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HUMANISMO E DIDÁTICA DA HISTÓRIA

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Academic year: 2021

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ORGANIZAÇÃO E TRADUÇÃO Maria Auxiliadora Schmidt

Isabel Barca Marcelo Fronza Lucas Pydd Nechi

HUMANISMO E DIDÁTICA DA HISTÓRIA

JÖRN RÜSEN

1ª EDIÇÃO - 2015

W. A. EDITORES CURITIbA

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Copyright : LAPEDUH/UFPR – W.A. Editores Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em sistema de reprodução ou transmitida, sob qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, fotocopiado, ou outro, sem prévia e expressa permissão dos autores.

A revisão técnica dos textos é de responsabilidade dos organizadores.

LAPEDUH/UFPR

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Rua Rodrigues Alves, 189 Fone: (41) 3343-5139 www.waeditores.com.br

OrganizadOres

Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Izabel Barca

Marcelo Fronza Lucas Pydd Nechi

revisãO

Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Walter Werner Schmidt

João Luis da Silva Bertolini

Capae prOjetO gráfiCO Luiz Gustavo Schmoekel

direçãOeditOrial Walter Werner Schmidt

COOrdenaçãOeditOrial

Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Walter Werner Schmidt

João Luis da Silva Bertolini

traduçãO

Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Izabel Barca

Marcelo Fronza Lucas Pydd Nechi

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Sumário

Marcelo Fronza/Maria Auxiliadora Schmidt

Contribuições de Jörn Rüsen para a didática da história na perspectiva do humanismo,

5

EstevãoMartins

Humanismo: a utopia necessária e sua historicidade,

13 Capítulo 1

Formando a consciência histórica – para uma didática humanista da história,

19

Capítulo 2

Em direção a uma nova ideia de humanidade: unidade e diferença de culturas nos encontros de nosso tempo,

43 Capítulo 3

Humanismo clássico — um levantamento histórico,

57 Capítulo 4

Historicizando a humanidade – algumas considerações teóricas na contextualização e compreensão sobre a ideia de humanidade,

85

Capítulo 5

O enraizamento da ordem política nos valores dos cidadãos,

99

Capítulo 6

Humanismo e cultura muçulmana: patrimônio histórico e desafios contemporâneos,

123

Capítulo 7

Humanismo intercultural: ideia e realidade,

133 Capítulo 8

Humanismo na era da globalização: ideias sobre uma nova orientação cultural,

153

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5

Contribuições de Jörn Rüsen para a didática da hisria na perspectiva do humanismo

Contribuições de Jörn

Rüsen para a didática da história na perspectiva do humanismo

Marcelo Fronza1

Maria Auxiliadora Schmidt2 Um dos princípios básicos que fazem da Didática da História a função pública do conhecimento histórico é o humanismo. Considerando que as concepções ligadas ao realismo crítico estão, em geral, pautadas na epistemologia do sujeito e a História fundamentada na narrativa produzida pelos seres humanos, esta obra de Jörn Rüsen, Humanismo e Didática da História, organizada e traduzida pelos professores historiadores Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, Isabel Barca, Lucas Pydd Nechi e Marcelo Fronza, tem como finalidade apresentar questões estruturais para o ensino de história no mundo contemporâneo, para fazer face à perspectiva instrumental da aprendizagem por competências e fornecer fundamentos para uma aprendizagem voltada para a formação humana.

Levando em conta que no Brasil e no Ocidente as políticas públicas voltadas à Educação estão impregnadas por perspectivas teóricas mais instrumentais, como a pedagogia dos objetivos, a pedagogia das competências e as expectativas de aprendizagem, onde as metas educacionais são entendidas como moedas de troca que fazem seres humanos, portanto, crianças, jovens estudantes e professores serem desumanizados por práticas governamentais e sistemas de avaliação antidemocráticas, em seus princípios, torna-se vital uma obra que defenda um posicionamento político e intelectual coerente em prol da humanização dos processos racionais de didatização do conhecimento

1 Marcelo Fronza é Professor doutor do Programa de Pós-graduação em História – UFMT.

2 Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schimdt é Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação – UFPR.

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Contribuições de Jörn Rüsen para a didática da hisria na perspectiva do humanismo

histórico.

Combatendo os processos de internalização do conhecimento desumanizadores e instrumentalizadores, Jörn Rüsen propõe uma Didática da História Humanista que permita aos sujeitos terem acesso aos princípios de uma aprendizagem histórica emancipadora e que os levem ao autoconhecimento a partir do reconhecimento do outro, no processo de formação da consciência histórica. A formação da consciência histórica diz respeito, portanto às formas de saber compreendidos como “princípios cognitivos que determinam a aplicação dos saberes aos problemas de orientação”. Essas formas de saber se organizam em operações mentais que os sujeitos articulam na orientação temporal da vida prática na relação consigo mesmo e no processo comunicativo com os outros, por meio do ato de narrar as experiências históricas da alegria e do sofrimento humanos (RÜSEN, 2001, p. 101).

No Brasil, Rüsen é muito conhecido pela trilogia sobre Teoria da História (Razão Histórica, 2001; Reconstrução do Passado, 2007; História Viva, 2007, obras traduzidas para a língua portuguesa, publicadas pela Editora da Universidade de Brasília e traduzidas por Estevão Chaves de Rezende Martins, o primeiro e o terceiro volumes e Asta-Rose Alcaide, o segundo.

Com estas obras, possibilitou-se o acesso à teoria da consciência histórica desenvolvida por Jörn Rüsen, abrindo possibilidades para o diálogo com pesquisas empíricas sobre aprendizagem histórica, que desenvolvidas na Inglaterra, em Portugal e no Brasil. Estas pesquisas difundiram-se pelo grupo de professores historiadores que investigam o campo de pesquisa da Educação Histórica a partir da cognição histórica situada (SCHMIDT, 2009), a qual estuda as ideias históricas de crianças, jovens e professores em contexto de escolarização, por meio da epistemologia da história. No Brasil, para desenvolver suas pesquisas, os professores do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal do Paraná (LAPEDUH/UFPR) sentiram a necessidade de traduzir para a língua portuguesa obras de Rüsen que são fundamentais tanto para o campo do ensino de história, em geral e para o campo específico da Educação Histórica.

Publicado em 2011, pela editora da Universidade Federal do Paraná, Jörn Rüsen e o Ensino de História é um livro organizado por Maria Auxiliadora Schmidt, Isabel Barca e Estevão C. de Rezende Martins, que teve grande impacto nos debates e investigações em Educação Histórica, pois permitiu o acesso dos professores de história brasileiros aos textos

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Contribuições de Jörn Rüsen para a didática da hisria na perspectiva do humanismo

do autor relativos à aprendizagem histórica, que originalmente e em sua maioria, existiam em inglês ou alemão. Após esta tradução, estes textos tornaram-se referências nas pesquisas brasileiras sobre o ensino de história. Eles têm em comum a preocupação de trazer os diálogos entre o pensamento rüseniano e o processo de formação da consciência histórica por meio do aprendizado, valorizar as problemáticas e dilemas da experiência alemã no desenvolvimento da Didática da História, a apresentação de alguns princípios que orientam o que é aprendizagem histórica, o desenvolvimento das operações mentais da narrativa histórica a partir da consciência moral, além da explicitação das três dimenções da aprendizagem histórica — a experiência, a interpretação e a orientação

— e de como verificar os critérios do que seria um livro didático ideal, ou mesmos as relações entre a narratividade e a intersubjetividade no conhecimento histórico.

