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O vínculo principal da relação jurídica tributária

CAPÍTULO I – DAS GARANTIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

2. Crédito Tributário e suas garantias

2.2. O vínculo principal da relação jurídica tributária

Identificadas as principais características jurídico-dogmáticas da relação jurídica tributária, importa agora centrar a nossa atenção sobre o conteúdo da mesma, em especial e com maior relevância para o âmbito do nosso estudo, sobre o objeto da relação tributária, mormente, o dever de pagar o tributo.

MOTA PINTO43 define o objeto da relação jurídica como “(…) todo o quid, todo o

ente, todo o bem sobre que podem recair direitos subjectivos(…)”, precisando mais

ainda o saudoso professor que “(…) o objecto é aquilo sobre que recaem os poderes do

titular do direito(…)”. É com base nestes conceitos que a doutrina civilística sustenta

uma outra distinção referente ao objeto da relação jurídica e que, dada a natureza obrigacional da relação tributária, assume especial relevância – a distinção entre objeto

mediato e objeto imediato. Por sua vez, JOAQUIM FREITAS ROCHA44 sublinha que

“(…) em termos definitórios, o objecto de uma qualquer relação jurídica – o mesmo se

passando com a relação jurídica tributária – adquire alcance e significado jurídico distintos consoante se fale em objecto mediato ou em objecto mediato(…).”

Esta é, porém, uma distinção que se verifica com especial no âmbito das relações jurídicas obrigacionais de prestação de coisa certa e determinada, como nos elucida MOTA PINTO45, já que neste tipo de relação jurídica “(…) o objecto imediato do

direito do credor é o comportamento do próprio devedor, isto é, a prestação, o acto de entrega da coisa. O objecto mediato é a própria coisa que deve ser entregue ao credor

(…)”.

Com base nos conceitos supra descritos e atendendo à complexidade inerente à relação tributária, podemos afirmar que o objeto imediato da relação tributária consiste no vínculo principal – composto, por um lado, pelo dever do sujeito passivo de pagar o tributo e, por outro, pelo direito do sujeito ativo de exigir essa mesma quantia tributária46 – ao passo que o objeto mediato consiste no elemento físico ou material, isto é, a quantia em dinheiro a entregar junto dos serviços tributários competentes.

43 Cfr. CARLOS ALBERTO MOTA PINTO, ob.cit., págs. 331 e 332;

44 Cfr. JOAQUIM FREITAS ROCHA, ob.cit., pág. 45; Por sua vez, CASALTA NABAIS, ob.cit. págs. 238 a 239, opta por uma construção

dogmática distinta, assente na separação entre relação fiscal material e relação fiscal formal, identificando a obrigação fiscal como “o núcleo central” da relação jurídica fiscal.

45 Cfr. CARLOS ALBERTO MOTA PINTO, ob.cit., pág.333; Para uma análise mais detalhada sobre o objeto da relação jurídica

obrigacional, ver, por todos, ANTUNES VARELA, ob.cit., págs. 78 a 108;

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Mas é o objeto imediato que nos merece maior atenção e uma análise mais detalhada, uma vez que é o ponto de partida para a tarefa de determinar a amplitude e conteúdo do vínculo principal da relação tributária.

Assim, recorrendo aos ensinamentos de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA47, no seio do objeto imediato da relação tributária identificamos dois tipos de vinculação jurídica. Em primeiro lugar, o vínculo principal, do qual resulta a obrigação principal do contribuinte, a obrigação em torno da qual se constituem os vínculos ou deveres acessórios – o dever de pagar o tributo.

No fundo, é o que ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA define como “(…) o vínculo

jurídico nascido da verificação da situação ou das condições abstractamente previstas na lei tributária e cujo objecto é a prestação do imposto.”48 Este dever do contribuinte

traduz-se na realização de uma prestação positiva, isto é, exige-se do sujeito passivo uma ação e não uma omissão ou um dever de abstenção49. É uma prestação que consiste

na entrega de uma quantia determinada, uma prestação de dare, já que o sujeito passivo está adstrito à entrega de um determinado bem – valor pecuniário - o que nos permite ainda assumir a natureza pecuniária e fungível50 da prestação tributária.

