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A indivisibilidade dos privilégios creditórios

CAPÍTULO II – OS PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS

3. Características dos Privilégios Creditórios e do seu regime legal decorrente do Código

3.3. A indivisibilidade dos privilégios creditórios

Na noção de privilégio que nos oferece o artigo 733.º do CC, o legislador optou por não referir expressamente o objeto do privilégio creditório, fazendo apenas alusão à satisfação do crédito através do pagamento preferencial dos credores privilegiados. Por outro lado, o artigo 753.º do CC ao introduzir uma remissão para as disposições do

178 Os privilégios creditórios a favor dos créditos tributários são verdadeiros privilegium exigendi, isto é, são atribuídos em razão

dos especiais motivos subjacentes ao crédito que cuja satisfação visam garantir. Note-se que a cobrança do tributo pode ser promovida quer por agentes públicos, como também, nos casos especialmente previstos pela lei, por agentes privados, daí que estes privilégios não possam considerar atribuídos em função da qualidade da pessoa do credor. Em consonância, sempre se diga que na eventualidade de o crédito a cobrar ser um crédito privilegiado, o agente privado beneficia do privilégio, pois este é atribuído ao crédito em si e não à pessoa do credor. Neste sentido, vejam-se as considerações de HUGO FLORES DA SILVA, “Privatização do Sistema de Gestão Fiscal”, Braga, 2014, Coimbra Editora, págs. 144 e ss.,relativas ao conceito de sujeito ativo da relação jurídica tributária. No mesmo sentido, ver ainda, JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, “Apontamentos de Direito Tributário (A

Relação Jurídica Tributária) ”, págs. 21 a 24. Em sentido distinto, veja-se MIGUEL LUCAS PIRES, ob.cit., 2.ª Edição, pág.66, nota de

rodapé n.º 202.

179 Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado”, Vol. I, 5.ªEdição, 2006, pág. 646,

comentário 2 ao artigo 92.º do CPPT. Em sentido d

180 De resto esta tendo sido a solução adotada pela jurisprudência nacional. Vejam-se, por exemplo, o Ac. do TRL de 30/11/10,

referente ao processo n.º 4021-E/1986.L1-7, disponível em

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/7a05072f7b48ea10802578060058b25d?OpenDocument e

ainda, o Ac. do TCA Sul de 23/10/2007, relativo ao processo n.º 01751/07, disponível em

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regime da hipoteca, torna aplicável aos privilégios creditórios o disposto no artigo 696.º, preceito este referente à indivisibilidade da hipoteca. Coloca-se a esta parte a dúvida: E

se o devedor apenas cumpre parcialmente com o dever de pagar? O privilégio reduz-se ou permanece inalterado?

Atentas as considerações já tecidas sobre as funções e razões inerentes à figura do privilégio creditório, devemos concluir que o privilégio é uma garantia que abrange a totalidade do crédito e não parte ou partes deste – o privilégio creditório é pois indivisível, na medida em que assegura o cumprimento integral da prestação por parte do devedor. Nem outra solução poderia configurar-se pois a faculdade que é conferida pelo privilégio pressupõe a venda de um ou mais bens para que assim se realize o produto da venda dos mesmos.

Será a partir desse mesmo produto da venda que os créditos existentes serão graduados e satisfeitos. Mesmo nos casos em que se verifica um cumprimento parcial da prestação debitória, não se pode afirmar que o credor renunciou às restantes parcelas da prestação.

No mesmo sentido, se o crédito privilegiado é parcialmente satisfeito o privilégio creditório subsiste e cumpre a sua função de garantia em relação às restantes parcelas da prestação.

Duas últimas notas sobre a indivisibilidade objetiva do privilégio para abordarmos, em primeiro lugar, os casos em que a titularidade dos bens sobre os quais incide o privilégio se encontra dividida por vários sujeitos. Neste tipo de casos o privilégio pode ser exercido para a cobrança do crédito, sobre a parcela do bem da qual o devedor é titular.

