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Foi no curso do esgotamento dos governos militares, no governo do presidente José Sarney, que a Assembleia Nacional Constituinte promulgou, na data de 5 de outubro de 1988, a atual Constituição da República Federativa do Brasil – também chamada de Constituição Cidadã, a primeira a reconhecer no Brasil, a criança e o adolescente como sujeitos de direitos.

A Constituição Federal de 1988 assegurou garantias constitucionais, dando maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver violação ou ameaça de violação a direitos. Saindo de um regime autoritário qualificou como crimes inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o estado democrático e a ordem constitucional, criando assim dispositivos constitucionais para bloquear golpes de qualquer natureza.

Considera-se pertinente mencionar seus princípios, pois a Carta Magna garantiu ao povo brasileiro, a eleição direta para os cargos de Presidente da República, Governador do Estado e do Distrito Federal, Prefeito, Deputado Federal, Estadual e Distrital, Senador e Vereador.

O Título I da Constituição Federal de 1988, nos arts 1º ao 4º, traz os Princípios Fundamentais sob os quais se constitui a República Federativa do Brasil. Já o Título II aponta os Direitos e Garantias Fundamentais, que estão representados do art. 5º ao 17, reunidos em cinco grupos básicos: individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade, e políticos.

O Título III refere-se à organização do Estado, cujos arts. 18 a 43 tratam da organização político-administrativa, ou seja, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Tratam ainda das situações específicas de intervenção nos entes federativos, sobre a administração pública e os servidores públicos, e também das regiões do país e sua integração geográfica, econômica e social.

Já o Título IV trata da organização dos Poderes, em que os arts 44 a 135 deliberam sobre a organização e atribuições do Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. E o Título V refere-se à defesa do Estado e das Instituições, sendo composto pelos arts 136 a 144, que tratam do Estado de Defesa, Estado de Sítio, Forças Armadas e Segurança Pública.

O Título VI trata exclusivamente da tributação e do orçamento, e por meio dos arts. 145 a 169 define o sistema tributário. Enquanto isso, o Título VII refere-se à ordem econômica e financeira, e trata ao longo arts. 170 a 192 da regulamentação das atividades econômicas e financeiras do país, bem como as normas de política urbana, agrícola, fundiária e reforma agrária.

O Título VIII delibera, ao longo dos arts 193 a 232, sobre a ordem social, envolvendo questões voltadas à criança e à família. Trata de temas que visam o bom convívio e o desenvolvimento social do cidadão, que são: a seguridade social; educação, cultura e desporto; ciência e tecnologia; comunicação social; meio ambiente; família; e populações indígenas.

O Título IX traz as disposições gerais, que se estendem do art. 234 até o art. 250. São disposições sobre temáticas que não foram inseridas em outros títulos em geral por tratarem de assuntos específicos.

Segundo Scobernatti (2005, p. 50), a Constituição de 1988 foi a Grande Carta de Direitos da Criança e do Adolescente, e em seu art. 227 adota a Doutrina da Proteção Integral, fazendo a transição da criança e do adolescente a sujeito de direitos

O art. 227 da Constituição Federal de 1988 expressa:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Para Alberton (2005, p. 52), o art. 227 começa invertendo toda lógica que até então vigorava neste país: a partir de então, não era mais a criança que estava em situação irregular, mas sim a família, a sociedade e o Estado, quando seus direitos não fossem assegurados com absoluta prioridade.

Conforme Passetti (1999, p. 364-365), a Constituição de 1988 expressou o fim da estigmação formal da pobreza e da delinquência, podendo-se pensar, então, no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Segundo o autor citado, abandonou-se o termo “menor”, carregado de preconceitos e interdições. As unidades da FNBEM foram substituídas no atendimento a crianças

abandonadas por programas descentralizados no atendimento em meio aberto, em casas alugadas em vários pontos da cidade, para meninos e meninas que viviam na rua e que precisavam de adoção, orientação, escola ou trabalho. Para os infratores, porém, a situação continuava inalterada, a não ser pela recomendação do ECA ao juízes para disporem dela somente em último caso, como diz o art. 122, § 2º: “em nenhuma hipótese será aplicada medida de internação, havendo outra medida adequada”.

No ano seguinte, precisamente aos 13 dias do mês de julho de 1990, por meio da lei 8.069/90, foi sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que veio para regulamentar o art. 227 da Constituição Federal e revogar o Código de Menores e a Política Nacional de Bem Estar do Menor.

A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente instaurou-se no Brasil a Doutrina da Proteção Integral, contrapondo-se à doutrina da situação irregular trazida anteriormente, possibilitando o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, garantindo-lhes prioridade absoluta.

