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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP José Magno Linhares Moraes

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Academic year: 2018

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José Magno Linhares Moraes

A reclamação no novo Código de Processo Civil:

um desafio entre a segurança jurídica

e o poder criativo do julgador

MESTRADO EM DIREITO

(2)

José Magno Linhares Moraes

A reclamação no novo Código de Processo Civil:

um desafio entre a segurança jurídica

e o poder criativo do julgador

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Thiago Lopes Matsushita.

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BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

__________________________________________

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Dedico esta dissertação a três mulheres, exemplos de carinho e bondade:

Maria Teresa de Almeida Machado Moraes, esposa; Antonina Linhares Moraes, mãe; e

(5)

Agradeço a Deus por permitir, todos os dias, renovar a esperança na Justiça.

À minha família, em especial, à minha esposa Maria Teresa, pelo apoio e incentivo nas atividades do mestrado, e também aos meus filhos Jonas, Carmen e Alberto.

Aos colegas magistrados federais da Seção Judiciária do Maranhão, que supriram a minha ausência durante o mestrado.

À Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), pelo apoio recebido.

Ao Professor Paulo de Barros Carvalho, pelos ensinamentos e exemplo firme de dedicação à vida acadêmica.

Ao Professor Thiago Lopes Matsushita, meu orientador, pela atenção e paciência, que qualificam os grandes homens.

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MORAES, José Magno Linhares. A reclamação no novo Código de Processo Civil:

um desafio entre a segurança jurídica e o poder criativo do julgador. 2015. 154 p. Dissertação (Mestrado em Direito)  Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

A presente dissertação tem como objetivo principal estudar o instituto jurídico da reclamação sob dois aspectos, que devem ser vistos como complementares para a obtenção de uma segurança jurídica adequada a uma sociedade complexa, pluralista e mutante, a saber: como instrumento de garantia da autoridade das decisões dos tribunais e de suas respectivas competências; e, por outro lado, como meio jurídico para promover os necessários ajustes da decisão paradigma ao caso concreto. Para tanto, foi fundamental o estudo da doutrina especializada, da jurisprudência dos nossos tribunais superiores e da nova legislação processual civil (Lei n. 13.105, de 16 de março de2015). Desde o reconhecimento da reclamação pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como meio jurídico adequado a garantir a autoridade de suas decisões, com base na teoria dos poderes implícitos, ficou evidente que esse instituto, genuinamente brasileiro, teria grande utilidade em nosso país, marcado profundamente por contrastes culturais e econômicos. As decisões dos tribunais, como normas jurídicas, podem ensejar pluralidade e inconstâncias interpretativas. Todavia, no Estado Democrático de Direito a segurança jurídica é um valor de alta importância. Essa segurança, por sua vez, deve permitir avanços diante de uma realidade social que cotidianamente sofre influxo de eventos econômicos e políticos. Por isso, a análise da segurança jurídica à luz da teoria dos sistemas. Também é importante ressaltar os impactos do novo disciplinamento da reclamação no sistema processual brasileiro. Com a possibilidade de todos os tribunais do país fixarem teses jurídicas com poder vinculante, por meio de incidentes processuais da assunção de competência e da resolução de demandas repetitivas, a reclamação passa a ter largo alcance. Esse novo cenário aproxima, de certo modo, o nosso sistema jurídico do mundo dos precedentes do direito, do common law, ao privilegiar o respeito aos fundamentos determinantes da decisão. Assim, por meio da reclamação, abre-se um novo caminho para a desejada estabilidade, coerência e igualdade do direito na prestação jurisdicional.

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um desafio entre a segurança jurídica e o poder criativo do julgador. 2015. 154 p. Dissertation (Master Degree in Law)  Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

This thesis aims to study the legal institute of “Reclamação” in two aspects,

which should be seen as complimentary to obtain adequate legal certainty to a complex, pluralist and mutant society, namely, as a guarantee instrument of the authority of court decisons and their respective powers, and, on the other hand, as a legal means of promoting the necessary adjustments of paradigma decision to the case. For this purpose, the study of specialized doctrine, case law of our higher courts and the new civil procedure law was fundamental (Law n. 13.105 of 16 March

2015). Since the recognition of “reclamação” by the Supremo Tribunal Federal case

law, as appropriate legal means to ensure the authority of its decisions, based on the theory of implied powers, it became clear that this institute, genuinely Brazilian, would have great utility in our country, deeply marked by cultural and economic contrasts. Court decisions, as legal rules, may give rise to plurality and interpretive inconsistencies. However, in the Democratic Rule of Law, legal certainty is a value of utmost importance. This certainty, in turn, should allow progress on a social reality that suffers daily influx of economic and political events. Therefore, the analysis of legal certainty in the light of systems theory. Also, it is important to highlight the

impacts of the discipline of “reclamação” in the Brazilian legal system. With the possibility of all the country’s courts settle legal arguments with binding power

through procedural issues, the assumption of jurisdiction and resolution of repetitive

demands, “reclamação” begins to have far-reaching. This new scenario approaches,

in a way, our legal system to the world of the “stare decisis” theory of common law by

privileging, now, respect for the determining reasons for the decision. Thus, through

“reclamação” opens a new path to the desired stability, coherence and equality of law

and adjudication.

(8)

Algo só é impossível até que alguém duvida e resolve provar o contrário.

Albert Einstein

É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante.

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ADI − Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AgR − Agravo Regimental

Art. − Artigo

CF/88 − Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1998

CNJ − Conselho Nacional de Justiça CPC − Código de Processo Civil

CPP − Código de Processo Penal EC − Emenda Constitucional HC – Habeas Corpus

LC – Lei Complementar Min. − Ministro

MS – Mandado de Segurança

NCPC − Novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 PL – Projeto de Lei

Rcl − Reclamação ou Reclamação Constitucional RE − Recurso Especial

RHC – Recurso Ordinário em Habeas Corpus

RISTF − Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal STF − Supremo Tribunal Federal

STJ − Superior Tribunal de Justiça

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1 INTRODUÇÃO ... 12

2 RAZÃO DO TEMA: A IMPORTÂNCIA DA RECLAMAÇÃO PELO SEU NOVO DISCIPLINAMENTO ... 15

3 RECLAMAÇÃO: NATUREZA JURÍDICA, HIPÓTESES DE CABIMENTO E EVOLUÇÃO ... 23

3.1 A origem da reclamação e o poder criativo do Judiciário como ponto inicial... 27

3.2 Previsão constitucional: um evento inédito... 30

3.3 Reclamação no controle concentrado de constitucionalidade ... 31

3.4 Reclamação e o respeito à súmula vinculante ... 32

3.5 Mais um avanço: as novas tendências no novo Código de Processo Civil ... 33

4 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DAS NOVAS TENDÊNCIAS ... 35

5 SEGURANÇA JURÍDICA NO ESTADO DE DIREITO ... 40

5.1 A segurança jurídica completa e a doutrina de Hobbes ... 41

5.2 A segurança jurídica: um mito? ... 47

5.3 A descrença na segurança jurídica e a indeterminabilidade da verdade última .. 51

5.4 Um meio termo: a segurança jurídica moderada e o equilíbrio de Luhmann ... 53

6 A INSEGURANÇA JURÍDICA NA REALIDADE BRASILEIRA ... 61

6.1 A judicialização da política ... 70

6.2 A judicialização da economia ... 75

6.3 Nossa posição ... 77

7 O DESAFIO DO LEGISLADOR NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: UM PARADOXO HISTÓRICO. ERA DOS PRECEDENTES? ... 83