Em segundo lugar deparamo-nos com o já clássico problema de distinção entre os efeitos garantísticos dos privilégios consoante a maior ou menor determinabilidade do objeto. No que toca aos privilégios especiais não subsistem grandes dúvidas uma vez que o bem sobre que incide está previamente determinado. Todavia o mesmo já não se pode concluir face aos privilégios gerais, uma vez que os bens sobre os quais o privilégio incide apenas são definidos aquando da penhora e mais, se os bens em causa tiverem sido alienados a terceiros, o credor que goze de privilégio geral, atento o disposto no artigo 749.º do CC, não possuí qualquer direito de sequela sobre os mesmos. Analisando o carácter indivisível do privilégio pelo prisma dos sujeitos,

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coloca-se a questão de saber como se comporta o privilégio perante uma relação creditória com múltiplos titulares.

Atendendo ao tema do nosso estudo, releva em particular a análise dos casos de pluralidade de sujeitos passivos que se encontram adstritos ao vínculo obrigacional, face aos quais o privilégio creditório incidirá sobre a totalidade dos bens existentes nas esferas patrimoniais dos devedores.

A pluralidade de devedores não é de todo uma realidade alheia ao privilégio creditório, especialmente no que diz respeito à dinâmica da relação jurídica tributária, muito por força do instituto da responsabilidade tributária subsidiária cujos efeitos se concretizam no âmbito do processo de execução fiscal, nomeadamente através do ato administrativo que decreta a reversão do processo de execução fiscal contra responsáveis tributários subsidiários. Nesse sentido, verificada a manifesta insuficiência do património do devedor originário (executado) para satisfazer o montante da dívida exequenda, o processo executivo irá incidir sobre a esfera patrimonial dos responsáveis tributários, com vista à cobrança da quantia exequenda.

Resta-nos concluir que estando em causa uma dívida tributária garantida por privilégio creditório, em caso de reversão contra os responsáveis tributários, atentos os efeitos da indivisibilidade dos privilégios, a eficácia jurídica destes irá também incidir sobre os bens existentes na esfera patrimonial de cada um desses responsáveis.

3.4 – O carácter oculto dos privilégios: o problema da segurança e paz jurídicas

Relembrando a noção de garantia real - o instituto jurídico que confere ao credor o poder de conduzir e afetar o produto da venda dos bens do devedor ao pagamento preferencial do seu crédito, em detrimento dos demais credores181 - a importância desta figura verifica-se não apenas no plano do comércio jurídico, como ainda face ao desenvolvimento e crescimento económicos, na medida em que se assume como o instrumento jurídico responsável por facilitar o recurso ao crédito182.

181 Esta é uma das enunciações possíveis do conceito de garantia real. Na doutrina, merece destaque a noção oferecida por PEDRO

MARTÍNEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, últ. ob. cit., pág. 167. Na jurisprudência, no supra citado Ac. do STA de 27/10/2010, referente ao proc. Nº 0481/10, no qual o Juiz Conselheiro do STA Jorge de Sousa explica-nos no seu voto de vencido“ (…) Com

efeito, o conceito de «garantia real» contrapõe-se ao de «garantia pessoal» e poderá interpretar-se como reportando-se a todas as garantias que reconduzem ao poder de o credor aproveitar o valor de coisas para a cobrança do seu crédito (…)”.

182O exemplo paradigmático é o dos contratos de mútuo bancário, cuja celebração é hoje tradicionalmente acompanhada pela

constituição de hipotecas ou outras garantias para assegurar o cumprimento do contrato e a confiança da instituição de crédito bancária de que conseguirá reaver a quantia mutuada.

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Atento a relevância socioeconómica deste instituto jurídico, na doutrina jurídico- civilística183 são várias as posições que sustentam que o processo de constituição das garantias reais não pode ser dificultado pelos procedimentos relacionados com as exigências de segurança e certeza jurídica inerente à sua publicidade.

MENEZES CORDEIRO184 fala-nos a esta parte da criação da fidúcia185, figura que permite ao devedor conceder uma garantia ao credor através de dois negócios jurídicos distintos. Num primeiro negócio (mancipatio ou pacto fiduciário) o devedor transmitia o seu direito de propriedade sobre o bem, comprometendo-se assim perante o credor. Já no segundo negócio, o credor assume perante o devedor a obrigação de restituir esse mesmo direito de propriedade sobre o bem, uma vez satisfeito o seu direito de crédito sobre o devedor.