O art. 204 da Constituição Federal e o art. 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente fazem um chamamento à sociedade civil para trabalharem junto com os órgãos governamentais na elaboração de políticas de atendimento na área da infância. Surgem, então, os Conselhos da Criança e do Adolescente a nível nacional, estadual e municipal, os Conselhos Tutelares e os Fundos Municipais. Como última instância é possível ainda recorrer à ação civil pública para a responsabilização de autoridades que, por ação ou omissão, descumprirem o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cada município deve formar seu Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, garantindo a participação da população na formulação e controle das políticas de atendimento. A participação deve ser paritária para os representantes da sociedade civil e governamental. O Conselho realiza a articulação com os programas de atendimento para que as ações sejam paralelas.

Cada Conselho de Direitos deve ter um Fundo, que será utilizado como instrumento de captação de recursos. Como fontes de recursos há a possibilidade de obter doações de pessoas físicas e jurídicas, mediante o desconto no imposto de renda; o recebimento de multas aplicadas pela Justiça nas violações do Estatuto da Criança e do Adolescente; contribuições de organismos internacionais e o repasse de recursos estaduais e federais.

Estes recursos podem ser utilizados para a manutenção dos programas de atendimento de entidades não governamentais conveniadas, bem como para manter ações especiais do município visando à cobertura de lacunas das políticas básicas. Uma das funções do Conselho Municipal de Direitos é preparar o processo de eleição para o Conselho Tutelar.

Os Conselhos Tutelares são órgãos autônomos, não jurisdicionais, encarregados de cuidar para que sejam cumpridos os direitos da criança e do adolescente, atendendo os casos que envolvam violação a esses direitos. Tais ações vêm de encontro à proposta do ECA no sentido de buscar a desjurisdicionalização das questões sociais envolvendo crianças e adolescentes. Deve ser composto por cinco pessoas, eleitas pela comunidade em processo preparado pelo Conselho Municipal de Direitos.

O art. 88 do ECA traz entre as suas diretrizes a municipalização do atendimento à criança e ao adolescente e a criação e a manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa, além da integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional.

Traz também a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família substituta.

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente não só responsabiliza a União, Estados, municípios e a sociedade a trabalharem em prol da criança, na criação de programas específicos para cada situação, mas também prevê a necessidade de integração dos órgãos para trabalharem em rede.

Conforme Alberton (2005, p. 68):

o Fórum DCA composto pela sociedade civil organizada, através de suas ONGs, exercerá uma forma sadia de pressão e fiscalização sobre as ações e omissões do Conselho (Municipal) de Direitos da Criança e do Adolescente, dando-lhe o assessoramento e respaldo necessários.

O Conselho Tutelar, porque atende a demanda, deve ter uma visão muito clara das necessidades e carências do Município e, por isso, tem a obrigação e o dever de “assessorar o Poder Executivo na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos de Crianças e Adolescentes” (art. 136 do ECA, inciso IX), bem como fornecer ao COMDICA informações, dados e estatísticas que justifiquem a criação, implementação e/ou aprimoramento de serviços.

Com essas considerações pretendemos deixar bem clara a importância desse tripé: Conselho Tutelar, COMDICA e Fórum DCA! Estes três organismos – coesos, unidos, afinados entre si – têm a responsabilidade, cada um dentro das atribuições que lhes competem, de lutar pela defesa dos Direitos de Crianças Adolescentes, assegurando que, na realidade, a população infanto-juvenil seja PRIORIDADE ABSOLUTA! Quando isso não ocorrer, há de se pensar em denúncia ao Ministério Público, solicitando ajuizamento de Ação Civil Pública a fim de responsabilizar o Executivo Municipal, e até mesmo o COMDICA, por prevaricação. O Conselho Tutelar tem a obrigação e o dever de assim proceder, o que não impede qualquer cidadão de também formalizar a sua denúncia.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, na garantia da proteção integral à criança e ao adolescente, com respaldo na CF/88 e na normativa internacional, em especial nas Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade – regras de Beijing e nas Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil, utiliza uma nova forma para atender o adolescente em conflito com a lei.

D’Agostini (2010, p. 71) aponta que especificamente no que se refere ao adolescente, enquanto este pratica ato infracional o adulto comete crime. Conforme o previsto no art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal, assim como o caput do art. 104 ressalta a inimputabilidade dos menores de 18 anos.

