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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Dimas Pereira Duarte Júnior

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Academic year: 2019

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Dimas Pereira Duarte Júnior

Impacto dos mecanismos da international accountability na justicialização dos direitos

humanos econômicos, sociais e culturais no Brasil

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

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Dimas Pereira Duarte Júnior

Impacto dos mecanismos da international accountability na justicialização dos direitos

humanos econômicos, sociais e culturais no Brasil

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais – Relações Internacionais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo-Edgar Almeida Resende.

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BANCA EXAMINADORA

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À Universidade de Rio Verde, por ter confiado e depositado uma esperança em meu trabalho.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por ter me proporcionado momentos de erudição e de superação intelectual. Eu a levarei comigo, com orgulho e o respeito que seu nome exige de todos que passam por seus bancos. Será minha referência hoje e sempre.

Em especial, ao Professor Paulo Edgar Almeida Resende, que depositou confiança em um desconhecido. Eu o tenho na mais alta conta!

Aos professores, Rogério Arantes, Silvana Tótora, Lúcio Flávio, Edgard Assis, Flávia Piovesan, com quem tive o privilégio de conviver, embora por pouco tempo, mas intensamente, por terem promovido uma verdadeira revolução copernicana em minha vida acadêmica.

Aos professores Edson Passetti e Edson Nunes pelas significativas contribuições quando este trabalho ainda se apresentava como um esboço, sem começo, nem meio e nem fim.

Aos meus familiares, em especial, à minha mãe e professora Zuleika Pacheco, pelo apoio e pela referência que são em minha vida;

A Rejaine, por haver entrado em minha vida e nunca mais saído, obrigado por ter me suportado, me ouvido, me acalentado e me acompanhado, nos momentos bons e difíceis de minha vida, às vezes parecidos irrecuperáveis e insuperáveis! Sabemos que não o são. Podemos mais!

Aos amigos e colegas que deram leveza ao que se apresentava, muitas vezes, como um fardo excessivamente pesado.

Aos amigos e colaboradores Matheus e Valdíria. Seus aportes foram fundamentais para chegar ao término do trabalho.

À Dona Walkíria Flora dos Passos Claros, por ter me acolhido com tamanho carinho e atenção.

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O bicho

Vi ontem um bicho Na imundice do pátio

Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato,

Não era um rato.

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RESUMO ... ix

ABSTRACT ... x

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 11

CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES RELATIVAS AO CONCEITO DE ACCOUNTABILITY ... 23

1.1 As dimensões do conceito de accountability ... 24

1.2 Poliarquia e a otimização de eficácia de accountability ... 30

1.3 Igualdade de poder como pressuposto de eficácia da accountability ... 32

1.4 Accountability: funções sociais versus forças sociais ... 34

1.5 Accountability e relações internacionais ... 38

1.5.1 Igualdade de poder versus assimetria de poder ... 41

1.5.2 Novos atores nas relações internacionais ... 44

1.5.3 Hard law versus soft law ………... 51

1.6 Poliarquia internacional: uma encruzilhada nos trilhos das relações internacionais .... 57

1.6.1 De Vestfália a Versailles ………... 58

1.6.2 A ordem internacional nos períodos posteriores às duas grandes guerras ... 64

1.6.3 A ordem internacional no século XXI: desafios e perspectivas ... 70

CAPÍTULO II A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO EM FACE DE UM DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL EM VIAS DE CONSTRUÇÃO ... 75

2.1 Considerações referentes ao conceito de responsabilidade ... 77

2.2 A responsabilidade internacional do Estado e o projeto territorializante da modernidade para os direitos humanos ... 80

2.3 A responsabilidade internacional do Estado em face à desterritorialização dos direitos humanos ... 87

2.4 A codificação da responsabilidade do Estado por ato ilícito internacional ... 92

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PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS À REALIZAÇÃO NORMATIVA ... 98

3.1 O primeiro dilema: constitucionalismo versus internacionalismo ... 99

3.2 O segundo dilema: direitos humanos econômicos, sociais e culturais: mínimos sociais versus necessidades básicas ... 102

3.3 A construção do ideário fundamentador dos direitos humanos ... 106

3.4 A codificação dos direitos humanos ... 108

3.4.1 A constitucionalização dos direitos humanos ... 110

3.4.1.1 O constitucionalismo inglês ... 110

3.4.1.2 O constitucionalismo norte-americano ... 114

3.4.1.3 O constitucionalismo francês ... 118

3.4.1.4 A constitucionalização dos direitos sociais ... 122

3.4.2 A internacionalização dos direitos humanos ... 127

3.4.2.1 O direito humanitário no cenário das relações internacionais ... 128

3.4.2.2 A normativa internacional de proteção dos direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial ... 132

3.4.3 A jurisdicização dos direitos humanos no plano internacional ... 136

3.4.4 A especificidade da codificação internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais ... 142

3.5 O impacto da normativa internacional de proteção aos direitos econômicos, sociais e culturais na reordenação dos Estados no século XX ... 147

CAPÍTULO IV ACCOUNTABILITY E A NORMATIVA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS ... 151

4.1 Mecanismos convencionais ……….………. 152

4.1.1 Mecanismos convencionais não-contenciosos ……….. 153

4.1.2 Mecanismos convencionais quase-judiciais ……….. 155

4.1.3 Mecanismos convencionais judiciais ou contenciosos ... 156

4.2 Mecanismos extraconvencionais …...………... 157

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JUSTICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

NO BRASIL ... 169

5.1 Direitos humanos e constitucionalismo de direitos no Brasil ... 169

5.2 Direitos humanos e a Constituição Federal de 1988 ... 171

5.3 A justicialização dos direitos econômicos, sociais e culturais ... 174

5.4 A tutela dos interesses transindividuais na Constituição de 1988 ... 178

CAPÍTULO VI INTERNATIONAL ACCOUNTABILITY E DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS NO BRASIL ... 183

6.1 International accountability e a Constituição Federal de 1988 ... 183

6.2 Análise dos relatórios brasileiros relativos aos direitos econômicos sociais e culturais ... 185

6.2.1 Relatório da sociedade civil referente ao cumprimento, pelo Brasil, do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU ... 186

6.2.2 O relatório oficial inicial do Brasil ao Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU ... 189

6.2.3 O contra-informe da sociedade civil acerca dos direitos econômicos, sociais e culturais no Brasil ... 193

6.3 As observações conclusivas do comitê de direitos econômicos, sociais e culturais da Organização das Nações Unidas em face dos relatórios brasileiros ... 195

6.3.1 Introdução ... 196

6.3.2 Aspectos positivos ... 197

6.3.3 Fatores e dificuldades que impedem a implementação do pacto ... 199

6.3.4 Principais assuntos de interesse ... 199

6.3.5 Sugestões e recomendações ... 201

6.4 O segundo relatório periódico do Brasil ao comitê dos direitos econômicos, sociais e culturais da ONU ... 202

6.5 O segundo contra-informe da sociedade civil ... 206

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6.6.3 Ministério Público Federal em ação ... 216