Outra obra de Rüsen fundamental para o Ensino de História foi publicada em 2012, com apoio dos professores historiadores do LAPEDUH na W.A. Editores - Aprendizagem Histórica: fundamentos e paradigmas.

Este livro apresenta os fundamentos e os paradigmas que estruturam os critérios para a constituição de uma Didática da História humanista, que tem como objetivo a aprendizagem histórica ao levar os estudantes e professores historiadores a desenvolverem narrativas históricas complexas que expressem sua consciência histórica. A atualidade e a importância da Didática da História são enfatizadas por Rüsen, ao indicar a necessidade de se colocar as discussões relativas ao ensino e à aprendizagem da História no âmbito dos critérios racionais e objetivos da produção do conhecimento histórico, ligadas à formação da consciência histórica dos sujeitos. Isso, tendo como base a cultura histórica que é o locus da articulação entre as dimensões cognitiva, política e estética, nas quais a memória histórica se apresenta na escola e na sociedade que a institui.

Uma das contribuições que esta obra trouxe para as investigações em Educação Histórica foi à explicitação da categoria da intersubjetividade que, aliada à experiência e à subjetividade, é compreendida como critério fundamental para a construção de uma aprendizagem comunicativa e argumentativa, balizada epistemologicamente nas narrativas históricas em diálogo. Outra contribuição fundamental foi a preocupação de Rüsen em explanar sobre a operação mental da motivação histórica, que diz respeito às condições racionais e estruturais para a ação que os sujeitos realizam a partir da orientação temporal, constituída por experiências do passado historicamente interpretadas.

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Contribuições de Jörn Rüsen para a didática da hisria na perspectiva do humanismo

É importante mencionar brevemente aqui o livro editado pela Editora Vozes e publicado em 2014, Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã. Nele, Jörn Rüsen propõe um debate, à luz da teoria da consciência histórica, sobre como a História e sua função pública, a Didática da História alicerçada na aprendizagem histórica, podem desenvolver uma racionalidade que supere a tolerância por meio do princípio do reconhecimento do outro como critério para a formação de identidades históricas pautadas na interculturalidade.

Segundo o autor, esta perspectiva busca combater as perspectivas relativistas do multiculturalismo isolacionista e a hegemonia das cosmovisões etnocêntricas a partir de uma reordenação da orientação de sentido no tempo que entende a humanidade como uma contínua e multiperspectivada reconstrução temporal policêntrica (RÜSEN, 2014, p.

297).

Seguindo esse caminho, os recentes textos de Jörn Rüsen, dos quais a maioria deles está traduzida na presente obra, são vinculados ao projeto de constituição de um novo humanismo. Esse projeto fundamenta-se no conceito de humanismo que, para Jörn Rüsen, é pensado como ‘novo’

pois busca superar os valores de outros humanismos ocidentais. Rüsen almeja não apenas valorizar as conquistas humanitárias dos períodos que marcam a modernidade como também pretende suplantá-las para construir um mundo igualitário (NECHI, 2014, p. 26).

O novo humanismo, conforme expresso no primeiro capítulo da presente obra, está pautado nos princípios da interculturalidade e da intersubjetividade que passam a ser expressos nas problemáticas identitárias contemporâneas relativas à consciência histórica dos sujeitos e à cultura histórica das comunidades. Ele diz respeito à unidade da humanidade, bem como sua manifestação de várias formas de vida e as mudanças culturais. Fornece uma dimensão temporal à humanidade articulando uma visão abrangente da história universal, na qual as formas de vida na sua individualidade são interpretativamente reconhecidas.

Politicamente, fundamenta a legitimidade da dominação e poder sob os escrutínios dos direitos humanos e civis fundamentais. Entende a subjetividade e a intersubjetividade humanas como processos de autoconhecimento, em prol da dignidade inerente a todos os humanos no tempo e no espaço. Portanto, o humanismo expressa sempre um forte impacto didático.

A dimensão didática da História no âmbito do novo humanismo se refere valorização da dignidade humana nos processos de didatização

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Contribuições de Jörn Rüsen para a didática da hisria na perspectiva do humanismo

do conhecimento histórico por meio de uma busca por sistematização do conhecimento em aceleração da diversidade cultural no tempo e no espaço, em uma ideia coerente da humanidade compreendida como um todo temporal, isto porque cada tradição de categorização da humanidade possibilita ser investigada como uma contribuição para a comunicação intercultural entre os sujeitos. Segundo Rüsen (2015), “a ideia da humanidade, transculturalmente válida, pode assim ser realizada na internalização, pelos reflexos mútuos desses diferentes conceitos, do espelho da alteridade”. É na aprendizagem histórica que esse princípio se aplica quando as experiências do passado passam a ser internalizadas a partir da dimensão do sofrimento humano e que os conflitos e dores que os jovens sofrem contemporaneamente têm suas contrapartes em ouras épocas e ouras sociedades. Isso diz respeito à responsabilidade histórica com os compromissos que podem levar o homem a se tornar humano, no processo de luta pelo reconhecimento da dignidade do outro. Compromisso que não se refere somente em manter as conquistas humanistas já realizadas, mas democratizá-las para aqueles que, desde séculos, ainda sofrem como vítimas de processos desumanizadores e etnocêntricos.

A necessidade de aprender experiência históricas de sofrimento que apresentem o outro como o constituidor do “nós”, possibilita força para lutar pelos direitos à igualdade e dignidade humanas. É fundamental que se encontre, na relação intersubjetiva entre o eu e o outro na Didática da História, o “rosto da humanidade”.

No texto Formando a consciência histórica – para uma didática humanista da história, Jörn Rüsen aborda o significado do trabalho da didática da história, a partir de quatro desafios que movem a cultura histórica de nossa época: a) a insegurança crescente da identidade histórica, (b) uma experiência irritante relacionada à diversidade cultural, (c) um ataque contra as tradições ocidentais e d) uma nova ameaça sobre a natureza. Para indicar novos caminhos para o conceito de humanismo, Rüsen propõe reflexões no seu texto Em direção a uma nova ideia de humanidade: unidade e diferença de culturas nos encontros de nosso tempo.

Essas reflexões abordam temáticas como o desafio da globalização para a identidade cultural, o renascimento da origem dos tempos axiais e o papel da ideia de humanidade. Na continuidade, o autor apresenta uma reflexão histórica em torno do conceito de humanismo – Humanismo clássico – um levantamento histórico -, iniciando com uma pergunta: O que é “Humanismo Clássico?” Sua resposta passa pela fundamentação das premissas antropológicas, pelos momentos da mudança histórica, das

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Contribuições de Jörn Rüsen para a didática da hisria na perspectiva do humanismo

sociedades arcaicas, das mudanças culturais nas eras axiais, dos passos em direção à modernidade, da humanização da humanidade na história da Europa moderna, indicando os passos em direção ao futuro.

