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No final do século 19, mais precisamente em 15 de novembro de 1889, foi implantado o Sistema Republicano no Brasil. A palavra República tem origem no latim res publica, cujo significado é “coisa pública”. Entre outras medidas tomadas no período, os republicanos criaram novos símbolos nacionais para substituir os símbolos da monarquia.

Conforme Cotrim (2008, p. 461), uma nova bandeira foi criada com o lema “Ordem e Progresso” (sugerido pelo ministro da Guerra, Benjamin Constant). O lema teve sua origem na filosofia do pensador Augusto Comte, que pregava o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim.

Segundo Faleiros (2011, p. 36),

nosso pressuposto é de que omissão, repressão e paternalismo são as dimensões que caracterizam a política para a infância pobre na conjuntura da Proclamação da República, decorrentes não só da visão liberal, mas da correlação de forças com hegemonia do bloco oligárquico exportador.

A República representa, ao mesmo tempo, ruptura e continuidade. Ruptura com a forma pessoal de governar do Imperador, mas continuidade das relações clientelistas e coronelistas que sustentavam o poder com troca de favores, com uma combinação do localismo com o uso da máquina estatal em função dos setores exportadores. Conforme o autor para se analisar as políticas de proteção à infância em conformidade com os atores situados no próprio bloco de poder, é necessário partir da questão por eles mesmos colocada: esta política de fato existiu? O autor cita Vitorino que, em 1902, afirmou: não há uma só lei ou instituição que proteja a primeira infância no Brasil (FALEIROS, 2011, p. 37):

Manuel Vitorino, ex-presidente da República em substituição a Prudente de Morais de quem era vice, critica a ausência ou omissão do Estado em relação à legislação para a infância, referindo que o mesmo considera as Rodas de Expostos como uma

afronta às leis sociais e humanas e como uma forma de perpetuação de um matadouro de inocentes, sob o pretexto de velar a desonra e amparar a miséria, considerando aterradora a mortalidade dos expostos.

Faleiros aponta que, ao mesmo tempo em que, Vitorino condena a Roda, defende a creche, pois para a operária honesta a creche é um admirável recurso que ensina a mãe a não abandonar os seus filhos.

Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a primeira Constituição da República que garantiu alguns avanços políticos. As discussões para elaboração de uma nova constituição tiveram início no ano de 1890. Após um ano de negociações com os poderes que realmente comandavam o Brasil, aconteceu a promulgação da Constituição brasileira de 1891. Os principais autores da Constituição da Primeira República foram Prudente de Morais e Rui Barbosa.

A primeira constituição republicana foi inspirada na Carta Magna dos Estados Unidos da América, dando grande autonomia aos municípios e às antigas províncias, que passaram a ser denominadas “estados”, cujos dirigentes passaram a ser denominados “presidentes de estado”. Consagrou a existência de três poderes independentes entre si: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O regime de governo foi o presidencialismo. Os membros do Legislativo e Executivo seriam eleitos pelo voto popular direto para serem os representantes dos cidadãos na vida política nacional.

A mesma Constituição também definiu a separação da igreja e do Estado: as eleições não ocorreriam mais dentro das igrejas e o governo não interviria na escolha de cargos do alto clero. Com isso, o Brasil não mais assumiu uma religião oficial, que antes era a Católica, e a responsabilidade pelos registros civis passou ao Estado, sendo criados os cartórios para os registros de nascimento, casamento e morte, bem como os cemitérios públicos, onde qualquer pessoa poderia ser sepultada, independentemente de seu credo.

O Estado passou a se responsabilizar pela educação, criando escolas públicas de ensino fundamental e intermediário. O voto não era secreto, presidente e vice eram escolhidos de forma independente, podendo ser de partidos opostos. O mandato do presidente eleito seria de quatro anos, sem direito à reeleição, em caso de sua morte o vice assumia apenas até a realização de nova eleição.

Tinham direito a voto os brasileiros maiores de 21 anos, com exceção das mulheres, dos analfabetos, dos mendigos, dos soldados e religiosos sujeitos à obediência eclesiástica.