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 227

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CULTURAIS NO BRASIL

Dimas Pereira Duarte Júnior

O estudo do tema da accountability tem estado em evidência na agenda política mundial, ancorando-se, sobretudo, como pressuposto para a construção de democracias representativas ou poliarquias bem-sucedidas. Se no âmbito da ciência política o termo já adquirira status

privilegiado e feições bastante elaboradas, não se pode dizer o mesmo no que concerne ao seu emprego no plano internacional. Sua introdução nas relações internacionais deu-se com a crise do Estado-Nação e com o advento da normativa internacional de proteção dos direitos humanos, preceituada no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) a partir de 1948, que, ao longo do século XX, passou a proclamar e reconhecer um elenco de direitos e de sujeitos de direito cada vez mais extensos. O objetivo do presente estudo, portanto, é analisar o impacto dos mecanismos de monitoramento dos direitos enunciados no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, adotado em 1966, na justicialização dos referidos direitos no Brasil a partir de 1988, quando, promulgada a nova Constituição, selou-se a restauração do regime democrático e a institucionalização dos direitos humanos no país. A premissa da qual se parte é que a sistemática da international accountability dos direitos econômicos, sociais e culturais preceituada no âmbito das Nações Unidas não dispõe de instrumentos sancionatórios suficientes para ensejar a responsabilização internacional do Estado por não-cumprimento de obrigação prevista no Pacto de 1966. No entanto, considerando que a viabilização do exercício dos direitos enunciados no Pacto em estudo compete ao Estado-parte e não à Organização Internacional que o monitora, constata-se, com a análise do caso brasileiro, que a finalização da international accountability pode ser completada por mecanismos internos, previstos no próprio ordenamento jurídico-constitucional pátrio, sobretudo por meio da atuação do Ministério Público Federal que dispõe de instrumentos jurídicos diversos previstos tanto na Constituição Federal de 1988 quanto na legislação infraconstitucional.

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RIGHTS IN BRAZIL

Dimas Pereira Duarte Júnior

The study of the issue of accountability has been in evidence on the political agenda worldwide, anchor itself, especially as prerequisite for the construction of representative democracies or successful poliarquies. If within the term of Political Science already acquired privileged status and features quite prepared, the same can not be said with regard to their employment at international level. His introduction in International Relations occurs with the crisis of the nation-state and with the advent of international norms protecting human rights, inserted within the United Nations from 1948 that, during the twentieth century, came to pronounce and recognize a list of rights and subject of law increasingly extensive. The purpose of this study, therefore, is to analyze the impact of mechanisms for monitoring the rights set out in the International Covenant of Economic, Social and Cultural Rights of United Nations, adopted in 1966, in the process of justiciability of these rights in Brazil from 1988, when the new constitution is promulgated saddle the restoration of the democratic system and the institutionalization of human rights and country. Assuming that the international landscape that was created after the Second War, not only recognizes the states as subjects of law is the premise of which is that the systematic part of the international accountability of economic social and cultural rights inserted within United Nations does not have sufficient sanctioning instruments for wanting the international responsibility of the State for non-compliance of obligation under the 1966 pact. However, considering the fact that the viability of the exercise of the rights set out in the pact under consideration is for the State party and not the International Organization that monitors what is shown from the analysis of the Brazilian case, is that the finalization of international accountability can be complemented by internal mechanisms, under its own legal system and constitutional homeland, mainly through the actions of the Federal Public Ministry which has at its disposal various legal instruments provided for both the Federal Constitution of 1988 as the infra-constitutional legislation.

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CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Delimitando o Objeto de Estudo

O estudo do tema da accountability tem estado em evidência na agenda política mundial. Autores como Guillermo O’Donnel (1998), Robert Dahl(1997), Jon Elster (1999), dentre outros, tratam do tema considerando-o, sobretudo, como pressuposto para a construção de democracias representativas ou poliarquias bem-sucedidas.

Se no âmbito da ciência política o termo já adquirira status privilegiado e feições bastante elaboradas, não se pode dizer o mesmo no que concerne ao seu emprego no plano internacional, no qual seu enfrentamento ainda se apresenta de forma tímida.

Pode-se considerar que a introdução do tema da accountability na cena das relações internacionais deu-se com a crise do Estado-Nação e com o advento da ordem jurídica internacional que emergiu após a Segunda Guerra Mundial, quando uma nova geometria territorial se estabelece em face da proposta de construção de um suposto mundo sem fronteiras, distinto, ao menos, do modelo vestfaliano, fundado na trindade povo-Estado-território.

Não se pode negar que a ordem jurídica internacional que surgiu após a Segunda Guerra Mundial, fora construída sob forte impacto das atrocidades cometidas pelo nazi-facismo durante esse nefasto episódio, marca indelével do século XX. Ainda, o fato de a ordem jurídica ter sido concebida sob o impacto do legado dos regimes totalitários de Hitler e Mussolini, também contribuiu sobremaneira para lançar a idéia dos direitos do homem em uma seara inédita tanto para as ciências jurídicas como para a ciência política.

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No cerne da normativa internacional de proteção aos direitos humanos, o instituto da

international accountability tem assumido contornos cada vez mais elaborados, com o argumento de que exigir dos Estados signatários dos pactos e tratados internacionais prestação de contas referente a suas condutas e cumprimento das obrigações assumidas perante a sociedade internacional constitui pressuposto para a prevenção contra a criatividade da ação política, tão presente no império dos regimes totalitários do início do século XX.

Na perspectiva da ciência política, ainda não há consenso a respeito do conceito e dos elementos constitutivos da accountability. Guillermo O’Donnell (1998), um dos mais engajados cientistas políticos a abordar o tema, analisa a accountability de duas perspectivas: vertical e horizontal.

Segundo O’Donnell (1998), as eleições, as reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se corra o risco de coerção, e a cobertura regular pela mídia dessas reivindicações e dos atos supostamente ilícitos de autoridades públicas, constituem as dimensões da accountability vertical. Por sua vez, a accountability horizontal pressupõe a existência de agências estatais que têm direito e poder legal e estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações que compreendem a supervisão, as sanções legais e até mesmo o impeachment contra ações ou omissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas.

As questões propostas do ponto de vista conceitual são: em que a concepção de

accountability formulada por O’Donnell tangencia com a concepção de accountability

preceituada pela normativa internacional de proteção aos direitos humanos, mais especificamente aquela enunciada pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU de 1966? Em sendo a sanção um pressuposto de verificação de existência do instituto, a aplicação de punição apenas moral, em se tratando do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, inviabiliza a própria designação dos mecanismos de controle enunciados pelo Pacto de international accountability ou apenas evidencia a sua fragilidade e ausência de convicção e de disposição da sociedade internacional de encarar os direitos enunciados no Pacto como verdadeiros direitos humanos? Qual o impacto desses mecanismos na justicialização dos direitos econômicos, sociais e culturais no Brasil após a adoção da Constituição Federal de 1988?

