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As Garantias do Crédito Tributário – breve enunciação

CAPÍTULO I – DAS GARANTIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

2. Crédito Tributário e suas garantias

2.3. As Garantias do Crédito Tributário – breve enunciação

A melhor doutrina aborda o estudo da estrutura da relação jurídica através de um processo de desconstrução analítica dos seus vários elementos constitutivos – sujeitos, objeto, facto e garantias.

Sendo a relação jurídica tributária um vínculo de relação direto entre dois sujeitos ou entidades e atento o âmbito da presente dissertação, é tempo de dedicarmos a nossa atenção à análise deste último elemento estruturante da relação tributária, as garantias do crédito tributário.

57 Cfr. J.L. SALDANHA SANCHES, “A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação

Administrativa”, Lisboa, 2000, Editora Lex, págs. 58 e 59. O autor sustenta que os deveres de cooperação do Direito Civil devem

ser comparados com os deveres de cooperação tributária, mais defendendo que os deveres acessórios na obrigação tributária surgem como uma condição do cumprimento da obrigação principal.

58 Cfr. MARIO PUGLIESE, “Istituzioni di diritto finanziario”, pág. 186, apud. ANTÓNIO BRÁS TEIXEIRA, ob. cit., pág. 173, nota 7.

59 Cfr. o estudo de LUIS MIGUEL BRAGA VELOSO, “Considerações sobre os deveres de cooperação e os respectivos instrumentos

reactivos em sede fiscal”, Braga, 2012, pág. 34, disponível em

https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/20172/1/Disserta%C3%A7ao%20de%20Mestrado,%20Luis%20Veloso.pdf

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Desde logo o artigo 50.º da LGT60, sob a epígrafe “Garantias dos créditos

tributários” prescreve que o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários. Esta é aliás, uma regra universal no nosso ordenamento jurídico

válida para qualquer relação jurídica obrigacional de carácter público ou privado. Porém, atenta a especialidade que caracteriza as finalidades inerentes à natureza publicista da relação tributária61 e, em especial, da obrigação tributária principal, facilmente se compreende que o legislador ‘tenha dotado o crédito tributário de

especiais instrumentos garantísticos. No fundo, trata-se de assegurar que, em caso de incumprimento, o sujeito activo não veja defraudadas as suas expectativas - mais do que isso: a sua verdadeira pretensão jurídica – relativas à percepção da quantia tributária, até porque neste contexto está-se em presença de receitas de natureza coactiva e destinadas à satisfação do Interesse público’.62

A função que a garantia assume enquanto elemento constitutivo da relação jurídica resume-se à segurança do objeto da relação, não só face a terceiros, mas também perante a relação inter partes que se estabelece através da vinculação jurídica decorrente. Nas palavras de VÍTOR FAVEIRO63 “(…) a garantia, sendo, como é, uma

qualidade integral do próprio conceito e da essência do Direito objectivo, aparece na relação jurídica entre sujeitos, como o elemento mais forte de toda a realidade jurídica: o elemento da segurança do objecto da relação que, em direito subjectivo, a cada um corresponda.”.

O autor precisa o sentido e alcance deste elemento, distinguindo um sentido amplo de garantia – correspondente “à própria força coercitiva do Direito objectivo, e à

segurança da sua eficácia erga omnes, na Ordem Jurídica” – e, por outro lado, um conceito mais restrito - referente à “segurança do objecto da relação inter partes quanto à eficácia do direito de conteúdo positivo do sujeito activo, e aos limites do objecto e do exercício desse mesmo direito, sobre a esfera jurídica do sujeito da obrigação, do dever”. Dada a abrangência das matérias relacionadas com as garantias

do crédito tributário, optamos por proceder à clássica tarefa do raciocínio jurídico-

60 Cfr.art.50.º da LGT e art. 601.º do CC.

61 Cfr. supra ponto 2.1 do Capítulo I relativo aos fins e natureza publicista da relação jurídica tributária.

62 Cfr. JOAQUIM FREITAS ROCHA, “Apontamentos….” ob.cit, pág. 69;

63Cfr. VÍTOR FAVEIRO, “Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português – Vol.I”, Coimbra, 1984, Coimbra Editora, págs. 413 e

ss.;A análise de VÍTOR FAVEIRO traduz uma visão mais ampla do conceito de garantia no seio da relação tributária, abordando, autonomamente, as garantias do Estado e ainda, as garantias do contribuinte.

