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O desafio da globalização para a identidade cultural

No documento HUMANISMO E DIDÁTICA DA HISTÓRIA (páginas 44-53)

Identidade cultural é determinada por critérios básicos de noções de sentido compartilhados por um grupo de pessoas. Elas se sentem comprometidas e compreendem a si mesmas através deste comprometimento. Elas pensam e sentem que suas vidas são condicionadas e dedicadas por um conjunto de valores e experiências moldadas por valores. Elas se compreendem como uma incorporação deste conjunto de valores, baseados em critérios universais de interpretação do mundo e de si mesmas. Com esta convicção eles delineiam sua idiossincrasia a si mesmo e desenham uma linha clara de distinção em relação a outros. Tal auto compreensão e distinção dos outros tem se sucedido em todos os tempos em todo o mundo. Podemos chamá-la de SELFNESS (noção de si). A noção de si é um elemento básico da vida humana. Ela é definida por uma unidade indivisível de duas atividades mentais: o relacionamento com si mesmo e a distinção em relação aos outros. Ambas possuem fortes elementos normativos com um comprometimento geral e, ao mesmo tempo, as duas se referem a experiências partilhadas comumente. As duas juntas são preservadas e apresentadas no reino da memória cultural.2

1 Tradução do inglês KOZLAREK, RUSEN, WOLFF (eds).Anthropology axial ages modernities. In: Shaping a Humane World. 2012. Traduzido por Lucas Pydd Nechi.

2 Nota do Autor: (Assmann, Jan: Collective Memory and Cultural Identity, in: New German Critique, No 65 (1995), pp. 125-133.).

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Em um significado específico, identidade cultural se refere ao mais amplo horizonte desta auto-referência, distinção e experiência comum. Falamos em 'civilizações do mundo' e pensamos em formas únicas de vida humana, o que caracteriza o sentimento de pertencer juntos e ser diferente dos outros, algo partilhado por um número grandioso de pessoas. O vasto horizonte da identidade humana é definido pela espécie humana e sua diferença dos animais. A primeira distinção neste horizonte se refere a 'culturas' ou 'civilizações' como a segunda maior unidade de pessoas em respeito à sua identidade. Não irei me aprofundar na duradoura, ainda vívida e controversa discussão sobre a conceitualização destas culturas ou civilizações do mundo. Ao invés disto, desejo elencar algumas distinções usuais destas grandes unidades de identidade e desenvolver alguns pontos básicos de seus inter-relacionamentos em uma perspectiva histórica e sistemática.

A perspectiva histórica é relacionada ao processo de globalização. Globalização é aqui compreendida como um desenvolvimento histórico no qual alguns elementos básicos de prossecução da vida humana se sobrepõem à maioria, senão todas, das diferenças entre as já estabelecidas formas de vida humanas, características de um grande número de pessoas e vastos espaços no mundo. É um processo que confronta diferentes formas de vida com condições gerais de vida humana, forçando-as a se adaptarem a elas. Sobre a globalização dos dias atuais todos nós sabemos tais condições: racionalidade científica, economia de mercado, comunicação globalização pelas novas mídias etc.

Esta adaptação é um problema fundamental de identidade cultural. Por quê? Por que as pessoas não desconsideram as novas formas de vida e continuam com o que sempre foram? O problema não é primeiramente a habilidade das civilizações de integrar novos elementos em sua forma específica de vida (apesar de que não devemos subestimar o choque que tal confrontação com novas formas de vida tem significado por pessoas substancialmente diferentes, então chamadas formas de vida 'tradicional').

O problema que gostaria de analisar é encontrado basicamente no nível cultural fundamental da formação da identidade humana: considerando que cada identidade é específica, peculiar e até mesmo única, como podemos atingir elementos gerais e universais e conceitos de orientação de vida? Os elementos universais inerentes ao processo de globalização são um desafio radical para a identidade cultural apesar da habilidade ou inabilidade de adaptação. Globalizar a identidade de alguém em um sentido estrito significa dissolvê-la em suas características únicas e individuais.