Conforme Cotrim (2008, p. 463):

Manteve-se assim no início da República, o mecanismo de exclusão que impedia a participação popular das decisões políticas do país. Disso teria resultado, em grande parte, o desinteresse de grandes parcelas da população pelas questões políticas. Como analisa o historiador José Murilo de Carvalho, na capital da República, a cidade do Rio de Janeiro, os acontecimentos políticos eram representações em que o povo comum aparecia como espectador ou, no máximo como figurante. Sem os caminhos da participação política, o povo do Rio de Janeiro concentrou sua atividade social nos bairros, nas associações, nas igrejas, nas festas religiosas, nas rodas de capoeira, etc. Foi o futebol, o samba e o carnaval que deram ao Rio de Janeiro uma comunidade de sentimentos, por cima e além das grandes diferenças sociais que sobreviveram e ainda sobrevivem. Negros livres, ex-escravos, imigrantes, proletários e classe média encontraram aos poucos um terreno comum de autorreconhecimento que não lhes era propiciado pela política.

Na passagem para o século 20, juristas defendiam uma justiça mais humana, que incentivasse a reeducação ao invés da punição. Nesse período chamava atenção o aumento da criminalidade entre os jovens. E, no ponto de vista da Medicina e da Psicologia havia novas possibilidades de formação do homem a partir da criança.

Segundo Santos (apud PRIORI, 1999, p. 212), as duas primeiras décadas do período republicano representaram um período ímpar para a história da urbanização e da industrialização de São Paulo. A entrada da mão de obra imigrante resultou numa profunda transformação do quadro social da cidade, alavancando a industrialização e o processo de produção. Foi nesse período que São Paulo deu um salto no crescimento populacional, passando de 30 mil habitantes em 1870, para 286 mil habitantes em 1907.

Ano a ano foi se multiplicando o número de novos estabelecimentos, em sua maioria têxtil, alimentícios, serrarias e cerâmicas. As condições habitacionais e sociais, porém, não acompanharam esse processo, estima-se que a terça parte das habitações eram cortiços que abrigavam grande quantidade de pessoas por unidade. As pestes e epidemias se alastravam diante da ausência das mínimas condições de salubridade e saneamento.

Neste contexto verificou-se o agravamento das crises sociais, e a criminalidade aumentou de forma expressiva. Desde que foram elaboradas as estatísticas criminais, os jovens sempre estiveram presentes. Começou a surgir, então, a preocupação com a infância.

por um lado a criança simbolizava a esperança – o futuro da nação. Caso fosse devidamente bem educada ou, se necessário, retirada de seu meio (tido como enfermiço) e reeducada, ela se tornaria útil à sociedade. A medicina higienista com suas ramificações de cunho psicológico e pedagógico atuará no âmbito doméstico, mostrando-se eficaz na tarefa de educar as famílias a exercerem a vigilância sobre seus filhos. Aqueles que não pudessem ser criados por suas famílias, tidas como incapazes ou indignas, seriam de responsabilidade do Estado. Por outro lado a criança representava uma ameaça nunca antes descrita com tanta clareza. Põe-se em dúvida a sua inocência. Descobrem-se na alma infantil elementos de crueldade e perversão.

Essa visão da criança em perigo contrapondo-se à criança perigosa torna-se dominante no contexto da sociedade moderna. A criança, filha da pobreza, passa a ser vista como um problema social, dividindo a infância em duas, construindo-se a categoria do menor, simbolizando aquele que é pobre, potencialmente perigoso, abandonado ou em perigo de o ser, pervertido ou em perigo de o ser (RIZZINI, 1997, p. 29).

Conforme Pilotti e Rizzini (2011, p. 193), o governo republicano buscou instituir uma legislação específica para os menores, visando, sobretudo, instituir o controle daqueles considerados moralmente abandonados. Assim, o Código Penal de 1890, um ano após a Proclamação da República, reduziu a idade penal para nove anos nos casos em que o juiz julgasse que a criança havia agido com discernimento. Ao não abolir, mas apenas regulamentar o trabalho infantil, também permitiu que a criança ficasse fora da escola.

