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CAPÍTULO II – OS PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS

3. Características dos Privilégios Creditórios e do seu regime legal decorrente do Código

3.2. Acessoriedade face ao crédito

Da noção legal ínsita no artigo 733.º do CC retira-se não apenas o carácter legal da figura do privilégio creditório, como resulta também a relação de interdependência entre este e o crédito abrangido. Sobre este aspeto MIGUEL LUCAS PIRES afirma que o privilégio creditório se configura como uma muleta do direito de crédito, atenta a circunstância de a razão de ser do mesmo residir na qualidade do crédito que visa assegurar174. Esta relação de interdependência entre privilégio creditório e direito de crédito assume principal importância uma vez que as eventuais modificações objetivas ou subjetivas que podem verificar-se face ao direito de crédito terão, necessariamente, consequências para o privilégio.

173 Cfr. ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7.ªEdição, Coimbra, 1997, pág. 572

174 Cfr. MIGUEL LUCAS PIRES, ob.cit. pág. 39. Ao contrário do autor, optamos por enquadrar a nossa análise ao impacto que os

fenómenos de sub-rogação de créditos e da transmissão singular de dívidas assumem perante o privilégio creditório como uma faceta do carácter acessório do privilégio face ao crédito e não como uma decorrência do carácter legal do mesmo.

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Neste sentido podemos questionarmo-nos sobre quais os efeitos de uma eventual transmissão do direito de um crédito privilegiado, ou ainda, de que forma é que a extinção do direito de crédito (por outro motivo que não o cumprimento da obrigação) afeta o privilégio creditório.

Sobre a primeira interrogação, dedicamos a nossa atenção para os fenómenos de sub- rogação de créditos, bem como de que forma podem afetar as relação entre o privilégio e o crédito, em especial, como podem afetar o crédito tributário privilegiado. Ora, como nos elucidam os saudosos professores ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA175, a sub-rogação funciona como uma forma de transmissão do crédito que tem por base o pagamento de uma determinada dívida por um terceiro alheio à relação obrigacional. O legislador distingue dois tipos de sub-rogação: a sub-rogação convencional176 e a sub-

rogação legal. Quanto aos efeitos da sub-rogação, o n.º1 do artigo 593.º do CC estipula que o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competem.

Porém a interpretação deste artigo deve ser feita em concordância com a remissão operada pelo legislador no artigo 594.º para o disposto nos artigos 582.º a 584.º do CC, ou seja, para o regime da cessão de créditos. Deste modo, concluímos que, por força do disposto no artigo 582.º do CC, o terceiro que fique sub-rogado na posição do credor originário, além do direito de crédito, adquire também “as garantias e outros acessórios

do crédito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”177.

Coloca-se a questão de saber de que forma é que o regime jurídico civilístico da figura da sub-rogação pode afetar a dinâmica da relação jurídico-tributária e, em especial, as garantias inerentes ao crédito tributário. No artigo 41.º da LGT o legislador prevê genericamente a possibilidade de o crédito tributário ser satisfeito por terceiro. Assim, centremos momentaneamente a nossa atenção sobre a figura da sub-rogação de créditos, cujo regime se encontra nos artigos 91.º e 92.º do CPPT.

175 Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ªEdição, 1987, Coimbra, Coimbra Editora, págs. 604 e

ss.

176 Cfr. neste sentido o disposto nos arts. 589.º, 590.º e 591.º do CC. A sub-rogação convencional requer o acordo de vontades

entre as partes (credor e terceiro no caso previsto no artigo 589.º do CC e entre o devedor e o terceiro, sem a intervenção do devedor), ao passo que nos casos de sub-rogação legal (art.592.º do CC), não se exige um acordo de vontades, bastando, em certas circunstâncias, o simples pagamento efetuado por terceiro. Para um estudo mais aprofundado sobre o fenómeno da sub- rogação, ver ANTUNES VARELA, “Das Obrigações…”, Vol. I, ob. cit., págs. 334.

177 Relativamente à figura da sub-rogação, suas características e para uma sucinta descrição do seu modus operandi, vejam-se as

conclusões do Ac. do STJ de 12/09/13, relativo ao processo n.º 749/08.0TBTNV.C1.S1, disponível em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/75a903b2a106392c80257be8002ef7cf?OpenDocument

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Relativamente aos efeitos da sub-rogação sobre as garantias conexas ao crédito tributário, o n.º1 do artigo 92.º do CPPT indica que “a dívida paga pelo sub-rogado

conserva as garantias, privilégios e processo de cobrança (…).”. À primeira vista, esta

solução parece contrariar os próprios fundamentos por detrás da garantia do crédito tributário, em especial, dos privilégios creditórios que lhe são inerentes, na medida em que o carácter privilegiado resulta da natureza pública do mesmo178 e não da pessoa do credor – a Fazenda Pública.

Contudo, refletindo sobre os efeitos do instituto da sub-rogação, o que se verifica é a satisfação integral desse mesmo crédito público mediante o pagamento oferecido pelo terceiro. Embora não se constitua um direito de crédito novo a favor do sub-rogado, sustentamos a posição defendida pelo Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, que afirma que o direito que se transmite ao sub-rogado emerge de uma relação jurídica tributária anterior179. Nesse sentido, os efeitos jurídicos da sub-rogação operam em

exclusivo sobre o âmbito subjetivo da mesma, não afetando qualquer característica do direito de crédito. Assim, permanecendo inalterada a origem e natureza do crédito, dada a acessoriedade que caracteriza a relação entre o crédito e o privilégio, este permanecerá inalterado, beneficiando assim o novo titular de um crédito privilegiado180.