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Isto soa incrível, pois estamos acostumados a olhar o processo de globalização como um embate entre culturas. Existem culturas representando o poder globalizado de mudança das formas tradicionais de vida humana. Existem outras as quais são forçadas a mudarem. Nos tempos modernos as primeiras citadas eram conhecidas como 'ocidente' e as demais como 'sul' ou 'oriente'. Estes são termos geográficos, mas a distinção deles inclui elementos qualitativos de dominação e subjugação, agressão e defesa, superioridade e inferioridade. Em poucas palavras: esta distinção inclui confronto e embate.

Na opinião pública de hoje em dia podemos encontrar muitos exemplos destes confrontos. Deixe-me apresentar um recente caso alemão: a cobertura do popular noticiário semanal 'Der Spiegel'."Der Spiegel", issue 32, 8 de Agosto de 2005.

Nesta cobertura, a águia de cabeça branca representando os Estados Unidos da América e o dragão simbolizando a república popular da China estão disputando a superioridade do mundo de amanhã. A imagem da capa usa símbolos tradicionais de identidade coletiva para ilustrar essa disputa. As imagens iniciais do artigo mostram que os dois países compartilham a característica de economia capitalista de mercado ilimitado e sociedade de consumo, ambos itens globais.

Não estou olhando primeiramente para política, economia e vida social no processo de globalização. Ao invés, desejo considerar as orientações culturais, os conceitos específicos de sentido e significado, os quais estão relacionados a ela e possuem fortes efeitos na formação da identidade coletiva. No reino da identidade a universalidade dos princípios não é um problema em si. Se as características culturais de um indivíduo e a diferença dos outros - isso sempre significa uma peculiaridade da identidade de um indivíduo - é formada por elementos universais, por que esta universalidade deveria ser ameaçadora?

De fato, a maioria dos conceitos tradicionais de identidade cultural são baseados em elementos universalistas. O critério de sentido básico que desempenha um papel decisivo ao gerar e apresentar identidade, é sempre universal. Isso pode ser facilmente demonstrado pelo fato de que pessoas arcaicas prescrevem a qualidade de serem seres humanos apenas para seu próprio grupo. Os outros não são humanos. A ideia vastamente espalhada, de que o próprio povo de um sujeito representa a civilização e os outros são o oposto, nomeadamente barbarismo, inclui um conceito geral de normatividade cultural e avaliação. Pode-se afirmar: quanto mais características universalizantes um povo prescreve sobre sua autoimagem,

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mais forte a identidade cultural é estabelecida em uma clara discriminação dos demais.

Se um diferente conceito universalista de vida humana desafia o conceito de outrem, e não possui poder suficiente para mudá-lo ou até mesmo negá-lo, um 'confronto de civilizações' no nível da orientação cultural é inevitável.

Isso caracteriza exatamente o encontro de culturas no processo de globalização. Pode ser descrito como uma batalha entre diferentes universalismos, por exemplo, a disputa entre o poder globalizante da razão científica contra os diferentes modos de interpretação da natureza e do mundo humano, como os mitológicos. Por séculos, globalização tem significado a dominação da visão de mundo ocidental sobre os não ocidentais. Este domínio tem sido, muito frequentemente, uma forma de supressão e negação de outras culturas, mas ele ainda tem tido um potencial maior de validade: a validade de ser efetivo em convencer os outros de sua superioridade mental. A guerra do ópio e o movimento de quatro de maio demonstram conjuntamente duas formas de superioridade no caso da civilização chinesa e seu relacionamento com o ocidente.

A situação nos dias atuais, desta disputa entre diferentes universalismos culturais formadores de identidade no processo de globalização, é caracterizada por uma mudança no (até agora) desequilibrado, desigual e não equiparável relacionamento entre as diferentes culturas. Por fim, no nível de discursos intelectuais sofisticados na identidade cultural, o domínio do ocidente está se esvaindo e as culturas e civilizações não ocidentais estão ansiosas para recuperarem uma nova consciência de suas identidades culturais que, ao menos, compense as perdas de auto- estima no período de dominação ocidental.