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interpretativo: dividir e classificar os diferentes institutos em causa para uma melhor compreensão da sua função e do seu âmbito de aplicação perante a relação tributária.

2.3.1 - Garantias Substantivas e Garantias Adjetivas64

Esta é uma distinção assente na natureza jurídica da garantia, ou melhor, que tem em consideração a sua natureza e área de aplicação, seja no âmbito do Direito Tributário Substantivo ou do Direito Tributário Adjetivo65. De acordo com este critério, podemos distinguir as garantias adjetivas, sendo estas as referentes aos meios e mecanismos procedimentais e processuais de proteção e de reforço dos direitos que emergem dos vínculos jurídicos da relação tributária.

Note-se que estes direitos, que emergem da relação tributária não se resumem aos créditos tributários de que o sujeito ativo é titular, abrangendo ainda os eventuais direitos que assistam ao contribuinte no âmbito da relação tributária66, como também, os que lhe assistam no decurso quer do procedimento, quer do próprio processo tributário.

Como sublinha VÍTOR FAVEIRO67, “ (…) em Direito Fiscal, a coercividade geral

do próprio direito objectivo corresponde (…), em primeiro lugar, à garantia geral da exigibilidade, por parte do Estado, do respectivo direito, por meios legais postos à sua disposição (…) e a garantia dos contribuintes, quanto ao rigoroso campo e limites em que possa ser exercido, por parte do Estado, o direito que lhe cabe (…). Daí a necessidade de se considerar o estudo das garantias da relação jurídica tributária em dois campos que, sendo conexos entre si, têm uma estrutura e regime próprios e específicos (…) o das garantias do Estado; e o das garantias do contribuinte (…).”

Esta visão traduz-se também perante a distinção entre garantias substantivas e garantias adjetivas.

64 A exposição ora apresentada consubstancia um dos esquemas analíticos possíveis sobre o âmbito jurídico da garantia do crédito

tributário enquanto elemento constitutivo da relação tributária; Ver ainda a esquematização apresentada por JÓNATAS E.M.MACHADO e PAULO NOGUEIRA DA SILVA, “Curso de Direito Tributário”, 2009, Coimbra, Coimbra Editora, págs. 106 e ss.

65 cfr. JOAQUIM FREITAS ROCHA, “Lições de Procedimento e de Processo Tributário”, 4.ªEdição, 2011, Coimbra, Coimbra Editora,

pág. 11. Explica o Professor que por direito tributário adjetivo se entende “o conjunto de normas jurídicas que dizem respeito à

aplicação normativa em matéria tributária, por três diferentes tipos de sujeitos – Administração, Tribunais e também, entidades privadas”. Em contraposição à individualidade do direito tributário adjectivo, o direito tributário substantivo assume-se como “o conjunto de normas jurídicas respeitantes à criação normativa em matéria tributária, pautado por um conjunto de problemas de natureza marcadamente mais geral e abstracta (criação de tributos, critérios de interpretação e aplicação das normas tributárias, etc.)”; A distinção entre estes dois conceitos remete-nos para a mais ampla distinção entre Direito Substantivo e Direito Adjetivo.

Para uma análise mais aprofundada do tema, ver por todos, OLIVEIRA ASCENSÃO, “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, 5.ªEdição Revista e Atualizada, Coimbra, 2005, Almedina Editora, págs. 333 e ss.

66 Cfr. art. 53.º da LGT;

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Regra geral, as garantias referentes ao cumprimento da prestação tributária encontram a sua previsão no seio do direito tributário substantivo, sem descurar as garantias adjetivas, com especial destaque para o processo de execução fiscal. Por outro lado, as garantias em favor dos direitos subjetivos do contribuinte assumem uma natureza jurídica muito mais adjetiva, com especial enfoque para os domínios do procedimento e do processo tributário. Ainda sobre a exposição conceptual sobre as garantias da relação tributária, em especial, das garantias substantivas, podemos classifica-las com base no critério do objeto, distinguindo assim as garantias gerais das garantias especiais.