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referem a indivíduos e, ainda, que tal cenário impõe incomensuráveis muralhas entre os próprios Estados, pois seriam eles próprios a enunciar condenações, intervenções e punições em caso de afronta aos preceitos por eles enunciados (BADIE, 2002), a premissa da qual se parte é que a sistemática da international accountability dos direitos econômicos, sociais e culturais preceituada no âmbito das Nações Unidas não dispõe de instrumentos sancionatórios suficientes para ensejar a responsabilização internacional do Estado por não-cumprimento de obrigação prevista no referido Pacto. No entanto, considerando que a viabilização do exercício dos direitos enunciados no Pacto em estudo compete ao Estado-parte e não à Organização Internacional que o monitora, pretende-se demonstrar, com a análise do caso brasileiro, que a finalização da international accountability pode ser completada por mecanismos internos, previstos no próprio ordenamento jurídico-constitucional pátrio, sobretudo por meio da atuação do Ministério Público Federal que dispõe de instrumentos jurídicos diversos previstos na Constituição de 1988 e na legislação infraconstitucional.

Constatada a existência de tais mecanismos, cumpre verificar se eles garantem uma efetiva accountability e, ainda, se é possível dimensionar analítica e empiricamente a eficácia do impacto desses mecanismos no Brasil. Esta é a hipótese a ser verificada.

Para tanto, utilizam-se como instrumento de análise os relatórios produzidos tanto pela sociedade civil organizada como pelo governo brasileiro referentes à situação dos direitos enunciados no Pacto de 1966, as listas de questões e as observações conclusivas feitas pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, em 2003 e 2007, respectivamente. O segundo passo, com base na verificação do adimplemento ou não do Estado brasileiro, consiste em verificar quais desses inadimplementos seriam suscetíveis de adoção de medidas judiciais e extrajudiciais pelo Ministério Público Federal, por meio de suas procuradorias regionais dos direitos do cidadão. O terceiro passo constitui-se na análise da atuação do Ministério Público Federal para verificar o papel que ele vem desempenhando para exigir do Estado brasileiro o cumprimento das obrigações constantes dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, em particular, do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).

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Nos dizeres de Norberto Bobbio (1992), as atividades implementadas pelos organismos internacionais, tendo em vista a tutela dos direitos do homem, podem ser consideradas pelo prisma da promoção, do controle e da garantia.

Neste estudo, buscar-se-á enfocar as atividades que Bobbio denomina “atividades de controle” empreendidas pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, órgão das Nações Unidas, criado em 1985, por força da Resolução n°. 1.985-17 do Conselho Econômico e Social (ONU, 1985) que tem como função precípua avaliar a implementação, pelos Estados-parte, dos direitos enunciados no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Os direitos econômicos, sociais e culturais são compreendidos como aqueles que, historicamente, foram estabelecidos para ampararem aquela parcela da sociedade que, por não ter posses para garantir sua subsistência, buscam-na por meio do exercício de atividade remunerada, logo, que têm como titular não só os membros da classe trabalhadora, mas também aqueles que se vêem privados até mesmo desta classificação.

Conforme T. H. Marshall (1967), os direitos sociais são aqueles que se referem “a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade” (p.63-64).

Justicializados no âmbito das Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial, mais especificamente em 1966, data da adoção do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, considera-se, no presente estudo, que o pressuposto de validade do referido Pacto é que, uma vez assinado, ele passa a produzir efeitos jurídicos vinculantes, guiados pelos princípios do pacta sunt servanda1 e boa-fé, os dois pilares de sustentação do direito internacional.

Embora tendo origem costumeira, o princípio da responsabilidade internacional do Estado por não-cumprimento de obrigação prescrita em norma de direito internacional, somente ganhou feição normativa e processual após a Segunda Guerra Mundial, quando tanto o direito quanto as relações internacionais passaram a sofrer o impacto dos tratados internacionais multilaterais que se multiplicaram desde então.

1 Nos termos do que preceitua o artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1966 (ONU,

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No que tange à responsabilidade internacional do Estado por violação de direito amparado por tratado internacional de direitos humanos, ela somente pode ser constatada com o advento da normativa internacional que começou a ser produzida a partir da segunda metade do século XX e que tem como marco, além do próprio Tribunal de Nuremberg, a adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, adotados no âmbito do sistema da Organização das Nações Unidas, entidade criada após 1945. Baseada no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, a ONU adota como propósitos desenvolver relações entre as nações, apropriadas ao fortalecimento da paz universal, à promoção e estímulo ao respeito aos direitos humanos, conforme se depreende da análise do artigo 1° da Carta das Nações Unidas, adotada e aberta à assinatura pela Conferência de São Francisco em 26 de junho de 1945 (apud COMPARATO, 2003).

Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais, prescritos no Pacto Internacional de 1966, sob o impacto da tensão ideológica alimentada pela guerra fria, foram estabelecidos pela Resolução 2.200-A, no XXI da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de fevereiro de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992.

Tendo como principal objetivo estabelecer efeitos jurídicos vinculantes aos dispositivos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, além de enunciar um elenco extenso de direitos, o fez adotando uma linguagem que implica obrigações no plano internacional, mediante a sistemática da international accountability. Vale dizer que o referido Pacto criou obrigações legais para os Estados-parte, tanto no que concerne ao empreendimento de todos os esforços para viabilizar o exercício pleno dos direitos nele enunciados como o de prestar contas perante a sociedade internacional das medidas adotadas para tal fim.

A sistemática da international accountability prevista no Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, nesse sentido, prevê que os Estados-parte devem encaminhar relatórios periódicos à Organização das Nações Unidas referentes às medidas adotadas para verificação da observância aos direitos reconhecidos no Pacto. Os relatórios são examinados pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.

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subsistemas justapostos, imbricados, ordenados com tantos centros de poder quanto nas sociedades primitivas, com múltiplas ressonâncias, porém desorganizadas pelo intento da homogeneização das práticas políticas, jurídicas e sociais.

Destarte, apesar do caminho trilhado pelo ideário dos direitos humanos evidenciar que eles não mais podem ser tratados como assunto de interesse unicamente interno dos Estados, o mesmo não ocorre com os direitos de ordem econômica, social e cultural que ainda têm a sua realização vinculada às contingências inerentes a cada Estado-parte signatário.

No Brasil, o impacto do processo de reconhecimento e afirmação dos direitos humanos como valores universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados mostra-se mais visível após a promulgação da Carta de 1988 que tratou de introduzir grande parte dos dispositivos constantes dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, bem como de consagrar-lhes status legislativo privilegiado, sobretudo com o advento da Emenda Constitucional n°.45, em 2004.

