ordem social, pois estavam sob o controle do pai de família, assim como os meninos da terra estavam controlados pelos senhores, e os expostos encontravam-se sob o poder de um guardião legal nos estabelecimentos mantidos pela caridade.

É importante mencionar que o relacionamento afetivo de pais e filhos também era registrado por viajantes, conforme Priori (1999, p. 94):

O carinho dos pais pelos filhos, enquanto pequenos, chega a não ter limites e é principalmente o pai que se ocupa com eles, quando tem um minuto livre. Ama-os até a fraqueza e, até certa idade, atura as suas más criações. Não há nada que mais o moleste do que ver alguém corrigir o seu filho. Quando marido e mulher saem de casa, seja para visitarem uma família, seja para irem a alguma festa, levam consigo todos os filhos, com suas respectivas amas, e é ainda o pai quem carrega com todo o trabalho, agarrando-se-lhe os pequenos ao pescoço, às mãos as abas do casaco.

Conforme a autora, no entanto, dar carinho aos filhos, fazer graça, contar estórias e acalentá-los era coisa de mulher e não de homem. Esclarece que o amor materno deixou marcas e ao morrer não havia mãe que não implorasse para as avós e comadres que olhassem seus filhinhos. Os mimos em torno da criança pequena estendiam-se aos negrinhos escravos. Para os moralistas setecentistas, tais mimos estragavam a criança. Para eles a boa educação implicava em castigos físicos e nas tradicionais palmadas.

Relata Priori (1999, p. 97) que o castigo físico em crianças não era nenhuma novidade no cotidiano colonial, sendo introduzido no século 16 pelos padres jesuítas. Vícios e pecados, mesmo cometidos por pequeninos, deveriam ser combatidos com açoites e castigos. A partir do século 18, com o estabelecimento das chamadas Aulas Régias, a palmatória era o instrumento de correção por excelência.

A partir dos sete anos os filhos de escravos já podiam ser separados dos pais, podendo ser vendidos para trabalhar para outras famílias. Às vezes, os nobres compravam os escravos crianças com a finalidade de proporcionar um entretenimento e uma companhia para os filhos.