7.1 Sistema do common law ... 87

7.2 Sistema romano-germânico ... 95

(11)

8 SISTEMÁTICO DESRESPEITO. A CONTRIBUIÇÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO. A VISÃO DO CONSTRUCTIVISMO. SOLUÇÃO PELA VIA

DA RECLAMAÇÃO ... 113

8.1 Uma breve abordagem de Kelsen ... 115

8.2 Grave consequência de ser o juiz a boca da lei ... 117

8.3 A contribuição do construtivismo lógico-semântico ... 119

8.4 A reclamação como meio jurídico necessário na realidade brasileira ... 122

9 O DIFÍCIL DESAFIO: GARANTIR SEGURANÇA JURÍDICA NA SOCIEDADE COMPLEXA. A FUNÇÃO DA DOUTRINA: VIGILÂNCIA DO SISTEMA ... 125

10 IMPACTO DA RECLAMAÇÃO NO SISTEMA RECURSAL ... 130

11 A RECLAMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE ATUALIZAÇÃO DO DIREITO .. 135

12 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 145

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1 INTRODUÇÃO

A reclamação, também chamada por diversos autores nacionais de reclamação constitucional − porque originariamente prevista apenas no Texto Constitucional − recebeu grande importância com seu disciplinamento no Novo Código de Processo Civil (NCPC).1

Foi uma atitude inédita do legislador brasileiro mencioná-la nas regras que disciplinam o nosso processo civil. Fruto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, chegou a ser confundida como simples instrumento administrativo destinado a corrigir equívocos dos juízes de primeira instância. A sua inclusão na Constituição Federal de 1988 (CF/88) permitiu o seu manejo, cada vez mais comum, apenas no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse período foi possível avaliar a funcionalidade da ação reclamatória contra usurpação de competência e contra eventuais descumprimentos de decisões desses tribunais. Verificou-se, então, que a reclamação, produto exclusivo do direito brasileiro, produziu excelente resultado, máxime na sua função de uniformização do direito constitucional e infraconstitucional, naquele restrito âmbito traçado pelo constituinte.

Agora, motivado pela essa exitosa experiência, o legislador infraconstitucional promove verdadeira revolução no nosso sistema processual, ao alargar o território destinado ao manejo da reclamação, estendendo a todos os tribunais do país (estaduais e regionais) a possibilidade de apreciar e julgar eventual usurpação de suas competências e possíveis descumprimentos de suas decisões, de modo rápido e eficaz. Além da legitimidade das partes que figuram na relação processual − nos processos ditos subjetivos, em que se debate o interesse subjetivo dos demandantes −, também existirá a possibilidade de qualquer pessoa que seja atingida pela decisão descumprida poder usar a ação reclamatória em seu benefício, ainda que não tenha figurado no processo em que foi proferida a decisão paradigma.

1 Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em:

(13)

E isso terá grande repercussão, quando se tratar de incidentes de controle de constitucionalidade difuso, de resolução de demandas repetitivas e assunção de competência, que agora se destinam à fixação de teses jurídicas com forte caráter vinculante.

A reclamação, nesse contexto, será um instrumento poderoso para assegurar o cumprimento uniforme e igualitário das decisões dos tribunais e terá forte impacto no sistema recursal, no qual, apesar de não eliminar o uso dos recursos, poderá em muitas hipóteses, a depender da controvérsia jurídica, ser simultaneamente utilizada pelas partes sucumbentes.

Tal disciplinamento promete inúmeros debates. Afinal, não é tarefa fácil obter-se a deobter-sejada obter-segurança jurídica em uma sociedade com alta complexidade, na qual o Poder Judiciário ainda hoje, infelizmente, pouco se preocupa em produzir decisões coerentes, estáveis e previsíveis, principalmente no âmbito dos tribunais, cujos órgãos fracionários quase que assumem feição de autênticos tribunais dentro de outro tribunal.

Depois de demonstrar a evolução e a natureza da reclamação, passaremos a debatê-la sob o enfoque da segurança jurídica, como estado a ser obtido por meio de uma permanente aplicação uniforme do direito e de sua estabilidade no presente e no futuro, com a possibilidade de atualização sempre que novos padrões de comportamento e de relações sociais se estabelecerem na sociedade.

Também debateremos a aproximação do nosso sistema jurídico, tradicionalmente identificado com a família romano-germânica, com o mundo dos precedentes, que prestigiam a razão de decidir utilizada pelo julgador como fator de estabilidade e de coerência entre as decisões judiciais, analisando seu impacto em nosso sistema jurídico.

(14)

jurídica a ser buscada pela pragmática das novas regras processuais seja de feição moderada, e não absoluta.

(15)

2 RAZÃO DO TEMA: A IMPORTÂNCIA DA RECLAMAÇÃO PELO

SEU NOVO DISCIPLINAMENTO

A reclamação é um instituto jurídico que inquestionavelmente teve sua importância maximizada no cenário jurídico brasileiro. Vista inicialmente como simples meio de correição, ou seja, como mera atividade administrativa para preservar a competência do STF e garantir o cumprimento de suas decisões pelas instâncias inferiores, hoje desponta como verdadeira ação judicial destinada à dificílima função de, além de evitar a usurpação da competência de todos os tribunais do país e de suas respectivas competências, garantir a autoridade das teses jurídicas assentadas em sede de julgamento de controle concentrado de constitucionalidade, de incidentes de resolução de demandas repetitivas, de assunção de competência e das súmulas vinculantes, fato que possibilita a sua utilização por todas aquelas pessoas que, porventura, demonstrem prejuízo pelo modo como se cumpre a decisão supostamente ultrajada. É o que se constata na edição do NCPC. Não é exagero afirmar-se que no futuro bem próximo a reclamação será um dos institutos jurídicos mais debatidos na doutrina pátria e no cotidiano dos aplicadores do direito, graças à sua vasta incumbência em promover a unidade do direito infraconstitucional e o tratamento igualitário dos jurisdicionados perante o nosso Judiciário.

Tal pretensão entre nós, porém, não é recente. A história do Judiciário brasileiro aponta que, a partir do advento da primeira Constituição Republicana, nasceu o debate sobre a necessidade de uma Justiça nacional que assegurasse, ao mesmo tempo, a preservação da lei federal na sua unidade, na sua interpretação/aplicação em todo território nacional e a existência de decisões judiciais das instâncias superiores que fossem respeitadas pelas demais instâncias.

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decisões contrárias à Constituição, preservando-a dos ataques do fenômeno da inconstitucionalidade; e, (ii) corrigir a má aplicação da lei federal.

Essa engenharia constitucional, todavia, não foi capaz de resolver a contento as divergências na jurisprudência nacional e muito menos o incômodo oriundo do constante desrespeito às decisões do STF. Durante anos seguidos, a palavra "crise" foi vinculada à atuação da Suprema Corte2. Para assegurar o cumprimento de suas decisões, a jurisprudência daquela Corte respondeu criando a reclamação, com base na teoria dos poderes implícitos, advinda do direito norte-americano.

