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Os privilégios creditórios como garantia dos créditos tributários

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Academic year: 2020

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Universidade do Minho

Escola de Direito

André Saragoça Maia

janeiro de 2016

Os Privilégios Creditórios como Garantia dos

Créditos Tributários

Andr

é Sar

agoça Maia

Os Privilégios Creditórios como Garantia dos Créditos T

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ários

UMinho|20

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André Saragoça Maia

janeiro de 2016

Os Privilégios Creditórios como Garantia dos

Créditos Tributários

Trabalho efetuado sob a orientação do

Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito Tributário e Fiscal

Universidade do Minho

Escola de Direito

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DECLARAÇÃO

Nome: André Saragoça Maia

Endereço eletrónico: a.sargocamaia@gmail.com Número do Cartão de Cidadão: 13830613

Título da dissertação: Os Privilégios Creditórios como Garantia dos Créditos Tributários Orientador: Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha

Ano de conclusão: 2016

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito Tributário e Fiscal

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTE TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, ___/___/_____

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Aos meus pais, por ontem, por hoje e por amanhã, o meu eterno e sentido obrigado.

Ao Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha, nosso orientador no presente estudo, por todo o incentivo e conselhos tão preciosos ao longo deste processo e, em particular, pela excelência e clareza de pensamento com que aborda a toda a ciência jurídica e que um dia sonhamos em puder encontrar.

Por fim, às poucas mas verdadeiras amizades que tenho o privilégio de viver.

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v RESUMO

Com o objeto de estudo da presente dissertação - os privilégios creditórios como garantia do crédito tributário – procuramos suscitar a reflexão sobre o papel que desempenha no seio da relação jurídica tributária.

O privilégio é um dos institutos jurídicos mais antigos no nosso ordenamento jurídico mas que infelizmente não tem sido alvo da atenção necessária por parte da doutrina. Por seu turno, o crédito tributário é um instrumento fundamental para a satisfação das necessidades coletivas do Estado e demais entidades públicas, com vista à promoção de uma repartição justa e equalitária dos rendimentos e da riqueza.

A importância deste dever fundamental evidencia-se ainda pela panóplia de garantias creditórias previstas na lei em favor das obrigações tributárias, das quais sobressaí a figura do privilégio, circunstância que traduz a preocupação do ordenamento jurídico em dotar o credor tributário dos meios adequados a realizar, de forma plena e eficaz, o seu direito à cobrança desses créditos.

Atento o particular carácter oculto deste instrumento garantístico, vários são os casos em que a sua eficácia jurídica surge como uma completa surpresa para os terceiros credores cujos créditos são tutelados por outras garantias creditórias, mas que acabam por ver essas mesmas garantias decaírem perante os créditos tutelados por privilégios creditórios, consequências que colocam em causa pilares fundamentais do nosso ordenamento jurídico como são o princípio da segurança do tráfego jurídico, como também do próprio princípio da confiança. Simultaneamente, procuramos desvendar a ligação entre a dimensão civilística e a dimensão tributária do privilégio em causa, dissecando o seu impacto no domínio jurídico-tributário.

Por fim, é ainda propósito do presente estudo oferecer uma ponderação sobre a necessidade de repensar o atual regime geral dos privilégios creditórios nas suas diversas dimensões jurídicas, com vista a fornecer pistas para um melhor equilíbrio entres os diversos interesses e valores jurídicos que lhes subjazem, não nos impedindo de tentar sugerir novas soluções e ideias para os problemas diversos conflitos de interesses identificados.

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vii ABSTRACT

With this thesis object of study - the privileges in favor of creditors as a guarantee for the tax credit - we seek to raise the debate on one of the oldest legal institutions in our legal system, which unfortunately has not been treated by the doctrine with the focus of attention required, in particularly the tax doctrine. In this sense, tax credit is a key instrument for meeting the collective needs of the State and other public entities, always with a view to promoting a fair and equalitarian distribution of income and wealth.

The importance of this fundamental duty is even more clear when we analyze the various guarantees involving tax obligations, which are provided by the legislator for the effective collecting of tax debts, and at the same time, shows his willingness to provide the tax creditor the appropriate means to carry out fully and effectively their right to recovery of their tax claims in cases where the taxpayer does not comply with the duty set forth above.

Given the somewhat hidden nature of this legal instrument, its legal effects often appear as a complete surprise to third party creditors whose claims are protected by other credit rights guarantees, which generally decay when in confrontation with a credit right which is guaranteed by a privilege, therefore jeopardizing fundamental pillars of our legal system such as the principle of certainty and the principle of trust.

At the same time, we try to unravel the hidden links between the civil and tax dimension of the privilege in question, therefore "dissecting" its impact on the legal and tax traffic.

Finally, this thesis aims to offer a reflection on the importance to rethink the current general system of preferential rights in its various legal dimensions, thus providing clues to a better balance among the various interests and legal values underlying these privileges, at the same time we try to unveil new solutions for the problems that result from the many conflicts of interest regarding this legal institution.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO………...15

CAPÍTULO I – DAS GARANTIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO 1. O Dever Fundamental de pagar tributos: conteúdo e abrangência……….15

2. Crédito Tributário e suas garantias………...23

2.1. Características da Relação Jurídica Tributária………...28

2.2. O vínculo principal da relação jurídica tributária………...31

2.3. As Garantias do Crédito Tributário – breve enunciação………...34

2.3.1 – Garantias Substantivas e Garantias Adjetivas……….36

2.3.2 – Garantias Gerais e Garantias Especiais………...37

CAPÍTULO II – OS PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS 1. Contexto histórico da figura………...44

1.1. Privilégios Creditórios no Direito Romano………44

1.2. O Código de Napoleão………...47

1.3. O Código Civil Português de 1867………...46

2. Privilégios Creditórios à luz do Código Civil Português………..53

2.1. Noção e Natureza Jurídica……….53

2.2. Posição da doutrina estrangeira quanto à natureza jurídica dos privilégios creditórios………..60

2.2.1 Em França………...60

2.2.2. O caso Espanhol………61

2.2.3. Em Itália………63

3. Características dos Privilégios Creditórios e do seu regime legal decorrente do Código Civil………..65

3.1. O carácter legal………...65

3.2. Acessoriedade face ao crédito ………...67

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3.4. O carácter oculto dos privilégios: o problema da segurança e paz

jurídicas……...71

3.5. Da extinção dos privilégios creditórios………...76

3.6. Sobre a alienação do bem objeto do privilégio………...80

4. Espécies de Privilégios Creditórios………...81

4.1. Os privilégios mobiliários e os privilégios imobiliários………81

4.2. Os privilégios gerais e os privilégios especiais………..83

5. Distinção de figuras afins aos privilégios creditórios………...85

5.1. Hipoteca……….85 5.2. Direito de Retenção………...86 5.3 Penhor………..89 5.4. Penhora………...89 5.5. Arresto………95 5.6. Separação de Patrimónios………...99

CAPÍTULO III – OS PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS COMO UMA GARANTIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO 1. O Artigo 50.º da Lei Geral Tributária……….103