As reflexões de Jörn Rüsen em torno dos conceitos de humanismo e humanidade seguem nos vários textos desta obra, desde o instigante capítulo Historicizando a humanidade – algumas considerações teóricas na contextualização e compreensão sobre a ideia de humanidade – e ampliando-se para debates específicos que envolvem esta temática, abordados no capítulo O enraizamento da ordem política nos valores dos seus cidadãos. Algumas ideias sobre o humanismo político e a religião como uma base necessária para uma democracia sustentável, bem como no capítulo Humanismo e cultura muçulmana: patrimônio histórico e desafios contemporâneos. Finalmente, nos dois últimos capítulos, o autor toma duas grandes questões da contemporaneidade, a interculturalidade e a globalização e aceita o desafio de apresentá-las em consonância com a temática do humanismo. Primeiro, abordando a relação entre humanismo e interculturalidade no texto Humanismo intercultural: ideia e realidade e, em seguida, com a relação humanismo e globalização, no texto Humanismo na era da globalização: ideias sobre uma nova orientação cultural.

Essa obra visa, enfim, estimular o interesse dos professores historiadores de língua portuguesa em realizar investigações voltadas às dimensões da dignidade humana no âmbito da Didática da História, bem como articulá-las ao projeto do novo humanismo de Jörn Rüsen. Para isso, há o sentimento da urgência com o compromisso de dar continuidade à tradução de outros textos referentes ao humanismo rüseniano e suas relações com a aprendizagem histórica. Isso porque mesmo que esse projeto de lutas e investigações já tenha uma bela história no Brasil, a razão história humanista ainda está em seu alvorecer.

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Contribuições de Jörn Rüsen para a didática da hisria na perspectiva do humanismo

Bibliografia

NECHI, Lucas Pydd. O novo humanismo como princípio da função didática da história escolar: possibilidades a partir da consciência histórica de jovens estudantes ingleses e brasileiros. 2014, 60p. (Relatório de qualificação para Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.

RÜSEN, Jörn. A razão histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001.

______. Reconstrução do passado: Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica. Brasília: UnB, 2007.

______. História viva: Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB, 2007.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; Martins, Estevão de Rezende (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2010.

______. Aprendizagem histórica: Fundamentos e paradigmas. Curitiba: W. A.

Editores, 2012.

______. Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã. Petrópolis:

Vozes, 2014.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Cognição histórica situada: que aprendizagem histórica é essa? In: SCHMIDT, M. A.; BARCA, I. (Orgs.). Aprender história:

perspectivas da educação histórica. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2009, p. 21-51.

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Humanismo: a utopia necessária e sua historicidade

Humanismo: a utopia necessária e sua

historicidade

Estevão C. de Rezende Martins

Professor titular de Teoria da História e História contemporânea da Universidade de Brasília – Pesquisador 1B do CNPq.

... inquietum est cor nostrum donec requiescat in te...

S. Agostinho1 O homem é a medida de todas as coisas.

Protágoras

Desde os anos 1970, o historiador alemão Jörn Rüsen tornou-se gradualmente uma referência indispensável no campo da teoria do conhecimento histórico, da História como ciência e da didática da História no espaço sociocultural. Amplamente conhecido por sua trilogia sobre Teoria da História, publicada no Brasil e difundida em outros países de língua portuguesa e espanhola desde 20002, Rüsen publicou em 2013 nova versão, revista e consolidada, de sua Teoria da História, também disponível em português desde setembro de 2015.3

Os oito textos reunidos na presente coletânea partem do pressuposto de que a obtenção da consciência histórica, pelo sistema de aprendizagem histórica, , instrui e instrumenta toda pessoa a lidar consigo, com o mundo em que vive, com o tempo de que vem esse mundo e com o futuro que o espera. Na contemporaneidade, a didática da História tem um papel preponderante na apreensão, compreensão, análise e explicação da

1 Confessiones, I, 1.

2 Razão histórica. Os fundamentos da ciência histórica. (trad. Estevão de Rezende Martins). Brasília:

Ed. UnB, 2001; Reconstrução do Passado: Os princípios da pesquisa histórica. (Trad. Asta-Rose Alcaide). Brasília: Ed. UnB, 2007; História Viva: Formas e funções do conhecimento histórico. (Trad.

Estevão de Rezende Martins). Brasília: Ed. UnB, 2007.

3 Teoria da História. Curitiba: Ed. UFPR, 2015.

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Humanismo: a utopia necessária e sua historicidade

sociedade e da cultura. Sobre esse papel da didática o primeiro texto é programático e sistemático: didática articula pensamento, aprendizagem e consciência histórica em meio à cultura histórica de uma dada comunidade (independentemente de prevalecer ou não algum sistema estatal de regulação de conteúdos e práticas educativas).

Todo ser humano buscar assenhorear-se reflexivamente de sua experiência. Pelo pensamento racional, ele transforma em história ativa o que, estruturalmente, foi uma história passiva. Jörn Rüsen enuncia seu otimismo metafísico quanto ao pensamento e à cultura histórica com uma concepção renovada do humanismo, cuja efetivação depende do grau de autonomia crítica da consciência histórica dos indivíduos.

Não basta nascer como integrante da humanidade enquanto coletivo de seres pensantes. A realidade do mundo dos homens não necessariamente é uma realidade humana. Humanidade e desumanidade concorrem entre si, contrastam, oscilam, entram em conflito, opõem esperança e desespero, utopia e desencanto, alegria e dor, ação e paixão, avanço e recuo, conhecimento e ignorância, equanimidade e desequilíbrio, justiça e descalabro, amor e ódio, igualdade e desigualdade, fraternidade e inimizade, liberdade e prisão, bem e mal e assim indefinidamente. A experiência do bom e do agradável tem de ser articulada com a experiência equivalente do mau e do desagradável.4

O processo de aprendizagem de um sentido denso e consistente para a realidade feita e sofrida pela humanidade necessita de um horizonte humanista. O 'ser humano' é mais e melhor do que o 'ser atualmente tal ou qual pessoa'.5

Desde a Antiguidade clássica, para a tradição histórica ocidental, o eixo orientador da apreensão e da atribuição de sentido ao viver e agir dos homens requer uma concepção otimista de um ser humano ideal, que considera a si no espelho do outro.

O humanismo é uma concepção universal, de um ser humano cujas constantes antropológicas podem ser encontradas em qualquer tempo, em qualquer lugar, em qualquer cultura. Mundo, natureza, sociedade e cultura

4 Ver Jörn Rüsen. "Ideen einer neuen Philosophie der Geschichte", em Gerd Jüttemann (org.).

Entwicklungen der Menschheit. Humanwissenschaften in der Perspektive der Integration. Lengerich:

Pabst Publishers, 2014, pp. 41-48, esp. p. 43. Ver também Estevão de Rezende Martins. "Utopia:

uma história sem fim", em Marcos Antônio Lopes; Renato Moscatelli (orgs.). Histórias de países imaginários. Variedades dos lugares utópicos. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2011, p. 11-19.