A busca por um direito uniforme, seguro e avesso à insegurança jurídica, deu ensejo a uma série de tentativas para debelar o acúmulo de processos e as divergências cada vez mais agudas nas decisões judiciais. Primeiro optou-se pela especialidade no trato da matéria objeto de julgamento. Assim, a Constituição de 1946, no artigo 103, previu a criação do Tribunal Federal de Recursos (TFR), com competência para os recursos nas causas da União e autarquias, portanto como tribunal de segundo grau das "causas federais", até então incluídos na competência do STF.

A implantação do TFR resolveu apenas por breve período o excesso de processos na Corte Suprema − apesar do crescente aumento da quantidade dos membros do TFR, que inicialmente era de nove e foi elevada para vinte e sete membros −, pois logo em seguida grande parte dos processos retornava ao STF por meio do recurso extraordinário, juntamente com novos feitos. E, outra vez, a "crise" ressurgiu, com sintomas mais preocupantes, principalmente pelo aumento de decisões judiciais conflitantes entre os tribunais, levando uma comissão, composta por renomados juristas3, a sugerir, em 1965, a criação de novo tribunal para examinar e resolver definitivamente matéria não constitucional.

2 Entre as décadas de 1940 a 1950, ilustres juristas nacionais, como Filadelfo Azevedo, Levi Carneiro

e Alfredo Buzaid, entre outros, produziram artigos marcantes tratando da "crise" do STF.

3 A proposta de criação de tribunal nacional não constitucional foi feita por Miguel Reale, em evento

(17)

Em novembro de 1976, os ministros do TFR encaminharam ao Congresso Nacional um anteprojeto de reforma do Judiciário, visando à regionalização da segunda instância, com a criação de tribunais regionais federais e a permanência do TFR para reexame exclusivamente de matéria de direito nas causas de competências daqueles tribunais regionais, com o argumento de que:

[...] somente a uniformização da inteligência e aplicação da lei assumem, realmente, o significado de questão federal que justifique fazer convergir de todos os quadrantes do território nacional o julgamento final nos Tribunais da Capital da República.4

Formou-se, então, terreno propício para o surgimento de um novo tribunal nacional que tivesse uma competência mais abrangente do que o TFR, com especificidade e excepcionalidade de julgar apenas questões de direito debatidas em face da lei federal infraconstitucional. Aproveitando tal oportunidade, o constituinte de 1988 sabidamente promoveu uma conjugação de medidas, levando à criação do STJ como corte superior e de cinco tribunais regionais federais no país, como órgãos de segunda instância da Justiça Federal, no lugar do TFR; também reduziu a competência recursal do STF, excluindo dela as causas infraconstitucionais oriundas dos tribunais de justiça estaduais em matéria não constitucional.

Com tais medidas, esperava-se que a ideia "da uniformização da inteligência e aplicação da lei" por um tribunal específico fosse, por si só, capaz de, caso a caso, estabelecer critério seguro de julgamento para o próprio tribunal e para as instâncias inferiores, e assim criar um sistema que racionalizasse coerentemente a aplicação do direito em todo território nacional.

Tal esperança, porém, esvaziou-se com o passar do tempo. A crise da modernidade veio demonstrar às claras que a concepção estática do direito, pressupondo ser ele restrito, enclausurado, no texto da lei, à espera de ser revelado por um sujeito capaz de tocar em sua essência, é a verdadeira fonte do equívoco da dogmática na abordagem do fenômeno jurídico.

4 CABRAL, Bernardo. Superior Tribunal de Justiça: 10 anos. In: STJ 10 anos: obra comemorativa:

(18)

O aumento do número de tribunais e de seus integrantes, ou mesmo a especialidade no trato dos ramos do direito, não são medidas capazes de garantir a segurança jurídica para os jurisdicionados. Aceitar o sistema jurídico como algo em permanente evolução, portanto sujeito a uma diversidade interpretativa por parte de seus operadores, configura, sem dúvida, o primeiro e decisivo passo para o desenvolvimento de uma estratégia racional para compatibilizar a segurança jurídica com a incontrolável mudança das relações sociais, como agora se verifica com a edição da nova legislação processual civil.

Com maior profundidade doutrinária, verifica-se no âmbito da interpretação constitucional uma constatação veemente dessa particularidade do direito como uma realidade em contínua transformação e jamais restrito à literalidade do texto constitucional. Willis Santiago Guerra Filho, por isso, leciona que, por mais extenso (e específico) que seja o texto de uma Constituição, sempre será ela uma tarefa inconclusa, razão pela qual defende a necessidade de se ver a Constituição como um processo, dizendo:

Sim, porque a simples elaboração de um texto constitucional, por melhor que ele seja, não é suficiente para que o ideário que o inspirou se introduza efetivamente nas estruturas sociais, passando a reger com preponderância o relacionamento político de seus integrantes. Também é importante a percepção de que a realização efetiva da organização política idealizada na Constituição depende de um engajamento maciço dos que dela fazem parte nesse processo, e um Estado Democrático de Direito seria, em primeiro lugar, aquele em que se abre canais para essa participação.5

E adiante, sustenta que:

Essa visão do texto constitucional como uma “obra aberta”, cujo sentido é permanentemente construído e reconstruído por seus destinatários, seria ela própria um reclamo do Estado Democrático de Direito, visto que ele representa um intento de conciliar valores que só abstrativamente se compatibilizam perfeitamente, pois no momento de sua concretização podem se chocar, por exemplo, a segurança jurídica (= respeito à legalidade) e a igualdade perante a lei, valores associados ao Estado de Direito formal, com a segurança e igualdade das situações em que se encontram inseridos os indivíduos na sociedade, a qual se pretende seja democrática.6

5 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direito fundamentais. 5. ed., rev. e ampl.

São Paulo: RCS Editora, 2007. p. 17.

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Essa visão do direito é bastante realista e deveria ser adotada como pressuposto para a atuação do Judiciário, para motivar a instituição de mecanismos jurídicos que respeitassem a aludida "obra aberta", mas que controlasse a produção de decisões judiciais desgarrada do ordenamento jurídico vigente e, portanto, arbitrária.

Já no antigo direito inglês, Jeremy Bentham combateu a teoria dos precedentes judiciais como fruto exclusivo dos costumes, dizendo não acreditar na inércia e neutralidade da postura do julgador. Segundo ele, tal teoria seria uma

“ficção infantil”, cuja única “função prática seria a de camuflar o arbítrio judicial e encobrir as fronteiras do poder de criação do Direito exercido pelos magistrados”.7

Na atualidade brasileira, Paulo de Barros Carvalho, com muita argúcia, defende a ideia da norma jurídica como “uma estrutura categorial construída, epistemologicamente, pelo intérprete, a partir das significações que a leitura dos documentos do direito positivo desperta em seu espírito”.8

E, refutando a possibilidade da “verdade por correspondência”, assevera:

[...] não é correta a proposição segunda a qual, extraímos o conteúdo, o sentido e o alcance dos comandos jurídicos. Impossível seria retirar conteúdos de significações de entidades meramente físicas. De tais enunciados partimos, isto sim, para a construção das significações, dos sentidos, no processo conhecido por interpretação.9

Mesmo o mais festejado dos positivistas, Hans Kelsen, sob outro enfoque filosófico, identificou e valorizou a importância da atividade do julgador na hipótese de deficiência normativa, ao afirmar que:

[...] a norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (e sob todos os aspectos) o ato através do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato.10

7 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de

regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 89.