Este enfraquecimento do conceito ocidental de universalismo cultural é baseado em uma critica dupla: uma interna e outra externa. A crítica interna foi originada no próprio ocidente, ela é dirigida contra sua aproximação universalizante tradicional às outras culturas. Na vida intelectual do ocidente, a consequência devastadora do espalhamento de formas de vida ocidentais para sociedades e países não ocidentais tem sido percebido, e levado a um processo de denúncia dos elementos universais da cultura ocidental. O pós-modernismo é o exemplo mais eloquente desta denúncia. O universalismo é substituído pela autocrítica e, no fim, o resultado é uma relativização universalística, em respeito à validade de valores culturais em todas suas diferentes formas e desenvolvimentos. Esta autocrítica é acompanhada por um criticismo radical de intelectuais

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não ocidentais, relacionado a elementos culturais globalizantes sendo originados no ocidente. Exemplos típicos deste criticismo são os discursos pós- coloniais e subalternos nas humanidades.

Estas críticas duplas encerram o conflito de civilizações no processo globalizatório? Eu acredito que o contrário é verdadeiro. Como o relativismo no pensamento pós-moderno que é a única forma nobre de legitimar este enfrentamento, pois ele não reivindica nenhum princípio ou ideia válidos inter-culturalmente, o que pode limitar ou até mesmo opor as tensões entre diferentes identidades coletivas. Em relação às críticas não ocidentais da dominância ocidental, não devemos deixar despercebido o fato de que isto é, em si, um meio de luta por poder e não intenciona encerrá-la. Tensões entre identidades são geralmente causadas pelo poder do etnocentrismo. Este criticismo não ocidental da tradição universalista de aproximação ocidental a outras culturas não se situa fora deste poder etnocêntrico, mas é um meio dele. Uma análise mais aproximada das críticas anti ocidentais mostram que ela é guiada por um etnocentrismo negativo. Isto significa que, ao criticar o ocidente as culturas orientais não ocidentais ganham mais valor e uma superioridade em relação ao ocidente. Em minha opinião, o jogo antigo de dominação é simplesmente continuado. Apenas as atitudes das partes se modificam.

Isto pode ser demonstrado pela metáfora amplamente espalhada que é típica da cultura crítica anti ocidental3. Todos concordam que há um significado convincente neste slogan, nomeadamente que o tradicional 'império' ocidental que costumava dominar e subjugar as 'províncias' não ocidentais deveriam ser levados ao fim. Mas, se o ocidente se tornar uma província, as consequências lógicas desta metáfora simples é que o 'império' mudou-se para outra parte do mundo. Aonde mais poderia ter ido senão para um dos partidos não ocidentais? Isto não é explicitado articuladamente, mas é um significado implícito deste slogan. Assim, o antigo jogo de poder continua, apenas o papel dos partidos conflitantes foi redistribuído.

Como podemos notar, o conflito entre civilizações ainda continua e é evidente que ele possui uma nova natureza ameaçadora e radical. Este é o 3 Chakrabarty, Dipesh: Europa provinzialisieren. Postkolonialität und die Kritik der Geschichte, in: Conrad, Sebastian; Randeria, Shalini (Eds.): Jenseits des Eurozentrismus. Postkoloniale Perspektiven in den Geschichts- und Kulturwissenschaften. Frankfurt am Main (Campus) 2000, p. 283-312 [Chakrabarti, Dipesh: Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Princeton, N.J.: Princeton University Press 2000; Lal, Vinay: Provincialising the West: World history from the perspective of Indian history, in: Stuchtey, Benedikt; Fuchs, Eckhardt (Eds.): Writing world history 1800 – 2000. Oxford: University Press 2003, pp. 271-289.

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caso dos movimentos fundamentalistas da atualidade. Aqui, um conceito universalista específico de interpretação do mundo, majoritariamente em uma forma religiosa, contradiz fortemente diferentes formas de vida com seus elementos universalistas inerentes em novas formas de conflito. Mas este não é o único espaço onde o conflito de civilizações acontece. Ele é culturalmente enraizado no simples fato de que universalismos, os quais constituem diferenças culturais no nível da identidade coletiva, excluem-se uns aos outros. Se a diferença cultural é baexcluem-seada em sistemas de valores universalistas, as pessoas são comprometidas a um destes sistemas e negam os demais. Isto parece ser evidente em relação às crenças religiosas, mas podemos observar esta exclusão mútua até mesmo em respeito a sistemas de valores mais seculares.