Entre nós, a publicidade da constituição de garantias creditórias, em especial, de garantias reais, é hoje regra geral no nosso ordenamento jurídico.

Todavia, esta regra encontra nos privilégios creditórios186 uma importantíssima

exceção, atentas as características em torno da sua constituição e eficácia jurídica. Neste sentido, ao contrário da hipoteca, caracterizamos os privilégios creditórios pelo seu carácter oculto, atenta a inexigibilidade da prática de qualquer ato de registo ou publicidade da sua constituição e existência, o que facilita inquestionavelmente a sua constituição e introdução no tráfego jurídico.

Como nos explica PAULO CUNHA187, as exigências de publicidade das garantias reais prendem-se com o facto de estas constituírem no património do devedor uma preferência sobre o valor dos bens existentes. É essencial para os demais agentes do tráfego jurídico conhecer da existência destas garantias, de modo a evitar que no âmbito das relações obrigacionais com o titular do património onerado por garantais reais, não

183 Cfr. ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, “Código Civil Anotado”, Vol. I., Coimbra, 4.ªEdição, 1987, pág. 755, nota 2 ao artigo

733.º. Sustentam os excelentíssimos professores que “ (…) A dispensa de registo, e consequentemente a falta de publicidade, tem

os mais graves inconvenientes. Tem sido a causa de severas críticas a esta garantia, que não é conhecida dos direitos alemão e suíço, mais exigentes na protecção da boa-fé de terceiros, e foi motivo das limitações feitas pelo novo Código aos privilégios imobiliários (….).”

184 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Parecer acerca das Hipotecas a favor de Bancos Prediais”, in Coletânea de Jurisprudência,

Tomo III, págs. 56 e ss. apud CLÁUDIA MADALENO, “A Vulnerabilidade das Garantias Reais”, Coimbra, 2008, Coimbra Editora, pág. 38, nota de rodapé n.º 65.

185 Este é também um exemplo de um instituto jurídico de reforço das garantias em favor do credor, com demarcados traços de

garantia real. Para uma análise mais desenvolvida sobre a figura do negócio fiduciário, ver, por todos, o estudo de ANDRÉ

FIGUEIREDO, “O Negócio Fiduciário perante Terceiros”, disponível em

https://run.unl.pt/bitstream/10362/7340/1/Figuiredo_2012.PDF (consultado em 06/06/15)

186 Mas são apenas os privilégios creditórios que afastam a regra da publicidade da constituição de garantias reais. Outros

exemplos de garantias reais cuja constituição não importa o ónus publicista são o direito de retenção (cfr. arts. 754.º e 755.º do CC) e o penhor de coisas (cfr. art. 669.º do CC).

187 Cfr. PAULO CUNHA, “Da garantia nas obrigações”, Apontamentos das aulas do 5.º ano da Faculdade de Direito da Universidade

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sejam surpreendidos pela impossibilidade de verem os seus créditos satisfeitos, por verificarem que o produto da venda desse património se encontra total ou maioritariamente adstrito à satisfação de créditos privilegiados. Concluí o autor que apenas devem ser oponíveis a terceiros as garantias por estes conhecidas ou, pelo menos, que lhes sejam cognoscíveis.

Deste modo, em caso de impossibilidade de satisfação do seu crédito por esgotamento do produto da venda dos bens do património do devedor em favor, por exemplo, de créditos hipotecários, o credor apenas poderia responsabilizar-se a si próprio pelo prejuízo decorrente do desconhecimento face aos ónus que recaíam sobre o património do devedor.