8 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo:

Noeses, 2011, p. 188.

9 Ibidem, p. 191.

10 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo:

(20)

Em síntese, seja na verticalização da história, seja no plano horizontal das diversas concepções jurídico-filosóficas, a atividade dos julgadores é decisiva na construção do sentido do texto da lei. A pluralidade e a complexidade socioeconômica da sociedade moderna, baseada numa permanente mutação de padrões de comportamentos, demanda a intervenção do Judiciário nas relações sociais com enfoque diverso do modelo formalista/legalista tratado pela grande maioria dos doutrinadores do século XVIII.

Entretanto, não se podem ignorar as palavras de Gomes Canotilho, ao lembrar, com muita propriedade, que, apesar da crise da concepção positivista, “o Direito só regula a sociedade, organizando-se a si mesmo”.11

De fato, a função primordial do direito é asseguratória, pois como bem salienta Humberto Ávila, “segurança jurídica é um valor constitutivo do Direito, visto que sem um mínimo de certeza, de eficácia e ausência de arbitrariedade não se pode, a rigor, falar de um sistema jurídico”.12

É o que também vislumbra Niklas Luhmann, ao ponderar que no mundo social o cidadão precisa escolher e, ao mesmo tempo, assumir os riscos de se frustrar por tal escolha, ficando o direito com a tarefa de reduzir a complexidade das relações sociais (mais possibilidades de ação que aquelas efetivamente adotadas) e da contingência (a experiência pode não coincidir com o desejado), por meio da garantia de expectativas comuns a todos os cidadãos, ressaltando, porém, que a ideia de segurança jurídica traduzida na afirmação de que “las normas se deban manter estables antes los desengaños” não impossibilita a alteração do sentido da norma, seja pela por não serem mais aceitáveis certas consequências jurídicas, seja pela mudança da valorização social do sentido sobre a norma13. A cláusula

normativa, consubstanciada no contexto de auto-observação contínua do sistema segundo o esquema da legalidade/ilegalidade, não impede a a abertura cognitiva do sistema jurídico.

11 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 12. 12 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito

tributário. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 133.

13 LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade. 2. ed. México: Universidad Iberoamericana, 2006.

(21)

Atualmente, no Brasil é comum afirmar-se que a insegurança jurídica alcançou um patamar de destaque sem precedente no comportamento do Judiciário brasileiro. A produção de decisões díspares ou mesmo contraditórias, mesmo no âmbito administrativo, em processos com idêntica razão de decidir, tem sido uma deformidade funcional cada vez mais crescente. Por isso, à luz dos ideais de determinação, de estabilidade e de previsibilidade do julgamento, o legislador pátrio, com a edição do NCPC, fortalece sobremaneira o instituto da reclamação, atribuindo-lhe a importante função de, além daquelas previstas no texto da Constituição Federal14, preservar a competência e garantir a autoridade das decisões de todos os tribunais do país, inclusive as decisões proferidas pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, além de garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedentes proferidos em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.15

Diante da moderna realidade brasileira e do novo alcance da reclamação como processo de natureza eminentemente objetivo, indaga-se: É constitucional a alteração promovida pelo legislador infraconstitucional, ao ampliar as hipóteses de cabimento? Qual o impacto dessas alterações no sistema jurídico pátrio? A introdução de elementos do direito anglo-saxônico, no caso a ideia de precedente, perturba ou mesmo descaracteriza o nosso sistema jurídico descendente daquele oriundo da Europa continental? A segurança jurídica, a proteção da confiança, a previsibilidade do direito são possíveis e conciliáveis com a ideia de

indeterminabilidade da verdade última? A reclamação, com seus novos propósitos, vai contribuir para a petrificação do direito ou servirá também ela como um instrumento de atualização e aperfeiçoamento do nosso sistema jurídico? Atualização, sim, mas sem retroatividade, como regra/modulação dos efeitos?

14 Ao STF compete julgar reclamação para preservação de sua competência e garantia da

autoridade de suas decisões” (art. 102, I, alínea l, da CF/88) e o STJ tem a competência para o julgamento de reclamação (art. 105, I, alínea f, da CF/88). Por sua vez, cabe ao STF julgar reclamação contra ato administrativo ou judicial que contrariar ou aplicar indevidamente súmula com efeito vinculante (art. 103-A, § 3º, da CF/88).

(22)
(23)

3 RECLAMAÇÃO: NATUREZA JURÍDICA, HIPÓTESES DE

CABIMENTO E EVOLUÇÃO

A reclamação tinha sua previsão normativa restrita ao texto constitucional, razão pela qual diversos doutrinadores a chamam também de “reclamação constitucional”.

Dispõe o artigo 102, I, alínea l, da Constituição Federal que ao STF compete julgar reclamação para “preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”. Redação semelhante se verifica no artigo 105, I, alínea f, da Constituição Federal, atribuindo ao STJ a competência para o julgamento de reclamação. Além disso, o artigo 103-A, parágrafo 3º da Constituição Federal prevê o cabimento de reclamação contra ato administrativo ou judicial que contrariar ou aplicar indevidamente a súmula com efeito vinculante, que hoje é editada somente pelo STF.

Desse modo, na Constituição Federal existem três hipóteses de cabimento da reclamação, cuja finalidade é: (a) preservar competência do STF e do STJ; (b) garantir a autoridade das decisões desses tribunais; e (c) garantir a autoridade das súmulas vinculantes. No tocante à garantia de eficácia das decisões, a reclamação é cabível em todas as hipóteses em que haja decisão do tribunal superior, seja cautelar ou não, seja em sede de controle abstrato ou difuso, independentemente da decisão versar sobre direito material ou processual.

(24)

Quanto à sua natureza jurídica, deve-se ressaltar primeiramente a advertência de Marcelo Navarro Dantas, no sentido de que a reclamação “é um instituto jurídico genuinamente brasileiro”.16

Por isso, Leonardo Morato chega a afirmar que “não há, no direito

estrangeiro, instituto sequer semelhante à reclamação. Entre os mais diversos institutos analisados, não se encontrou nenhum que tivesse o mesmo propósito do instituto em análise ou alguma pertinência com o presente estudo”. E conclui,

dizendo ser “infrutífera a perquirição do direito estrangeiro”.17

No direito dos demais países, o descumprimento de decisões judiciais por instâncias inferiores, quando ocorre, é resolvido pelas regras do próprio sistema recursal, não havendo outro mecanismo que abrevie o conhecimento das instâncias superiores.

Quando a reclamação começou ser construída pela jurisprudência e, principalmente para justificar sua introdução no RISTF, dizia-se que se tratava de medida administrativa com caráter de correição, levando a certa confusão com a correição18, também chamada de correição parcial.

Com a evolução do instituto, foi-se estabelecendo sua distinção com a correição parcial, afastando o caráter administrativo e passando-se a vislumbrar sua natureza como jurisdicional, máxime por se atribuir à reclamação o poder de cassar uma decisão que atente contra a competência ou a autoridade do STF.

16 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris, 2000. p. 385.

