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Teologia Do Antigo Testamento - Paul R. House - Vida

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Paul R. House

TEOLOGIA DO

ANTIGO

TESTAMENTO

Tradução

(3)

Vida E d ito r a do g r u p o Z O N D E R V A N Ha r p e rCo l l i n s F ilia d a a Câ m a r a Br a s i l e i r ad o Li v r o As s o c i a ç ã o Br a s i l e i r a d e Ed i t o r e s Cr i s t ã o s As s o c i a ç ã o Na c i o n a l d e Li v r a r i a s As s o c i a ç ã o Na c i o n a l d e Li v r a r i a s Ev a n g é l i c a s T ítu lo do original O ld Testament Theology,

edição publicada pela InterVarsity Press P. Ó. Box 1400, Downers Grove, IL 6 0 515, EUA

Todos os direitos em lín gua portu gu esa reservados p o r

Ed it o r a Vid a

R ua Jú lio de Castilhos, 28 0 Belenzinho CEP 03 0 5 9 -0 0 0 São Paulo, SP T e l: 0 xx 11 66 18 70 00 Fax: 0 xx 11 66 18 70 50 ww w.editoravida.com .br

Pr o i b i d aa r e p r o d u ç ã o p o rq u a i s q u e r m e i o s, SA LV O E M BR E V E S C IT A Ç Õ E S , C O M IN D IC A Ç Ã O D A F O N T E .

Todas as citações bíblicas foram extraídas da

N ova Versão In tern a cion a l (n m) ,

©2001, publicada por E ditora V ida, salvo indicação em contrário.

C oo rdenação ed ito rial: So lan ge M onaco E dição: José C arlo s S iq u eira

R evisão: L u cian B enigno e R ogério P ortella C ap a: M arcelo M oscheta

P ro jeto gráfico e d ia g ra m a çã o : S e t-u p T im e A rtes G ráficas

D ados Internacion ais de C atalogação n a Publicação (CIP) ______________ (C âm ara B rasileira do Livro, SP , Brasil)______________

H ouse, P aul R ., 1958

-Teologia do A ntigo Testam ento / Paul R. House ; (tradução Sueli Silva Saraiva). — São Paulo : E ditora V ida, 2005.

T ítu lo original: O ld testam ent theology. Bibliografia.

ISBN 8 5 -7 3 6 7 -8 4 9 -6 1. B íblia. A. T. - Teologia I. T ítulo .

0 5 -3 2 9 8 C D D -2 3 0 .0 4 1 1 ín d ices para catálogo sistem ático

1. A ntigo Testam ento : Teologia bíblica 230.04 11 2. Teologia bíblica : Antigo Testam ento 230.04 11

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( f l

1 1 1

Sumário

F I V 0

P refácio 7

1. Teologia do Antigo Testamento: história e metodologia 11

2. O Deus Criador (Gênesis) 73

3- O único Deus libertador e instrutor (Êxodo) 109

4. O único Deus santo (Levítico) F 59^

5. O Deus que espera fidelidade (Números) 193

6. O Deus renovador da aliança (Deuteronômio) 213

7. O Deus que concede descanso na terra (Josué) 249

8. O Deus disciplinador e libertador (Juizes) 270

9- O Deus que protege, abençoa e avalia (Samuel) 287

10. O Deus cuja palavra modela a história (1 e 2Reis) 316

11. O Deus Salvador (Isaías) 345

12. O Deus que faz a ahança prevalecer (Jeremias) 380

13. O Deus presente (Ezequiel) 416

14. O Deus cumpridor de promessas (O livro dos Doze) 441

15. O Deus governante (Salmos) 514

16. O Deus digno de ser servido (Jó) 543

17. O Deus reveladoi de sabedoria (Provérbios) 562

18. O Deus misericordioso para com os fiéis (Rute) 582

19. O Deus supervisor da sexualidade humana

(Cântico dos Cânticos) í Q2

20. O Deus que define o sentido da vida (Eclesiastes) 601

21. O Deus justo e fiel (Lamentações) 617

(5)

23. O Deus que protege, revela e governa (Daniel) 24. O Deus restaurador do remanescente na terra

635

(Esdras-Neemias) 654

25. O Deus que elege, pune e restaura (1 e 2Crônicas) 667

26. O Deus do Antigo Testamento: um resumo 686

A pêndice — A teologia do Antigo Testamento a p a rtir d e 1993 696

B ibliografia 711

Ín d ice d e assuntos 743

ín d ice de autores 754

Todos que são beneficiados pelo que faço, fiquem

certos que sou contra a venda ou troca de todo

material disponibilizado por mim. Infelizmente

depois de postar o material na Internet não tenho o

poder de evitar que “ alguns aproveitadores tirem

vantagem do meu trabalho que é feito sem fins

lucrativos e unicamente para edificação do povo

de

Deus.

Criticas

e

agradecimentos

para:

mazinhorodrigues(*)yahoo. com. br

(6)

Prefácio

Quem quer que apanhe uma obra de teologia do Antigo Testamento (AT) tem todo o direito de saber que tipo de livro tem em mãos. E por esse motivo que ofereço as explanações a seguir, algumas das quais com o pro­ pósito de indicar o que esta obra conscientemente procura fazer, outras com o objetivo de evitar que este livro seja lido com falsas expectativas.

Primeiramente, este livro foi escrito para universitários e seminaristas, embora, assim espero, seja útil para os estudiosos e professores de teologia do AT. Foi pensando nesse público-alvo que procuro apresentar um estu­ do analítico do AT e da teologia que se pode extrair de suas páginas. Por esse motivo apresento mais descrições — ou mesmo resumos — de textos do que seria o caso se eu tivesse suposto que o público leitor fosse a comu­ nidade acadêmica. Após anos ensinando universitários e seminaristas, aprendi que não se pode pressupor um conhecimento comum do conteú­ do da Bíblia. A boa notícia é ter descoberto que tanto universitários quan­ to seminaristas estão ávidos por aprender e são inteligentes. Simplesmente necessitam da oportunidade de absorver o texto bíblico e suas ênfases teo­ lógicas. Também gasto um bom tempo com o texto porque creio que teo­ logia deve vir da própria Bíblia e não de um sistema que eu trago comigo e imponho à Bíblia.