No entanto, ao analisar dados disponibilizados tanto pelos órgãos das Nações Unidas, quando pelo governo brasileiro e pela sociedade civil organizada, verifica-se que todo o caminho percorrido pelos direitos humanos, no Brasil, aponta mais um avanço conceitual que sua efetivação material e formal. A realidade brasileira evidencia aumento da pobreza, da miséria, da exclusão social e, por conseguinte, da degradação da própria condição humana, imprimindo no homem a marca de um bicho, lançado em um cenário semelhante àquele descrito por Manuel Bandeira, que não cheira, não sente, somente devora o que encontra pela frente.

Na verdade, constata-se que o processo de universalização dos direitos humanos, tanto no âmbito internacional quanto local, se encontra, na atualidade, em um dilema nos moldes weberianos – entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade – porém às avessas, pois, tratou-se do estabelecimento de responsabilidades sem que a convicção se fizesse presente no momento de sua formulação.

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Quanto aos mecanismos da international accountability, no âmbito das Nações Unidas, antecipamos que o processo de elaboração, apresentação e utilização dos relatórios, como ferramenta de poder de constrangimento, tem traduzido muito mais preocupações relacionadas com a filosofia central do Consenso de Washington, que propriamente com a filosofia dos direitos humanos impressa nos tratados internacionais para sua proteção.

Por fim, mas não menos importante, considerando que os direitos econômicos, sociais e culturais, embora tendo matrizes fundamentadoras bastante diversas daquelas que sustentam os direitos civis e políticos, são direitos humanos, pretende-se demonstrar que a ausência de convicção não só paira sobre o ordenamento jurídico-político brasileiro mas, sobretudo, sobre a sociedade internacional que, estruturada conforme uma geometria acentuadamente assimétrica, se recusa a reconhecer a dívida social que mantém com os países periféricos que andam a reboque do processo de globalização das relações econômicas e comerciais patrocinada pelo capital flutuante, sem pátria e, especialmente, sem função social previamente definida.

Partindo do pressuposto de que o direito é constitutivo e regulador da ação política, que requer consenso e se fundamenta na promessa, negar o status de direitos humanos aos direitos econômicos, sociais e culturais significa também ignorar a promessa como elemento que estabelece limites estabilizadores necessários à imprevisibilidade e à criatividade da ação.

Logo, negar o status de direitos humanos aos direitos econômicos, sociais e culturais, classificando-os como políticas públicas, ou seja, simples normas programáticas a serem implementadas de acordo com os recursos disponíveis, consiste em negar a promessa do direito e também da humanidade de reconhecimento da dignidade humana a uma parcela da sociedade cada vez mais representativa. Não conferir esse status aos direitos econômicos, sociais e culturais é institucionalizar a pobreza, a miséria e todas as formas de privações e constantes carências que colocam o ser humano em situação de extrema degradação.

Resgatar a promessa talvez seja o verdadeiro papel do direito internacional dos direitos humanos na contemporaneidade, sobretudo no que diz respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais que, relegados a segundo plano, parecem ainda não terem sido reconhecidos sequer como valor ético universal.

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adentra o século XXI com a incumbência de resgatar os princípios do pacta sunt servanda e da boa-fé como elementos fundamentadores e reveladores do ato de fundação de uma nova comunidade política que enseja novas formas de agir e novos loci de manifestação do poder político, desprendido da trindade povo-Estado-território fundado pelo modelo internacional vestfaliano, em 1648.

Justificativa

Falar sobre direitos humanos na atualidade pressupõe algumas reflexões que transcendem o ambiente e o contexto histórico, filosófico e jurídico. Falar sobre direitos humanos pressupõe análise política, conjetural e também institucional. De sua afirmação histórica, mais visível a partir das Declarações de Direitos dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789), ao período posterior à Segunda Guerra Mundial, uma importante fase se consubstancializa: a aceitação e afirmação pelos Estados dos direitos humanos como valores filosóficos e ideológicos universais. No entanto, sua trajetória pressupõe, ainda, a afirmação material e formal que se evidencia com a celebração de tratados internacionais de proteção dos direitos humanos.

Nesse sentido, tratar o tema dos direitos humanos atualmente, sobretudo, sobrepondo o sistema das Nações Unidas ao sistema brasileiro constitui-se em um empreendimento que se encontra na ordem e na agenda das discussões políticas interna e externa. Enfrentar os desafios do mundo contemporâneo é tarefa e dever do pesquisador na atualidade, e os direitos humanos, sem dúvida, constituem um dos maiores desafios das sociedades brasileira e internacional, devendo ser considerados interligados não só por acordos comerciais, econômicos e alfandegários, mas também por acordos pautados nos princípios da solidariedade e da emancipação como pressupostos para um desenvolvimento equânime e justo dos povos e Nações.

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situações outras, diversas daquelas que inspiraram a construção do ideário dos direitos humanos no Ocidente.

A pluralidade e a diversidade de conflitos que configuraram o século XX mostram que a questão social se apresenta mais viva do que nunca. Talvez possa-se até mesmo considerar que assumiu contornos e intensidade até então não vistas.

O direito internacional dos direitos humanos, uma vez positivado, contribuiu substancialmente para o estabelecimento de padrões internacionais preventivos à criatividade e à imprevisibilidade da ação política, tão recorrentes na história da humanidade. No entanto, essa criatividade e essa imprevisibilidade parecem inesgotáveis, pois, cada vez mais, novas formas de violência e subjugação de parcelas vulneráveis da sociedade surpreendem o mundo, seja pela sua intensidade, seja pela indiferença com que a própria sociedade lhes tem tratado, como é o caso da pobreza extrema.

Enquanto estiveram ancorados no princípio da territorialidade, instrumento de sustentação do modelo estatal vestfaliano, os direitos humanos, mais especificamente os direitos econômicos, sociais e culturais, tiveram sua realização garantida pelo Estado, vez que sua afirmação se mostrou, em larga escala, como fruto de lutas internas ocorridas no interior dos próprios Estados.

No entanto, em face de um mundo desterritorializado, que passa a ser orientado por fluxos contínuos de capital, pelas relações econômicas e comerciais, pela perda da centralidade do locus de exercício do poder político, o discurso da realizabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais, em âmbito local ou internacional, parece retratar, recorrendo às palavras de Hannah Arendt (1989), muito mais um cenário de barbárie do que civilização.

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A crise de legitimidade e de convicção pela qual passam os direitos econômicos, sociais e culturais, inaugurada, sobretudo, pelo recrudescimento do ideal liberal que orienta o processo de globalização em pleno século XXI, à primeira vista, parece não só apresentar a pobreza, a pobreza extrema, a violência urbana, os conflitos rurais e, porque não, a degradação do meio ambiente, como entraves ao desenvolvimento econômico global e à geração de mais riqueza, mesmo que de forma concentrada, também acaba por enunciar aos pobres, aos miseráveis, a responsabilidade pela própria pobreza; aos marginalizados, a responsabilidade pela própria marginalização; aos excluídos do processo de desenvolvimento, a responsabilidade pela própria exclusão. Depreende-se um clamor, provindo da sociedade, por políticas de intolerância, de repressão e de exclusão, com fins imediatistas e reducionistas, desconsiderando os fatores que alimentam e retroalimentam uma sociedade de classes desigualitária.