17 MORATO, Leonardo. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.p. 37.

18 O instituto da correição parcial teve origem na legislação de Roma. Tinha o nome de supplicatio e

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De fato, como bem pondera Cândido Rangel Dinamarco:

[...] ao repelir desobediência ou proclamar sua competência, o tribunal afasta eficácia de um ato realizado pelo juiz ou tribunal inferior a título de exercício da jurisdição e com pretendida eficácia sobre um litígio ou sobre o processo em que este se desenrola. O tribunal realiza, portanto, um controle que de algum modo irá atingir os litigantes, o seu litígio ou o processo em que estão envolvidos.19

E, em seguida, conclui que “cassar uma decisão é típica atividade jurisdicional, sendo absurdo pensar em medidas puramente administrativas capazes

de banir a eficácia de atos de exercício da jurisdição”.20

Desse modo, é de se inferir que jamais pode ser criada por leis estaduais ou municipais, como se fosse instituto de natureza administrativa. Além disso, a reclamação não é de jurisdição voluntária, pois por meio dela instaura-se uma verdadeira lide entre o reclamante e a autoridade reclamada, que desafia um procedimento com contraditório para o fim de se apurar se houve, ou não, desacato ou usurpação de competência.

Como ato jurisdicional, diz o citado mestre paulista, valendo-se do

pensamento de Carnelutti, que a reclamação “enquadra-se comodamente na

categoria dos remédios processuais”21, tida como gênero no qual se abrigam todas

as medidas mediante as quais, de algum modo, se afasta a eficácia de um ato judicial viciado.

Por outro lado, a reclamação não pode ser identificada como recurso. Hoje, tanto o STF quanto a doutrina nacional refutam tal entendimento. No AgR Rcl n. 3.800 (rel. Min. Ellen Gracie), o STF decidiu que a reclamação “não é recurso e não

se destina a examinar o ato impugnado com vista a repudiá-lo por alguma invalidade processual-formal ou corrigi-lo por erros em face da lei ou da jurisprudência”. De

fato, com o manejo da reclamação não se objetiva reformar ou cassar um ato jurisdicional em desajuste com as decisões do STF ou do STJ. É preciso que esse desajuste viole um comando exarado em uma decisão anterior do tribunal. Aliás, é o

19 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. In: ____. Nova era do

processo civil. 4. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Malheiros. 2013. p. 208.

(26)

que entende a melhor doutrina, conforme bem esclarece Marcelo Navarro Ribeiro Dantas:

[...] é preciso ver que o recurso pressupõe alguns requisitos, o primeiro dos quais, o interesse de recorrer, corporificado na sucumbência. Recorre quem perdeu. Justamente o contrário, reclama quem ganhou − e vê que a decisão que o beneficiava não está sendo cumprida. Ou quem não ganhou mas também não perdeu: apenas vê que a causa, que deveria estar sendo processada no Supremo ou num dos tribunais superiores a que a reclamação é dirigida, o está sendo diante de outro juízo ou tribunal.22

E ressalta que "a reclamação, por outra parte, pode ser até contra um ato administrativo, oriundo de fora do Judiciário".23

Também não é “sucedâneo recursal”, ou seja, não se destina a substituir um recurso. Entretanto, o STF, no julgamento do RE n. 571.572/BA, admitiu, de maneira excepcional, o uso da reclamação no âmbito do Juizado Especial Estadual, para possibilitar o respeito de decisões do STJ.

Ainda há aqueles que vinculam a reclamação com o exercício do direito de petição. Tal entendimento é defendido por José Frederico Marques e Ada Pellegrini Grinover e foi acolhido pelo STF no julgamento da ADI n. 2.212/CE (rel. Min. Ellen Gracie), no sentido de que a reclamação “situa-se no âmbito do direito constitucional

de petição previsto no art. 5º, XXIV, a, da CF”, por meio do qual o cidadão se dirige ao Poder Público visando à defesa de direito ou a refutar a ilegalidade ou abuso de poder. Em decisão mais recente, o STF identificou a reclamação como “ação constitucional de rito sumário especial”.24

Porém, grande parte da doutrina caminha para um consenso no sentido de ver a reclamação como uma ação judicial de conhecimento com caráter mandamental. Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina a incluem

na categoria das “ações autônomas de impugnação”, ao lado do mandado de segurança contra ato judicial e da ação declaratória de inexistência (querela nullitatis insanabilis), ponderando que a “reclamação tem natureza jurisdicional e não

22 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro, Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 453. 23 Ibidem, p. 453.

(27)

administrativa, sendo, segundo nosso entendimento, ação, não recurso − mesmo porque pode ser utilizada também contra atos administrativos”.25

Caracteriza-se por ação porque: 1) depende de provocação de uma das partes ou do Ministério Público; 2) provoca a cassação de decisão judicial ou sua avocação dos autos para a observância da competência do tribunal; 3) exige capacidade postulatória, cabe recurso e produz coisa julgada, consequentemente desafia, em tese, o manejo de ação rescisória. Registre-se, ainda, a doutrina de Marcelo Navarro Dantas, no sentido de que a reclamação tem partes, pedido e causa de pedir.26

Portanto, é uma ação judicial de natureza mandamental que desafia cognição exauriente à semelhança do mandado de segurança. Exige prova pré-constituída, produz coisa julgada e desafia a ação rescisória de seus julgados.27

3.1 A origem da reclamação e o poder criativo do Judiciário como

ponto inicial

Todavia, nem sempre a reclamação teve essa larga abrangência. Antes de ser expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, o instituto da reclamação passou por quatro fases.28

A primeira fase vai da criação do STF29 até 1957, quando foi incluída no regimento interno dessa Corte. Nessa fase, o poder criativo do Judiciário foi decisivo para a sua aceitação e utilização no meio jurídico. A ausência de mecanismo processual célere para garantir o cumprimento de uma decisão do STF pelas instâncias inferiores, do modo como concebida pelos seus ministros, abriu caminho

25 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de

impugnação. 3. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 284.

26 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro, Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 460. 27 STF

– AgR Rcl n. 532/RJ, rel. Min Sidney Sanches, j. 01.08.1996.

28 PACHECO, José da Silva. Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 31.

29 O STF foi criado e organizado pelo Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, editado pelo governo

(28)

para uma forte discussão no âmbito da jurisprudência e da doutrina sobre a possibilidade de as partes se dirigirem diretamente à instância julgadora, com a finalidade de exigirem o cumprimento conforme a sua compreensão do julgado. Rejeitava-se a admissão, sob o argumento principal de que não haveria qualquer previsão nesse sentido no ordenamento jurídico.

Contra a admissão da reclamação, Pontes de Miranda chegou a dizer que se tratava de “criação espúria” em caso de “subversão patente da hierarquia judiciária”. Seria desnecessária a reclamação porque “nos casos em que cabe recurso, é inadmissível: cria-se outro recurso que não consta das leis, nem sequer dos Regimentos Internos dos Tribunais. Se recurso cabe, a reclamação é absurda”.30

O ministro Hahnemann Guimarães debatia-se, à época, também contra a adoção da reclamação, alegando: 1) inexistência de previsão no RISTF; 2) não ser idêntica à correição; 3) não se equiparar ao mandado de segurança; 4) que existia a ação rescisória para anular a sentença eventualmente contrária à decisão do STF; e, 5) ser um instrumento estranho ao regime processual brasileiro31. Do mesmo modo

entendia o ministro José Linhares.32

Apesar da controvérsia sobre sua admissibilidade em nosso sistema jurídico, o STF passou a fazer uso da reclamação, com base na alegação de que também no

direito constitucional brasileiro se admitia a aplicação do “princípio dos poderes implícitos” (implied powers), proclamado e reconhecido pela Corte norte-americana após o caso Mac Culloch vs. Maryland33. Tal princípio foi inspirado nas palavras de

James Madison, no Federalista, ao ponderar que:

30 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960. v.