Em segundo lugar, a pesquisa que fiz para esta obra, com raras exce­ ções, foi interrompida no final de 1993. Em qualquer área bíblica, duran­ te a redação de um manuscrito e sua preparação para publicação, os estu­ dos prosseguem sem qualquer perda de ritmo. Por isso achei necessário deixar claro onde param as obras consultadas para este livro. Infelizmente certas obras que teriam ampliado e questionado meus conhecimentos não estavam disponíveis senão tarde demais no processo de redação. Algumas dessas obras são abordadas no apêndice.

Terceiro, ressalto a importância do contexto histórico para a análise teológica. Procurando ser coerente com essa afirmativa, incluo algum de­ bate sobre autoria, data e questões de contexto histórico. E claro que tais assuntos são em geral reservados para introdução ao AT, mas, visto que

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defendo o valor do estudo da história para a teologia do AT, achei necessá­ rio sugerir contextos para os livros bíblicos. A maioria desse material foi eliminada do manuscrito final, mas creio que minhas idéias serão suficien­ temente claras e úteis.

Quarto, emprego uma abordagem canônica que procura demonstrar a coerência do AT mediante análises de conexões intertextuais. Desse modo procuro reconhecer as contribuições teológicas de cada seção do AT, sem perder de vista a unidade do cânon. Estabeleço alguns elos com o Novo Testamento (NT) na esperança de que pesquisas futuras revelem como as duas partes das Escrituras concordam.

Quinto, procuro incorporar as descobertas de estudiosos de diversas convicções teológicas. Sou um pesquisador evangélico do AT, mas reco­ nheço o valor de obras de escritores de quem discordo em várias questões relacionadas a autoria, data e detalhes específicos da teologia do AT. Por essa razão, utilizo uma ampla variedade de textos acadêmicos. Procuro deixar claros meus pontos de vista. Não há dúvida de que às vezes não fui tão irênico quanto deveria, no entanto não se deve duvidar do respeito que te­ nho por aqueles de quem discordo. Não tenho a ilusão de estar sempre certo e espero sinceramente ter sido justo com os autores citados.

Sexto, este livro foi escrito com a ajuda de várias pessoas. Cada uma contribuiu significativamente e merece muito mais do que o agradeci­ mento que posso lhes dar pelo apoio dado.

A maior parte do manuscrito foi escrita enquanto eu estava lecionando na Taylor University (em Upland, Indiana, EUA). Durante os dez anos que passei no Departamento de Estudos Bíblicos, Educação Crista e Filo­ sofia, tive o privilégio de trabalhar com o grupo de colegas mais bem afeito e unido que, creio eu, existe no mundo acadêmico. O estímulo oferecido por Herb Nygren, Bob Pitts, W in Corduan, Larry Fielyer, Gary Newton, Bill Heth, Ted Dorman, Faye Chechowich, Doug Geivett, Ron Collymo- re, Mike Harbin, Jim Spiegel, Bob Lay e Ed Meadors caracterizou-se tan­ to pelo interesse sincero quanto pela constância. Outros amigos da univer­ sidade, como Tom Jones, Carol Mott e Daryl Yost, ajudaram-me durante o projeto. O deão, Dwight Jessup, o deão adjunto, Steve Bedi, e a Comis­ são Coordenadora do Corpo Docente criaram condições para que eu des­ frutasse uma licença sabática e outra de dois meses durante o processo de pesquisa e redação. Joanne Giger e Kari Manganello datilografaram o lon­ go texto, e Kari concluiu a tarefa mesmo após minha saída da Taylor Uni­ versity. June Corduam editou as notas de rodapé e demonstrou alegria ao fazer o trabalho. Esses amigos sabem que tenho para com eles uma dívida que não posso pagar.

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Esta obra foi concluída depois de me mudar para o Southern Baptist Theological Seminary (em Louisville, Kentucky, EUA). Sou grato pelo apoio claro e inequívoco que recebi enquanto dava aulas de teologia do AT. Amigos como Ben Mitchell e Greg Thornbury deram claro incentivo. Bev Tillman ajudou a preparar o manuscrito. Heather Oldfield, uma grande editora, ajudou a aperfeiçoar o texto final, e Kyle McClellan ajudou a revisar o texto de prova. Cada uma dessas pessoas tornou o lado menos estimulante da redação de um livro em algo bem mais suportável. M i­ nha filha, Molly, esteve muito animada com este projeto. Scott Hafe- mann, tão chegado quanto se fosse da própria família, ficou tão entusias­ mado quanto eu com este livro. Você não escolhe amigos como Scott; Deus os envia até você.

Reconheço sinceramente toda a ajuda recebida de Jim Hoover e da equipe da InterVarsity Press. De um modo especial, Jim ajudou para que o texto final do livro ficasse melhor que as provas anteriores. Ele também conseguiu excelentes observações por parte de leitores, o que ajudou a melhorar trechos que precisavam ser desenvolvidos.

Finalmente, dedico este volume a meu pai, Roy D. House. Ele me ensinou a conhecer Deus, a saber o que creio e a estar ligado à Bíblia. Nos últimos 27 anos ele vem apoioando meu ministério de pregar, ensinar e escrever. Com a morte de minha mãe em 1982, ninguém mais resta das minhas origens, de maneira que nenhuma pessoa tem sido mais constante em me incentivar e aconselhar.

(9)

1

Teologia do Antigo

Testamento

História e metodologia

S

em sombra de dúvida o AT merece estudo cuidadoso e interpreta­ção acurada. Afinal, este corpo de Escrituras sagradas relata acon tecimentos tão variados e importantes quanto a criação do mun­ do, a origem de Israel, o relacionamento contínuo entre Deus e Israel e entre Deus e as nações, a aniquilação de potências mundiais e a ascenção e queda de governantes poderosos. Ressalta temas vitais, como a pecamino- sidade da raça humana, o juízo devido dessa pecaminosidade, a vontade divina de salvar e perdoar pecadores e a renovação derradeira de tudo o que Deus criou. O AT promete que um dia o descendente de Davi conduzirá Israel e as demais nações a uma era de salvação, paz e pureza. Sem abrir mão desta esperança, o AT recusa-se a viver apenas do futuro. Pelo contrá­ rio, corajosamente apresenta a dor e sofrimento inerentes à vida humana. O AT ensina incrivelmente que Deus é capaz de sustentar o fraco, curar o que padece, julgar o ímpio, fortalecer o oprimido e fazer qualquer outra coisa necessária para ser um Criador amoroso. Desse modo, o AT apresen­ ta um relato vital. Fala de questões relevantes para pessoas de carne e osso. Apresenta o Deus magnífico e todo-suficiente que constantemente sur­

preende seus seguidores com a perfeita combinação de poder e bondade. Não é de admirar que esses textos tenham cativado leitores ao longo dos séculos.