5 Ver Estevão de Rezende Martins. "Educar para a humanidade. História e Iluminismo", em Valério Rohden (org.). Ideias de Universidade. Canoas: ULBRA, 2002, p. 63-92.

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Humanismo: a utopia necessária e sua historicidade

são pensados antropológica, antropocêntrica, antropotropicamente.

A historicidade instituidora de sentido para os processos temporais submetidos à reflexão racional crítica haure sua lógica na individualidade (por certo inserida em seu contexto social) do agente humano, em torno do qual se pensa e enuncia a história, cujo decorrer destina-se a criar, consolidar, manter e expandir a ideia do 'ser humano'.

A ideia de 'ser humano' não é unívoca, mas no mundo da modernidade atual, está marcada pela dimensão transcendental da dignidade da pessoa humana, da vocação a fazer o bem e a entender o respeito da alteridade como essenciais. Na política, ontem e hoje, na academia, nas diversas culturas, no mais distantes quadrantes do mundo, a enunciação de um 'ser humano' para além e para acima das tensões e dos conflitos concretos da história empírica, é um motor intelectual e prático que Rüsen considera indispensável à 'boa forma de viver' entre seres humanos no século 21.

A ideia de humanismo funciona, para Rüsen, como um ideia regulativa transcendental e universal: "Em minha argumentação, entendo por humanismo um recurso fundamental e uma referência para a natureza cultural dos humanos na orientação da vida humana e um alinhamento desta com o princípio da dignidade humana".

Formar a consciência histórica no quadro de referência do humanismo como norma e expectativa torna-se um programa tanto da reflexão histórica em geral como da didática da História - uma responsabilidade compartilhada por todos, sem diferença de ser aluno, docente, pessoa comum no quotidiano mais banal.

A ideia de humanismo não aparece pela primeira vez apenas agora.

Longas tradições lidam com ela e atribuem-lhe teores diversos, por vezes complementares, por vezes divergentes. Os textos sobre o humanismo clássico, sobre o humanismo político, sobre o humanismo muçulmano, sobre o humanismo intercultural e sobre os desafios postos aos agentes humanos pela promiscuidade da globalização, exemplificam com riqueza de pormenores o alcance da proposta de Rüsen.

O legado histórico da memória e das identidades, não raro contaminado pelos conflitos e as hegemonias, carece continuamente de análise crítica e de autonomia reflexiva quanto ao choque entre a história empírica, repleta de carências e de incoerências, e a expectativa de uma história cheia de significado compartilhado e de respeito e consideração mútuos.

"No humanismo clássico", escreve Rüsen, "a ‘humanidade’ é considerada como o critério último de qualquer operação de criação de

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Humanismo: a utopia necessária e sua historicidade

sentido e, como tal, é concebida em duas aplicações universais, tanto em um sentido empírico (que engloba toda a humanidade existente no espaço e no tempo), quanto em um sentido normativo (atribuindo a cada sujeito a dignidade de ser seu próprio fim)" – a formação de uma consciência histórica antropológica e socialmente afinada com essa ideia é uma tarefa da História e de sua didática. A modernidade dessa abordagem está na disseminação crescente da exigência de uma atitude de reconhecimento da alteridade e de corresponsabilidade pelos feitos (res gestae) e pelo que deles se diz (narratio rerum gestarum). O desafio está em pensar a humanidade para além de suas próprias limitações concretas, apostando na ilimitação do horizonte de esperança para além da contingência empírica.

Sem dúvida a esfera pública representa uma realidade histórica empírica de que não se pode abstrair sem correr o risco de cair em pseudomundo. Assim, no espaço comunicativo da política do dia a dia cabe igualmente praticar a reflexão historicizante que se assenhoreia do passar do tempo para o inserir na consciência crítica da História.6

A valorização da dignidade da pessoa humana, enquanto elemento qualificador do humanismo, é a bússola que norteia a agregação da humanidade. A política como vida social ganha assim, em tal concepção humanista, um norte plausível – mesmo se a descrição do conteúdo dessa concepção dependa de onde, de quando e de quem. Rüsen tem disso plena consciência.

Nem o relativismo, que instaura zonas medíocres de conforto, eludindo a tarefa crítica da reflexão histórica, nem o etnocentrismo corriqueiro oferecem opções consistentes para o humanismo transcendental. "O principal problema e ponto de partida é a questão de como conjugar diversidade e diferença na vida humana, uma vez que tal está obviamente a tornar-se mais forte devido à migração, aos efeitos da comunicação por internet e às mudanças gerais na política e aos graves conflitos religiosos", diz Rüsen no capítulo sobre humanismo intercultural.

Para o humanismo transcendental, o padrão de pensamento histórico, com pensado pelo autor, está "numa argumentação antropológica centrada no princípio da dignidade humana. As duas problemáticas - antropologia e dignidade – foram claramente articuladas por Immanuel Kant, ao afirmar que em cada orientação cultural da vida humana há três questões básicas que têm de ser respondidas: O que posso eu saber? O que

6 Ver, por exemplo, Luiz Sérgio Duarte da Silva. "Ação comunicativa e teoria da História aproximação de Habermas e Rüsen", em L. S. Duarte da Silva. Comunicação Intercultural. Interdisciplinaridade, comparação e compreensão I. Curitiba: Editora CRV, 2014, p. 41-53.

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devo eu fazer? O que posso esperar? E ele acrescentou – numa expressão típica do pensamento moderno – que todas estas três questões podem ser resumidas numa única e decisiva questão: O que é o ser humano?"

O humanismo transcendental proposto por Rüsen é uma resposta possível e consistente a essa pergunta. Para o autor, é "necessário desenvolver uma compreensão da humanidade na era da globalização que, enquanto inclusiva de todas as civilizações, dê ênfase à sua particularidade e diversidade. ... Todas a tradições culturais incluem elementos humanísticos. ‘Humanístico’ significa simplesmente que, pelo fato de se ser uma pessoa, se valorize em cada um a relação quer com os outros quer conosco próprios".

Para que esse excelso propósito se efetive, importa haver sido formada, constituída em cada um, a consciência histórica. Na perspectiva iluminista de Wilhelm von Humboldt, o que vem ao caso não é instruir ou cultivar – embora essas virtudes devam vir junto – mas formar o ser humano em sua plenitude e, por acréscimo, o bom cidadão, crítico e atento:

eis a substância do humanismo renovado. Rüsen, desde sua perspectiva filosófica mais e mais elaborada nas pesquisas e escritos desde a década de 2000, entende que a consciência histórica e a formação humanista nos permitem lidar, com boa chance de êxito, com a insegurança crescente da identidade histórica, com uma experiência provocativa relacionada à diversidade cultural e com uma forte aversão às tradições ocidentais – circunstâncias decorrentes do conflito de interpretações do mundo causado pela diversidade (inter)cultural contemporânea.