3, p. 331.

31 STF − RE n. 13.828/SP, rel. Min. Orozimbo Nonato, j. 21.04.1950. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=117380>. Acesso em 15 maio 2015.

32

STF − Rcl n. 127/DF, rel. Min. Ribeiro da Costa, j. 01.06.1950. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=365668>. Acesso em: 15 maio 2015.

33 A chamada teoria dos poderes implícitos advém do direito americano, mais precisamente do

(29)

[...] desde que um fim é reconhecido necessário, os meios são permitidos; todas as vezes que é atribuída uma competência geral para fazer alguma coisa, nela estão compreendidos todos os particulares poderes necessários para realizá-la.34

Essa tese foi aplicada quando do julgamento da Rcl n. 141, em 25.01.1952. Nessa ocasião, o ministro Orozimbo Nonato, com muita propriedade, apontou a possibilidade do descumprimento decorrer da própria compreensão do julgado e não necessariamente de um ato de afronta deliberada da autoridade judiciária (e/ou administrativa) em não concordar com o decidido no julgamento da instância superior. Disse o ministro:

Há um princípio pacífico em direito: o de que a sentença deve ser cumprida fielmente, pontualmente, estritamente. Mas a sentença é declaração de vontade, de modo que seria impossível esse cumprimento sem a interpretação do julgado. A aplicação fiel deriva de interpretação exata da sentença. Ora, sem essa interpretação, pode o juiz, sem o propósito de alterar o julgado, interpretar mal o seu conteúdo e, em consequência, executá-la desacertadamente. Não se trata de desrespeito formal à coisa julgada, mas de aplicação errônea da sentença.

A origem da reclamação não deixa de revelar um certo paradoxo. Apesar de ser fruto do poder criativo do Judiciário, nega a sua própria origem em favor de uma destinação formalista, qual seja, a de eliminar qualquer espaço de contextualização (adequação criativa) dos julgados do STF e do STJ diante da realidade social.

De certo modo, a reclamação destina-se a uma função com leve resquício da ideia de recurso ao órgão emissor da norma jurídica no antigo Código prussiano infra mencionado, em busca da chamada “interpretação autêntica”. Lá à comissão legisladora, e aqui ao tribunal responsável pelo julgamento.

Além do “princípio dos poderes implícitos”, também contribuiu para o reconhecimento da reclamação pelo STF o surgimento do mandado de segurança contra atos ilegais de autoridade. Contra a adoção da reclamação, como visto acima, alegava-se a inexistência de previsão no RISTF, não ser ela idêntica à correição, não se equiparar ao mandado de segurança e que já existia a ação

34 MADISON, James, O federalista, apud MORATO, Leonardo, Reclamação e sua aplicação para o

(30)

rescisória para anular sentença contrária à decisão do STF, porém, apesar disso, a reclamação era aceita na jurisprudência.

A segunda fase teve início em 1957, com a introdução de normas específicas sobre a reclamação no RISTF, deixando de ser uma exclusiva construção jurisprudencial, para ser admitida com base na legislação interna do tribunal. A proposta foi feita pelo ministro Orozimbo Nonato, na condição de presidente da Corte. Após sucessivas reformas, a reclamação atualmente encontra-se regulada no RISTF, pelos artigos 156 a 162.

Já na terceira fase, de 1967 até a Constituição Federal de 1988, a reclamação passou a ter fundamento indireto no texto constitucional, em razão da Constituição Federal de 1967 ter autorizado o STF a disciplinar as causas de sua competência por meio de seu regimento interno.

3.2 Previsão constitucional: um evento inédito

Na quarta fase, inaugurada a partir da Constituição Federal de 1988, o instituto da reclamação passou a ser previsto pela primeira vez no texto constitucional como um dos feitos da competência originária do STF e do STJ.

A reclamação nessas quatro fases é vista como instrumento de proteção dos interesses apenas de uma das partes da ação judicial julgada anteriormente. Até então se comportava como simples remédio destinado exclusivamente a proteger a parte processual que porventura tivesse o interesse molestado por conta de uma decisão que violasse as regras sobre as competências do STF e do STJ ou a autoridade dos julgados desses tribunais. Não tinha qualquer vocação para servir de instrumento de uniformização de entendimento sobre o texto de lei e de promoção de igualdade jurídica diante de todo o sistema jurídico. E essa abordagem individualista da reclamação levou o STF a construir, na hipótese de desrespeito à autoridade de sua decisão, o entendimento segundo o qual somente era admitida caso fosse requerida por quem fosse parte na ação previamente julgada.35

35

(31)

3.3 Reclamação no controle concentrado de constitucionalidade

Entretanto, com o advento da Emenda Constitucional n. 3/93, o alcance da reclamação começou a assumir novos horizontes jurídicos. Avançou para incluir em sua área de proteção não somente o interesse da parte individualizada, figurante em um dos polos da relação processual, mas também o interesse de toda sociedade na atuação uniforme e igualitária do Poder Judiciário quanto à prestação jurisdicional. Isso se deu porque tal emenda constitucional introduziu em nosso sistema jurídico a ação de descumprimento de preceito fundamental e ação declaratória de constitucionalidade, cujas decisões passaram a ter efeitos vinculantes36, com previsão de manejo da reclamação em caso de descumprimento.

A partir desse novo modelo da reclamação, o STF alterou o seu entendimento sobre a legitimidade ativa, no julgamento do AgR Rcl n. 1.880 (rel. Min. Maurício Corrêa), no ano de 2004, ampliando o rol de legitimados, com a tese de que não apenas das partes figurantes na ação direta de inconstitucionalidade julgada37, mas

todos aqueles que forem atingidos por decisões judiciais ou administrativas contrárias ao suposto entendimento firmado pelo STF no âmbito do dito controle concentrado são partes legítimas para o ajuizamento da reclamação.

Trata-se, na realidade, de uma nova fase, a quinta, no desenvolvimento da reclamação, que não se limita à questão de legitimidade ativa. A mudança promovida pela Emenda Constitucional n. 3/93 é mais profunda e atinge a própria essência do instituto, que antes se limitava a ser um simples remédio processual de cunho exclusivamente individualista, voltado para o direito subjetivo das partes da ação julgada, sem qualquer pretensão de tornar a atuação do Judiciário mais uniforme, célere, previsível e eficaz. A alteração do texto constitucional rompeu esse viés individualista e conferiu à reclamação missão mais abrangente, ao justapor

36 Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999 (Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm>. Acesso em: 15 maio 2015).

37 Com o advento da Lei n. 9.868/99, a reclamação passou a garantir a eficácia de decisão proferida

(32)

àquela antiga finalidade, a missão promover respeito às teses jurídicas emitidas pelo STF, sob a forma de enunciados prescritivos.