Diante de tal realidade, também constatada por instituições brasileiras e visível a olho nu, e por entender que a problemática dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais não se restringe ao universo de política interna dos Estados, mas a toda a sociedade internacional, desenvolve-se o presente estudo com o intuito de demonstrar a interface de conceitos importantes da ciência política, em especial no campo das relações internacionais, com o direito internacional, em particular com o direito internacional dos direitos humanos.

A análise que se pretende empreender encontra escopo na premissa de que o monitoramento contínuo é pressuposto de sobrevivência da idéia dos direitos humanos e também da consciência da necessidade de sua proteção, não só no plano interno dos Estados, mas também perante a sociedade internacional que, cada vez mais se depara com novos desafios e ameaças, tais como o crescimento da pobreza extrema, o recrudescimento do nacionalismo e da intolerância, situações que muito têm abalado as próprias estruturas societárias e colocado cada vez mais pessoas em situação de vulnerabilidade.

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Assim, pretende-se com a análise do impacto dos mecanismos da international accountability dos direitos econômicos, sociais e culturais no Brasil, demonstrar não seu papel repressivo, mas preventivo, ressaltando que talvez deva ser sua função primordial a de evitar a repetição, por meio da avaliação das práticas estatais que, tão recorrentemente, seja por ação, seja por omissão, têm patrocinado cada vez mais o surgimento de situações de vulnerabilidade, exclusão e negação da própria condição humana de parcelas cada vez mais crescentes da sociedade.

Esclarecimentos Metodológicos

Este trabalho, portanto, tem como temática os mecanismos da international accountability dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, no âmbito da Organização das Nações Unidas, e sua interface com o processo de justicialização dos ditos direitos no Brasil após a adoção da Constituição Federal de 1988.

Como se trata de um estudo que busca analisar a qualidade da international accountability dos direitos econômicos, sociais e culturais no âmbito das Nações Unidas, opta-se por abordar inicialmente a análise conceitual do termo accountability, seus elementos constitutivos e pressupostos de validade no âmbito da ciência política para, então, intentar sua compreensão na seara da política internacional que permeia o ideário dos direitos humanos no âmbito da Organização das Nações Unidas.

Em seguida, empreende-se a análise do instituto da responsabilidade internacional do Estado, por não-cumprimento de obrigação decorrente de tratado internacional sobre direitos humanos para, então, chegar aos mecanismos previstos no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e seu impacto na afirmação dos direitos humanos no Brasil.

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A partir desse referencial partimos para a análise específica dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, afirmados, formalmente, no Pacto Internacional das Nações Unidas de 1966, utilizando como fontes, documentos históricos e obras clássicas do direito político moderno, a fim de evidenciar a matriz que conduziu o Estado a considerar o indivíduo como sujeito de direito; os textos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966; da Constituição Federal de 1988 e; do aparato legislativo federal referente à tutela dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais no Brasil produzido a partir de 1988.

No plano empírico, as fontes constituem-se do relatório alternativo sobre a situação dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais elaborado pela sociedade civil organizada, em 2000; pelo informe inicial oficial do governo brasileiro, apresentado em 2001; pelo contra-informe da sociedade civil, elaborado em 2003; pelas observações conclusivas da Organização das Nações Unidas expostas na E/C.12/1/ADD. 87, aprovada na 29ª Sessão do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, realizada em 23 de maio de 2003; pelo segundo relatório periódico oficial do governo brasileiro, elaborado em 2006 e; pelo segundo relatório da sociedade civil, elaborado em 2006.

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CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE ACCOUNTABILITY

O estudo do tema da accountability, no âmbito da ciência política é, constantemente, empreendido como pressuposto para a constatação de democracias ou poliarquias bem-sucedidas. Assim são conduzidos grande parte dos estudos referentes ao tema, sobretudo, por Guillermo O’Donnell (1998).

Por uma poliarquia bem-sucedida, entende-se um Estado que possua mecanismos institucionais hábeis para possibilitar aos cidadãos e à sociedade civil, exigir prestação de contas pelos agentes públicos, sendo as eleições livres e justas o principal deles. No entanto, não se pode desprezar, nesse contexto, a existência de mecanismos que garantem também a liberdade de opinião e de associação, o acesso a fontes variadas de informação e a existência de órgãos de Estado com poder e capacidade legal para, de fato, empreender ações de monitoramento e sanção em relação a ações ou omissões ilegais (DAHL, 1997).

Em que pese não haver consenso em relação ao conceito nem sobre os elementos permanentes que serviriam para constatar sua existência e eficácia em novas democracias, alguns fatores têm alimentado seu debate, ainda bastante restrito ao campo da ciência política.

Por certo que o conceito de O´Donnell (1998) não goza de consenso, no entanto, o presente capítulo não tem por escopo empreender uma análise exaustiva sobre o tema, mas, tão-somente, estabelecer uma base para empreender a discussão da inserção do tema da

accountability no contexto da política internacional contemporânea, sobretudo quando se constata sua intrínseca interface com a temática dos direitos humanos.

Nessa diretiva, este capítulo tem como objetivo tecer considerações acerca do conceito de accountability cunhado por O´Donnell (1998), de modo a verificar suas dimensões, seus pressupostos de eficácia e de que forma suas bases podem se relacionar com a sistemática da

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Com base na análise de três dilemas prementes no contexto das relações internacionais, que podem ser traduzidos no embate entre funções sociais versus forças sociais, igualdade de poder versus assimetria de poder e hard law versus soft law, propõe-se que a eficácia dos mecanismos de monitoramento do cumprimento das obrigações assumidas por força da entrada em vigor do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU somente encontra repercussão em um cenário político que se aproxime ao máximo daquilo que, lançando mão das considerações feitas por Robert Dahl (1997), será chamado de poliarquia internacional.

1.1 As dimensões do conceito de accountability

Segundo O’Donnell (1998) não somente a poliarquia como regime político, mas todo o sistema legal das sociedades ocidentais e ocidentalizadas é construído conforme a premissa de que todos, representantes e representados, são dotados de um grau básico de autonomia e responsabilidade.

Tal premissa, conforme afirma Jon Elster (s.d), pode ser constatada na primeira democracia que se consolidou no mundo ocidental, a ateniense, por volta dos séculos V e IV a.C.:

Athenian democracy, all things considered, must be considered a great success largely because of its elaborate system of checks and balances, which prevented rash decisions by the citizens and abuse of power by military and political leaders. In this system, mechanisms of accountability had a central place (ELESTER, s.d, 253).