Ao mesmo tempo, qualquer leitor do AT compreende que existem cer­ tas dificuldades ao abordarmos esse material. Primeiro, há barreiras histó­

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ricas. Não é preciso ser especialista em história antiga para ler o AT com discernimento, mas algum contexto histórico é necessário. Tal conheci­ mento é especialmente importante mesmo que a única razão fosse a de os livros do AT não estar em ordem cronológica. Infelizmente pouquíssimos leitores são versados nas questões do pano de fundo histórico. Segundo, também existem barreiras literárias. A maioria dos leitores consegue com­ preender com facilidade livros narrativos como Gênesis, Josué e Ester. Tex­ tos poéticos e profecias são, no entanto, mais difíceis de entender. Escritos proto-apocalípticos, como Daniel 7— 12 são ainda mais difíceis.

Terceiro, existem barreiras teológicas. Como alguém concilia o amor e a ira de Deus? Como Deus salvava na era anterior a Jesus? Como o AT se relaciona com o NT? O que o AT tem a dizer para os leitores dos dias atuais? O AT é relevante para a adoração contemporânea? Estas e outras questões teológicas levam os leitores a parar, refletir e buscar respostas difíceis. Quarto, a barreira da falta de familiaridade com o AT em geral é obstáculo para muitos leitores. Se houve alguma época quando o conteú­ do e as ênfases do AT eram bem conhecidos, então essa época já passou. Um grande número, se não a maioria, dos universitários e seminaristas jamais leu o AT inteiro. Quinto, existem barreiras acadêmicas. Especialis­ tas no AT não estão de acordo sobre como abordar a história, o conteúdo e a teologia do AT. Uma vez mais, se já houve concordância a respeito, isso não acontece. A diversidade de opiniões pode confundir bastante.

E claro, então, que estudantes e professores do AT ficam diante de um dilema. De um lado existe a oportunidade de analisar uma literatura ins­ pirada e enriquecedora, que constitui três-quartos da Bíblia, e dela usu­ fruir. E, de outro, há os problemas de compreender, interpretar e unificar o material estudado. Qualquer tentativa de debater a teologia do AT deve, portanto, esforçar-se por estabelecer pontes sobre essas lacunas, ao mesmo tempo em que permanece fiel à mensagem do AT.

Embora seja possível solucionar esse dilema apenas em parte, este livro procura enfrentar o desafio. Pretendo fazê-lo, inicialmente apresentando um esboço da história da disciplina acadêmica conhecida como teologia do AT. Um apanhado completo desse assunto é algo impossível, visto que ele só pode ser tratado num estudo do tamanho de um livro inteiro.1 Em seguida será proposta uma metodologia de análise da teologia do AT. En­ tão será oferecida uma análise livro a livro da teologia do AT à medida que

’V. o minucioso esforço de Gerhard F. Hasel em mapear as tendências na teoiogia do

AT em O ld Testament theology. basic issues in the current debate, 4. ed. (Grand Rapids:

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ela vai se desdobrando. A seqüência dos livros conforme aparecem na Bí­ blia hebraica será seguida devido à sua clareza e origens antigas. Por fim, mencionar-se-ão algumas idéias sobre como o AT e o NT estão interliga­ dos. Uma das perguntas que os estudantes fazem com mais freqüência é como as diferentes partes da Bíblia se harmonizam, de modo que alguma resposta é necessária. Ao longo da análise, um único tema unificador será usado com vistas a manter coesos os vários tópicos, e o contexto histórico de Israel será devidamente reconhecido em pontos estratégicos. Chegando ao fim desta obra, os leitores terão uma idéia dos detalhes básicos de teo­ logia do AT, saberão como esses detalhes se desenvolvem na história de Israel e compreenderão como unificam o AT e as Escrituras como um todo. Alcançar esses alvos, mesmo que parcialmente, pode revelar-se proveitoso para muitos estudantes.

Um apanhado do estudo da teologia do Antigo Testamento

É bem difícil escolher o ponto de partida para a descrição do estudo da teologia do AT. Uma possibilidade é começar pelo AT propriamente dito, pois existem muitos lugares onde o texto é influenciado pela passagem anterior ou refere-se ao que “está escrito” em outra parte das Escrituras.2 Certamente a maneira como a teologia cresce e se desenvolve dentro das páginas do AT deve ser parte de uma análise séria do assunto. Assim mes­ mo, tentar descrever minuciosamente como idéias se originaram e cresce­ ram até seu pleno desenvolvimento pode deixar os intérpretes procurando a história dos processos teológicos em vez das conclusões da teologia pro­ priamente dita. Tais análises são formas legítimas de trabalho acadêmico, mas fazê-lo minuciosamente não se encaixa nos propósitos deste livro.

Também é possível iniciar com a descrição do tratamento dado pelo NT ao AT. Esta abordagem também é válida, pois os escritores do NT fazem amplo uso do AT. Afinal, era a Bíblia que possuíam. Começar por aqui é, no entanto, pôr os carros à frente dos bois. Os autores do NT conheciam as Escrituras hebraicas em profundidade e esperavam que seus leitores estivessem igualmente familiarizados com elas. Hoje em dia a maioria dos leitores precisa examinar a totalidade do AT e assimilar seu conteúdo teológico antes de empreender o estudo do relacionamento en­ tre os Testamentos. Certo conhecimento bem como habilidades específi­ cas são necessários para poder avançar nesta linha de abordagem.

2Reparem-se as listas de tais passagens em Michael A. Fishbane, B ib lica l interpretati­

on in a n cien t Israel, p. 106. Essa obra é uma excelente análise da intertextualidade, i.e., de

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Outro ponto de partida em potencial é examinar como os antigos pais da igreja, intérpretes medievais e líderes da Reforma entendiam a teologia do AT. Brevard S. Childs descreve clara e concisamente essas abordagens, de­ monstrando a riqueza e variedade que sempre tem acompanhado a teologia bíblica.3 João Calvino e Martinho Lutero são exemplos notabilíssimos de personagens da história da igreja que interpretaram o AT como um docu­ mento teológico intimamente ligado ao N T.4 O problema com essa aborda­ gem é que nenhum desses indivíduos jamais produziu um volume sequer especificamente dedicado à teologia do AT. Suas idéias têm de ser colhidas em meio a literalmente dúzias de sermões, comentários e outras obras. Em­ bora essa seja uma tarefa enriquecedora, aqui também um volume inteiro ou uma série de volumes seria necessário para completar a tarefa.