Evidentemente, em relação ao STJ, por não ter sido contemplado nessa emenda constitucional, a reclamação permanece inalterada, sendo utilizada com o seu caráter individualista.

3.4 Reclamação e o respeito à súmula vinculante

Com a Emenda Constitucional n. 45/2004, duas inovações ganharam destaque: 1) a nova redação ao parágrafo 2º do artigo 102 da Constituição Federal, com a previsão no próprio texto constitucional de que as decisões definitivas de mérito proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal; e, 2) o acréscimo do parágrafo 3º ao artigo 103 da Constituição Federal, introduzindo mais uma nova finalidade para a reclamação, qual seja, a de impor o respeito a uma súmula vinculante.38

Por isso, com muita propriedade, Leonardo Morato vislumbra nesse novo cenário desenhado pela Emenda Constitucional n. 45/2004, com o acréscimo do aludido parágrafo 3º, a sexta fase no desenvolvimento da reclamação, ao ponderar que:

[...] realmente, pode-se dizer, com a EC nº 45/2004, houve um desenvolvimento, substancial, da reclamação, sobretudo porque este instituto assumiu a importantíssima função de viabilizar a eficácia e a operacionalização das súmulas vinculantes, que prometem revolucionar o nosso sistema jurídico-processual.39

38 Dispõe o parágrafo 3º do artigo 103 da Constituição Federal: Do ato administrativo ou decisão

judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.”

(33)

De fato, ocorreu um “desenvolvimento substancial”, mas esse desenvolvimento não pode ser visto somente em face de mais uma finalidade da ação reclamatória. Na realidade, a reclamação, com Emenda Constitucional n. 45/2004, adquiriu uma nova essência, uma nova natureza. Além de satisfazer a uma pretensão de uma das partes eventualmente prejudicada pelo descumprimento da decisão judicial, busca agora viabilizar também, para todo aquele que for atingido pela decisão reclamada, a utilização da ação reclamatória para exigir o cumprimento da decisão do tribunal superior, nos termos e modo que, segundo entende, teria decidido aquele tribunal, o que evidencia a existência de verdadeiro condomínio de legitimados para sua propositura, como se fosse um autêntico instrumento processual com natureza coletiva.

3.5 Mais um avanço: as novas tendências no novo Código de

Processo Civil

No NCPC, a reclamação encontra-se prevista entre os artigos 988 a 993, que formam o Capítulo IX do Titulo I (Da ordem dos processos e dos processos de competência originária dos tribunais) do Livro III (Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais).

Pela primeira vez o legislador inseriu no Código de Processo Civil o disciplinamento da reclamação, tendo assegurado, de modo genérico, o seu manejo contra decisão judicial de primeira instância que porventura venha a desrespeitar julgamento, de qualquer natureza, oriundo do respectivo tribunal (estadual ou regional), principalmente como instrumento eficaz para garantir a observância de

“precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência” (art. 988, inc. IV).

(34)

prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal”

(art. 947, § 4º).

Dentre esse rol de novidades, o grande destaque é a instituição do incidente de demandas repetitivas. Pelo artigo 976 do NCPC, “é admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente, efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”. Pressupõe, assim, enunciado prescritivo (tese jurídica) como fonte de interpretações díspares a ponto de comprometer a harmonia do sistema jurídico com a instauração de insegurança jurídica por conta de decisões conflitantes.

Além disso, outro destaque importantíssimo é a ampliação dos tribunais para processar e julgar a reclamação. Antes apenas o STF e o STJ eram os tribunais competentes para conhecer e apreciar a ação reclamatória40, agora todos os

tribunais do país poderão ser destinatários da reclamação.

Em síntese, tanto os tribunais estaduais quanto os Tribunais Regionais (Federais, Eleitorais e do Trabalho), além da Justiça Militar, são hoje competentes para a ação reclamatória, na hipótese de que suas decisões venham a ser descumpridas ou tenham sua competência usurpada. Assim fez o legislador, com a nítida atenção voltada para a segurança jurídica e a uniformização da jurisprudência dos tribunais. Mas, afinal, o que significa essa tão almejada segurança jurídica? As decisões dos tribunais podem ensejar novas interpretações?

Visando a resguardar a utilidade das respostas a tais indagações, torna-se necessário, em primeiro plano, questionar-se: As alterações promovidas pelo legislador infraconstitucional têm amparo na Constituição Federal? Poderia ele dispor sobre a reclamação em lei ordinária ou trata-se de matéria reservada ao poder constituinte?

40 Também se defendia a sua utilização no âmbito do STM, ante a previsão da Lei n. 8.457/92, e no

(35)

4 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DAS NOVAS TENDÊNCIAS

Surge de imediato, forte desconfiança quanto à atitude do legislador infraconstitucional ao modificar o alcance da reclamação em sede de lei ordinária, atribuindo-lhe novas tendências. Afinal, em face da redação original do texto constitucional, firmou-se o entendimento de que a reclamação seria um remédio de proteção da competência do STF e do STJ e de garantia da autoridade de suas decisões. E mais, consolidou-se o entendimento de que não seria possível o seu manejo perante os Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais de Justiça do Distrito Federal e dos Estados.

É cediço que no direito constitucional vigora o entendimento de que as leis ordinárias têm competência material residual, ou seja, o que a Constituição Federal não determinou que é tratado por norma jurídica específica, será tratado por uma lei ordinária. Assim, quanto ao âmbito de incidência, considera-se que as leis ordinárias poderão tratar quaisquer matérias, exceto aquelas que não estão reservadas às lei complementares, aos decretos legislativos e às resoluções, e não estejam encartadas no conceito de cláusulas pétreas. Na hipótese, o instituto da reclamação não se enquadra entre as matérias pertencentes a tais exceções. Pelo contrário, a ausência de seu disciplinamento mais específico aponta que o próprio constituinte atribuiu ao legislador infraconstitucional o poder/dever de tratar da ação reclamatória em seus pormenores.

A ampliação de sua abrangência, por sua vez, não lhe retira a missão outorgada pelo constituinte originário. Simplesmente, vai além. Busca o legislador otimizar o seu uso dentro daquele desiderato primeiramente concebido, ou seja, de garantir segurança jurídica e isonomia na prestação jurisdicional. Pelo contrário, as novas tendências da reclamação vêm prestigiar o cidadão, verdadeiro destinatário dos serviços públicos, com um Poder Judiciário mais seguro e previsível.

(36)

reclamação, não quer dizer que houve restrição indevida do entendimento jurisprudencial anterior no sentido de que o termo “decisões”, mencionado no texto constitucional, contemplava as duas espécies de controle de constitucionalidade. Ora, no inciso II do artigo 988 do NCPC, fica evidenciado que a reclamação objetiva assegurar a autoridade das decisões de todos os tribunais do país, sem qualquer restrição quanto à sua natureza, podendo ser de cunho material ou processual, incidental ou de mérito, cautelar ou não. Nesse sentido, tal inciso teria maior abrangência do que inciso III, servindo este como espécie, em relação ao inciso anterior.

Com outros argumentos, antes do NCPC já existiam no campo doutrinário específico do tema vozes que propugnavam pela utilização da ação reclamatória perante todos os tribunais do país, na linha do que vem previsto nas novas tendências da ação reclamatória.