Para Elster (s.d), como uma democracia direta, o sistema político ateniense apresentava-se de forma bastante mais simples que aqueles que surgiram nas democracias representativas modernas. Antes de tudo, cumpre ressaltar que a própria discussão do termo

accountability deve ser empreendida segundo três aspectos. O primeiro leva em conta o povo como o principal protagonista na escolha política de seus agentes representativos. No segundo, em um sistema parlamentarista, a legislatura escolhe o executivo como seu agente. E o terceiro, o executivo indica uma burocracia oficial como seu agente. Em Atenas, “these three relationships collapsed into one. Political leaders (orators in the Assembly) and officials (notably generals) were directly accountable to the citizens at large” (ELSTER, s.d, p.254).

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modernas democracias, nas quais o conceito se expande e engloba, em um só tempo, tanto as escolhas populares como a responsividade, a responsabilidade e a sanção ou punição daqueles que tomam as escolhas de seus representados.

Sejam quais forem as definições de democracia, desde Atenas até os dias atuais, importa ressaltar que

há uma ligação estreita entre democracia e certos aspectos da igualdade entre indivíduos que são postulados não apenas como indivíduos, mas como pessoas legais, e consequentemente como cidadãos – isto é, como portadores de direitos e obrigações que derivam de seu pertencimento a uma comunidade política e de lhes ser atribuído certo grau de autonomia pessoal e, consequentemente, de responsabilidade por suas ações (O’DONNELL, 1998b, p.39) (grifo meu).

Já nas democracias modernas pode-se falar, propriamente, na existência de duas dimensões de manifestação da accountability: uma legal e outra política.

A dimensão legal que orienta as práticas políticas estatais exerce um papel fundamental no estabelecimento de previsões tanto para as próprias práticas como para os mecanismos de que se dispõe para responsabilizar os agentes do poder público por práticas abusivas, arbitrárias e até mesmo ilegais. Essas práticas, segundo O’Donnell (1998b), tanto podem impor a aplicação de uma lei discriminatória que viole direitos básicos quanto podem impor a aplicação seletiva de uma lei contra alguns, ao passo que outros são arbitrariamente isentos dela.

A aplicação apropriada da lei é uma obrigação da autoridade competente, e dela se espera que tome as mesmas medidas em situações equivalentes, pois se assim não proceder, outra autoridade deve estar habilitada a aplicar-lhe sanção e tentar reparar as conseqüências. Vale dizer que a vigência do princípio da lei acarreta certeza e accountability. (O’DONNELL, 1998b).

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instituições estatais pertinentes, por meio de procedimentos preestabelecidos e conhecíveis por todos (O’DONNELL, 1998b).

Aparado no princípio da legalidade O’Donnell (1998b) considera, portanto, a

acountability como o dever não só de o representante agir em conformidade com a lei, mas também de prestar contas de suas ações, e sofrer algum tipo de sanção quando elas não coincidem com os interesses dos representados.

Se o ato é praticado de acordo com estritos limites legais, que compreendem a observância à forma, à competência, ao motivo e ao objeto do ato, esse ao ser denominado ato vinculado, permanece mais protegido pela própria dimensão legal da accountability.

No entanto, há hipóteses em que a lei não regula todos os aspectos e todas as possibilidades de ação do agente do poder público. Neste caso, o agente pode optar entre várias opções, e diz-se que o ato praticado sob tal égide é discricionário. Nesse contexto, o ato do agente não tangencia todos os aspectos da atuação administrativa, pois, conforme afirma Maria Sylvia Zanella di Pietro (2004):

a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador. Mesmo aí, entretanto, o poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em especial a competência, a forma e a finalidade, a lei impõe limitações. Daí porque se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei (p. 205)

Importa ressaltar que tanto a forma de agir, quanto o dever de prestar contas e as conseqüentes sanções, ou por não fazer ou fazê-lo em desacordo com a lei, têm como finalidade precípua enunciar adequadamente previsibilidade para as interações humanas. Tal previsibilidade enseja a obrigatoriedade da vigência dos princípios da responsividade e da responsabilidade do agente do poder público, mesmo quando age sob o manto da discricionariedade, pois ela também se encontra enunciada sob os auspícios do princípio da legalidade (rule of law).

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apresentadas nas plataformas eleitorais dos partidos políticos se mostram como prenúncios de suas orientações políticas quando no governo.

Desta forma, a dimensão política da accountability, deriva do fato “de que os cidadãos podem exercer seu direito de participar da escolha de quem vai governá-los por um determinado período e podem expressar livremente suas opiniões e reivindicações” (O’DONNELL, 1998a, p. 30).

Conforme essa perspectiva, a accountability pode ser compreendida sob duas dimensões: a vertical, ou política, exercida por meio de mecanismos que garantam a participação do representado no processo de escolha de seus representantes, e a horizontal, que garante certeza de responsividade e responsabilidade, por meio da lei, daqueles que exercerão a função de representantes durante certo período.

As eleições, as reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se corra o risco de coerção e a cobertura regular pela mídia dessas reivindicações e dos atos supostamente ilícitos de autoridades públicas constituem as dimensões da accountability

vertical.

A accountability horizontal pressupõe a existência de agências estatais que dispõem de poder legal e que, de fato, estão dispostas e capacitadas a realizar ações que compreendem a supervisão, as sanções legais e até mesmo o impeachment contra ações ou omissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas (O’DONNELL, 1998a).

Tais condutas podem ser caracterizadas como aquelas que violam a democracia porque a decisão afeta as liberdades de associação ou introduz fraude nas eleições; porque agentes estatais violam ou permitem a violação de liberdades e garantias, tais como a inviolabilidade do domicílio, a proibição da violência doméstica e tortura; ou porque desconsideram a prioridade dos interesses públicos em face dos interesses privados dos agentes que as praticam.

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Em que pese essa dimensão da accountability ser importante para o fortalecimento de um regime democrático segundo a ótica de seu elemento político constitutivo, ela não se mostra suficiente quando considerado o elemento civil desse regime.

A dimensão civil da democracia, de acordo com O’Donnell (1998b), somente pode ser preservada por meio dos mecanismos da accountability horizontal. Em outras palavras, por serem essas ações perpetradas na fronteira entre o aparato estatal e os segmentos mais fracos e pobres da sociedade, por autoridades de baixo escalão e não-responsabilizáveis perante o processo eleitoral, elas demandam a atuação de uma outra esfera do aparato estatal diferentemente do processo eleitoral para seu monitoramento, responsabilização e reparação dos danos que vierem a causar.

Mais especificamente, essa dimensão da accountability deve contar com a atuação das agências estatais autorizadas e dispostas a supervisionar, controlar, retificar e/ou punir ações ilícitas de autoridades localizadas em outras agências estatais, devendo as primeiras disporem não apenas de autoridade legal para assim procederem, mas também, de autoridade de fato, autonomia suficiente em relação às últimas (O’DONNELL, 1998a).