2. Fundamentos para a verificação de privilégios creditórios em matéria tributária………..104

3. Privilégios Creditórios em matéria tributária………..108

3.1. No Código Civil………...108

3.2. Privilégios Creditórios previstos no CIRS e no CIRC……….113

3.3. Privilégios Creditórios previstos no CIMI, no CIMT e no Código de Imposto de Selo………...118

3.4. Privilégios Creditórios associados aos créditos da Segurança Social…………..121

4. Conflitos entre Privilégios Creditórios………124

5. O Concurso e a Graduação dos Créditos Tributários Privilegiados………126

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5.2. No processo executivo……….129 5.3. No processo de insolvência………..134 CAPÍTULO IV – A NECESSIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO DO REGIME LEGAL DOS PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS

1. A Segurança e Certeza jurídicas face à atual configuração do regime legal dos privilégios creditórios………...137 1.1. A fragmentariedade do regime legal………...140 1.2. A incoerência normativo-jurídica: o problema da eficácia jurídico-temporal dos

privilégios creditórios………...143 1.3. A falta de publicidade/cognoscibilidade por terceiros credores………...149 2. Posição Adotada – Contributos para uma uniformização do regime legal dos privilégios creditórios……….153 2.1. Formas de Publicitação do crédito privilegiado………...153 2.2. A Reformulação e Atualização do regime legal do CC sobre os privilégios...157 CONCLUSÕES………..160 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………165

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LISTA DE ABREVIATURAS

Art. – Artigo Ac. – Acórdão

AT – Autoridade Tributária e Aduaneira B.M.J. – Boletim do Ministério da Justiça C.R.P. – Constituição da República Portuguesa C.C. – Código Civil Português

C.C.E. – Código Civil Espanhol C.C.F – Código Civil Francês C. C. I. – Código Civil Italiano C.P.C. – Código de Processo Civil

C.P.A. – Código do Procedimento Administrativo Cfr. – Confrontar

CIRC – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas CIRS – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares CIVA – Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado

CPPT – Código de Processo e de Procedimento Tributário CPTA – Código de Processo dos Tribunais Administrativos CSS - Code de la Sécurité Sociale

CRCPSS - Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social

DR – Diário da República D.L. – Decreto-Lei

ETAF – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis.

IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

LGT – Lei Geral Tributária Pág./págs. – Página/Páginas

RCPIT – Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária STA – Supremo Tribunal Administrativo

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TC – Tribunal Constitucional

TCA Norte – Tribunal Central Administrativo Norte TCA Sul – Tribunal Central Administrativo Sul TRC – Tribunal da Relação de Coimbra

TRE – Tribunal da Relação de Évora TRG – Tribunal da Relação de Guimarães TRL – Tribunal da Relação de Lisboa TRP – Tribunal da Relação do Porto UE – União Europeia

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INTRODUÇÃO

O estudo que agora apresentamos tem como tema a figura dos privilégios creditórios, perspetivada enquanto uma das garantias dos créditos tributários. No passado recente, temos assistido no nosso ordenamento jurídico a intensas discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre um instituto jurídico cujas raízes históricas nos transportam para os primórdios da ciência jurídica, construída sob a égide do Direito Romano e cujas influências permanecem ainda bem evidentes na sua atual configuração.

Neste sentido, enquanto uma das legítimas causas de preferência, o privilégio creditório traduz uma enorme vantagem para o credor que beneficia da sua proteção, já que impõe um especial tratamento privilegiado dos créditos a que se encontra associado no momento da graduação dos direitos de crédito que incidem sobre o património de um devedor. Ao mesmo tempo e atentas as diferenças de tratamento que impõe, o privilégio cria situações de desigualdade entre os credores, contrariando um dos princípios fundamentais do Direito Obrigacional – o princípio da igualdade entre credores.

Pretendemos cumprir os deveres de análise e caraterização da figura e respetivo regime jurídico, mas ir ainda mais além. Atentas as raízes jurídico-civilísticas deste instituto, ao longo da nossa exposição seremos forçados a abordar com a cautela e profundidade necessárias, as diferentes influências privatísticas que decorrem do seu regime geral, com vista a compreendermos os motivos que conduziram o legislador a importar os privilégios creditórios para o domínio da relação jurídica tributária. Desta forma, assumindo uma posição ponderada mas não silenciosa, tentaremos descobrir quais os fundamentos que justificam a associação de um instituto jurídico de índole privada a créditos de natureza publicista, em especial, dos créditos que subjazem ao dever fundamental de pagar tributos.

Assim, é também nosso propósito expor e clarificar os vários motivos que subjazem a um tratamento diferenciado destes créditos face aos demais, bem como indagar até que ponto a figura do privilégio creditório se enquadra perante os princípios constitucionais da igualdade e da proteção da confiança e segurança jurídicas, em especial atenta a ausência de elementos de publicitação destas garantias creditórias, comparativamente às demais garantias previstas pelo legislador.

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Tomando como ponto de partida para a nossa viagem pelo cosmos jurídico onde se encontram os privilégios, o seu regime legal geral – o previsto nos artigos 735.º a 753.º do Código Civil – abordaremos ainda as especificidades da figura noutros ordenamentos jurídicos, posteriormente retratando o fenómeno da absorção dos privilégios pelas diferentes áreas do domínio jurídico-tributário, quer do ponto de vista substantivo, como do ponto de vista adjetivo.

Terminaremos a nossa análise à figura procurando evidenciar os eventuais problemas e enigmas que possam resultar da interpretação dos inúmeros e vastos comandos normativos que regulamentam a figura, não deixando de tentar oferecer soluções e respostas para os mesmos.

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CAPÍTULO I – DAS GARANTIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

1. O Dever Fundamental de pagar impostos: conteúdo e abrangência

O Estado Social é hoje um modelo de organização jurídico-política dito “em crise”, ou pelo menos, em aparente crise. Vários são os agentes públicos e privados que se referem ao “fim” do modelo social introduzido em Portugal com a Revolução de Abril, mormente, com a configuração jurídica, social e política decorrente do texto da Constituição da República Portuguesa de 1974. Com esta, a sociedade portuguesa optou pela construção de um modelo de Estado Social ou de Estado Providência, assente na ideia de que a intervenção do Estado na vida privada é necessária para cumprir com a tarefa de concretização e garantia plena dos Direitos, Liberdades e Garantias, mas também de um conjunto de direitos a estes equiparados e cujo conteúdo programático se traduz em propósitos a serem concretizados através da atuação pública, a saber, os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

Todavia, esse modelo constitucionalmente previsto encontra na sociedade hodierna diversos circunstancialismos externos e internos que colocam em causa a sua efetiva concretização. Impõe-se assim uma reflexão sobre a viabilidade e sustentabilidade deste modelo de Estado. A globalização e internacionalização das relações económicas assume-se como um dos principais obstáculos à realização plena dos objetivos do Estado Tributário, fomentando os fenómenos da fraude e evasão tributárias, fragilizando a plena eficácia do poder tributário do Estado, poder que hoje se encontra de certa forma “limitado” ou pelo menos “supervisionado” por instâncias supranacionais, em especial, pela União Europeia1.

Neste sentido, a Diretiva Comunitária2 é hoje um instrumento normativo que desempenha um papel fundamental em variadíssimas matérias de índole tributária3, conformando diversos aspetos dos elementos constitutivos do imposto.