Em suma, o humanismo "temporaliza a humanidade em um conceito abrangente da história universal, dentro do qual toda forma de vida é hermeneuticamente reconhecida em sua individualidade". Nele, "a subjetividade humana é vista como um processo de autocultivo, de acordo com a dignidade inerente a todos os seres humanos no espaço e no tempo".

O humanismo, como representação idealizada (utópica em sentido positivo) do ser humano e de sua ação no tempo e no espaço, constitui, pois, um horizonte que funciona sempre como referência didática.

O fio crítico da reflexão de Rüsen nos capítulos deste livro acompanha o leitor, com grande proveito, ao longo da trajetória do pensamento histórico em sua função didática, sustentada na concepção-mestra do ser humano como eixo e objetivo. Um projeto instigante, desafiador, promissor.

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Formando a consciência hisrica – para uma didática humanista da hisria

Formando a consciência histórica – para uma

didática humanista da história 1

“Humanität ist der Charakter unseres Geschlechts;

er ist uns aber nur in Anlagen angeboren und muβ uns eigentlich angebildet warden.”

Johann Gottfried Herder2

Desafios para a cultura histórica de hoje

O trabalho da didática da história não pode ser entendido ou desenvolvido sem uma consciência de seu papel na cultura histórica de seu tempo. Ele tem de perceber e de responder aos desafios da orientação histórica, especialmente no que diz respeito ao aprendizado histórico e sua realização em diferentes instituições, principalmente nas escolas.

Portanto, gostaria de começar meu artigo com algumas experiências provocativas, que movem a cultura histórica de nossos países e que têm de ser agarradas e trabalhadas não somente por didatas da história, mas, em princípio, por todos os historiadores profissionais.

Eu gostaria de abordar quatro desses desafios, a maioria deles

1 RÜSEN, Jörn. “Forming Historical Consciousness – Towards a Humanistic History Didactics”. In:

NORDGREN, Kenneth; ELIASSON, Per; RÖNNQVIST, Carina (eds.). The Processes of History Teaching – An international symposioum held at Malmö University, Sweden, March 5th-7th 2009.Karlstadt:

Karlstadt University Press, 2011, p. 13-33. Tradução por Marcelo Fronza. Existe uma versão quase idêntica com título e resumo é em português, ver: RÜSEN, Jörn. “Forming Historical Consciousness – Towards a Humanistic History Didactics” [“Formando a Consciência Histórica – Por uma Didática Humanista da História”]. Antíteses, vol. 05, n. 10, p. 519-536, jul./dez. 2012. As obras citadas pelo autor editadas em português foram referenciadas nesta língua.

2 “A humanidade é o caráter da nossa espécie; só é em nós inata como um potencial, e como tal deve ser em nós cultivada.” Johann Gottfried Herder, Briefe zur Beförderung der Humanität. 2 vols. (Berlin, Weimar: 1971), vol. 1, 140.

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Formando a consciência hisrica – para uma didática humanista da hisria

decorrente da densidade crescente do encontro intercultural e da comunicação em todas as dimensões da vida humana, incluindo o cotidiano das chamadas pessoas normais e, é claro, das crianças e estudantes na escola: (a) a insegurança crescente da identidade histórica, (b) uma experiência irritante relacionada à diversidade cultural, (c) um ataque contra as tradições ocidentais e d) uma nova ameaça sobre a natureza. Outro desafio muito importante para a cultura histórica será omitido por razões de tempo, ou seja, a enorme importância das novas mídias para a cultura histórica em todas as suas diferentes áreas.

a) A insegurança da identidade histórica

A identidade é uma resposta para a questão sobre quem é alguém

— uma pessoa ou uma comunidade. Essa resposta nunca foi simples, mas sempre foi um dos grandes temas das práticas culturais. No entanto, existem momentos em que as formas estabelecidas de identidade são submetidas a uma forte dúvida e devem sofrer uma revisão crítica. Nós vivemos em tal época. A identidade nacional — nos tempos modernos, um dos conceitos mais bem sucedidos sobre o pertencimento e o ser diferente, está perdendo sua forma e força tradicionais — principalmente, na nossa parte do mundo, devido ao processo de unificação da Europa e à crescente multiplicidade das origens étnicas estimuladas pela imigração voltada para os Estados nacionais europeus. Pertencimentos trans-e- sub-nacionais estão ganhando mais importância, e o caráter exclusivo da nacionalidade está mudando para relações mais inclusivas. Dimensões culturais e políticas da identidade se afastam, e esta é uma das razões pelas quais a identidade está perdendo sua não ambiguidade.

No nível intelectual, mesmo a ideia de identidade como uma nítida distinção entre o eu e a alteridade é posta radicalmente em dúvida em favor da ideia opaca, vaga e esmaecida do hibridismo. Ainda mais, a nossa identidade como seres humanos tornou-se um tema controverso. Nossas dificuldades em relação às condições naturais da nossa vida têm levado a uma nova e radical questão do que significa ser um ser humano. Ainda somos criaturas moldadas por nossa cultura que alcançou o além da natureza, ou vamos ter que voltar para a natureza como a decisiva ordem da nossa vida?

Todas as narrativas que nos contam sobre quem somos devem ser recontadas, ampliadas por uma dimensão global da espécie humana na natureza, bem como intensificadas por uma nova consciência das

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sobrecarregadas complexidades e ambiguidades da nossa relação conosco e com a alteridade dos outros.

b) As pressões da diversidade cultural

A vida cotidiana da maioria, se não de todos os estudantes, está profundamente condicionada pela experiência da diversidade cultural e pelas tensões entre diferentes tradições e culturas. Essa experiência não é nova, mas sua intensidade é. Deixou a dimensão da alteridade localizada, até agora, fora do próprio mundo e se tornou um elemento no interior do mesmo, incluindo, é claro, as salas de aula. A diferença não é mais uma questão de distância, mas de proximidade. Isso levanta uma necessidade urgente de encontrar o próprio lugar de si mesmo na diversidade das visões de mundo e das formas de vida, para encontrar a estabilidade de sua própria perspectiva de vida vis-à-vis com uma irritante multiplicidade de possibilidades. As perguntas “quem sou eu, quem é o meu povo, e quem são as pessoas com quem eu tenho que viver junto?” adquiriram uma nova qualidade de urgência.

c) Os ataques contra as tradições ocidentais

Esta urgência recebe apoio de movimentos intelectuais, que colocam radicalmente em dúvida as até então poderosas orientações culturais da vida moderna ocidental. O pós-modernismo abalou cada ponto de estabilidade dos conceitos básicos de história e de identidade. A experiência histórica é substituída por uma geração de sentido imaginária, que tem um elevado grau de arbitrariedade; e o relativismo cultural mina o poder de persuasão dos meios conceituais de orientação cultural estabelecidos, tais como a racionalidade metódica, a universalidade dos princípios morais e as premissas básicas da sociedade civil secular. As pontes para a orientação de vida intelectual entre as gerações tornaram-se quebradiças e frágeis.

Esta decomposição das diretrizes intelectuais é reforçada por uma aguda crítica da dominação ocidental sobre as civilizações não ocidentais.