Ainda no seio do vínculo jurídico da relação tributária, devemos distinguir os vínculos acessórios, que se traduzem em uma multiplicidade de deveres acessórios face ao vínculo principal. Retomando os ensinamentos do Professor ANTÓNIO BRÁS

47 Cfr. JOAQUIM FREITAS ROCHA, ob.cit., págs. 46 e 47;

48 Cfr. ANTÓNIO BRÁS TEIXIERA, “Princípios de Direito Fiscal”, 3.ªEdição, Coimbra, Almedina, 1990, pág.171. Contudo e como nos

faz notar LUÍS MIGUEL BRAGA VELOSO, em “Considerações sobre os deveres de cooperação e os respectivos instrumentos reactivos

em sede fiscal”, Braga, 2012, pág. 25, nota de rodapé 50, disponível em

https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/20172/1/Disserta%C3%A7ao%20de%20Mestrado,%20Luis%20Veloso.pdf

(consultado em 10/02/15) para o Professor BRÁS TEIXEIRA, “(…) objecto da relação fiscal é realidade distinta do objecto do

imposto com a qual não deve ser confundido. Enquanto este é o bem, a situação de facto ou a actividade sobre que incide a tributação, aquele corresponde, por um lado, ao conjunto dos poderes do sujeito activo e dos correlativos deveres do sujeito passivo, e, por outro, à prestação a que está obrigado o primeiro a favor do segundo. Defende que o objecto da relação fiscal engloba, assim, duas realidades distintas. A primeira, geralmente designada por objecto imediato, resolve-se nos direitos e deveres de que são titulares os sujeitos da relação; a segunda, conhecida na doutrina pela designação de objecto mediato, é como que a concretização desses direitos e deveres, aquilo sobre que incidem, o seu objecto. Tomemos o caso do imposto sobre os rendimentos para perceber melhor estas distinções. De acordo com o dissertado pelo Professor, o objecto do imposto serão os rendimentos do trabalho em dinheiro ou em espécie; o objecto imediato da relação fiscal serão os poderes e deveres que, uma vez verificados os pressupostos de facto da relação, a lei atribui ao sujeito activo ou impõe ao sujeito passivo; por fim, o objecto mediato, serão as prestações que constituem objecto daqueles direitos e deveres (…)”.

49 Sobre a distinção entre prestações de facto e prestações de omissão, cfr. ANTUNES VARELA, ob.cit., pág. 79;

50 Falamos em fungibilidade como uma característica da prestação tributária uma vez que esta pode ser ou não satisfeita em

dinheiro, desde que se preencham determinados pressupostos previstos pela lei, como resulta do disposto no n.º1 do art.202.º do CPPT “Nos processos de execução fiscal o executado ou terceiro podem, no prazo de oposição, requerer ao ministro ou órgão

executivo de quem dependa a administração tributária legalmente competente para a liquidação e cobrança da dívida a extinção da dívida exequenda e acrescido, com a dação em pagamento de bens móveis ou imóveis, nas condições seguintes: a) Descrição pormenorizada dos bens dados em pagamento; b) Os bens dados em pagamento não terem valor superior à dívida exequenda e acrescido, salvo os casos de se demonstrar a possibilidade de imediata utilização dos referidos bens para fins de interesse público ou social, ou de a dação se efectuar no âmbito do processo conducente à celebração de acordo de recuperação de créditos do Estado.”. Já o mesmo não se pode afirmar relativamente aos sujeitos, já que atendendo aos princípios da irrenunciabilidade e da

indisponibilidade do crédito e da dívida tributárias, salvas as exceções previstas pelo legislador, a prestação tributária é uma prestação subjetivamente infungível.

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TEIXEIRA51, “(…) ao lado do dever fiscal que se cifra no dever de pagamento do

imposto, estabelece a lei um complexo mais ou menos vasto de outras obrigações, a cargo do próprio sujeito passivo, ou de terceiros de algum modo ligados ao contribuinte ou ao facto tributável, as quais se destinam a possibilitar ou garantir a percepção da dívida tributária (…)”52. São estes vínculos acessórios que demonstram mais uma vez a estrutura complexa da relação tributária, enquanto uma relação obrigacional de direito público.

Contudo o enquadramento jurídico destes deveres acessórios, também denominados por deveres de cooperação53, suscitou na doutrina uma ampla discussão referente à distinção entre Direito Tributário material e Direito Tributário Formal54. Trata-se de uma distinção que mereceu consagração legal em Espanha55, não adotando o legislador

português pela mesma solução, ao invés optando por uma construção ampla sobre os elementos que compõem o vínculo jurídico-tributário.