Essas agências são, sobretudo, os órgãos do Poder Judiciário e também instâncias administrativas que, amparados no aparato legislativo, composto de normas constitucionais e infraconstitucionais, detêm algum tipo de poder para impor sanções aos agentes do poder público ou aos que a eles se equiparem.

Outra questão a ser considerada no conceito de O’Donnell (1998a) é que a eficácia dos mecanismos da accountability horizontal está diretamente vinculada ao seu modo de funcionamento. Não basta que essas instâncias sejam capazes de mobilizar a opinião pública para que ela acione o mecanismo da accountability vertical, mas, sobretudo, que envolva a clássica instituição do Poder Judiciário que, por meio das decisões dos tribunais, tem por atribuição punir, por meio da sanção legal, a conduta ilícita, ilegal ou abusiva do agente violador da norma ou princípio que rege a administração pública.

O’Donnell (1998a) afirma que

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Em larga escala, depreende-se que a eficácia da accountability horizontal não só depende de uma teia bem constituída de agências estatais comprometidas com o apoio a esse tipo de accountability, mas também que essas agências sejam institucionalmente autônomas para não sofrerem pressões e ingerências externas, decorrentes dos desmandos e desvios típicos da usurpação e da corrupção.

Por certo que o estabelecimento dos writs ou remédios constitucionais, como ações de natureza constitucional que objetivam tornar efetivas as garantias constitucionais dos direitos fundamentais, muito eleva a capacidade processual do cidadão e seu status de potencial vigilante das práticas dos agentes do poder público, sobretudo quando se considera o histórico dos abusos perpetrados nos períodos de governo autoritário, tão recorrentes na história da própria instituição estatal.

Por outro lado, a análise da eficácia da accountability horizontal apresentada por O’Donnell (1998b) acaba por revelar uma outra perspectiva que tem sido a central no desenvolvimento das novas democracias que emergiram, especialmente, na América Latina, a partir do final da década de 1970. Essa perspectiva clama pela atuação em rede, não só das instituições estatais, mas também, da própria sociedade civil organizada, por meio de organizações e associações que, nos novos textos constitucionais, conquistam legitimidade para atuarem em nome do interesse, quer de seus membros quer de toda a coletividade.

Tais organizações, segundo O’Donnell (1998a), incluindo as internacionais, desempenham um importante papel, mas suas injunções e recomendações correm o risco de serem definidas como interferência “externa” indevida se não forem incorporadas e, pode-se dizer, “nacionalizadas” por agentes domésticos.

A atuação em rede, portanto, incluindo agências internacionais, embora sujeita a críticas, sobretudo, por constitucionalistas, implica tornar responsável o agente do poder público também por violar preceitos do direito internacional e ser taxada como “interferência externa indevida” não elimina o caráter de serem revestidas de padrões morais que a maioria dos países reconhecem como obrigações a serem respeitadas por decorrer de compromissos internacionalmente assumidos.

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da responsabilidade; e o terceiro, o da punição, decorrente da aplicação do próprio princípio da responsabilidade do agente público.

Por certo que o momento da sanção, nessa diretiva, se apresenta como um dos mais relevantes para a compreensão do instituto da accountability, sobretudo horizontal, como também para os desdobramentos que o presente estudo pretende analisar.

Assim, a prestação de informações e de justificativas constitui dimensões da responsividade dos agentes do poder público, ao passo que a sanção é um elemento decorrente da constatação da responsabilidade do agente do poder público, que tanto pode decorrer da não-prestação de contas quanto de elas não serem aceitas ou demonstrarem práticas abusivas, arbitrárias ou ilegais.

1.2 Poliarquia e a otimização de eficácia de accountability

A democratização dos sistemas políticos emergentes da modernidade parte do pressuposto de que a existência de oposição, rivalidade e competição entre um governo e seus opositores é condição sine qua non para sua consolidação. No entanto, trata-se apenas de um dos aspectos a serem verificados na construção de um regime democrático, pois, não basta haver oposição entre as diversas forças políticas existentes no interior de um Estado, mas é necessário também existir interação entre representantes e representados, ou seja, entre governantes e governados.

Nos dizeres de Dahl (1997), um regime pode ser descrito como democrático quando se constata, nem tanto oposição mas, sobretudo, responsividade do governo em face das preferências dos cidadãos, considerados iguais politicamente. Assim, considera-se democrático um sistema político no qual uma de suas principais características é a qualidade de serem os representantes, completamente, ou quase completamente, responsivos para todos os seus cidadãos. Para isso, é preciso que todos os cidadãos tenham oportunidades, sem se prejudicarem, de formularem suas preferências e expô-las aos demais cidadãos e ao governo por meio de ações individuais e coletivas e, ainda, terem suas preferências avaliadas igualitariamente na condução do governo, ou seja, sem qualquer discriminação no tocante ao conteúdo ou à fonte da preferência.

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maioria dos Estados-Nações da atualidade, as instituições sociais, além de exercerem papel fundamental, devem fornecer ao cidadão ao menos oito garantias.

No que tange à oportunidade de formular suas preferências são necessárias, ao menos as garantias institucionais dos cidadãos de terem liberdade para formar e participar de organizações, liberdade de expressão, direito ao voto, direito dos líderes políticos competirem por apoio e, sobretudo, acesso a fontes alternativas de informação.

Para que possam expor suas preferências, além das garantias enunciadas, necessário se faz, ainda, que existam eleições livres e regulares, e que aos cidadãos seja garantido o direito de concorrer a cargos públicos.

Por fim, para que possam ter suas preferências igualmente avaliadas na condução do governo, é preciso que haja instituições que tornem as políticas governamentais dependentes dos votos e de outras formas de expressão de suas preferências.

Levando em consideração dois dos pressupostos enunciados, o direito de participação do cidadão e o seu direito de contestação ou oposição às políticas governamentais, quanto maior for o grau de repercussão de tais garantias, mais um regime amplia seu grau de democratização. As poliarquias, portanto, “podem ser pensadas como regimes relativamente (mas incompletamente) democratizados, ou, em outros termos, as poliarquias são regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública” (DAHL, 1997, p.31).

Por outro lado, regimes que restringem ao máximo ambas as garantias não passam de uma hegemonia fechada, ao passo que, se ampliam uma dessas dimensões em detrimento da outra incorrerão em oligarquias competitivas, quando estendem o direito de contestação em face do direito de participação, ou em hegemonias inclusivas, quando o fazem de modo inverso, ampliando a participação e diminuindo o direito de contestação (DAHL, 1997).

Adentrando a questão expressa inicialmente, do interelacionamento do conceito de poliarquia com os pressupostos de validade e efetividade de accountability em um Estado, constata-se que, em um regime no qual as oportunidades de participação e de contestação pública são mais expansivas, os mecanismos de accountability, por sua vez, também tendem a ser mais eficazes.