1Cfr. CASALTA NABAIS, “Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal

contemporâneo”, Coimbra,1998, Almedina, págs. 338 e 339

2A título meramente exemplificativo, temos o caso do Imposto sobre o Valor Acrescentado e da Diretiva 2006/112/CE do

Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

3 A esta parte aproveitamos para clarificar alguns aspetos terminológicos necessários para a compreensão da temática inerente à presente dissertação. Na presente exposição procuramos compreender e enunciar os fundamentos dialéticos inerentes ao dever fundamental de pagar impostos, daí recorrermos à terminologia da relação jurídica fiscal de imposto. Todavia, consideramos que essa dialética subjaz não apenas à figura dos impostos mas antes a todos os tributos. Por essa razão, e como aliás enunciamos

infra, atenta a amplitude de créditos públicos que gozam da proteção conferida pelos privilégios, optamos por construir a análise

ao estudo da figura dos privilégios creditórios face à dinâmica da relação jurídica tributária e necessariamente, como uma garantia do crédito tributário, com vista a abranger os créditos por impostos, por taxas e ainda por contribuições especiais. Nesse sentido,

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Não podemos ignorar o papel decisivo que os instrumentos de Direito da União Europeia têm vindo a assumir na modelação do nosso ordenamento jurídico, muito em especial, em matérias de Direito Tributário, o que tem como consequência natural uma “orientação” do poder tributário a nível nacional.

Aqui chegados, uma questão essencial se coloca: Quem é responsável pelo

financiamento e pelos custos da prossecução de tais direitos? Ou melhor, quem arca com os custos do Estado Social?

É neste âmbito que se encontra a problemática do dever fundamental de pagar tributos, como princípio essencial do modelo de Estado que hoje conhecemos. Em nosso entender e como aliás sustenta CASALTA NABAIS4 “os deveres fundamentais

constituem uma categoria jurídico-constitucional própria colocada ao lado e correlativa dos direitos fundamentais, uma categoria que, como correctivo da liberdade, traduz a mobilização do homem e do cidadão para a realização dos objectivos do bem comum. (…) Nestes termos podemos definir os deveres fundamentais como deveres jurídicos do homem e do cidadão que, por determinarem a posição fundamental do indivíduo têm especial significado para a comunidade e podem por esta ser exigidos.”

Importa salientar que a categoria dos deveres fundamentais se configura paralelamente face à categoria dos direitos fundamentais e traduz a relação de dependência existente entre o indivíduo e o Estado ou comunidade, face à qual o cidadão que se configura como o vinculado, ou por outras palavras o sujeito passivo sobre o qual impende o dever de adotar um determinado comportamento.

Todavia, neste sentido a qualidade de sujeito passivo não se traduz numa mera sujeição ou dever de não atuar, muito pelo contrário, os deveres fundamentais assumem um verdadeiro carácter de dever jurídico no sentido de situação jurídica ativa, ou melhor, o dever de praticar um determinado ato. Porém, a existência deste tipo de deveres não visa a delimitação das condutas dos cidadãos nas suas relações intersubjetivas, antes pelo contrário, estes são deveres cujo âmbito de aplicação se encontra na relação destes com o Estado ou comunidade, ou seja, assumem-se como

ao longo da presente dissertação optamos pela terminologia tributária, referindo-nos aos tributos (e não apenas aos impostos), ao Direito Tributário (e não apenas ao Direito Fiscal) e à própria Administração Tributária (e não à Administração Fiscal).

4 Cfr. CASALTA NABAIS, últ. ob. cit.,págs. 64 e 65. Para uma análise histórica sobre a figura do imposto, ver por todos, J. ALBANO

SANTOS, “Teoria Fiscal”, Universidade Técnica de Lisboa, Edições do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 2003, págs. 13 a 108.

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deveres reflexos dos poderes públicos constitucionalmente consagrados e não como deveres fundamentais em sentido próprio5.

A atual configuração do Estado Moderno, nomeadamente o Estado Providência enquanto um modelo de Estado que tem em vista a satisfação das necessidades públicas ou coletivas da comunidade, assume nesta perspetiva várias tarefas fundamentais a realizar, que podemos denominar por objetivos primários do Estado. Entre nós tais tarefas fundamentais encontram previsão formal no preceituado pelo artigo 9.º da CRP6, preceito cuja epígrafe indica “Tarefas Fundamentais do Estado”, sendo certo que outras disposições constitucionais vão ainda mais longe e chegam a constituir verdadeiros direitos fundamentais individualizáveis perante o cidadão e cuja realização e prossecução cabe também ao Estado, como são os Direitos Liberdades e Garantias e os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.7

Assim, a realização e satisfação de todas estas tarefas fundamentais envolve necessariamente o dispêndio de vários recursos financeiros, sendo neste plano que se evoca a figura do Estado Tributário. Por sua vez este assume-se perante os cidadãos individualmente considerados como o modelo de Estado no qual a captação dos meios necessários para assegurar a prossecução das suas tarefas fundamentais se concretiza através da recolha de recursos e meios perante os seus cidadãos sob a forma de tributos. Todos os direitos (sejam eles Direitos, Liberdade e Garantias ou Direitos Económicos, Culturais e Sociais) têm custos, custos públicos. Não sendo possível a concretização e realização de tais direitos sob uma égide meramente individual, a sua concretização plena e eficaz apenas poderá advir de uma atuação coletiva e unificada através da intervenção pública, pelo que tal atuação implica a cooperação social e a responsabilidade individual.

5Sobre este aspeto, CASALTA NABAIS, últ. ob. cit., pág. 63, sustenta que dos deveres fundamentais próprios decorrem de

disposições constitucionais próprias que investem diretamente os indivíduos em posições subjetivas, não obstante de não se encontrarem inscritas na Constituição formal ou de estarem ou não formuladas enquanto normas impositivas de deveres. Por sua vez, NOEL GOMES, in “Segredo Bancário e Direito Fiscal”, Coimbra, 2006, Almedina, págs. 128 a 129, afirma que o dever fundamental de pagar impostos “(…) apresenta-se como uma inderrogável obrigação constitucional do dever geral de

solidariedade nos domínios económico, político e social(…).”

6 Prescreve o art.9.º da CRP que “São tarefas fundamentais do Estado: a) Garantir a independência nacional e criar as condições

políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam; b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático; c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais; d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais; e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território; f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa; g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira; h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.”

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Sobre este ponto, CASALTA NABAIS8 traduz de forma plena as relações existentes entre o Estado Fiscal e o cidadão, “(…) pois bem, centrando-nos nos custos financeiros

dos direitos, a primeira verificação, que devemos desde já assinalar a tal respeito, é esta: os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí decorre que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos. Na verdade, todos os direitos têm custos comunitários, ou seja, custos financeiros públicos (...).”

O tributo constitui a principal fonte de receita estadual, sem a qual não é possível garantir os bens públicos essenciais que hoje tomamos por garantidos no Estado Social, como são, por exemplo, a saúde, a educação e a própria igualdade material. Subescrevemos as palavras de PAULO MARQUES9 relativamente à simbiose que se

verifica entre a dignidade da pessoa humana e o tributo. De facto, a afirmação efetiva dos valores e conceitos inerentes ao princípio da dignidade da pessoa humana não é possível sem uma estrutura jurídico-política capaz de a efetivar, proteger e garantir.