E preciso mencionar ainda outro ponto inicial. Estudiosos rabínicos vêm comentando sobre as Escrituras hebraicas a partir do momento que o AT foi completado. Assim, alguns escritores contemporâneos afirmam que a tradição da sinagoga é por onde se deve começar quando se avalia a teologia do AT.5 Esta abordagem é, com certeza, legítima e esclarecedora. Apesar disso ela enfrenta as mesmas limitações de quando se tenta reunir os vários comentários produzidos ao longo da história da igreja. Dentro da tradição rabínica acerca das Escrituras hebraicas como um todo, há um pequeno número de obras condensadas. Mas o judaísmo e o cristianismo discordam quanto ao valor de uma Bíblia com dois Testamentos e quanto à natureza e obra de Jesus Cristo. Desse modo, pode-se e deve-se tratar de questões comuns às duas religiões, mas sem passar por cima de diferenças concretas.6 Somente os que são abertos a respeito de suas discordâncias conseguem identificar o que têm em comum. O diálogo entre judaísmo e cristianismo certamente poderá avançar apenas se houver franqueza total.7 Honestidade e bondade devem, é claro, caracterizar tais diálogos.

Dessa feita, apesar da importância dessas quatro possibilidades, outro ponto de partida é preferível. Ao longo dos últimos duzentos anos várias obras que tratam especificamente da teologia do AT foram escritas. É claro

3V. B ib lica l th eology o f th e O ld a n d N ew Testaments: theological reflection on the Christian Bible, p. 30-51.

4V. os comentários e sermões de Calvino e Lutero sobre o AT.

’Cf. John Haralson Hayes e Frederick C. Prussner, O ld Testament theology. its history and development.

sQuanto a isso, consulte-se Rolf Rendtorff, Canon a n d theology. overtures to an Old Testament theology, p. 31-45.

7Quanto a esta última questão, observe-se Jon Douglas Levenson, Theological con- sensus or historicist evasion? Jews and Christians in Biblical studies, em H ebrew B ible or

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que esses esforços apresentam estilo, conteúdo e envergadura variados, no entanto também partilham certas características. Primeiro, o propósito de cada obra é examinar teologia do Antigo Testamento. Antes deste período as declarações teológicas do AT eram organizadas com declarações neotesta- mentárias com o objetivo de descrever a doutrina crista. Algumas vezes os textos bíblicos eram parte de um amplo sistema bíblico-teológico, como nas Institutas de Calvino. Em outros tempos eram parte de um sistema filosófico e bíblico, como é o caso da Suma teológica de Tomás de Aquino. Nas obras de Calvino e Aquino o AT contribui para um esquema teológico mais amplo, mas não aparece como uma voz teológica à parte. Os pionei­ ros da teologia do AT buscaram analisar e explicar o que o AT ensinava por si só. Então procuraram incorporar tais ensinos a uma teologia bíblica ou sistemática mais ampla. Os estudiosos que os seguiram têm mantido esse modelo.

Segundo, teólogos devotados especificamente ao AT dão bastante aten­ ção a dados históricos. Ou seja, esforçam-se por identificar o que as decla­ rações de cada autor bíblico significaram em seu contexto remoto. Enten­ dem que esse compromisso é fundamental para a aplicação acurada dos textos para hoje, pois acreditam que “um texto não pode significar o que ele nunca significou”.8 Essa ênfase rompe com o método alegórico de in­ terpretação, cujo expoente mais conhecido foi Agostinho. E claro que os especialistas do AT quase nunca concordam quanto ao pano de fundo de cada livro, parágrafo ou sentença da Bíblia. Os teólogos do AT têm, na verdade, participado dessas disputas. Às vezes têm proposto reconstruções históricas tão radicais que as declarações de uma passagem se perdem em grande parte.9 Assim mesmo, o esforço para estabelecer um contexto his­ tórico deve prosseguir. Os autores das Escrituras escreveram em situações históricas concretas para pessoas reais. O valor contínuo da Bíblia surge em parte de sua habilidade de continuar a falar para pessoas reais em meio à vida cotidiana.

Terceiro, embora haja notáveis exceções a esta generalização,10 a maio­ ria dos teólogos do AT procura relacionar a mensagem do AT com a igreja. Alguns assim o fazem ao mostrar como o AT conduz naturalmente até o NT. Outros indicam partes do AT não mais aplicáveis à doutrina cristã, mas considerando como valioso para a igreja o máximo possível das Escri­

8Douglas K. St u a r t e Gordon D. Fee, H ow to rea d th e B ible f o r a li its worth, p. 27.

9Observe-se em especial a análise dos avanços entre 1878 e 1920.

I0P. ex., em A theology o fth e O ld Testament, John L. McKenzie diz que procura escrever como se o n t não existisse (p. 319) porque “o a t não é um livro cristão” (p. 320).

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turas hebraicas. Ainda outros tratam o AT como um documento que des­ creve parte da história da religião de Israel. Esses escritores tendem a ex­ cluir de qualquer parte da doutrina cristã certos elementos do AT, como sacrifícios de animais e guerra religiosa, ao mesmo tempo em que afirmam que verdades universais, como os Dez Mandamentos, ainda são válidas para a fé cristã. Qualquer que seja a abordagem desses autores, eles crêem que o AT sempre foi Escritura da igreja e deve, portanto, ser incorporado à sua doutrina e prática. Como fazê-lo é o desafio que enfrentam.

Conforme já assinalei, mesmo esses pontos comuns fundamentais não conseguem ocultar as diferenças que dividem teólogos do AT. Eles concor­ dam que o AT merece ser ouvido como uma voz teológica independente, contudo não a ouvem da mesma maneira, pois suas obras nem sempre têm o mesmo formato. Embora creiam que a análise histórica é vital para seu trabalho, nem sempre conseguem chegar a um acordo sobre o pano de fundo histórico real ou o que esse pano de fundo lhes ensina. Apesar de crer que o AT é parte da Bíblia cristã, não são unânimes quanto ao que o AT ensina para a igreja.