2.3.2 – Garantias Gerais e Garantias Especiais68

Centrando-nos no espectro das garantias substantivas, podemos identificar duas subcategorias: i) a já referida garantia geral69 – composta pela globalidade do património do devedor – e por outro lado, ii) as garantias especiais, que versam sobre determinados bens do devedor tributário ou de terceiros, de entre as quais encontramos os privilégios creditórios.

São garantias substantivas já que a previsão e estruturação legal se inserem no âmbito do conjunto de normas jurídicas tributárias cuja aplicação se pauta por ser de índole geral e abstrata, responsáveis por delinear os limites e contornos do ordenamento tributário no seu plano mais amplo. São garantias especiais do crédito tributário as que se caracterizam por afetar determinados bens do património do devedor ou, perante a verificação dos pressupostos legais, subsidiariamente, de terceiros à satisfação da dívida.

68 O esquema apresentado corresponde à tradicional divisão operada pela generalidade da doutrina jurídico-civilística. Por sua vez,

o professor MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, in “Direito das Garantias”, Almedina Editora, Coimbra, 2012, págs. 58 a 64, propõe um novo esquema analítico da figura jurídica da garantia, optando por distinguir as garantias que consubstanciam um “reforço quantitativo da probabilidade de satisfação do crédito” das garantias que se traduzem num “reforço qualitativo da

probabilidade de satisfação do crédito” e ainda uma terceira modalidade para os casos em que se verifica a criação de uma massa

de bens individualizados e que são adstritos em exclusivo à satisfação de um crédito ou de um conjunto de créditos, ou seja, um património autónomo.

69 Cfr. ainda o disposto nos arts. 80.º do CPPT e art. 786.º, n.º2 do CPC. De notar que CASALTA NABAIS, últ. ob.cit., pág. 275.,

considera ainda que o dever de o juiz de qualquer execução comum de ordenar a citação da Administração Tributária para que esta possa reclamar os créditos da Fazenda Pública, decorrente do art.80.º do CPPT, se trata de uma “importante garantia de

natureza adjectiva ou processual”. Esta é uma posição que chegou a ter consagração legal entre nós, no art. 31.º, do já revogado,

Código de Processo Tributário (DL n.º 154/91, de 23 de Abril).”; Uma outra garantia geral de cariz adjetivo passava pela impenhorabilidade em sede de execução comum, dos bens anteriormente penhorados ao abrigo de um processo de execução fiscal (art. 300.º, n.º1 do dl 157/91, de 23 de Abril). Contudo, o Tribunal Constitucional veio pronunciar-se pela inconstitucionalidade dessa solução, no Ac. n.º 451/95, por “violação da garantia do direito do credor à satisfação do seu crédito

(que se extrai do nº1 do artigo 62º da Constituição) conjugada com o princípio da proporcionalidade (que se extrai entre outros do artigo 18º da Constituição) - da norma constante da primeira parte do nº 1 do artigo 300º do Código de Processo Tributário na parte em que estabelece o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais”.

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No seio das garantias especiais, devemos autonomizar duas distintas subcategorias: i) as garantias pessoais, isto é, os casos de responsabilidade tributária subsidiária, em que se constitui uma verdadeira fiança legal em que o património do responsável subsidiário é chamado ao pagamento da dívida tributária, em caso de comprovada insuficiência patrimonial do devedor principal70; ii) as garantias reais, ou melhor, os mecanismos jurídico-legais de reforço do direito de crédito do sujeito ativo.