Tributar é o ponto de partida para dotar o Estado dos meios e recursos necessários para realizar todas as dimensões por detrás de um dos mais altos valores dos Estados Democráticos modernos – a dignidade da pessoa humana. E é neste sentido que seguimos as palavras de ALBANO SANTOS10 quando afirma que para cabal prossecução dos fins que lhes estão atribuídos, o Estado e demais entes públicos têm a necessidade de dispor de um conjunto adequado de recursos financeiros, de entre os quais merece especial atenção o fluxo de receitas que continuadamente alimenta o erário público (os tributos), de forma a possibilitar a sustentabilidade e financiamento das inevitáveis despesas que decorrem da sua atuação.

Daí que, como declara CASALTA NABAIS11 a distinção clássica referente aos custos públicos da concretização dos chamados Direitos, Liberdade e Garantias e dos próprios Direitos Económicos, Sociais e Culturais não se afigura como relevante perante a ideia de Estado Social.

8 Cfr. CASALTA NABAIS, “Reflexões sobre quem paga a conta do Estado Social”, Ciência e Técnica, n.º 421, Lisboa, (Janeiro-Junho

2008), págs. 7 a 46; Neste sentido pronunciam-se também GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA in “Constituição da República

Portuguesa – Anotada”, Vol.I, 4.ª Edição, Coimbra, 2010, Coimbra Editora, pág. 1088.

9 Cfr. PAULO MARQUES, “Elogio do Imposto – A Relação do Estado com os Contribuintes”, Coimbra, 2011, Coimbra Editora, págs.

10 e ss.

10 Cfr. J. ALBANO SANTOS, “Teoria Fiscal”, Edições da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2003, págs. 149 a 151.

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Perspetivando a questão pela ótica da despesa pública, as duas categorias de direitos afiguram-se como bens públicos cuja concretização implica vastos recursos financeiros e cuja captação é hoje concretizada principalmente, mas não apenas12, pela figura do tributo.13

Configurando-se como o principal suporte financeiro para a atividade do Estado e dos demais entes públicos, os tributos assumem-se como a contribuição necessária para a realização das tarefas fundamentais do Estado14, ao passo que de um prisma coletivo, assumem-se como a característica essencial do Estado Tributário – um Estado que tem

por suporte financeiro determinante ou típico, a figura dos impostos15. A natureza fiscal do Estado decorre do próprio texto constitucional, conforme resulta do disposto no n.º1 do artigo 103.º da CRP, como aliás reiteram GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ao afirmar que “ (…) no moderno «Estado Fiscal», os impostos são a

principal fonte de receitas públicas.” 16

Neste preceito o legislador constituinte define como primeiro objetivo do sistema fiscal, “a satisfação das necessidades financeiras do estado e outras entidades

públicas” e ainda, “ (…) uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.”.

De uma forma simplista encontramos neste preceito as finalidades máximas do sistema fiscal português, todavia, o legislador constituinte vai mais longe para no artigo 104.º17 delinear expressamente as finalidades de cada tipo de imposto previsto.

12 Ao abordarmos a temática das receitas do Estado, especialmente no que toca à matéria dos tributos, não podemos deixar de

distinguir três distintas classes: o imposto, a taxa e as contribuições. Para um maior aprofundamento destas matérias, vejam-se ainda, J. ALBANO SANTOS, “Finanças Públicas”, Edições do Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 2011; MARIA D’OLIVEIRA MARTINS, “Lições de Finanças Públicas e Direito Financeiro”, Reimpressão da 3.ªedição, Lisboa, 2015, Almedina Editora; ANTÓNIO SOUSA FRANCO, “Finanças Públicas e Direito Financeiro – Vol. II”, 4.ªEdição, Coimbra, 1995, págs. 58 e ss; TEIXEIRA RIBEIRO, “Lições de Finanças Públicas”, 5.ª Edição, 1994, Coimbra, Coimbra Editora, págs. 252 e ss.

13 A clássica diferenciação entre direitos “positivos” e direitos “negativos” é sustentada na doutrina portuguesa por vários autores.

Sobre este tema, JORGE MIRANDA, “Direito Constitucional – Tomo IV”, págs.84 e ss.-. Em sentido diametralmente oposto, cfr. STEPHEN HOLMES e CASS R. SUSTEIN, “The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes”, New York, 2000, W.W. Norton & Company, Inc., págs. 35 e ss. Os autores sustentam que a distinção entre “direitos positivos” e “direitos negativos” assume muito mais um carácter ideológico traduzido na dicotomia entre Liberalismo e Conservadorismo Político, do que um verdadeira dogmática jurídica.

14 Cfr. art. 9.º da CRP.

15 Cfr. CASALTA NABAIS, “Direito Fiscal”, 7ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 135 e ss;

16 Outros exemplos da opção do legislador constituinte pelo Estado Fiscal encontram-se nos artigos 229.º/n.º1/i), art.254.º, ambos

da CRP; a contrario, são exemplos os arts. 74.º/n.º3/a), o art.63.º e art.64.º n.º 1/c), todos da CRP. Sobre o conteúdo deste preceito constitucional, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA in “Constituição da República Portuguesa – Anotada”, Vol.I, 4.ª Edição, Coimbra, 2010, Coimbra Editora, págs.1088 e ss., defendem que os impostos são “ (…) uma das poucas obrigações públicas

dos cidadãos constitucionalmente consagradas (…) estando por isso sujeitas aos princípios norteadores dos direitos fundamentais, em especial, os princípios da generalidade e da igualdade.”

17 Prescreve o art.104.º da CRP: “1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e

progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. 2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. 3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos. 4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.”

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Ao pronunciar-se neste sentido, o legislador constituinte concretizou expressamente a necessidade de imputação das receitas tributárias (obtidas através do conjunto de impostos, taxas e contribuições) à satisfação das necessidades financeiras públicas.

Desta feita podemos afirmar com segurança que todos os direitos18, quer os clássicos direitos liberdades e garantias, quer os direitos económicos, sociais e culturais, têm um custo, custo esse que é, perante a presente configuração do Estado Tributário, satisfeito mediante a receita fiscal obtida através da figura dos tributos.

Mas quais são os pressupostos subjacentes à atividade de cobrança das receitas tributárias? Ou melhor, quais os limites inerentes ao dever fundamental de pagar os tributos? Voltando ao espectro da relação entre Estado e cidadão, relação da qual decorre o dever fundamental de pagar impostos, sabemos já que por um lado temos o Estado como sujeito ativo ou melhor, como titular do poder tributário para criar e instituir os tributos e por outro, o contribuinte, enquanto sujeito passivo sobre o qual incide o dever de contribuir para a satisfação das necessidades coletivas, pagando a quantia tributária que seja devida.

Contudo, a receita financeira do Estado19 não se resume à receita fiscal mas antes

compreende em si ainda outras formas de financiamento das necessidades coletivas, como as taxas, as contribuições para a segurança social e ainda outros tributos parafiscais. De facto, falar sobre as formas de financiamento do Estado é falar sobre uma das áreas recentemente autonomizadas do saber jurídico, o Direito Tributário, no âmbito do qual se insere o Direito Fiscal.