Ou, expressando de um modo simples, a história desta disciplina é bem desorganizada, não refletindo uma concordância perfeita ou uma con­ tínua e harmoniosa unidade cristã. Em outras palavras, é um pouco como o próprio cristianismo mundial: imperfeito e turbulento, mas ao mesmo tempo movendo-se na direção de um alvo digno. A breve história esboça­ da abaixo demonstrará as discordâncias, concordâncias e potencial da dis­ ciplina. Destacam-se quatro períodos, cada um fazendo a teologia do AT mover-se para um plano novo e desafiador. Nem todo estágio aperfeiçoa a disciplina, mas cada um a modela.

Primórdios: de Gabler a Wellhausen (1787-1878)

Os primórdios da disciplina teologia bíblica são comumente associados à apresentação, por Johann P. Gabler, da palestra “Discurso sobre a devida distinção entre teologia bíblica e dogmática, e os objetivos específicos de cada uma”, em 30 de março de 1787 na Universidade de Altdorf (Alema­ nha). Antes disso, a teologia bíblica era incluída na teologia sistemática (dogmática). Johann P. Gabler declarou que a teologia bíblica difere da dogmática em sua origem e propósito. Escreveu que

existe de fato uma teologia bíblica, com origens históricas, descrevendo o que os escritores sagrados sentiam a respeito de assuntos espirituais; por outro lado, existe uma teologia dogmática, de origem didática, ensinando o que cada teólogo racionalmente filosofa sobre as coisas espirituais, de

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acordo com a medida de sua capacidade ou com o período, a época, o local, a confissão religiosa, a escola e outros fatores semelhantes.11 Segundo Gabler, a origem da teologia bíblica acha-se na própria Bí­ blia, enquanto a teologia dogmática se origina de teólogos individuais já engajados em posições filosóficas e eclesiológicas. O propósito da teologia bíblica é expor em que os escritores bíblicos realmente criam. O alvo da teologia dogmática é perpetuar um ponto de vista preestabelecido. Sendo naturalista, Gabler particularmente queria eliminar da teologia todas as abordagens pré-condicionadas.12

Para examinar-se a teologia bíblica, Gabler propôs uma abordagem em três etapas. Primeiro, os intérpretes devem reunir dados sobre “cada um dos períodos do AT e NT. cada um dos autores, e cada uma das maneiras de falar que cada um dos autores empregou como reflexo do tempo e do lugar”.13 Segundo, tendo ajuntado esse material histórico, os teólogos devem empreender “uma comparação cuidadosa e ponderada das várias partes atribuídas a cada Testamento”.14 Deve-se comparar as idéias dos autores bíblicos até que “fique claramente visível em que os autores con­ cordam sem quaisquer problemas ou em que discordam entre si”.15 Ter­ ceiro, a fim de determinar as “noções universais” que vêm à tona, deve-se anotar e analisar devidamente os pontos de concordância e discordância.16 Gabler não oferece quaisquer critérios específicos para determinar o que constituem noções universais, exceto quando cita a “lei mosaica” como exemplo do que não mais se aplica aos cristãos.17 Ele simplemente fez distinção entre o que se aplicava apenas à época dos autores e o que tem valor mais duradouro.18

Por trás da abordagem de Gabler achava-se um conceito racionalista sobre a inspiração e a confiabilidade das Escrituras. Para ele, só quando se eliminam os elementos temporais, humanos e não-universais dos ensinos das Escrituras é possível chegar a idéias verdadeiramente inspiradas e vali­ osas para a dogmática cristã. Nem mesmo recorrer a passagens que tratam da inspiração da Bíblia ajuda a determinar o alcance de sua inspiração,

"An oration on the proper distinction between Biblical and dogmatic theology and the specific objectives of each, em The flo w e r in g o f O ld Testament theology. a reader in twentieth-century old testament theology, 1930-1990, p. 495-6.

12Cf. Ralph L. Smith, O ld Testament theology. its history, method and message, p. 21-2. 13An oration, p. 497. 14Ibid., p. 409. 15Ibid„ p. 500. 16Ibid. 17Ibid. 18Ibid.

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visto que “essas passagens individuais são bem obscuras e ambíguas”.19 Por esse motivo os que “desejam tratar desses assuntos com a razão e não com medo ou preconceito” não devem “forçar além do devido limite o sentido do que os apóstolos disseram, especialmente levando-se em conta que os sentidos percebem os efeitos da inspiração e não sua causa”.20 Somente por meio da exegese cuidadosa e do apego ao que Cristo falou sobre a inspiração é que finalmente se pode determinar “se todas as opiniões dos apóstolos, de qualquer tipo e espécie, são de fato divinas ou se, ao contrá­ rio, algumas delas, que não dizem respeito à salvação, devem ser atribuídas à própria engenhosidade deles”.21 Só então a pura essência doutrinária da Bíblia poderá vir à tona, pronta para a colação dogmática.

É óbvio que a metodologia de Gabler possui pontos fortes e fracos. O principal ponto forte é a insistência no valor da teologia bíblica. A teologia sistemática seguramente se beneficia da análise cuidadosa e acurada do que as próprias Escrituras dizem. A doutrina da igreja pode tornar-se to­ talmente improdutiva caso decida o que o texto tem a dizer antes de ele próprio fazê-lo. Outro ponto forte é o chamado à análise histórica. As Escrituras falam a todas as épocas porque primeiramente falaram a uma época específica. Elas estão arraigadas na experiência humana por ter um ponto de entrada concreto. A alegoria é válida para a primeira parte dessa afirmação, no entanto, incorre em erro porque ignora a segunda parte. Para a interpretação, a história de fato importa.

O esquema de Gabler também possui falhas sérias. Primeiro, sua insis­ tência no racionalismo e a conseqüente recusa em tratar do que está além dos sentidos humanos elimina da séria consideração teológica boa parte das Escrituras. Não sobra nenhum dos milagres da Bíblia e muito pouco da inspiração dos autores, restando apenas um número limitado de afir­ mações dos apóstolos. E de admirar como Gabler consiga falar do salvador ou de salvação22 e defender suas convicções. Afinal, a salvação dificilmente parece ser uma categoria orientada pelos sentidos. Fica claro que Gabler possuía uma ideologia que controlava suas idéias, exatamente como acon­ tecia com os que ele criticava. Segundo, apesar de seu programa de incor­ poração das teologias bíblica e sistemática, as teorias de Gabler abrem a porta para uma separação negativa das teologias do AT e do NT. Presumi­ velmente quase nada do AT teria princípios atemporais, de modo que seria

I9Ibid.

20Ibid„ p. 500-1. 21Ibid„ p. 501. 22Ibid.