Na doutrina nacional, em especial no seio jurídico-civilístico, várias vozes se têm levantado em defesa de um sistema de garantias assente na obrigatoriedade do registo como um requisito de eficácia das mesmas, indo até mais longe e propondo um sistema assente no princípio da publicidade dos direitos reais. Uma das vozes mais importantes na defesa desta tese é a do Professor MOTA PINTO188 que, em semelhança do que se verifica no ordenamento jurídico francês, sustentava a importância da afirmação plena de um princípio da publicidade dos direitos reais, sujeitando-se toda a transferência ou constituição deste tipo de direitos à obrigatoriedade de registo, cumprindo-se uma exigência de publicidade que permita a qualquer agente do comércio jurídico indagar do percurso de um direito real desde da sua constituição até à sua extinção. Nas palavras do malogrado professor: “ (…) Por detrás desta nota devemos colocar o interesse da

comunidade; o tráfico jurídico tem de ser fluente, não pode sofrer demoras excessivas no seu processamento e, sobretudo, tem de ser seguro, certo, as pessoas não podem estar à mercê de surpresas. Não é conveniente que os actos mediante os quais se adquirem direitos reais, possam vir a ser destruídos por ilegitimidade de quem fez a alienação. Para tal esses actos [os de publicidade da transmissão e constituição de

direitos reais] devem ser públicos, fornecer a possibilidade de conhecimento geral, para

que seja conhecida a situação jurídica das coisas (…)”.

Poderíamos contra argumentar esta tese atenta a obrigatoriedade de publicitação da própria lei, isto é, afirmar que as exigências de publicidade dos privilégios creditórios

188 Cfr. CARLOS ALBERTO MOTA PINTO, “Direitos Reais. Apontamentos das Lições ao 4.º ano Jurídico de 1970-1971”, Coimbra,

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são satisfeitas através da obrigatoriedade de publicação dos instrumentos legislativos que os introduzem no tráfego jurídico.

Porém e salvo mui respeitosa opinião em contrário, parece-nos que se trata de um argumento frágil pois vivemos tempos de produção e publicação legislativas em massa, com nova legislação a ser publicada em Diário da República quase que a um ritmo diário, circunstâncias que se revelam prejudiciais para os agentes do tráfego jurídico, na medida em que reduzem a sua confiança e segurança quanto à efetiva satisfação dos seus interesses creditórios.

De facto, como aliás já tivemos a oportunidade de afirmar, o carácter oculto do privilégio creditório enquanto um instrumento de garantia do crédito, quando associado com o direito de sequela, coloca sérios entraves à concretização do princípio da igualdade entre credores, previsto no n.º1 do artigo 604.º do CC. Atento todo este circunstancialismo, é legítimo questionarmo-nos sobre a constitucionalidade das normas que introduzem privilégios creditórios, isto é, se tais preceitos violam o princípio da igualdade decorrente do artigo 13.º da CRP189, em especial, nos casos em que o processo judicial para a cobrança dos créditos seja desencadeado por um credor não privilegiado.

Sobre esta questão pronunciaram-se os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 688/98, de 15/12/98190, no qual o Tribunal explicita os motivos pelos quais as normas que consagram privilégios creditórios gerais em favor de determinados créditos, não violam o princípio constitucional da igualdade, uma vez que constituem exceções legitima e fundamentadamente justificadas e explicitadas pelo

189 Sobre o princípio da igualdade, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, últ. ob. cit. pág. 336 e ss., explicam-nos que o mesmo

comporta uma tridimensionalidade que se subdivide na vertente liberal, na vertente democrática e ainda, numa vertente social, intimamente ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Como limite externo, prosseguem os autores, o princípio da igualdade encontra a proibição do arbítrio, limite este que se impõe à liberdade de atuação dos agente públicos, “(…)servindo o

princípio da igualdade como princípio negativo de controlo(…)”.