18 A esta parte subscrevemos as conclusões de STEPHEN HOLMES e CASS R. SUSTEIN, ob. cit., pág. 221. Os autores sustentam que

“(…) Private liberties have public costs. This is true not only for rights to Social Security, Medicare and food stamps, but also, rights

to private property, freedom of speech, immunity from police abuse, contractual liberty. (…). From the perspective of public finance, all rights are licenses for individuals to pursue their joint and separate purposes by taking advantage of collective assets, which include a share of these private assets accumulated under the community’s protection (…). Conceived as a matter of public finance, legal rights emerge as politically created and collectively funded instruments designed to promote human welfare”. Neste

sentido pronuncia-se também VASCO BRANCO GUIMARÃES no estudo “Considerações sobre a Revisão do Rendimento Tributável”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutro Pedro Soares Martínez”, Vol. II, Coimbra, Almedina Editora, pág.429.

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23

2. O Crédito Tributário e as suas garantias

2.1 - Características da Relação Jurídica Tributária

Não podemos abordar a temática em apreço no presente estudo – as garantias do crédito tributário – sem uma alusão às características, natureza e elementos da relação jurídica tributária. A autonomização do Direito Tributário como uma área do saber jurídico em Portugal no início da segunda metade do século XX permitiu a construção de uma nova dogmática jurídico-tributária.

Todavia, esta emancipação não resultou numa imediata individualização do Direito Tributário assente na conceção da relação jurídica tributária como hoje a consideramos. Se é verdade que de um ponto de vista didático e pedagógico, a disciplina do Direito Tributário começou a dar os seus primeiros passos em direção a uma autonomização científica e dogmática na década de 50, a verdade é que essa separação não foi de imediato adotada pelo legislador português do Estado Novo. A conceção do Direito Tributário como um ramo da ciência jurídica administrativa dominou o ordenamento jurídico português durante o antigo regime, como aliás traduzem as considerações do preâmbulo do diploma legislativo que aprovou o Código de Processo das Contribuições e dos Impostos de 196320.

Só com a aprovação do Código de Processo Tributário em 1991 é que a abordagem e estudo da ciência jurídica tributária e fiscal se aproximariam da doutrina da relação jurídica tributária: “ A reforma fiscal, integrada pelos novos Códigos (…) exprime

também uma nova relação entre a administração fiscal e o contribuinte, fundada numa muito mais estrita vinculação legal da primeira em todos os seus actos e na plena devolução ao segundo da responsabilidade dos seus comportamentos e declarações. A presunção da verdade dos actos do Fisco foi substituída pela presunção da verdade dos actos do cidadão-contribuinte, cabendo ao Fisco, em caso de tributação por métodos indiciários ou por presunção, fundamentar não apenas o seu uso, mas a própria

20 Este diploma abordava as relações jurídicas tributárias como verdadeiras relações jurídicas administrativas de autoridade

perante as quais a Administração atuava dotada de um poder público de autoridade, remetendo o contribuinte a uma posição de mera sujeição ao dever de pagar os impostos e contribuições criadas pelo legislador. Do preâmbulo do DL n.º 45005 de 27 de Abril - diploma que aprovou o Código de Processo das Contribuições e Impostos – retira-se que “A aplicação da lei tributária aos factos

previstos como objecto de incidência de impostos ou de determinação da matéria colectável é, naturalmente, uma função dos órgãos da administração fiscal com poder decisório, tendo, por isso, os actos de tributação, carácter definitivo e valor executório, necessariamente vinculativos em relação ao contribuinte. Encarado este importante aspecto do acto tributário perante os princípios gerais de direito administrativo, e tendo em conta as particularidades específicas do direito fiscal (…).” Sobre a

abordagem ao Direito Tributário com base no acto tributário, ver a exposição de JOAQUIM FREITAS ROCHA, “Apontamentos de

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quantificação da matéria tributável apurada, a qual é, finalmente, susceptível de completa apreciação pelos tribunais tributários. (…)”.

Esta reforma do pensamento legislativo face à dinâmica subjacente à relação jurídica inerente ao Direito Tributário permitiu redefinir as conceções sobre as características e estrutura do relacionamento entre os contribuintes e o credor tributário, que culminaria com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária em 199921 e a verdadeira consagração de uma dogmática jurídico-tributária assente no conceito de relação jurídica tributária, dedicando o Título II à enunciação dos elementos e características da mesma, afastando por completo as doutrinas que colocavam a tónica não sobre a relação jurídica em si, ao invés, sobre a figura do ato tributário. Como nos explica o Professor SÉRGIO VASQUES22, “ (…) a relação jurídica tributária continua a ser o esquema

conceitual capaz de melhor explicar a interação que se dá entre o Estado e os Estado e os contribuintes na sociedade em que vivemos.”

Esta a opção pela importação do esquema e estrutura clássicas do direito privado sobre a relação jurídica para o âmbito jurídico-tributário operada pela doutrina e consagrada pelo legislador com a Lei Geral Tributária, não só facilita o estudo desta área do saber jurídico, ao mesmo tempo que confere ao Direito Tributário uma autonomia e individualização que lhe permitem fazer operar uma separação deste ramo do direito face à disciplina do Direito Administrativo, todavia sem negar a sua iminente natureza publicista, facilitando a categorização e demarcação dos seus institutos e conceitos próprios.

Daqui resulta um perfeito equilíbrio entre uma dogmática jurídica substantiva assente na dimensão privatística e, em simultâneo, numa estrutura normativa adjetiva que concretiza a natureza pública da relação jurídica tributária, o que nos permite caracterizar o direito tributário como um “direito público obrigacional”23. ´

Relatada a evolução e consagração do conceito de relação jurídica tributária, importa compreender a sua estrutura e as suas características, tarefa de que agora nos

21 No preâmbulo do D.L. n.º 398/98 de 17.12 – diploma que aprovou a Lei Geral Tributária – pode ler-se: “(…) A concentração,

clarificação e síntese em único diploma das regras fundamentais do sistema fiscal que só uma lei geral tributária é susceptível de empreender poderão, na verdade, contribuir poderosamente para uma maior segurança das relações entre a administração tributária e os contribuintes, a uniformização dos critérios de aplicação do direito tributário, de que depende a aplicação efectiva do princípio da igualdade, e a estabilidade e coerência do sistema tributário. A imagem de um sistema tributário disperso e contraditório prejudica fortemente a aceitação social das suas normas e, consequentemente, a eficácia do combate à fraude e evasão fiscal. (…)”. Esta visão é consagrada pelo legislador no art. 1.º da LGT, preceito que explicitamente delimita o âmbito de

aplicação do diploma à regulação das relações jurídico-tributárias, aprofundando o seu conceito no Título II, sob a epígrafe “Da relação jurídica tributária”.

22 Cfr. SÉRGIO VAZQUES, “Manual de Direito Fiscal”, Coimbra, Almedina, 2011, pág. 320.

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25

ocupamos. Ora, a relação jurídica em análise assume desde logo uma natureza complexa com direitos e deveres correlativos para os sujeitos que a compõem, o que resulta numa particular complexidade evidenciada quer pela sua estrutura, quer pela sua própria natureza e configuração, dando azo a diferentes construções dogmáticas.