A argumentação mais contundente se fundamentava na ideia de que a sua utilização nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais não poderia depender de prévia previsão em legislação federal ou estadual, pois a Constituição Federal apenas acolheu em seu texto um princípio implícito existente à época de sua promulgação, qual seja, de que os tribunais, de modo geral, têm poderes implícitos, necessários ao exercício de seus poderes explícitos.

De fato, o reconhecimento da reclamação como instituto jurídico em nosso sistema jurídico deveu-se ao entendimento do STF de que a teoria dos poderes implícitos teria aplicação na hipótese de descumprimento de suas decisões, posto que, na condição de corte de revisão, à época, não tinha meios de fazer valer a autoridade de seus julgados direta e imediatamente.

(37)

A propósito, no julgamento da ADI n. 2.212-1/CE, em 2003 (rel. Min. Ellen Gracie), o STF entendeu que a adoção pelo Estado membro do instituto da reclamação, pela via legislativa local, vale dizer, por meio de preceito na Constituição Estadual, "não implicava em invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual".

Além disso, naquele julgamento, a Suprema Corte enfatizou que a admissão da reclamação pelos Estados membros está em sintonia com os princípios da simetria e da efetividade das decisões judiciais. No seu voto, a ministra Ellen Gracie afirmou:

Evita-se, por essa via, no caso de ofensa à autoridade de um julgado, decorrente, por exemplo, de uma interpretação que extravase os seus limites, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual, inegavelmente inconvenientes quanto já tem a parte uma decisão definitiva, transitado em julgado. Não vejo porque não se possa, no âmbito estadual, em nome do princípio da simetria, dotar os Tribunais de Justiça desse instrumento, para garantir a autoridade de suas decisões que, não impugnadas pela via recursal, tenham ali mesmo transitado em julgado.

Reforçando o entendimento da relatora, o ministro Sepúlveda Pertence, com bastante clareza, complementou:

Não obstante, já mais de uma vez, sustentei que os tribunais têm poderes implícitos, necessários ao exercício de seus poderes explícitos. Um deles é o poder cautelar. Foi com base nesta percepção que o Supremo construiu a medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, antes de sua consagração no texto constitucional, e veio a construir, já sob a vigência da atual Constituição, a medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade. Outra manifestação de poder implícito dos tribunais é o poder de dar efetividade às suas próprias decisões e o de defender a própria competência, a partir do qual o Supremo criou, para si mesmo, o instituto da reclamação.

Porém, votaram pela procedência da ADI, e tiveram os votos vencidos, os ministros Maurício Corrêa, Moreira Alves e Sydney Sanches, que defenderam a tese de que a reclamação é instituto de direito processual e que, portanto, só poderia ser estabelecida por meio de lei federal e não por lei estadual.

(38)

O princípio da efetividade das decisões judiciais obriga o conhecimento da reclamação porquanto não pode o cidadão que tem, a seu favor, uma decisão judicial com trânsito em julgado, ficar à mercê da boa vontade do destinatário da ordem judicial. Insuficiente que tenha ele apenas o direito de oferecer representação para apuração da possível prática de delito de desobediência, a qual, como é cediço, não tem o condão de, por si só, fazer efetiva a decisão desobedecida.41

E ainda, complementa, afirmando:

Pela teoria, quando a um órgão ou ente é deferida a competência para determinado ato, outorga-se-lhe, igual e simultaneamente, todos os meios necessários ao exercício das atividades a que corresponde tal competência, dentre eles, os poderes necessários à irradiação no mundo fático do ato ou da decisão que prolatar em razão daquela competência.42

Para então concluir que:

A inexistência de previsão os regimentos internos dos TRFs não pode obstar o conhecimento do remédio da reclamação, pela incidência da teoria dos poderes implícitos, do princípio da efetividade das decisões judiciais, da simetria com o centro, e da interpretação sistemática do ordenamento brasileiro, com atenção à equidade, à isonomia e à analogia.43

Portanto, não há que se falar em inconstitucionalidade na atitude do legislador infraconstitucional ao prever para todos os tribunais do país a possibilidade de julgarem ação reclamatória, diante de eventual usurpação de competência ou de desrespeito aos seus julgados, máxime em se tratando de incidentes de resolução de demanda repetitiva ou de assunção de competência.

Em síntese, a atual disciplina contida no NCPC não só corrige uma distorção de poderes entre os tribunais, igualando e municiando todos eles com um meio rápido e eficaz contra eventuais imperfeições no cumprimento da decisão paradigma, como contribui para o aperfeiçoamento do sistema jurídico, com mais coerência e segurança, em caso de aplicação de suas normas.

41 TELES, Ney Moura. A reclamação nos tribunais regionais federais. In: NOGUEIRA, Pedro Henrique

Pedrosa; COSTA, Eduardo José da Fonseca (Orgs.). Reclamação constitucional. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 376.

(39)
(40)

5 SEGURANÇA JURÍDICA NO ESTADO DE DIREITO

O advento do Estado moderno foi calcado na ideia de superação de antigas práticas absolutistas que vilipendiavam a integridade física e moral das pessoas. A nova ordem jurídica, concebida à luz do pensamento iluminista, passou a rejeitar os postulados "rex est lex" (o rei é a lei) e "the king can do no wrong" (o rei não responde por seus atos).

E, na resistência contra a opressão, a modernidade construiu verdadeiras muralhas jurídicas contra o arbítrio, erguidas na concepção legalista de que a lei seria o único mecanismo capaz de garantir o surgimento de um Estado livre da vontade única do soberano. Instituir leis que amparassem os novos ideais revolucionários seria estabelecer fundamentos de um novo pacto social, seria a grande tarefa a ser cumprida para uma sociedade mais igual, fraterna e garantidora das liberdades, o que mais tarde se traduziria na afirmação da liberdade do comércio, da expressão, da iniciativa empreendedora, enfim na formulação dos limites do Estado de Direito, onde, segundo Tércio Sampaio Ferraz Junior, o homem assume papel ambíguo perante o direito: "Fundamento de todas as positividades, o homem é também o seu objeto central."44

E, como bem sintetiza Jacques Chevallier, a nova ordem jurídica nesse novo contexto sufraga o pleno normativismo, pois:

O Estado de Direito se assenta, assim, sobre o fetichismo da regra: a norma jurídica tende a ser tomada como a própria realidade, capaz de fazer advir o que enuncia; e a passagem pela forma jurídica vem constituir a sua garantia suprema. Essa confiança depositada no direito não é somente de ordem racional; ela decorre de um jogo de crenças mais profundas; além do seu conteúdo concreto e de seu alcance prático, a norma jurídica é aureolada com um halo místico investida dessa dimensão sagrada, que se encontra já concepção “rousseauista” da lei. E é precisamente nesse ponto que o mito vem substituir a realidade, dando ao Estado de Direito todo seu alcance: o Estado de Direito não se reduz, de fato, a uma construção racional, a um desenho formal, mas ele se apoia sobre um investimento afetivo; e é essa mística que faz com que ele não seja somente um artifício, uma fórmula mistificadora, mas sim uma coerção efetiva, tanto os destinatários como os produtores da norma.45

44 FERRAZ JUNIOR. Tercio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 42. 45 CHEVALLIER, Jacques. O estado de direito. Tradução de Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo e

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