Falamos aqui de uma parte do património do devedor, a qual se encontra especialmente afeta ao cumprimento de uma obrigação específica, por iniciativa do próprio ou por comando expresso do legislador. Deste modo, atento o momento em que a garantia se torna eficaz, os bens sobre os quais incidem passam a responder preferencialmente pela satisfação do direito de crédito a favor do qual a garantia foi constituída71. No âmbito da subcategoria das garantias reais, específica o legislador quais as que cumprem a sua finalidade perante a satisfação do crédito tributário72. Em

primeiro lugar, os privilégios creditórios previstos no Código Civil e nas demais leis tributárias. Identificamos desde logo:

i) o privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis existentes no património do devedor no momento da penhora ou de outro ato equivalente, para pagamento das dívidas tributárias em sede de IRS e de IRC73;

ii) o privilégio mobiliário especial sobre os bens móveis transmitidos relativamente aos créditos fiscais resultantes do IS sobre as transmissões gratuitas74;

iii) o privilégio imobiliário geral sobre os bens imóveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de ato equivalente, para pagamento das quantias devidas a título de IRS e de IRC75;

iv) o privilégio imobiliário especial sobre os bens sujeitos a IMI, para pagamento desse imposto relativo aos três últimos anos e ainda, sobre os bens cuja transmissão está sujeita ao IMT ou ao IS.76

70 São os casos de responsabilidade tributária previstos pelos arts. 22.º a 28.º da LGT;

71 Cfr. CLÁUDIA MADALENO, “A Vulnerabilidade das Garantias Reais - a hipoteca voluntária face ao direito de retenção e ao direito

de arrendamento”, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 45.

72 Cfr.art. 50.º, n.º 2 da LGT;

73 Cfr. arts. 736.º do CC, art. 111.º do CIRS e 116.º do CIRC;

74 Cfr.art.738.º, n.º2 do CC.

75 Cfr. arts. 111.º do CIRS e 116.º do CIRC.

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Além dos enunciados, destaque ainda para os privilégios creditórios previstos no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social77.

Os créditos por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora devidos à Segurança Social, beneficiam de privilégio mobiliário geral, privilégio que prevalece sobre qualquer penhor ainda que previamente constituído. Acrescenta ainda o legislador que “Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros

de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo ( …)”78. Para além dos privilégios creditórios, a cobrança do crédito tributário é ainda reforçada por outras garantias reais. Neste sentido, a alínea b) do n.º2 do art.50.º da LGT79 refere que “(…)para garantia dos créditos tributários, a Administração Tributária dispõe ainda

do direito de constituição, nos termos da lei, de penhor ou de hipoteca legal (…)”.

Eis que entramos no domínio dos direitos reais de garantia, no qual não são incluídos pela doutrina e pela jurisprudência os privilégios creditórios. O penhor e a hipoteca encontram os seus respetivos regimes legais no capítulo IV do Livro II do Código Civil, sob a epígrafe “Garantias Especiais das Obrigações”, isto apesar da sua qualificação jurídico-doutrinária como verdadeiros direitos reais.80 Perante um plano analítico mais amplo, podemos afirmar que são os direitos que se debruçam sobre a estática patrimonial, regulando o poder e domínio sobre os bens e infra estruturas, assumindo um papel fundamental na regulação das infraestruturas socioeconómicas de uma sociedade.

Aproximando-nos de um plano mais restrito desta ordenação dominial, encontramos os direitos reais de garantia. A função económica destes direitos permite-nos distingui- los dos direitos reais de gozo e ainda, dos direitos reais de aquisição. Essa função económica traduz-se no carácter acessório desses direitos face à realização e satisfação

77 Cfr. arts. 203.º a 205.º da Lei n.º 110/2009 de 16.09, sucessivamente alterada.

78 Sublinhado nosso. Coloca-se o problema de saber qual o âmbito deste privilégio imobiliário. Parece-nos que o legislador atribuiu

a este privilégio um carácter geral ao abranger todos os bens imobiliários existentes na esfera patrimonial do devedor à data da instauração do processo executivo. Este tem sido o entendimento da jurisprudência, como traduz o Ac. do STA de 18/01/12,

referente ao processo n.º 0648/11 (disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/89bb2eb1b6c6237e8025799100447fbb?OpenDocument&Exp andSection=1#_Section1) e ainda, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/05/13, referente ao processo n.º

4142/11.9TBGMR-A.G1 (disponível em

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/b6034631cad44e8980257b89004a7f31?OpenDocument;);

79 Cfr. ainda o n.º3 do art. 50.º da LGT e os art. 195.º do CPPT relativamente à necessidade de proceder ao registo da hipoteca a

favor da Fazenda Pública.