Por um lado, o professor CASALTA NABAIS começa por enunciar a complexidade da relação jurídica tributária24 por diferentes perspetivas, merecendo especial ênfase a análise das sub-relações que, na perspetiva do autor, a compõem: “ (…) Finalmente, quanto às relações que se estabelecem ou relação fiscal em sentido

amplo, é de salientar que esta se desdobra na relação fiscal em sentido estrito ou relação de imposto e em diversas relações jurídicas acessórias (…) ”. Prossegue assim

o autor identificando dois conceitos de relação jurídica tributária, desde logo, um conceito amplo de “relação jurídica fiscal” correspondente a uma relação de direito administrativo, que se estabelece entre a “Administração Fiscal” e o contribuinte ou “sujeito passivo do imposto”, perante a qual a atuação da primeira se caracteriza pela autoridade decorrente do poder administrativo – ius imperii - para aplicar as leis fiscais e praticar os necessários atos de autoridade.

Em contraponto com o conceito amplo de relação jurídica tributária, CASALTA NABAIS descreve ainda o que entende por relação jurídica “fiscal em sentido estrito” – a relação de imposto – sendo esta uma “relação de direito obrigacional entre a Fazenda

Pública e o devedor do imposto, uma relação de natureza paritária em que aquela não dispõe de qualquer poder de autoridade (…) ”. Por outro lado, o Professor JOAQUIM

FREITAS ROCHA adota um conceito unitário de relação jurídica tributária25, como base para a análise da disciplina do Direito Tributário. Para o professor, a relação jurídica tributária é tendencialmente paritária, “com uma estrutura e fisionomia

idênticas à relação obrigacional de direito privado, sem prejuízo de um marcado regime publicista motivado pelas prerrogativas de Ius imperii reconhecidas à Administração”. Esta perspetiva tem a vantagem de permitir afastarmo-nos da

tradicional análise da relação jurídica tributária como uma mera relação de direito público, sem colocar em causa a natureza publicista da mesma, ao mesmo tempo que

24 Cfr. CASALTA NABAIS, “Direito Fiscal”, págs. 227 e ss; o autor utiliza a terminologia ‘relação jurídica fiscal’. Optamos pela

terminologia utilizada pelo Professor JOAQUIM FREITAS ROHCA in “Apontamentos de Direito Tributário – A Relação Jurídica

Tributária”, AEDUM, 2012, Braga, págs. 3 a 6; Sobre a distinção entre os conceitos de ‘imposto’ e ‘tributo’, ver por todos, DIOGO

LEITE DE CAMPOS e MÔNICA LEITE DE CAMPOS, “Direito Tributário”, 2.ªEdição, Coimbra, 2000.

25 Sobre o conceito de relação jurídica tributária concluí o autor: “ (…) pode afirmar-se que a relação jurídica tributária é um

vínculo de natureza jurídica que se estabelece entre o credor de um tributo, grande parte das vezes o Estado, e um devedor genericamente designado por contribuinte (…)”.

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26

recortamos a estrutura da relação jurídica obrigacional de direito privado, facilitando a análise das diferentes posições jurídicas a ela inerentes. Assim, ao aceitarmos como ponto de partida para o estudo da relação jurídica tributária a estrutura da relação jurídica obrigacional clássica, com maior facilidade abordamos a problemática relacionada com o fenómeno da privatização da relação tributária26.

O Direito Tributário conhece na relação jurídica tributária a sua raison d’être, assumindo-se como a área do saber jurídico que se debruça sobre o estudo, regulação e delimitação dos vários elementos da mesma.

No âmbito da Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, a construção dogmática consensual é a que recorre à doutrina da relação jurídica de Direito Privado típica do Direito das Obrigações, da qual resulta um vínculo jurídico “em virtude do qual

determinada pessoa ou entidade fica adstrita [sujeito passivo] para com outra [sujeito

ativo] a realizar determinado comportamento (prestação) ”. 27

Relação jurídica que tem como objeto a prestação tributária principal – pagamento do tributo - face à qual tantas outras obrigações acessórias ou secundárias se desdobram, destacando-se a sua eficácia interpartes, na medida em que as posições jurídicas em

causa apenas podem ser oponíveis entre os sujeitos que integram a própria relação.28 E logo a esta parte se evidencia a particular complexidade da relação jurídica tributária, já que de uma perspetiva subjetiva a binominalidade da estrutura obrigacional da relação nem sempre se verifica, prevendo o legislador casos excecionais em que pessoas ou entidades terceiras face à relação principal poderão ser a esta convocados, passando a assumir-se como sujeitos passivos indiretos29. Contudo, a complexidade da relação jurídica objeto do presente estudo não se constata apenas sob uma perspetiva subjetiva, ou melhor, atendendo aos sujeitos que a compõem.

26 Sobre o fenómeno da privatização da relação tributária, ver por todos, HUGO FLORES DA SILVA “Privatização do Sistema de

Gestão Fiscal”, Braga, 2014, Coimbra Editora.

27 Sobre a Teoria Geral da Relação Jurídica ver, por todos, CARLOS ALBERTO MOTA PINTO ”Teoria Geral do Direito Civil”,

10.ªEdiçaõ, 2010, Coimbra, Almedina Editora; De acordo com o n.º1 do artigo 18.º da LGT, o sujeito ativo da relação jurídica tributária é “a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer directamente

quer através de representante”. Já o n.º 3 do mesmo preceito estipula “ O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”

28 Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, ob.cit. pág.7. Sobre a distinção dos tipos de efeitos jurídicos inerente à relação jurídica

obrigacional, ver por todos, ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10.ªEdição, 2010, Coimbra, Almedina Editora, págs.108 a 129.

29 São os casos da responsabilidade tributária (arts. 22.º a 28.º da LGT), da sucessão tributária (art.29.º da LGT) e ainda, os casos de

substituição tributária (arts. 19.º e 20.º da LGT), que por razões de coerência e estrutura abordaremos infra; Já sobre o conceito, características e análise dos pressupostos legais, cfr. JOAQUIM FREITAS ROCHA, ob.cit. págs. 29 a 40;

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27

De facto a complexidade referida verifica-se também do ponto de vista objetivo, quando analisamos o conteúdo da relação jurídica tributária.

Aqui o papel principal pertence à obrigação de pagar o tributo, isto é, à obrigação referente à prestação material ou principal a satisfazer pelo contribuinte – a obrigação de pagar o tributo, posição que também os autores jurídico-civilistas sustentam30.

Tomando como ponto de partida a sua natureza obrigacional, recorremos às mui doutas palavras do saudoso professor ANTUNES VARELA31 sobre a complexidade das relações obrigacionais, autor que afirma que “a relação jurídica em geral diz-se una ou

simples, quando compreende o direito subjetivo atribuído a uma pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição correspondente, que recai sobre a outra; e complexa ou múltipla, quando abrange o conjunto de direitos e de deveres ou estados de sujeição nascidos do mesmo facto jurídico.”

Assim, ao olharmos para a relação jurídica tributária, em especial para o vínculo obrigacional que a compõe, podemos identificar um conjunto de deveres acessórios autónomos face à obrigação principal, como são exemplos o dever de apresentação de declarações, ou o dever de prestação de informações, deveres jurídicos que impendem sobre o contribuinte32.