O pós-colonialismo e a virada para o conhecimento autóctone nas ciências humanas e sociais acusam os modos da modernidade cultural, advindos em sua maioria do Ocidente, como sendo apenas meios ideológicos de suprimir os outros. Esta atitude — seu mais influente precursor foi

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Friedrich Nietzsche — foi internalizada na autoconsciência ocidental, no âmbito da vanguarda intelectual.

d) A nova ameaça sobre a natureza

A crise ambiental também adquiriu uma nova urgência para reorientar a autocompreensão humana. É essencialmente tão destrutiva a natureza cultural da humanidade em sua diferença em relação à natureza, que uma mudança geral na orientação cultural ligada ao “retorno à natureza” se faz necessária? A natureza não tem desempenhado um papel importante no ensino de história tradicional, pois segue uma linha geral das humanidades ao ignorá-la nos assuntos humanos. Por outro lado, uma compreensão predominantemente naturalista da humanidade, que tem experimentado um enorme impacto na orientação cultural pelo recente sucesso da genética e da pesquisa sobre o cérebro falha, ao não revelar a dimensão histórica específica da relação entre o homem e a natureza. Em todo caso, o fato de que compartilhamos uma natureza humana comum além de todas as diferenças culturais ganhou nova importância, uma vez que a destruição das condições naturais de sobrevivência humana interessa a todos. Portanto, temos que estabelecer regras transculturalmente válidas, com o objetivo de ancorá-las na profundidade de nossa identidade humana. Por isso, uma questão deve ser levantada: qual a atuação da natureza humana comum no desenvolvimento da identidade histórica, enquanto ela está sendo formada na consciência plena da importância das diferenças culturais?

Todos esses desafios devem encontrar uma resposta em todos os campos da cultura histórica. A Didática da História deve trabalhar a sua resposta específica, e é a intenção deste artigo desenhar um esboço para isso ou, pelo menos, dar algumas sugestões para uma resposta convincente.

Alguns esclarecimentos conceituais

Deixe-me começar com algumas definições esclarecedoras das categorias de base que devem ser usadas em uma argumentação didática específica.3

3 Para uma argumentação mais detalhada ver Rüsen, Jörn: Historisches Lernen. Grundlagen und Paradigmen. 2nd edition, Schwalbach/Taunus: Wochenschau, 2008 (RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W.A Editores, 2012).

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A Didática da História

Primeiro de tudo: o que é Didática da História? É uma disciplina acadêmica especial, cuja tarefa é realizar a competência para o ensino de história. Seu pressuposto constitutivo é o fato de que os Estados modernos têm internalizado a história como uma disciplina nos currículos escolares, com o objetivo principal de permitir à geração mais jovem entrar na cultura histórica estabelecida dessas nações. Para cumprir esta tarefa, a Didática da História deve acumular conhecimentos sobre o que é a aprendizagem histórica, e como ela pode ser organizada e influenciada por procedimentos e instituições de ensinos específicos.

A consciência histórica

A categoria básica para a compreensão da aprendizagem histórica é a consciência histórica. A sua definição mais ampla ressoa como se segue:

a atividade mental da interpretação do passado para compreender o presente e esperar o futuro. Assim, combina o passado, presente e futuro de acordo com a ideia sobre o que trata a mudança temporal. Sintetiza as experiências do passado com os critérios de sentido que são eficazes na vida prática contemporânea e nas perspectivas de orientação de ação em direção ao futuro. Na Didática da História este orientação para o futuro deve desempenhar um papel importante uma vez que os estudantes devem aprender a dominar sua vida futura enquanto cidadãos adultos, de acordo com as exigências da cultura histórica de seu país.4

4 ANGVICK, Magne; BORRIES, Bodo von. Youth and History: a comparative European survey on historical and political attitudes among adolescents. V. A and B, Hamburg: Koerber Fundation, 1997. KÖLBL, Carlos; STRAUB, Jürgen. “Historical consciousness in Youth. Theoretical and exemplary empirical analyses”, in, Forum qualitative social research. Theories, methods, applications. Vol. 2, nº 3, set.

2001, disponível em: http://qualitative-research.net.fas. MACDONALD, Sharon (ed.). Approches to European Historical Consciousness: Reflections and Provocations. Hamburg: Edition Körber Stiftung, 2000. RÜSEN, Jörn. Geschichtsbewuβtsein. Psychologische Grundlagen, Entwicklungskonzepte, empirische Befunde. Beiträge zur Geschichtskultu, vol. 21. Köln: Böhlau, 2001. TEMPELHOFF, Johann W. N. (ed.). Historical consciousness and the future of our past. Vanderbijlpark: Clio, 2003. SEIXAS, Peter (ed.). Theorizing historical consciousness. Toronto/Buffalo/London: University of Toronto Press, 2006. STRAUB, Jürgen (ed.). Narration, Identity and Historical Consciousness. Making Sense of History, vol. 3, New York: Berghahn Books, 2005. RÜSEN, Jörn. “O desenvolvimento da competência narrativa na aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa à consciência moral”. In SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; Martins, Estevão de Rezende (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2010, p. 51-77.

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A cultura histórica

Cultura histórica5 é a manifestação da consciência histórica na sociedade em diversas formas e procedimentos. Inclui o trabalho cognitivo dos estudos históricos, bem como as atitudes da vida cotidiana voltadas para a compreensão do passado e a conceitualização histórica de nossa própria identidade; e não podemos nos esquecer dos museus e da educação histórica nas escolas, nem as apresentações do passado nas diversas mídias ou na literatura. É sempre útil refletir sobre a complexidade da cultura histórica. Então, deixe-me distinguir as diversas dimensões fundamentais da cultura histórica: a estética, a política e a cognitiva. São definidos por diferentes princípios de geração de sentido, que não podem ser reduzidos entre si, mas são sistematicamente inter-relacionados. Sua unidade é definida pelo princípio integrador fundamental do sentido histórico.

A aprendizagem histórica

Aprendizagem histórica6 é um processo mental em que as competências ganhas são necessárias para orientar a própria vida por meio da consciência histórica presente na cultura histórica já existente na própria sociedade. É composta de quatro diferentes habilidades que são sistematicamente inter-relacionadas e interdependentes: a capacidade de construir a experiência histórica, a capacidade de interpretar esta mesma experiência, a capacidade de usar a experiência histórica interpretada (conhecimento histórico) para orientar a própria vida, no quadro de uma ideia empiricamente articulada ao decorrer do tempo nas vidas humanas — esta orientação inclui um conceito de identidade histórica

—, e, finalmente, a capacidade de motivar as nossas próprias atividades de acordo com a ideia de nosso lugar nas mudanças temporais.

5 Uma detalhada apresentação de meu conceito de ‘cultura histórica’ pode ser encontrada em:

RÜSEN, Jörn: Historische Orientierung. Über die Arbeit des Geschichtsbewußtseins, sich in der Zeit zurechtzufinden. 2. Aufl. Schwalbach/Taunus: Wochenschau, 2008, pp. 233-284; RÜSEN, Jörn:

Berättande och förnunft. Historieteoretiska texter. Göteborg: Daidalos, 2004, pp. 149-194; uma versão modificada foi desenvolvida por Klas-Göran Karlsson: KARLSSON, Klas-Göran; ZANDER, Ulf (Eds.): Echoes of the Holocaust. Historical cultures in contemporary Europe. Lund: Nordic Academic Press, 2003; KARLSSON, Klas-Göran; ZANDER, Ulf (Eds): Holocaust Heritage. Inquiries into European Historical Culture. Malmö: Sekel, 2004.