80 Sobre a natureza e autonomia dos direitos reais de garantia como verdadeiros direitos reais, a posição doutrinal maioritária,

reforçada pela jurisprudência, sustenta que estamos perante verdadeiros direitos reais já que reúnem características essenciais, a saber, o direito de sequela e ainda, o direito de preferência ou de prevalência.

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de um dou mais direitos de crédito, através do reforço das garantias de cumprimento, nos casos em que o património do devedor se apresenta por si só como insuficiente ou incapaz de satisfazer a pretensão do credor. Atentas todas as considerações supra enunciadas sobre a relação jurídica tributária, facilmente se compreende a importância que os direitos reais de garantia assumem face à temática das garantias do crédito tributário.

Assim e em primeiro lugar, aproveitamos para tecer algumas breves notas introdutórias sobre o penhor. Desde logo, estamos perante um dos mais antigos institutos jurídicos, cuja origem remonta ao direito romano.

Entre nós, o regime jurídico do penhor é regulado pelo disposto nos artigos 666.º a 685.º do Código Civil, sem prejuízo dos regimes legais previstos em leis avulsas, como são exemplos o penhor constituído para garantia dos créditos bancários81, o penhor mercantil82, ou ainda, o regime do penhor de aplicações financeiras83. De acordo com as

características resultantes do regime geral previsto pelo Código Civil, o penhor confere

ao credor o direito à satisfação do seu crédito e dos respetivos juros, com preferência sobre os demais credores comuns, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, do património deste último ou de terceiro.84

Nas palavras de HENRIQUE MESQUITA85, “o penhor constitui um direito real de

garantia cujo conteúdo consiste no poder que confere ao seu titular de, mediante um acto de disposição, realizar à custa desta [a coisa], sem que se torne necessário a cooperação do seu proprietário, ou mesmo contra a sua vontade, determinado valor

(…) com preferência face aos credores comuns do respectivo proprietário, bem como

sobre os credores que disponham também sobre ela de uma garantia, mas de grau inferior.” A generalidade da doutrina civilística aborda o regime jurídico do penhor com

base na premissa da sua constituição por acordo das partes, ou melhor, assente na celebração de um contrato.

Porém, no seio da jurisdição tributária, o legislador prevê os casos em que a Administração Tributária deva constituir penhor para reforço do crédito tributário, pelo

81 Cfr. DL n.º 29 833 de 17/3/1939 e o DL n.º 32 032 de 22/05/42;

82 Cfr. arts. 397.º e ss do Código Comercial;

83 Cfr. D.L. nº 105/2004, de 8/05 e ainda, a Diretiva n.º 2002/47/CE, de 6/06/02, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa

aos acordos de garantia financeira.

84 Cfr. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, últ. ob. cit., pág. 231.

85 Cfr. M. HENRIQUE MESQUITA, “Obrigações reais e ónus reais”, Coimbra, 1990, Almedina Editora, p.76, apud MIGUEL PESTANA

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que se verifica uma inversão da regra geral de direito privado. De facto, atentos os princípios que norteiam a constituição do crédito tributário e a atividade de cobrança destes créditos, não se vislumbra outra solução.

Todavia, o legislador tributário prevê, os casos em que o contribuinte poderá excecionalmente, constituir penhor a favor da Fazenda Pública como garantia do pagamento das dívidas tributárias cujo pagamento que lhe seja exigível86.

Em segundo lugar, aproveitamos para abordar alguns aspetos genéricos sobre o papel da hipoteca como uma garantia do crédito tributário. A doutrina maioritária87é unânime quanto à natureza jurídica desta figura como um direito real de garantia88, ao contrário do que se constata quanto à discussão sobre a natureza jurídica dos privilégios creditórios.

Tal como o penhor, a hipoteca é um dos institutos jurídicos mais antigos entre nós e cujas origens remontam à figura da hypotheca no Direito Romano. É uma das garantias creditórias “clássicas” no tráfego jurídico e com maior relevo prático89, não apenas no

que diz respeito ao domínio jurídico-civilístico, como também no domínio jurídico- tributário.

O legislador define a hipoteca como o instituto jurídico que confere ao credor o

direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de