Segundo Lacerda (1996, p. 39), no Brasil, o Código Civil de 1916 veio imprimir importantes alterações no ordenamento jurídico, substituindo a expressão “posse dos filhos” por “proteção à pessoa dos filhos”; disciplinando a adoção e o pátrio poder; possibilitando o reconhecimento da filiação natural a qualquer tempo; à mãe legítima foi concedido o exercício do pátrio poder, na falta ou impedimento do pai; além de abrir a possibilidade da ação da investigação da paternidade em casos expressos, entre outras inovações.

No que se refere ao trabalho infantil, Faleiros (2011, p. 45) sinaliza que a mão de obra infantil foi usada de forma abundante na indústria e o salário das crianças e adolescentes representava um complemento para os baixos rendimentos das famílias operárias. O autor ressalta os dados de Moura (1982) que calcula em 50% a participação feminina na indústria têxtil e a do menor em 35% no ano de 1919. Não havia, em geral, redução da jornada para as crianças e seus salários eram mais baixos que os dos adultos.

Faleiros (2011, p. 45) apresenta o pensamento de Jorge Street, na época dirigente do Centro Industrial, a respeito da estratégia de inserção da criança no trabalho precoce no início

do século. O executivo assinala que tem nas fábricas que dirige cerca de 300 crianças, todas trabalham 10 horas como os adultos. Argumenta que são os pais que desejam seus filhos, alegando que lhes dá trabalhos leves, considerando justo que o trabalho infantil seja regulamentado, mas as medidas não podem ser exageradas e não se deve pintar os industriais como carrascos. Diz ainda que se a futura lei reduzir os trabalhos pela metade também assim serão reduzidos os salários e que a oficina com todos os seus inconvenientes é preferível à rua com todos os seus perigos, propondo a permissão para o trabalho infantil a partir dos 11 anos, considerando exagero pernicioso a proibição do trabalho até os 14 anos.

Na década de 1920, conforme Rizzini (2011, p. 22), consolidou-se a fórmula Justiça e Assistência para os menores viciosos e delinquentes. Estes eram objetos de vigilância por parte do Juiz de Menores e da Polícia, classificados de acordo com sua origem e história familiar e, normalmente, encaminhados para as casas de correção e as colônias correcionais, onde deveriam permanecer separados dos adultos, resolução nem sempre obedecida.

Faleiros (2011, p. 38) aponta que conforme o censo de 1920, a família padrão era composta dos pais e cinco filhos. Os problemas sociais já se vinculavam, na primeira metade do século, à profunda desigualdade social então existente, com consequências graves para as crianças. O autor traz a citação de Araújo (1993, p. 173), que assinala que a criança pobre pedia esmola na igreja ou começava a trabalhar muito cedo, antes dos 10 anos de idade. Ela vendia doces na rua, carregava embrulhos, entregava encomendas, era ajudante de pedreiro, carpinteiro ou até operária numa fábrica. A polícia, por sua vez, reprimia os vagabundos e os encaminhava ao Juiz de órfãos.

Faleiros (2011, p. 40) assinala que no que se refere ao encaminhamento para o trabalho predominava o uso indiscriminado da mão de obra infantil, notando-se a omissão e a complacência do Estado. A Lei de 1891, que se referia ao trabalho de menores, segundo Barbosa (1958, p.46), nem sequer foi regulamentada, apesar de impedir que, em prejuízo próprio e da prosperidade futura da pátria, fossem sacrificadas milhares de crianças. A lei, aliás, não proibia o trabalho de menores, mas limitava a idade e as horas de trabalho. Ou seja, a estratégia de manutenção das crianças no trabalho era a prática que contrariava o discurso da proteção.

Conforme Azambuja (2006, p. 48), em 1921, no Rio de Janeiro, foi criado o Serviço de Assistência e Proteção à Infância Abandonada e Delinquente. No ano seguinte realizou-se

o Primeiro Congresso sobre a Infância e na mesma cidade, em 1923, foi fundado o Juizado de Menores.