Um exemplo é a negação das ideias ocidentais de direitos universais humanos e civis ao se referir a uma ética confucionista fundamentalmente diferente, como foi o caso (e talvez ainda seja) da filosofia política oficial de Singapura. É exatamente este poderoso elemento, dotado de validade universal nas características peculiares de identidade cultural as quais demandam interação intercultural com o poder da tensão e do conflito. Ele potencialmente nega elementos constitutivos da identidade cultural dos outros pela natureza distinta e peculiar da própria identidade. Portanto, a identidade cultural tem que ser vista como um campo de batalha de universalismos em enfrentamento. Esta luta pode se dar de forma mais civil e, assim, nós a chamamos de comunicação intercultural, ou de uma forma mais violenta, e então chamamos isso de "choque de civilizações" ou até mesmo uma guerra de mentalidades.

Existe alguma chance de acabar com essa tensão, conflito, luta e até mesmo a guerra no nível mental de formação da identidade cultural e comunicar as diferenças culturais? Minha primeira resposta a esta pergunta é não; não há chance de acabar com ela enquanto nós conceitualizarmos cultura na forma tradicional de mobiliá-la com fortes universalismos como elementos de distinção. Uma vez que esta distinção é o caso nos processos culturais de geração de identidade onde os outros se referem a nós como seus outros, temos de lidar com dois universalismos diferentes, ambos reivindicando validade geral.

Mas, à segunda vista, devemos perguntar se nós podemos definir a cultura como algo que vai além desta exclusão mútua? A fim de responder a esta pergunta, devemos refletir criticamente os pressupostos, sob os quais as atuais comunicações internacionais e interculturais nas humanidades, bem como em outras formas de comunicação, são conceitualizadas.

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Os conceitos mais difundidos e poderosos de culturas interrelacio– nadas são aqueles de universos semânticos separados, cada um seguindo o seu próprio código específico, sendo essencialmente diferente do código de outras culturas. Código significando o sistema constitutivo de critérios de sentido e modos de interpretar o mundo e compreender a si mesmo. Os representantes mais proeminentes deste conceito de cultura e de diferenças culturais são Oswald Spengler e Arnold Toynbee. Infelizmente, o Spenglerianismo não é um conceito ultrapassado nas humanidades. Podemos encontrá-lo nos níveis de uma teoria explícita da cultura e da metodologia de comparação intercultural4, mas é ainda mais eficaz nos trabalhos práticos de historiadores e humanistas fazendo comparação intercultural e tematizando aspectos de comunicação intercultural.

Para se comparar culturas costuma-se tratá-las como unidades completamente separadas. Mas qual é o parâmetro de comparação? De uma forma irrefletida, muitos historiadores simplesmente usam um paradigma estabelecido de interpretação como parâmetro, muitas vezes o ocidental. Hoje podemos observar uma mudança para os não ocidentais5. Não é possível simplesmente sair de qualquer contexto semântico e código cultural para que se faça esta comparação. Aqueles que criticam o domínio do pensamento histórico ocidental seguem a mesma lógica, com a única diferença de que eles usam outro paradigma sem refletir, sistematicamente, os pressupostos em que tematizam culturas como unidades de comparação.

Estes pressupostos spenglerianos no trabalho dos humanistas não são convincentes de forma alguma. A cultura não pode ser reduzida a um conjunto fixo de critérios de sentido, sendo substancialmente diferente de outros conjuntos que constituem outras culturas. As culturas são dinâmicas, mutáveis, discursivas e abertas em seus modos de interpretar o mundo, permitindo que as pessoas compreendam a si mesmas e suas diferenças para com os outros. Culturas interferem, elas compartilham elementos universalistas da vida humana e do pensamento humano. Assim, devemos desistir de qualquer conceito de culturas que afirmam universos distintos de significado, apenas coexistindo em um relacionamento externo.

