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Humanismo e cultura muçulmana: patrimônio

No documento HUMANISMO E DIDÁTICA DA HISTÓRIA (páginas 124-127)

o e cul tura muçulman a: p atr im ônio his ric o e d esafios c ontemp orâneos

Humanismo e cultura

muçulmana: patrimônio

histórico e desafios

contemporâneos1

A noção consagrada pelo tempo de Humanismo hoje evoca sentimentos mistos. Ela apela para valores e convicções cujos objetivos são individualistas e universais, e que ao mesmo tempo, têm sido fortemente colorido pela história europeia e norte-americana. A realização humanista de definir a dignidade humana como um valor universal, que transcende as fronteiras étnicas e religiosas, tem sido instrumental para mais de dois séculos na formação internacional, bem como as leis e declarações nacionais. Mas, durante todo o curso das lutas políticas, ideológicas e econômicas em todo o mundo, o princípio da dignidade da pessoa humana tem sido tantas vezes contestado, manipulado e diluído, a ponto de deixar o humanismo em si altamente desacreditado e quase desprovido de conteúdo em disputas atuais. E, ainda, a tarefa de encontrar algum terreno ético comum para o futuro da humanidade continua a ser tão urgente como sempre, e o humanismo ainda carrega alguma promessa nesse sentido.

Esta tarefa tem se tornado um desafio ainda maior, pelo processo de globalização, que continua a afetar as perspectivas sócio-culturais de todas as partes envolvidas. Muitas pessoas têm de reorganizar as suas vidas de acordo com as relações de poder e de mudança, a qual eles têm começado a partilhar com muitos outros no mundo. Esta densidade crescente de incorporação em uma sociedade humana globalizada também envolve uma reformulação dos padrões de pertencimento e de diferença. As questões de identidade individuais e coletivas que derivam 1 Traduzido do ingles: Rooting political order in the values of the citizens. Some ideas on political humanism and religion as a necessary base for a sustainable democracy.In: Stefan Reichmuth. Jorn Rusen, Aladdin Sarhan Humanism and Muslin Culture: Historical heritage and contemporary challenges. 2012. Traduzido por Lucas Pydd Nechi

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dessa situação tornaram-se, nos últimos anos, uma ferramenta útil de mobilização política e manipulação por parte de uma vasta gama de atores, quer pertencentes a círculos dominantes ou a movimentos de oposição. Apesar de uma imprudência política crescente, que pode ser observada em conflitos comuns em todo o mundo durante a última década, a consciência da necessidade de ir além das limitações da política de identidade comunitária e religiosa e para organizar o apoio global para os direitos políticos, também pode ser observada, especialmente no Oriente Médio, se levarmos em conta a recente onda de protestos e manifestações de massa, e as circunstâncias sob as quais se desenvolveram.

É neste contexto que a promessa de humanismo, que foi quase esquecida por algum tempo, merece receber uma atenção mais detalhada. É verdade que um dos críticos mais fervorosos da política do Oriente Médio, o falecido Edward Said, já teve em seus últimos escritos ressaltado seu compromisso duradouro para um humanismo secular, a que ele permaneceu ligado apesar de sua herança europeia ambígua, e que abrangeu para ele, tanto um compromisso literário transcultural, como uma luta política "contra as práticas desumanas e as injustiças que desfiguram a história humana desumanas"2. Mas esta explicação tardia de posição humanista, que parecia voar na face de grande parte da teoria pós-colonial que tinha sido estabelecida e desenvolvida a partir de seus escritos anteriores, foi recebida com surpresa por um bom número de seus seguidores e também encontrou apenas uma resposta limitada entre o público egípcio de Said3. Mas, mesmo que seu humanismo crítico possa, apenas, ser fracamente relacionado com o surgimento dos protestos e resistência popular contra os regimes autocráticos árabes, que foram lentamente desenvolvidos ao longo dos últimos anos e que agora vêm de repente para a ribalta com sucesso notável, ele no entanto, parece ter sido 2 Nota do Autor: Said, Edward: “Orientalism 25 Years Later : Worldly Humanism v. the Empire-builders”, in: Counterpunch, 4 August 2003 (http://www.counterpunch.org/said08052003.html [8 April 2011]), citado também Schmitz, Markus: Kulturkritik ohne Zentrum. Edward W. Said und die Kontrapunkte kritischer Dekolonisation, Bielefeld 2008, p. 274; veja além em Said, Edward: Humanism and Democratic Criticism, New York 2004, a posthumous publication of four lectures delivered between 2000 and 2003