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agentes do poder público, como pressupostos de constatação da existência de accountability, apresentam uma intrínseca relação com o grau de democratização de um dado Estado, do que se depreende que, em uma poliarquia, o dever de prestar contas e ser responsabilizado por seus atos encontrará terreno fértil para seu aperfeiçoamento, pois, conforme preceitua Dahl (1997), quanto mais os custos de supressão da participação e da contestação excederem os custos da tolerância de quem governa, ou seja os representantes, maiores serão as chances de que um regime competitivo surja e dure o maior tempo possível.

Por certo que não somente em democracias ou poliarquias, representantes e representados são dotados de algum grau de responsividade e responsabilidade. No entanto, da análise empreendida percebe-se que a accountability representa um mecanismo, por excelência, de viabilização e da construção de regimes cada vez mais democráticos e duradouros, encontrando seu ápice quando atingir níveis, não mínimos ou básicos, mas, ótimos, de participação e de contestação.

1.3 Igualdade de poder como pressuposto de eficácia da accountability

Se, como afirma O’Donnell (1998b), a vigência do princípio da legalidade gera certeza e accountability, pois atua como elemento a prevenir a criatividade da ação e o inusitado no âmbito da administração pública, o princípio da igualdade de poder entre os agentes do poder público envolvidos na sistemática da accountability horizontal é pressuposto para a constatação de sua validade e eficácia.

O princípio da igualdade como pressuposto da eficácia da accountability horizontal apresentado por O’Donnell (1998a), não pode ser compreendido como igualdade de fato entre representantes e representados, mesmo porque os primeiros agem sob a égide dos princípios da legalidade e/ou da discricionariedade. Há duas perspectivas para intentar a análise do referido princípio como pressuposto para a verificação da eficácia do instituto da

accountability horizontal.

A primeira perspectiva implica dizer que “todas as decisões devem ser públicas, no duplo sentido de que o processo que leva a elas está aberto à participação ampla e de que o conteúdo das decisões é acessível a todos” (O’DONNELL, 1998a, p. 47).

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decisões coletivas, por meio de mecanismos que os legitimem a provocar os órgãos do Estado autorizados a deflagrar o processo de responsabilização dos agentes do poder público incumbidos de agir, tendo em vista o bem de todos, o princípio da igualdade tem por finalidade legitimar os cidadãos a buscarem informações e justificativas que sirvam de fundamento para amparar ou responsabilizar as práticas do referido agente.

Nesse sentido, os writs ou remédios constitucionais, tais como a ação popular, a ação civil pública e o mandado de segurança, são importantes ferramentas na consecução de tal fim, sobretudo quando legitimam os cidadãos a invocarem a tutela jurisdicional na busca, tanto da informação quanto da justificativa do agente do poder público por suas escolhas.

Por certo que o princípio da igualdade, nesse contexto, não significa colocar o indivíduo no mesmo patamar hierárquico do agente do poder público, mas de colocar todos os cidadãos com as mesmas capacidades postulatórias ante os órgãos que são legitimados para imporem a sanção em caso de ação ou omissão delituosa do referido agente.

Esse pressuposto considera os indivíduos pessoas legais, portadores de direitos e obrigações, formalmente iguais não só no domínio político, mas também, nas obrigações contratuais, civis, criminais e tributárias, nas relações com órgãos estatais e em muitas outras esferas da vida social (O’DONNELL, 1998b).

A segunda perspectiva de manifestação do princípio da igualdade na consecução da

accountability horizontal é a que diz respeito à igualdade, à autonomia, à não-subordinação das instituições legitimadas a apurar a responsabilidade dos agentes do poder público em face das próprias instituições ou agentes suscetíveis de responsabilização.

Nesse sentido, a profissionalização das agências que desempenham o papel preventivo e também do Poder Judiciário, as dotações com recursos suficientes para a consecução de suas ações, a independência para agirem sem se submeterem aos caprichos, sobretudo do Poder Executivo, são pressupostos tanto para a afirmação do princípio da igualdade entre responsáveis e responsabilizadores quanto do próprio instituto da accountability horizontal, que depende da autonomia dessas instituições para a consecução de seus fins, qual seja, responsabilizar o agente, impondo-lhe uma sanção previamente estabelecida nos textos das leis que regem o país.

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nada tangencia o princípio que rege o sistema dos checks and balances trazido pelos Federalistas.

É importante ressaltar que os checks and balances têm como mola propulsora a igualdade e a autonomia entre os poderes juridicamente constituídos, de modo que um possa atuar como freio do outro quando se vale da usurpação ou extrapola seus limites de atuação.

O sentido dos checks and balances, da forma como fora cunhado na moderna doutrina constitucionalista, pode ser extraído da própria doutrina de Montesquieu (1995, p.119), no

Espírito das Leis, no qual afirma:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.

Se o sentido dos checks and balances está vinculado à idéia da aplicação do princípio da igualdade e de separação entre os poderes para impedir a usurpação de funções, por outro lado, o sentido da accountability vincula-se à idéia da aplicação do princípio como mecanismo viabilizador das instâncias legitimadas para a cobrança de informações, justificativas dos agentes do poder público e também daquelas legitimadas, de fato e de direito, para imporem sanção em caso de condutas delituosas dos mesmos agentes, quer sejam essas instituições poderes juridicamente constituídos ou não, sobretudo quando se trata da exigência e do dever de prestar informações e apresentar justificativas.

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1.4 Accountability: funções sociais versus forças sociais

A visão tradicional de que os diferentes poderes existentes na instituição estatal são representantes de diferentes forças sociais presentes em dada organização societária foi sustentada e considerada válida até o final do século XVIII, quando eclodiram as grandes revoluções e, também, as significativas transformações por que passaram os Estados a partir de então.

A concepção de Montesquieu (1995) relativa à separação dos poderes deixa claro que representadas eram as ordens sociais, os estamentos, tais como o monarca, a Câmara Alta, que representava a nobreza, e a Câmara Baixa, representando a burguesia. A divisão, de fato, se dava no âmbito das funções existentes no Estado, todas elas exercidas pelo monarca:

Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o executivo que depende do direito civil.

Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo Terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente o poder executivo do Estado (MONTESQUIEU, 1995, p.118-119).

Essas três funções estatais, portanto, representavam as forças sociais existentes à época.

A visão tradicional, no entanto, foi contraditada por ocasião da queda das monarquias na Europa e ascensão de uma nova forma de governo, a republicana e, também, um novo sistema de governo, o presidencialismo, criado ineditamente por força da independência dos Estados Unidos da América.

Com o advento dessa nova forma de organização estatal, todos os ramos do governo passaram a ser tidos como agentes do povo, ou seja, existem categorias institucionais diversas para uma só categoria social, e as diferenças residem tão-somente nas funções exercidas pelas categorias institucionais.

Imagem

Figura 1 – Duas dimensões teóricas da democratização   Fonte: (DAHL, 1997, p. 29).
Figura 2 – Liberalização, inclusividade e democracia  Fonte: (DAHL, 1997, p. 29).

Referências

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