É necessário investir uma boa dose de reflexão teórica, a fim de 4 E.g. Galtung, Johan: Six Cosmologies: an Impressionistic Presentation, in: idem: Peace by Peaceful

Means. London: Sage Publications 1996, pp. 211-222.

5 (An example is Huang, Chun-chieh: Salient Features of Chinese Historical Thinking, in: The Medieval Historical Journal vol. 7, no. 2 (July-December 2004), pp. 243-254; cf. Rüsen, Jörn: A Comment on Professor Huang's 'Salient Features of Chinese Historical Thinking', in: The Medieval History Journal, vol. 8, no. 2, July-December 2005, p. 267-272.)

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encontrar uma alternativa plausível. No contexto desta argumentação, não posso entrar em detalhes de tal conceituação teórica. Só posso indicar uma possível maneira de abordar esta nova tarefa nas humanidades: Teorizar sobre a cultura significa olhar para os universais antropológicos e conceituar as diferenças culturais. A minha proposta - metodologicamente se refere a Max Weber - é a criação de tipos ideais de diferentes possibilidades para realizar esses universais, sob diferentes condições, pois eles mudam no espaço e no tempo. O resultado vai ser um conceito complexo de cultura, numa mistura de características universais e uma tipologia de possíveis diferenciações. Com esta mistura podemos abordar a variedade e a mudança na vida cultural humana. Em tal perspectiva, diferença cultural aparece como uma constelação peculiar e específica de elementos que eram (potencialmente) partilhados por todas as culturas6.

Tal reflexão e conceitualização podem permitir aos acadêmicos se comunicar sobre a diferença cultural das suas tradições e contextos, sem cair na armadilha de pressupostos etnocêntricos ou spenglerianos. A diferença cultural não vai desaparecer, mas torna-se um assunto do discurso. As regras deste discurso transcendem a lógica etnocêntrica de formação da identidade cultural. Tal discurso pode quebrar o poder de lutar uns com os outros no uso de critérios universais de sentido e significado (carregado com validade normativa). Pode quebrar esse poder no processo de individualização da própria cultura, de fazê-la única, ao distinguí-la e separá-la de outras de forma desequilibrada. Pode parar a provocação ou, pelo menos, a irritação dos outros que perseguem as mesmas estratégias na formação de suas identidades culturais ao custo de seus outros.

Como pode esta nova forma de pensar sobre a diferença cultural (com todas as suas implicações políticas) ser trazida para a terra nos processos práticos de formação de identidade, bem como na sua reflexão acadêmica? Existe alguma chance realista de tornar plausível esta nova forma de tematizar diferença cultural por meio de um novo conceito de critério de sentido universalista? É bastante fácil de postular uma alternativa para o poder de separar as culturas pelo pensamento 6 Nota do Autor: Eu tenho esta estratégia de comparação intercultural em respeito ao pensamento

histórico concretizada no seguinte artigo: “Rüsen, Jörn: Some Theoretical Approaches to Intercultural Comparison of Historiography, in: History and Theory, Theme Issue 35: Chinese Historiography in Comparative Perspective (1996), pp. 5-22” [Em chinês: Kua wenhua bijiaoshixue de yixie lilum zonxiang, in: Weigelin-Schwiedrzik, Susanne; Schneider, Axel (Eds): Zhonggua shixueshi yantaohui cong bijiao guandian chufa lunwenji. Bangiao, Kreis Taipei (Taoxiang chubanshe) 1999, pp. 151-176)

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etnocêntrico. Mas, e sobre o poder deste modo de pensar enraizados em uma necessidade quase natural de auto-estima do ser humano, que acumula elementos positivos na imagem de si mesmo e menos positivos - se não elementos negativos - para a imagem dos outros? Tal postulado é não irrealista ou utópico? Este parece ainda mais ser o caso se levarmos em consideração sistemáticamente, que, nos processos de formação de identidade não apenas os indivíduos, mas em geral as pessoas tendem

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