A esta parte poderíamos indagar se a complexidade da relação obrigacional tributária se verifica pela existência de dois tipos de vínculos jurídicos autónomos entre si, um principal e um outro acessório e assim perante uma verdadeira relação obrigacional complexa, ou, por outro lado, se estamos perante um só vínculo jurídico principal em torno do qual orbitam em torno do vínculo principal, vários deveres acessórios, não afastando embora a natureza simples da estrutura da própria relação jurídica enquanto relação obrigacional.

Por fim e antes de abordarmos o conteúdo do seu vínculo obrigacional, devemos fazer uma breve alusão às finalidades da relação tributária, ponto de partida para a identificação das restantes características da mesma. Desta forma, as finalidades desta concreta relação jurídica passam necessariamente pela satisfação de interesses públicos, em concreto, pela cobrança da receitas tributárias com vista à “satisfação das

30 Cfr. CARLOS ALBERTO MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ªEdição, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 178. Para o autor,

a estrutura da relação jurídica “ (…) é o seu centro ou cerne: é o vínculo, o nexo, a ligação que existe entre os sujeitos. (…)”

31 Cfr. JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, últ. ob. cit. 10.ª Edição, Coimbra, 2010, Almedina Editora, págs.64, 65 e 68; A

complexidade da relação obrigacional verifica-se também em relação às próprias relações obrigacionais simples, traduzindo-se “(…) na série de deveres, secundários e de deveres acessórios de conduta que gravitam as mais das vezes em torno do dever

principal de prestar e até do direito à prestação (principal) ”.

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28

necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas”, promovendo “a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento”33.

A inquestionável natureza publicista da relação jurídica tributária verifica-se dados os fins que a tributação visa atingir. Em resultado destas considerações, podemos afirmar que “a principal e mais visível consequência da consideração do Interesse

público como o fim único que subjaz ao nascimento e estabelecimento de uma relação jurídica tributária é a caracterização desta como uma relação de natureza publicista, subordinada aos princípios e regras de Direito público e no âmbito da qual um dos sujeitos actua munido de Ius imperii.”34.

Atenta a particular natureza que a caracteriza, facilmente se compreendem e concretizam as demais caracterísiticas que a doutrina atribuí à relação jurídica tributária. Neste sentido, a melhor doutrina identifica em primeiro lugar o carácter ex lege, ou seja, a particularidade de a constituição e determinação do conteúdo da relação tributária se fundarem única e exclusivamente na Lei. “Estamos perante uma relação

jurídica de base normativa, que apenas se constitui e desenvolve com impulso normativo, o que significa que necessita da norma jurídica (…) para adquirir relevância para o mundo do Direito (…) o mesmo se passa no que diz respeito à modelação do seu conteúdo. (…).”35 Em segundo lugar, uma outra característica da relação tributária será a indisponibilidade das posições jurídicas, consequência direta do

33 Cfr. art.5.º, n.º1 da LGT e art.103.º, n.º1 da CRP;

34 Cfr. JOAQUIM FREITAS ROCHA, ob.cit., pág. 11; Contudo estas considerações não afastam a importância do crescente fenómeno

de privatização do Direito Tributário, realidade que tem vindo a alterar a forma como a Administração Tributária exerce os seus poderes de autoridade e, em última análise, da própria conceção do Estado Tributário. Sobre esta nova realidade do Direito Tributário, CASALTA NABAIS, “Direito Fiscal”, 2013, 7ªEdição, págs. 327 a 329 refere que “independentemente de se saber se uma

tal ‘privatização’ da administração ou gestão dos impostos se inscreve num universo de mudança mais amplo (…), do que não há dúvidas é de que, em sede fiscal, à administração pública cabe, cada vez mais, uma função passiva, uma função vigilante ou supervisora. (…) Significa isto que a administração tributária deixou de ser a aplicadora das normas de imposição ou tributação, com base em elementos que antecipadamente dispunha, que proporcionavam uma fiscalização tributária ex ante, para passar a ser a fiscalizadora da aplicação dessas normas por parte dos particulares (…)”. Concluí o autor que “ (…) presentemente temos fundamentalmente um sistema de administração privada dos impostos.”; Também J.L. SALDANHA SANCHES sustenta esta visão no

estudo “Do acto à relação: O Direito Fiscal entre o Procedimento Administrativo e a Teoria Geral das Obrigações”, in Estudos em

Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, I, Coimbra: Almedina, 2003, págs. 854 e 855, no qual afirma “(…) o que temos hoje é um sistema de autoavaliação do imposto. E uma autoavaliação do imposto como uma quase condição de uma efectiva tutela dos direitos do contribuinte: que passa a estar assente nos princípios da determinabilidade e da previsibilidade da lei fiscal. O que permite a gestão privada do risco fiscal qye tem como seu momento fundamental a aplicação da lei feita pelo sujeito passivo

(…)”., Para uma análise mais aprofundada sobre o fenómeno da privatização do direito tributário e da atividade tributária, ver por todos, HUGO FLORES DA SILVA “Privatização do Sistema de Gestão Fiscal”, Braga, 2014, Coimbra Editora.

35 Cf. JOAQUIM FREITAS ROCHA, ob. cit., pág. 11. Acrescenta ainda o autor que “ (…) a relação tributária vê o conteúdo da

obrigação principal e das diversas obrigações acessórias modelado pela norma jurídica (…).” Neste sentido, cfr. arts. 30.º, n.º1,

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29

carácter ex lege e da própria natureza publicista supra mencionados, como aliás decorre do disposto no n.º 3 do artigo 30.º e no n.º 2 do artigo 36.º da LGT.36

Facilmente se depreende o porquê deste concreto atributo da relação tributária quando se toma em consideração a posição jurídica do sujeito ativo como o titular de um direito de crédito sob o sujeito passivo, crédito esse que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas, necessário para a tarefa fundamental de realização do Interesse Público.

Será a partir desta característica que JOAQUIM FREITAS ROCHA identifica três consequências que decorrem deste traço da relação tributária: i) o poder-dever que impede o credor tributário no que diz respeito ao exercício dos direitos de que é titular37; ii) a intransmissibilidade intervivos dos direitos de que é titular o sujeito

ativo38; e ainda iii) a irrenunciabilidade dos direitos atribuídos pela lei ao credor tributário39.

Com efeito, como sublinha o Professor, este carácter publicista da relação tributária constata-se também pelos “especiais instrumentos de actuação” do sujeito ativo da

36 Prescreve o n.º 2 do art. 30.º da LGT: “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou

extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”. Por sua vez, o n.º2 do art. 36.º do mesmo diploma

legal indica que “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados pela vontade das partes”, norma que expressamente afasta qualquer aplicação do princípio da autonomia privada no direito tributário, contribuindo em simultâneo para a afirmação da natureza demarcadamente pública da relação tributária. Este problema coloca-se me particular no âmbito do Direito da Insolvência, sendo clarificado este entendimento pelo STA em Acórdão de 25/03/2015, referente ao processo n.º

0278/15, disponível em www.dgsi.pt. Concluíram os Juízes Conselheiros do STA que “I - Os n.ºs 2 e 3 do art. 36.º da LGT são

peremptórios ao estabelecer que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes e que a AT não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias (cfr. também o n.º 3 do art. 85.º do CPPT), salvo nos casos expressamente previstos na lei.II - A indisponibilidade dos créditos tributários, consagrada no n.º 2 do art. 30.º da LGT (« O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária»).(…)”.