No nosso humilde entendimento, o reconhecimento do papel dos deveres acessórios enquanto obrigações instrumentais e complementadores da obrigação tributária principal verifica-se com a adoção da estrutura concetual da relação obrigacional de direito privado.

A distinção entre deveres principais e deveres acessórios foi criada na doutrina civilista, para distinguir entre a obrigação principal, que mesmo quando constitui um processo complexo e se decompõem em várias prestações conserva uma unidade substancial dado o modo como surge e como se extingue, e os deveres acessórios, destinados a permitir o cumprimento da prestação principal.56

51 Cfr. ANTÓNIO BRÁS TEIXEIRA, ob.cit., págs. 171 e ss;

52 Cfr. art. 30.º, n.º1, alínea b) e art.31.º, n.º2 ambos da LGT e ainda, o art.48.º do CPPT. O legislador português não autonomiza os

deveres tributários acessórios face ao objeto da relação tributária, considerando-os como comportamentos complementadores da prestação principal. São exemplos de deveres tributários acessórios, as obrigações declarativas (a título de exemplo, as obrigações declarativas em sede de IRS, cfr. arts.57.º, 60.º, 61.º e ainda, 112.º e 114.º do CIRS).Para uma análise mais desenvolvida sobre a matéria dos deveres tributários acessórios, ver por todos LUÍS MIGUEL BRAGA VELOSO, “Considerações sobre os deveres de

cooperação e os respectivos instrumentos reactivos em sede fiscal”, Braga, 2012, págs. 31 a 51; 69 a 93.

53 A distinção entre deveres acessórios e deveres de cooperação, aparentemente uma mera distinção terminológica, é na verdade

uma distinção que se verifica perante o tratamento e enquadramento jurídico dos mesmos. CASALTA NABAIS, últ. Ob. cit. pág. 231, adopta o conceito de “deveres de colaboração”, argumentando que “(…) tendo em conta que a relação entre o contribuinte e

administração tributária não é uma relação de natureza paritária, parece-nos mais adequada a designação de deveres de colaboração, uma terminologia que é, de resto, a utilizada no direito administrativo geral (art.7.º do CPA) e na própria LGT (art. 58.º ”.

54 Cfr. SOARES MARTÍNEZ, “Direito Fiscal”, 2.ºEdição, Coimbra, Almedina, págs.

55 FRANCISCO HERNÁNDEZ GONZÁLEZ, “Las Obligaciones Tributarias Formales”, disponível em

http://www.gobiernodecanarias.org/tributos/portal/recursos/pdf/revista/Revista10/RevistaHC_10_4.pdf, (consultado a 6/03/15), págs. 57 e ss;

56 Cfr. MENEZES CORDEIRO, “Da Boa fé no Direito Civil”, (1984), Vol.I, págs. 590-592 e 603 e ss., apud. J.L. SALDANHA SANCHES, “A

quantificação da obrigação tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa”, Lisboa, 2000, Editora

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Atenta a sucessiva assimilação e adaptação de conceitos e princípios de natureza jurídico-civilística pelas construções dogmáticas tributárias sobre a relação obrigacional tributária, SALDANHA SANCHES57 sublinha que “(…) se é inteiramente justificável a

permanente assimilação de conceitos que constitui a construção doutrinal do Direito Fiscal, também se não pode ignorar que certas formas jurídicas que tinham uma determinada natureza no Direito Civil tenham adquirido uma outra no Direito Fiscal.”

Assim e em jeito de conclusão, é nosso entendimento que o carácter acessório destas obrigações não pode ser aceite como fundamento para a rejeição da sua autonomização ou individualização face ao vínculo jurídico principal da relação tributária, pelo que, discordamos dos autores que, como PUGLIESE58, percecionam os deveres tributários

acessórios como deveres administrativos.

A função instrumental que estes deveres assumem face ao dever tributário principal, traduz a sua progressiva integração conceptual e até normativa no seio da vinculação jurídico-tributária como um todo, porém, não se imiscui com o âmbito mais restritivo relegado para o vínculo principal, composto pela obrigação tributária principal, como afirma LUIS VELOSO59, “(…) ao limitar estes deveres a um carácter acessório como

fez o legislador, está se a restringir o alcance com que os mesmos foram criados. Estes existem independentemente da existência de uma dívida de imposto. Por si só esse facto já se basta para fundamentar a autonomia destes deveres. (…)”.