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considerado bem insignificante para a teologia bíblica. Este fato leva à conclusão de que pode ser proveitoso fazer um estudo histórico da teologia do AT, mas que ela não é excepcionalmente pertinente à igreja. Conforme será debatido mais tarde, muitos estudiosos adotaram essa postura após a época de Gabler. Terceiro, cria-se uma divisão entre o estudo acadêmico de teologia e o ensino de doutrina pela igreja. A idéia que surge é que “verdade” é aprendida na biblioteca e apresentada na sala de aula, mas a igreja ensina seus mesmos preconceitos de uma geração a outra. Esta divisão entre igre­ ja e mundo acadêmico ocorre demasiadas vezes.

Esta análise do discurso de Gabler recebe mais atenção do que o trata­ mento dado à maioria dos outros autores devido à sua natureza seminal e ao impacto de longo alcance. Não há dúvidas de que Gabler ajudou a mapear o rumo de uma nova disciplina. Também não há dúvidas de que esse rumo levou a direções positivas e negativas que ainda são visíveis em estudos do AT.

Muitos dos pontos fortes e fracos das sugestões de Gabler aparecem na primeira obra dedicada à teologia do AT, publicada por Georg Lorenz Bauer em 1796. Tendo sido o primeiro a separar as teologias do AT e do NT, Bauer estava de acordo com as convicções de Gabler de que a teologia bíblica deve preceder e informar a teologia sistemática. Ele também pro­ curou aplicar uma metodologia histórica em sua pesquisa e tentou desco­ brir as idéias universais existentes no AT, o que está indicado no próprio subtítulo de sua obra (Um esboço bíblico das opiniões religiosas dos antigos

hebreus).20

A obra de Bauer é também bastante racionalista. Robert C. Dentan observa que para Bauer

deve-se rejeitar qualquer idéia de revelações divinas sobrenaturais por meio de teofanias, milagres ou profecias, visto que tais coisas são con­ trárias ao raciocínio lógico e facilmente encontram paralelo entre ou­ tros povos. Desse modo Bauer considerou Moisés um homem corajoso e inteligente, bem instruído na sabedoria do Egito e cujos elevados propósitos foram fortalecidos quando viu uma sarça que havia pegado fogo devido a um raio durante uma tempestade.24

23V. The theology o ft h e O ld TestamenP. or a Biblical search of the religious opinions of the ancient Hebrews from the earliest times to the commencement of the Christian era, p. 1-6. Essa tradução em inglês é uma versão condensada de T heologie des Alten Testaments

od er Abriss d er religiösen B egriffe d er alten H ebräer von den ältesten Z eiten bis a u fd en A nfang d er christlichen E poche (Leipzig: In der Weygandschen Buchhandlung, 1796).

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Ele interpretou os milagres do AT como mitos e até chegou a escrever um livro que aborda os “mitos” tanto do AT quanto do N T.25 Este engaja­ mento antisobrenaturalista afeta a maneira como Bauer vê a história. Para ele a história é o que se conforma a métodos históricos em uso no final do século dezoito.

Visto que ele foi o primeiro a escrever uma teologia específica do AT, é interessante assinalar o formato que Bauer usou para apresentar sua obra. Embora ele tivesse decidido romper com a dogmática, ainda assim esco­ lheu dividir sua obra nas três categorias dogmáticas tradicionais: teologia, antropologia e cristologia.26 E possível que ele esperasse influenciar a teo­ logia dogmática mais facilmente mediante a adoção de categorias comuns. Quaisquer que tenham sido suas razões, o modo como Bauer apresenta seu estudo introduziu para os teólogos do AT um dilema que perdura até hoje: como alguém incorpora todos os dados bíblicos em categorias funci­ onais que se encaixam no propósito que o autor tem para sua obra? No caso de Bauer essas categorias eram apropriadas porque queria coletar idéias universais que se aplicassem aos cristãos onde quer que estivessem.

Devido ao impacto de longo alcance gerado pelas idéias de Gabler e Bauer e ao fato de que a disciplina toma um rumo diferente depois de 1800, talvez seja útil sumariar a contribuição que deram para a teologia do AT:

1. Gabler e Bauer essencialmente criaram a disciplina teologia do AT. Eles sustentaram que o AT e o NT merecem ser ouvidos pelo que são, antes que suas idéias sejam incorporadas à teologia dogmática. 2. Tanto Gabler quanto Bauer acreditavam que a teologia do AT deve

possuir um forte componente histórico. Infelizmente esse compo­ nente histórico baseia-se num racionalismo que não deixa pratica­ mente nenhum espaço para o sobrenatural. Também põe em dúvi­ da uma grande quantidade de material da qual apenas racionalistas extremos suspeitam.

25Georg Lorenz Bauer, H ebräische M ythologie des alten u n d N euen Testaments, m it

Parallelen aus d er M ythologie anderer Völker, vorn em lich d er G riechen u n d Römer.

25Na introdução de Theology, depois de observar que o relacionamento de alguém com Deus é algo da mais absoluta importância, Bauer escreve: “Nas páginas a seguir tem- se o propósito de examinar quais eram as opiniões que os antigos hebreus tinham a respeito dessas relações de Deus com o homem, e do homem com seu Criador. Dedicar- nos-emos a colocar diante do leitor uma investigação imparcial das idéias que eles tinham sobre Deus e das noções que possuíam sobre a providência divina: descobrir e acompa­ nhar a história de sua religião, conforme pode-se extrair dos livros dos escritores sacros, ao longo de cada etapa sucessiva de seu desenvolvimento. [...] A importância de tal investi­ gação é óbvia. O cristianismo é a cria do judaísmo, e só os familiarizados com a teologia do AT podem alcançar um conhecimento preciso da teologia do NT” (p. vii).

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3. Gabler e Bauer sustentam que o AT ensina algumas verdades uni­ versais aplicáveis a cristãos de todas as eras. No entanto, com o objetivo de encontrar esses conceitos, ambos eliminam boa parte do AT, atribuindo-a à “engenhosidade pessoal” dos autores.27 Essa abordagem questiona o valor geral do AT e deixa-o quase sem nada a dizer além do que o NT repete.

4. Gabler nunca escreveu uma teologia do AT, mas em sua obra Bauer dividiu o material bíblico em estudo de Deus, da humanidade e de Cristo. Certamente estes são tópicos de interesse para qualquer teó­ logo, mas só de um modo imperfeito eles se ajustam ao AT como um todo, comforme o próprio Bauer sem dúvida alguma sabia. Embora essas noções tenham mais de duzentos anos, continuam a ser debatidas até hoje.