6 Ver RÜSEN, Jörn: Aprendizagem histórica: esboço de uma teoria. RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W.A Editores, 2012, p. 69-112.

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O humanismo

O humanismo não é um conceito bem definido nas humanidades.7 Tem uma multiplicidade de significados que variam numa escala que tem como marco, para as humanidades, o começo da história da Europa moderna, em especial na relação com a antiguidade clássica, de um lado, e todo um discurso liberal e de grande abertura a respeito dos assuntos humanos. Em minha argumentação, entendo por humanismo um recurso fundamental e uma referência para a natureza cultural dos humanos na orientação da vida humana, bem como um alinhamento desta com o princípio da dignidade humana.8 Suas dimensões empíricas e suas normativas são universais. Ele inclui a unidade da humanidade, bem como sua manifestação de várias formas de vida e as mudanças culturais.

Ele temporaliza a humanidade num conceito abrangente da história universal, dentro do qual toda forma de vida na sua individualidade é hermeneuticamente reconhecida. Politicamente, fundamenta a legitimidade da dominação e poder sob a égide dos direitos humanos e civis fundamentais. Compreende a subjetividade humana como um processo de auto cultivo, de acordo com a dignidade inerente de todos os seres humanos no espaço e no tempo. Portanto, o humanismo tem sempre um forte impacto didático.

O humanismo foi uma das principais correntes da vida intelectual e cultural no Ocidente. No início da história moderna configurou um discurso intelectual, que foi além das duras regras de argumentação escolástica abrindo, assim, o espaço cultural para a liberdade e os elementos do secularismo. Numa relação constitutiva com a antiguidade clássica vitalizou seu caráter paradigmático a respeito da compreensão do mundo humano (além ou mesmo no interior de uma ininterrupta validade do cristianismo). No humanismo do final do século XVIII e início do século XIX apresentou uma particularidade nova e especificamente moderna no período formativo das humanidades a partir das novas formações

7 Ver: GIUSTINIANI, Vito R.: “Homo, Humanus, and the Message of ‘Humanism’”, in: Journal of the History of Ideas 46, nº 2, 1985, p. 167-195; BURKE, Peter: “The Spread of Italian Humanism”, in:

GOODMAN, Anthony; MACKAY, Angus (Eds): The impact of humanism on Western Europe. London:

Longman, 1990, pp- 1-20, esp. p. 1sq; CANCIK, Hubert: “Humanismus”, in: CANCIK, Hubert;

GLADIGOW, Burkhard; KOHL, Karl-Heinz (Eds): Handbuch religionswissenschaftlicher Grundbegriffe.

Bd. III. Stuttgart: Kohlhammer, 1993, pp. 173-185.

8 Ver RÜSEN, Jörn: “Traditionsprobleme eines zukunftsfähigen Humanismus” in: CANCIK, Hubert;

VÖHLER, Martin (Eds): Humanismus und Antikerezeption im 18. Jahrhundert, Bd. 1: Genese und Profil des europäischen Humanismus, Heidelberg: Winter 2009, pp. 201-216; “Intercultural Humanism:

How to Do the Humanities in the Age of Globalization”, in: Taiwan Journal of East Asian Studies, Vol.

6, No. 2 (Issue 12), Dec. 2009, pp. 1-24.

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de ensino superior e no estabelecimento dos direitos humanos como as regras fundamentais para a política e a vida social.9

Respondendo aos desafios: a ideia de um novo humanismo

Devemos começar a partir desta combinação de um universalismo empírico e normativo da humanidade, sua forma política dos direitos fundamentais, sua historicização geral e individualização da cultura humana, e a ideia de uma humanidade auto cultivada em todos os processos educacionais. A tradição deste humanismo deve estar habilitada para responder aos desafios da vida cultural, o qual já mencionei no início do meu artigo. Eu não argumento em favor da simples reprodução do humanismo ocidental do limiar da modernidade, mas sim para seu desenvolvimento futuro vis-à-vis com às experiências históricas do século XIX e XX e às exigências específicas por comunicação intercultural e por princípios fundamentais da orientação cultural contemporânea.10

Superando as lacunas do humanismo tradicional

Para transformar o humanismo moderno clássico em um modo futuro que seja promissor da orientação cultural contemporânea deve-se, antes de tudo, indicar aqueles de seus elementos que ainda são válidos.

Em contraste com a crítica generalizada da modernidade enquanto uma forma unilateral de compreender o mundo humano, sobretudo o ocidental, eu vejo uma promessa para o futuro em suas particularidades modernas, principalmente em seus elementos universalistas. Com sua síntese de um universalismo empírico e normativo, seu historicismo individualizante e sua ênfase na auto cultivo, o humanismo inaugurou um quadro apropriado para discutir os temas referentes à formação da identidade, à valorização da diversidade cultural, à defesa das conquistas da sociedade civil moderna, e à abordagem do papel da natureza na cultura humana. No entanto, este quadro deve ser reformulado, com a finalidade de superar as lacunas do humanismo moderno: a incapacidade para

9 Ver: CANCIK, Hubert; VÖHLER, Martin (Eds): “Humanismus und Antikerezeption im 18. Jahrhundert”

(Fn. 6); essa forma francesa é descrita por TODOROV, Tzvetan: Imperfect garden. The legacy of humanism. Princeton: Princeton University Press, 2002 (TODOROV, Tzvetan. O Jardim Imperfeito: o Pensamento Humanista na França. São Paulo: EDUSP, 2005).

10 RÜSEN, Jörn; LAASS, Henner (Eds): Humanism in Intercultural Perspective. – Experiences and Expectations. Bielefeld: Transcript, 2009. Ver neste livro: RÜSEN, Jörn; LAASS, Henner (Eds):

Humanismo na Perspectiva Intercultural – Experiências e Expectativas.

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enfrentar a desumanidade; a ideia ilusória sobre o conceito paradigmático da humanidade na antiguidade clássica; os elementos eurocêntricos na ideia de história universal; e os limites em integrar a natureza no interior da ideia de humanidade.

Um humanismo atualizado deve integrar a sombra da desumanidade na ideia de humanidade com base no princípio da dignidade humana.11 Enquanto um princípio de dignidade antropológica, tem elementos utópicos e deve ser entendido como uma reação à capacidade de cada ser humano de cometer os crimes mais cruéis e terríveis contra a humanidade. Esta fundamental ambivalência da humanidade é um estímulo permanente para a mudança histórica — tanto no plano da motivação da ação humana e quanto no da compreensão histórica e da orientação cultural. Além disso, o humanismo pode abrir a perspectiva da experiência histórica para a dimensão, até então fundamentalmente ignorada, do sofrimento humano.