Tem se acirrado um debate relacionado à redução da idade penal, quando se discute os números da violência praticada por adolescentes. Para D’Agostini (2010, p. 76):

A ausência de políticas públicas na área infanto-juvenil ou da qualidade do atendimento dos poucos programas que existem está levando os jovens brasileiros adentrarem a passos largos o caminho da marginalidade, fazendo de nossos adoles- centes, verdadeiros personagens da trágica dramaturgia, da qual só existem vítimas.

Segundo a autora não há mais como retardar ações preventivas por meio de políticas que efetivamente deem conta de reduzir ou erradicar o delinquir juvenil, contempladas no ECA mediante conteúdos programáticos, mas que não são executados a contento enquanto políticas públicas fundamentais ou básicas, ou ainda, inexistem na prática, enquanto programas suplementares aqueles que dela necessitem.

D’Agostini (2010, p. 79) aponta ainda que de acordo com o ECA não se pode mais prender ou internar crianças ou adolescentes pelo simples fato de se encontrarem em situações de risco, nas ruas ou nas mais variadas situações que os expõem a riscos ou a que eles se expõem. Segundo a autora, quando chegam às diversas situações, no Conselho Tutelar ou Juizado da Infância e Juventude ou no Programa de Execução de Medidas Socioeducativas, fica claro que as políticas básicas de prevenção falharam.

Além disso, Volpi (2006) aponta que a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, a quem se atribui ato infracional, vem sendo reclamada na maioria dos estados brasileiros. A não existência desta integração faz com que adolescentes sejam desrespeitados em seus direitos, ou prazos legais extrapolados, sendo expostos a riscos graves, como manutenção em delegacias de adultos, por vezes com grave ameaça à integridade física.

Conforme Volpi (2006, p. 43), o conceito de rede está inserido na própria definição do ECA sobre a política de atendimento como um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais da União, do Estado e do Município. Este conjunto articulado de ações deve considerar a distinção entre Estado e Sociedade Civil, estabelecendo papéis claramente delimitados para ambos.

O art. 5º merece destaque no Estatuto da Criança e do Adolescente: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

Libório (2004, p. 21) refere que a partir dessa perspectiva foi se ampliando a utilização do termo “exploração e violência sexual” contra crianças e adolescentes, e foi sendo abandonado o termo “prostituição infanto-juvenil” pelo fato de este se referir a certos segmentos sociais adultos e por implicar na possibilidade de haver a opção voluntária por tal modo de vida, ocultando a natureza do comportamento sexualmente abusado, alternando o enfoque que deveria ser dado a crianças e adolescentes envolvidos nessa situação.

Ainda segundo Libório (2004, p. 23), tomando como referência as discussões travadas no I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em Estocolmo, em 1996, o Brasil elaborou em maio de 2000, o Plano de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, cujas diretrizes indicaram a necessidade da sua

descentralização e sugeriram a elaboração de Planos Estaduais que permitiram uma adequação à realidade de cada região. As quatro modalidades de exploração sexual seriam: a prostituição, o turismo sexual, a pornografia e o tráfico para fins sexuais.

A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente observa-se que haverá punição para aquele que violar os direitos das crianças e adolescentes. Muitas vezes, no entanto, na tentativa de proteger, órgãos como o Conselho Tutelar, o Ministério Público ou o Juizado da Infância e Juventude, diante da probabilidade de que algo ruim possa acontecer à criança ou adolescente, podem estar sendo os causadores de violação de direitos.

Segundo Sêda (1999, p. 6), é preciso deixar de ser eufemista e jamais dizer que uma criança ou adolescente está em situação de risco (estado potencial de perigo – probabilidade de que algo ruim vai ocorrer) quando de fato ela se encontra em estado real de violação de direitos fundamentais (certeza de que algo de mal ocorrerá).

É fundamental a identificação desses dois momentos, pois quando há uma probabilidade de risco podem estar falhando as políticas básicas voltadas para “a saúde, alimentação, educação, habitação, esporte, lazer, profissionalização e cultura” (CF/88, art. 227). Direitos que devem ser assegurados pela família, pela sociedade e pelo Estado. Este é um grande desafio.

3 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NA CIDADE DE IJUÍ, RS

O município de Ijuí, também conhecido como terra das culturas diversificadas, no intuito de acolher as demandas referentes a proteção de crianças e adolescentes, assim como muitos municípios brasileiros aderiu as diversas políticas públicas disponibilizadas pela união e estado, voltadas a garantia de direitos das crianças e adolescentes. Neste capítulo abordamos as áreas de educação, saúde, assistência social e geração de renda. O enfoque diante das políticas sociais dá se por conta do lugar de trabalhadora social, que ocupa a mestranda nesse momento.