Após os esforços seminais de Gabler e Bauer, os teólogos do AT come­ çaram a reagir aos achados de ambos. Em D ie biblische T heologie [A teologia

bíblica\, obra publicada em 1813, G. P. C. Kaiser deu um empurrão ainda

maior nas teorias racionalistas. Devido a similaridades com outras religi­ ões antigas e suas tendências a textos místicos, no entendimento de Kaiser a religião do AT na verdade não passa de uma religião no meio de muitas. Conforme Dentan conclui:

Com todo o seu racionalismo, até então os escritores haviam, pelo me­ nos da boca para fora, aceitado a doutrina da finalidade da religião cristã. Com Kaiser o fingimento desaparece. Para ele a idéia de revelação especial pareceu irracional e perversa. A Bíblia suscitava interesse principalmente por dar exemplos concretos da aplicação de leis universais.28

Devido à posição de Kaiser tinha quanto ao valor relativo do AT, com­ preende-se por que ele se tornou o primeiro estudioso a encarar o estudo da teologia do AT como essencialmente uma história da religião e não como uma história da revelação divina. Essa ênfase na teologia do AT como exploração estritamente histórica tornar-se-ia a metodologia dominante em estudos bíblicos posteriormente ainda naquele século.

Em seu L ehrbuch d er christlichen Dogmatik [M anual d e dogm ática cris-

tã\, Wilhelm Martin Lebrecht de Wette tentou estabelecer uma ponte

entre ortodoxia tradicional e racionalismo engajado. Embora partilhasse da conclusão dos racionalistas a respeito dos relatos de milagres, profecias

27Gabler, An oratíon, p. 501.

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e coisas tais encontrados na Bíblia, ele achava totalmente errada a rejeição de tais descrições pelos racionalistas. De Wette afirmou que na realidade os mitos são meios poéticos de expressar sentimentos acerca de Deus e de todas as coisas sagradas.29 Muitos povos antigos pensaram e escreveram dessa maneira, de modo que não teria sido incomum que Israel também o tivesse feito. Por essa razão os teólogos do AT devem procurar entender verdades universais e sentimentos por trás dos mitos e não simplesmente descartá-los como fantasias escritas por povos irracionais e primitivos. De forma óbvia, leitores que aceitam literalmente relatos milagrosos também não entendem a mensagem, pois também se concentram na veracidade do relato em vez de na expressão mais profunda de sentimento religioso trazi­ da pelo relato.

Fica claro que De Wette aborda a teologia de uma maneira fortemente filosófica. Nesse aspecto De Wette teve como mentor seu amigo J. F. Fries, que fora fortemente influenciado por Immanuel Kant30 e acreditava que Deus inspira a razão humana e o sentimento religioso. E essa insipiração divina que estabelece o equilíbrio entre razão e sentimento e dá sentido a ambos. Com essa afirmativa De Wette tentou evitar a separação kantista dos dois impulsos.31 Também tentou dar sentido à análise histórica. A pesquisa histórica não acontece por causa de si mesma, mas sim para aju­ dar a reproduzir os sentimentos e idéias da fé veterotestamentária.32 Quando ela revela esses sentimentos e idéias, ela serve a igreja, que necessita sentir e pensar de maneira semelhante.

A abordagem de De Wette estabeleceu uma ponte entre o passado e o futuro imediato da teologia do AT. A semelhança de seus predecessores, ele empregou uma metodologia histórica baseada em princípios racionalistas. Esses princípios ajudaram-no a distinguir mito e história. Ele também pro­ curou o universal no AT, o qual, segundo cria, começa com a noção de um Deus santo que governa a terra.33 Ademais, ele acreditava que partes do AT são meras noções humanas, não sendo inspiradas pela santa vontade de Deus.34 Tais idéias impuras devem ser separadas daquelas de valor universal. Desse modo ele partilha dos pontos fortes e fracos de Gabler e Bauer.

29Vòl. 1, p. vi-x.

30Para uma excelente descrição da influência de Fries em De Wette, v. John W Roger- son, W. M . L. de Wette, founder of modern biblical criticism: an intellectual biography,

jso rS u p p 126, p. 22-110.

31V. ibid., p. 106-7.

32Cf. Dentan, P reface to O ld Testament theology, p. 30.

5iL ehrbuch d er christlichen Dogmatik, vol. 1, p. 64.

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De Wette, contudo, abre caminho para pesquisadores futuros. Sua ên­ fase no mito como escrito religioso com significado em vez de uma inven­ ção inútil inspirou análises semelhantes. Seu conceito de inspiração como meio-termo entre razão e sentimento ofereceu a muitos estudiosos com idéias racionalistas sobre a história uma maneira de manter contato com a piedade bíblica. Por fim, a ênfase que ele deu ao desenvolvimento dentro da religião do AT estimulou um movimento na direção de estudar o texto como uma história da religião, embora De Wette mesmo não tivesse tal inclinação.

Em B iblische Theologie, w issenschaftlich dargestellt, d ie Religion desA lten

Testaments [ Teologia bíblica, cien tificam en te demonstrada, a religião do Anti­ g o Testamento\ (1835), Wilhelm Vatke, por meios filosóficos, também fez

a teologia do AT distanciar-se do racionalismo puro. Desta feita foi o pro­ fessor e colega Georg W. Hegel, e não Kant, quem deu o estímulo.35 Vatke concordava com a crença de Hegel de que a história é uma série de desen­ volvimentos de etapas de pensamento e ação, com o movimento indo de etapas mais baixas para mais elevadas. Essas etapas ocorrem quando uma ação ou pensamento (tese) produz uma reação (antítese), a qual em segui­ da encontra uma etapa mais elevada de pensamento ou ação (síntese). Na história a criação contínua de sínteses gera progresso em toda e qualquer área da vida que as produza. A teoria de Hegel aplicada à teologia do AT significa que a religião do AT tornou-se progressivamente mais complexa à medida que evoluía. Essa complexidade pode ser boa ou má, dependendo do ponto de vista de quem observa. Tendo em vista que Hegel encontrava significado nessas colisões históricas, Vatke rejeitava a divisão racionalista entre os princípios puramente históricos e os princípios universalmente válidos do AT.36 Pelo contrário, ambos trabalham juntos pelo progresso da religião do AT.