A antiguidade clássica está sempre apresentando paradigmas históricos de uma visão humanista sobre a vida humana no Ocidente.

A imagem histórica das suas particularidades humanas na realidade da vida humana é uma ilusão. Deve ser substituída por uma imagem realista das origens culturais do Ocidente na antiguidade clássica.

Continuará a ser uma raiz da inspiração para o espírito de liberdade política, da argumentação racional, e de algumas ideias básicas sobre a natureza humana tal como a igualdade, o direito natural e a dignidade. As características ilusórias da humanidade tem que ser criticadas, mas sua essência não deve ser abandonada em favor de um realismo desiludido e cético. Em vez disso, deve ser usada como um elemento normativo de uma exuberância utópica. Também pode servir como um elemento de crítica em relação a todas as tentativas de compreender o que os seres humanos podem fazer para os outros seres humanos.

Embora o humanismo clássico moderno enfatize a diversidade cultural, não é, no entanto, livre de elementos eurocêntricos. Uma vez que cada apresentação histórica tem uma perspectiva, sua dependência em relação aos pontos de vista e às visões de mundo é inevitável. O etnocentrismo é apenas uma forma específica dessa dependência. Caracteriza-se por uma avaliação desequilibrada da inter-relação entre o eu e a alteridade.

Devem ter lugar aqui as generalizações de particularidades específicas da

11 Experimentei uma primeira tentativa de análise em relação ao Holocausto: “Humanism in response to the Holocaust – destruction or innovation?”, in: Postcolonial Studies, vol. 11, no. 2, June 2008, p.

191-200.

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cultura ocidental voltadas para os universais antropológicos. Ambos os elementos podem ser encontrados em um humanismo moderno e devem ser eliminados. Por outro lado, encontramos também um remédio na própria tradição, ou seja, as abordagens hermenêuticas do historicismo humanista com o seu interesse na diferença e na variedade da cultura humana. Eles não devem ser negligenciados, mas trazidos para o jogo da comunicação intercultural.

No que se refere à integração da natureza em uma ideia humanista da humanidade não se deve esquecer que o humanismo moderno clássico não excluiu a natureza de sua antropologia histórica e educacional.12 Contudo, infelizmente, a atitude geral moderna de dominar e de explorar a natureza não foi identificada como um perigo para a autodestruição humana.

Vis-à-vis aos esmagadores problemas ambientais contemporâneos, as condições naturais da vida humana devem ser integradas em toda ideia plausível de humanidade. A conquista humanista dos direitos humanos e civis, enquanto elementos de humanização na política e na sociedade deve ser reconstituída ao aplicá-los na inter-relação da humanidade e da natureza. O humanismo deve fornecer princípios de legitimidade para dominar a natureza e usá-la em prol da sobrevivência humana.

Novos conceitos: múltiplas modernidades enquanto uma segunda era axial

Todos estes limites podem ser superados. Mas isso não pode ser alcançado seguindo o pensamento dominante anti-humanista da vida intelectual no Ocidente durante o século XX. 13 Em vez disso, poderá ser atingido através da capacitação e da melhoria do humanismo moderno tradicional, integrando as experiências históricas do passado recente a partir de suas ideias de humanidade.

Ser um ser humano e fornecer todos os conceitos de humanidade com a ideia de dignidade individual poderia ser um ponto de partida plausível para mobilizar uma orientação cultural no processo de globalização. Tudo isso poderia realizar a unidade da humanidade enquanto um tornar-se realidade em todas as dimensões da vida humana. Mas, ao mesmo tempo, esta unidade não é exclusiva, visto que a diversidade de tradições e formas

12 Ver RÜSEN, Jörn: “Humanism and Nature – Some Reflections on a Complex Relationship”, in: The Journal for Transdisciplinary Research in Southern Africa vol. 2, no. 2, December 2006, pp. 265-276.

13 Ver FERRY, Luc; RENAULT, Alain: Antihumanistisches Denken. Gegen die französischen Meisterphilosophen [orig.: La pensée 68. Essai sur l’anti-humanisme contemporain, Paris: Gallimard, 1985], München: Hanser, 1987.

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de vida são muito poderosas.

Como atender à necessidade de sintetizar a unidade e a diferença das tendências universalizantes relativas à carregada ideia dos valores da humanidade em todas as tradições? Penso que é necessário reformular a ideia humanista da história universal, mas aqui também nos equipamos com uma tradição útil: é paradigmaticamente representada pela filosofia da história de Johann Gottfried Herder.14 A filosofia da história nos limiares da modernidade foi uma tentativa de organizar o conhecimento acelerado da diversidade cultural no espaço e no tempo, no interior de uma ideia coerente da humanidade entendida como um todo temporal.

Esta abordagem filosófica da história universal deve ser entendida em conjunto com todas as tentativas de pluralizar a história universal. É claro que a ideia abrangente da unidade da humanidade está agindo, aqui, na e pela diversidade de culturas e de civilizações na mudança histórica permanente. O intento mais promissor desse tipo é a filosofia da história de Karl Jaspers e sua ideia de eras axiais.15 Esta ideia pode ser compreendida e reconceitualizada enquanto uma ferramenta metódica do pensamento histórico contemporâneo.16 Além disso, a compreensão do processo mundial de múltiplas modernidades17 e da globalização deve ser alargada e entendida como uma segunda era axial.

Não posso entrar em detalhes em relação à ideia das eras axiais, mas cito um de seus elementos decisivos: todos nós vivemos dentro da segunda era axial. Ela tem como tarefa se referir às ideias da humanidade, que foram concebidas no primeiro tempo axial em diferentes formas, mas que, no entanto, excluíram-se umas das outras. Deve-se buscá-las para transformar a lógica da exclusão em uma inter-relação de diferentes ideias sobre a humanidade dentro da lógica da inclusão. No âmbito de tal lógica, cada tradição de conceitualização da humanidade pode ser entendida como uma contribuição para a comunicação intercultural. A ideia da humanidade, transculturalmente válida, pode assim ser realizada

14 HERDER, Johann Gottfried: Werke, ed. Wolfgang Pross, vol. III in 2 vols: Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menschheit. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2002; HERDER, Johann Gottfried. Reflexions on the Philosophy of the History of Mankind, transl. F.E. Manuel, London: 1986.

15 JASPERS, Karl: Vom Ursprung und Ziel der Geschichte. (primeiramente em Zürich 1949). München:

Piper 1963; JASPERS, Karl: The Origin and Goal of History. Westport, Conn.: Greenwood Press, 1976.

16 EISENSTADT, Shmuel Noah (Ed.): The Origins and diversity of axial age civilizations. Albany: State University of New York Press, 1986; ARNASON, Johann P.; EISENSTADT, S.N.; WITTROCK, Björn (Eds.):

Axial Civilisations and World History. Leiden: Brill, 2005.

17 EISENSTADT, S.N.: “Multiple Modernities”, in: Daedalus, Winter 2000, vol. 129, no 1, pp. 1-30 (EISENSTADT, S.N. “Múltiplas Modernidades”. Sociologia, Problemas e Práticas, n.35, Oeiras, p. 139- 163, abr. 2001.).

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