190 Citando a referida decisão: “ (…) É certo que, excluída as excepções consagradas no nº 2 do artº 604º do Código Civil - exclusão

expressamente ressalvada no seu nº 1 - neste último se estatui que os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para a satisfação integral dos débitos. (…) Definidos assim os contornos do princípio da igualdade, importa analisar se a consagração do privilégio levado a efeito pelo artº 10º do D.L. nº 103/80, tendo como pano de fundo (reitera-se) a par conditio creditorum estabelecida pelo principal compêndio legislativo civil, é perspectivável como uma arbitrariedade, irrazoabilidade ou algo carecido de fundamento material bastante (ou, se se quiser, não estribado em motivo constitucionalmente próprio). A resposta a esta questão deve, no entender do Tribunal, sofrer resposta negativa. Ora, não podendo aceitar-se que os recursos do Estado são ilimitados, e sabido que é que uma importante parte dos réditos da segurança social advêm das contribuições impostas para esse fim, designadamente as a cargo ou da responsabilidade das entidades patronais, não se afigura como irrazoável ou injustificado que, havendo débitos surgidos pela não satisfação daquelas contribuições, os correspectivos créditos venham a ser dotados de uma mais vincada garantia de cumprimento das obrigações subjacentes. (…) Daí que se não lobrigue qualquer excesso ou desproporção intolerável na consagração desta forma de garantia especial da obrigação de cumprimento das contribuições para a segurança social, antes, e como se viu, existindo um motivo ou fundamento constitucionalmente adequado ou válido, alicerçado no artigo 63º da Lei Fundamental, para tal consagração e que, referentemente à mencionada par conditio creditorum, representa uma distinção de tratamento ou, pelo menos, comporta uma certa forma de sacrifício para o credor comum não munido de qualquer garantia especial. (…) ”.Disponível em

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legislador ordinário para a satisfação de créditos públicos com consagração constitucional no artigo 63.º da Lei Fundamental. Em suma, concordamos com os fundamentos invocados pelos Juízes Conselheiros para demonstrar a “constitucionalidade” das normas que instituem privilégios creditórios gerais face ao princípio da igualdade. A relação jurídica que se estabelece entre os particulares e a Segurança Social não é uma relação de tendencial paridade, na medida em que o Instituto da Segurança Social atua na mesma dotado de ius imperii, necessário para que possa cumprir as atribuições que lhe são impostas pela Lei.

Nesse sentido, a relação jurídica é desigual ab initio, nunca se verificando uma verdadeira igualdade de posições entre o contribuinte e a entidade credora, pelo que o próprio crédito em causa se assume verdadeiramente como um crédito essencial para a realização das tarefas fundamentais do Estado, em especial, para garantir o funcionamento do sistema de Segurança Social. Contudo, não poderíamos deixar de fazer alusão aos motivos da não concordância apresentados pela Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza no seu voto de vencida191, em especial, a configuração da questão sub judice e dos princípios constitucionais em causa, que sustenta em suma, a inconstitucionalidade da norma jurídica que consagra o privilégio creditório mobiliário geral, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e da proporcionalidade.

Desde logo as questões levantadas pela Conselheira Maria Beleza colocam a tónica da questão sob a perspetiva jurídico-material dos efeitos do privilégio creditórios no concurso de credores e não tanto na atividade de cobrança das receitas do erário público, deixando algumas notas para reflexão no que à forma como essa atividade é desenvolvida pelas entidades públicas responsáveis e ao próprio sacrifício que não raras vezes é imposto aos credores não privilegiados.

Em jeito de conclusão, sustentamos a posição de que o carácter oculto dos privilégios creditórios assume inevitáveis efeitos nocivos para a segurança e certeza do tráfego jurídico, efeitos que devem ser menorizados. Atentas as desigualdades que cria entre

191 De acordo com a Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza: “ (…) a norma objecto do presente recurso contraria os

princípios constitucionais da protecção da confiança e da proporcionalidade. Viola o princípio da protecção da confiança porque o exequente credor comum vê o seu crédito ultrapassado por outros que sobre ele preferem, sem ter o ónus ou, a mais das vezes, a mera possibilidade de os conhecer quando decide instaurar a acção executiva, da qual frequentemente acaba por não tirar qualquer proveito. Acresce que a preferência, tal como é conferida, não toma em conta a prioridade relativa na constituição dos créditos, não tem limites temporais e não é objecto de publicidade. Infringe o princípio da proporcionalidade porque, apesar das características apontadas, a preferência é absoluta, não permitindo a ponderação concreta do sacrifício sofrido pelos credores em confronto, lesando sempre um deles independentemente das circunstâncias do caso. Note-se que a Segurança Social tem, como