3 Nota do Autor: Veja, entretanto Siddiqi, Yumna: “Edward Said, Humanism, and Secular Criticism”, in: Ghazoul, Feryal Jabouri (Ed.): Edward Said and Critical Decolonization, Cairo 2007, pp. 65–88. Para mais discussões da posição humanista de Edward Said ver Abraham, Matthew (Ed.): Edward Said and After : Toward a New Humanism, special issue of Cultural Critique, 2007, p. 67; e, mais recentemente, Radhakrishnan, R: “Edward Said and the Possibilities of Humanism”, in Iskandar, A./ Rustom, H.: (Eds.): Edward Said. A Legacy of Emancipation and Representation, Berkeley 2010, pp. 431– 447.

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profundamente envolvido na unidade globalizante da cultura árabe ao longo das duas últimas décadas4.

Parece, portanto, útil colocar a herança humanista de volta em consideração e explorar as possibilidades de um humanismo intercultural sob as condições de um mundo globalizado. Isso impede qualquer forma elitista do humanismo, que tende a atribuir altas virtudes da humanidade à imagem normativa da vida e da cultura própria de um indivíduo ou etnia, e colocar aqueles que não compartilham essas virtudes para a sombra. Ele só é concebível como um conceito universal da humanidade, em sua relação com o mundo, o que implica um conjunto de valores reconhecidos mutuamente, no qual o velho conceito de dignidade humana ainda é o mais importante. A definição dada por Immanuel Kant ainda se mantém aqui, ou seja, que cada ser humano é sempre mais do que um meio para os fins dos outros, e de fato um fim em si mesmo5. Isto envolve respeito e reconhecimento de todo ser humano, de levar uma vida de acordo com a sua própria determinação. Ao mesmo tempo, as formas de vida prática e reflexão sobre a condição humana são diferentes e mudam no espaço e no tempo, criando, assim, a variedade sócio- cultural do mundo humano. Esta variedade pode ser vista como crucial para o processo de formação da identidade social e individual6. Qualquer humanismo deve levar esses dois lados da vida humana em conta. Refere-se à natureza humana e sua qualidade cultural por necessidade universalista, e como ela permanece firmemente ligada à variedade de culturas humanas e identidades, o humanismo enfrenta constantemente o desafio de desenvolver regras e normas convincentes para a comunicação intercultural.

O conceito de humanismo, no entanto, levanta um problema grave: historicamente, ele surgiu na Europa e na América do Norte, e desempenhou um papel importante na formação da identidade cultural ocidental. Como foi durante um longo período de tempo tão intimamente ligado ao sentimento dos europeus de firme superioridade sobre o resto do mundo, e foi, por vezes, também utilizado para justificar a sua hegemonia, tal sorte de humanismo em grande parte manteve-se pouco convidativo aos não ocidentais. E quando os intelectuais ocidentais se referem à sua 4 Nota do Autor: Ver, sobre isso: e. g. Schmitz, Markus: Kulturkritik ohne Zentrum, ch. 5, “Eine andere

Leserschaft – Das Andere als Leserschaft”, Bielefeld 2008, pp. 305– 359.

5 Nota do Autor: Kant, Immanuel: Grundlegung zur Metaphysik der Sitten BA 65 (Fundamental Principles of the Metaphysic of Morals), 1st edition (Johann Friedrich Hartknoch) Riga 1785, p. 65

6 Nota do Autor: Straub,Jürgen: “Personal and Collective Identity. AConceptual Analysis”, in: Friese, Heidrun (Ed.): Identities, Difference, and Boundaries, New York/Oxford 2002, pp. 56– 76.

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herança humanista universal, a fim de lidar com as tensões e lutas entre as normas e os padrões de vida em diferentes partes do mundo em conflito, eles enfrentam as suspeitas e reações críticas de seus colegas.

Para um humanismo intercultural emergente, que deva ser capaz de superar essa herança difícil e, para lidar com o desafio da globalização, pelo menos sete elementos que possam fornecer uma base sólida para a compreensão e comunicação intercultural podem ser identificados. Todos estes pontos são uma questão de discussão intensa e contínua, que pode apenas ser sugerida no contexto desta breve introdução. Eles também podem servir como um quadro para a compreensão e interpretação das múltiplas e em parte divergentes contribuições no que se segue. A inter-relação sistemática desses pontos que é sugerida aqui, pode servir como uma tentativa de estruturar um discurso sobre o humanismo, que em grande parte prossegue como um trabalho inacabado7.

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