37 Cf. JOAQUIM FREITAS ROCHA, ob. cit., pág. 12. Esclarece o autor que “ (…) muitas das vezes esses direitos devem ser exercidos

oficiosamente (ex officio), isto é, sem dependência da vontade do seu titular, encontrando-se este obrigado a agir e investido num verdadeiro poder-dever(…)”.

38 Cf. Art. 29.º, n.º 3 da LGT. É este um exemplo em que à relação tributária originária é convocado um terceiro, configurando-se a

transmissão inter-vivos das obrigações tributárias como um exemplo se sujeito passivo indireto. Contudo, só é admissível se prevista pelo legislador, como aliás nos explicam os Juízes Conselheiros do STA no Acórdão de 28/11/2007, referente ao processo

n.º 0802/07, disponível em www.dgsi.pt: “I - A extinção de uma pessoa colectiva não obsta a que contra ela seja extraído título

executivo, relativamente a obrigação tributária, e instaurada acção executiva visando a cobrança coerciva da dívida.II - O artigo 29º nº 3 da Lei Geral Tributária admite a transmissão das dívidas fiscais de uma pessoa colectiva para outra, se tal for previsto na lei.III - É o caso de uma escola profissional extinta por força do Decreto-Lei nº 4/98, de 8 de Janeiro, em cujos termos as obrigações da escola profissional se transmitem para a entidade proprietária que constitua nova ao abrigo do diploma, tanto mais quando os estatutos desta última afirmam a assunção das obrigações decorrentes da actividade da escola desaparecida.”

39 Atendendo aos fins a que se encontra adstrita a relação tributária e, em especial, a atividade de cobrança dos tributos, o sujeito

ativo não pode, salvo em casos especialmente previstos pela lei, decidir-se pela recusa do cumprimento das prestações tributárias pelo sujeito passivo, sendo proibidas as reduções e os perdões administrativos da dívida tributária, nem tão pouco o alargamento dos prazos para o cumprimento. Sobre a irrenunciabilidade das prestações tributárias, CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 239, explica-nos que “(…) ao credor não cabem, em princípio, quaisquer poderes para conceder moratórias, admitir o pagamento em prestações ou conceder o perdão da dívida.(…)”. Cfr. ainda o disposto nos arts. 29.º, n.º1 e 3, 36.º, n.º3 e 37.º, n.º2, todos da LGT e ainda o n.º3 do art. 85.º do CPPT.

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30

relação tributária - os atos administrativos, que beneficiam de uma presunção de legalidade40 - e, por outro lado, o privilégio de execução prévia41.

Sem olvidar também, por outro lado, o especial arsenal processual garantístico e

especial arsenal sancionatório42.

Com efeito, tecidas algumas breves mas necessárias considerações sobre as características e o contexto jurídico-normativo em que se insere a relação tributária, é sobre o conteúdo desta relação jurídica que dedicamos a nossa atenção de seguida, com particular enfoque para o seu objeto - a obrigação de pagar o tributo.

40 Cf. JOÃO CAUPERS, “Introdução ao Direito Administrativo”, 10.ªEdição, Âncora Editora, Lisboa, 2009, pág.46; O autor sustenta

que a presunção de legalidade dos atos administrativos é um dos efeitos positivos do princípio da legalidade, razão pela qual a impugnação contenciosa não suspende, em princípio, os efeitos do ato impugnado. Em sentido diametralmente diferente, consultar o artigo do Juiz Conselheiro do STA, ANTÓNIO BENTO SÃO PEDRO, “Ónus da Prova e a Presunção da Legalidade dos

Actos Administrativos”, disponível em

http://www.amjafp.pt/images/phocadownload/artigosjuridicos/antoniosaopedro_onusprova.pdf (consultado em 19/08/15); Para uma posição intermédia sobre a presunção da legalidade dos atos administrativos, cfr. RUI MANCHETE, em “Algumas notas sobre

a chamada presunção de legalidade dos actos administrativos” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Pedro Soares Martinez, Vol I, Coimbra, 2000, pág. 717 e ss.

41 O n.º1 do art. 149.º do antigo CPA (DL n.º 442/91, de 15.11) dispunha: “ Os actos administrativos são executórios logo que

eficazes.”, ao passo que o n.º2 do mesmo preceito indicava que “O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um ato administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente Código ou admitidos por lei.” Porém, com a entrada em

vigor do novo CPA (DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro), o legislador optou por um novo regime de executuriedade dos atos administrativos, provocando uma verdadeira revolução em matéria de exequibilidade do ato administrativo. Pode ler-se no ponto 19 do diploma preambular: “ (…) No que respeita ao regime da execução dos atos administrativos, a grande novidade é a

consagração do princípio de que a execução coerciva dos atos administrativos só pode ser realizada pela Administração nos casos expressamente previstos na lei ou em situações de urgente necessidade pública, devidamente fundamentada (artigo 176.º). Trata-se de opção sustentada ao longo dos últimos 30 anos por uma parte muito significativa da doutrina. No esTrata-sencial, o regime do n.º 2 do artigo 176.º procura refletir, entretanto, o regime tradicionalmente vigente no direito francês sobre a matéria, embora com salvaguarda do regime aplicável à execução coerciva de obrigações pecuniárias. Desta opção resulta a desnecessidade de se prever no Código os meios de execução. (…) No artigo 177.º, propõe-se a explicitação do que presentemente apenas resulta implícito: que os procedimentos de execução têm início com a emissão de uma decisão autónoma de proceder à execução; a exigência que a esta decisão é associada de determinar o conteúdo e os termos da execução; a clarificação da função de interpelação ao cumprimento, que é associada à notificação da decisão de proceder à execução, a qual pode ser feita conjuntamente com a notificação do ato exequendo. No artigo 182.º, procura-se aperfeiçoar e densificar o regime das garantias dos executados perante atos administrativos e operações materiais de execução ilegais. Por último, com o novo artigo 183.º pretende-se preencher uma lacuna desde há muito identificada no nosso ordenamento jurídico no que respeita à determinação do modo de execução dos atos administrativos por via jurisdicional, quando não seja admitida a execução coerciva pela via administrativa (…).” [sublinhado

nosso]. Resta saber como irá o legislador regulamentar os casos de exequibilidade coerciva dos atos administrativos e ainda, de que forma esta mudança de paradigma pode influenciar a atividade da Administração Tributária, uma vez que em matéria da exequibilidade imediata dos atos administrativos em matéria tributária, em regra, prevalece sobre estas matérias o princípio do

benefício da execução prévia a favor da Administração Tributária.

42 Cf. JOAQUIM FREITAS ROCHA, ob. cit., págs. 13 e 14. O autor sublinha que perante os casos de incumprimento por parte do

contribuinte, dispõe a Administração Tributária de um poderoso mecanismo processual garantístico com vista a obter a satisfação do crédito tributário – o processo de execução fiscal. Para além de um fortíssimo conjunto de instrumentos garantísticos quer adjetivos/processuais e substantivos/materiais, a própria violação das normas tributárias provoca no ordenamento jurídico uma resposta sancionatória, que se traduz na previsão de crimes e contraordenações tributárias. Falamos claro, do Direito das Infrações Tributárias, com especial destaque para um concreto diploma legislativo sobre esta matéria, o RGIT.

Referências

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