Apesar dessa afirmação de o que história é, Vatke fez algumas observa­ ções duras sobre as declarações históricas do AT. Ele declarou que os pri­ meiros quatro livros do Pentateuco não foram produzidos na época de Moisés, mas na verdade eram documentos produzidos por uma nação cuja religião havia evoluído para uma etapa bem complexa.37 Além do mais, Deuteronômio foi escrito durante a reforma de Josias ocorrida por volta de

35Smith, O ld Testament theology, p. 35.

36Vatke afirmou que, numa análise da religião do AT, era necessário incorporar e

justapor aspectos tanto objetivos (históricos) quanto subjetivos (idéias e crenças religiosas) das Escrituras. Cf. Wilhelm Vatke, B iblische Theologie, w issenschaftlich dargestellt, d ie Reli­

g io n des Alten Testaments, p. 13-4.

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622-621 a.C., e não por Moisés, uma idéia que De Wette já expusera.38 Finalmente, deve-se ver os profetas como os fundadores da religião israeli­ ta estritamente monoteísta.39 Conforme assinalado por R. K. Harrison, de acordo com Vatke “a religião dos hebreus evoluiu [ao longo dos séculos] a partir de primórdios comparativamente primitivos e anistóricos até a fé monoteísta que caracterizou a religião do judaísmo”.40 Na história de Isra­ el, então, a síntese final foi a espécie de religião encontrada no tempo de Esdras (c. 450-425 a.C.) e depois. Praticamente todas as referências histó­ ricas anteriores aos profetas são escritos posteriores que projetam no passa­ do idéias então vigentes.

As opiniões de Vatke levaram a metodologia histórica na teologia do AT a um novo patamar. Os racionalistas haviam simplesmente declarado anistóricas certas partes do AT. De Wette alegou que, mesmo que esses relatos fossem anistóricos, ainda expressam sentimento religioso por meio do mito, modo antigo e comum de escrever. Vatke cria que muitos relatos simplesmente não eram do período declarado no texto e que os eventos narrados nas Escrituras não aconteceram conforme a Bíblia os apresenta. Por estar comprometido com a interpretação específica da teoria hegeliana da história, Vatke achou impossível aceitar que a religião israelita tivesse começado com a aliança mosaica monoteísta. Deve ter havido um desen­ volvimento evolucionário, começando com a religião da natureza e che­ gando ao monoteísmo. Assim que a história do AT fosse reconfigurada de acordo com esses princípios, os teólogos poderiam então interpretar a teo­ logia do AT levando em conta esse contexto histórico “correto”. Por anos após a publicação de B iblische T heologie [Teologia bíblica\ pouquíssimos leitores adotaram as idéias de Vatke. Um que as adotou, no entanto, foi Julius Wellhausen, e o discípulo em particular tornou as idéias de Vatke mais proeminentes do que Vatke mesmo conseguira fazê-lo.

A época em que a obra de Vatke foi publicada e lida, percebia-se que um dogmatismo havia se instalado na ala liberal da teologia do AT. Pri­ meiro, colocavam-se claramente sob suspeita as afirmações históricas do AT. A autoria declarada de livros, os relatos miraculosos e as descrições de eventos históricos eram todos questionados e com freqüência rejeitados. Segundo, na pior das hipóteses, o AT contribuía com quase nada para a

38Ibid., p. 185. Cf. Wilhelm Martin Lebrecht de Wette, B eiträge zur E inleitung in das

Alte Testament.

39Ibid„ p. 174-84.

40Introduction to th e O ld Testament, with a comprehensive review of Old Testament

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teologia bíblica legítima e, na melhor delas, constituía a fonte legítima de idéias universais e sentimentos religiosos inspirados. Terceiro, conseqüen­ temente era improvável que se pudesse manter a unidade da Bíblia. Idéias evolucionárias sobre história tornaram muito mais provável que o AT fosse um estado religioso inferior que precisou ser completado para o NT aparecer. Não demoraria muito para surgir questionamentos sobre essas afirmações, mas eles não tiveram o impacto duradouro almejado por seus autores.

Reações conservadoras às tendências liberais na disciplina iniciaram-se em 1829, quando Ernst Willhelm Hengstenberg começou a publicar sua obra C hristologie des Alten Testaments u n d C om m entar ü ber d ie messianis-

chen Weissagungen [Cristologia do Antigo Testamento e com entário sobre as p r o ­ fecia s messiânicas\, a qual foi completada quando da publicação do quarto e

último volume em 1835.’ Antes disso os conservadores resistiam à idéia da teologia do AT, a maioria deles provavelmente porque os defensores da teo­ logia do AT opunham-se a idéias tradicionais sobre a unidade e historici­ dade da Bíblia. Também rejeitavam a existência de qualquer diferença en­ tre teologias bíblica e sistemática.

Com o tempo os conservadores concluíram que a teologia do AT lhes ofe­ recia um meio de expor a sã doutrina, questionando idéias de que discordavam e, de forma eficaz, explicando ao público da época verdades antigas.42

Os estudos cristológicos de Hengstenberg não constituíram uma teo­ logia do AT completa. Assim mesmo, nessa obra ele bateu duro em algu­ mas das opiniões centrais de seu colega Vatke e outros estudiosos não- tradicionais. Em primeiro lugar, quando escolheu expor as profecias mes­ siânicas do AT, Hengstenberg discordou da noção de que a contibuição que o AT poderia dar para a teologia dogmática era bastante limitada. Além disso, se as profecias messiânicas são tão comuns e constituem uma parte importante da estrutura geral e do método do AT, então as Escritu­ ras hebraicas têm valor próprio na teologia bíblica. E também, se tanto o AT quanto o NT testemunham amplamente de Jesus Cristo, é certo então que existem bases para afirmar que há uma grande unidade nas Escrituras.

Segundo, em livro que publicou subseqüentemente, H istory o fth e king­

dom o f G od in the O ld Testament [H istória do Reino d e Deus no Antigo Testa­ m ento], Ernst Willhelm Hengstenberg criticou as conclusões históricas

dos historiadores liberais. Seu principal meio de ataque era defender a autoria mosaica do Pentateuco.43 Acertadamente ele percebeu que esse

41Berlin: L. Oehmgke, 1829-1835.

42Dentan, P reface to O ld Testament theology, p. 40. 43P. 21-89.

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tópico seria um fator determinante no sucesso ou fracasso dos pontos de vista seus ou de seus adversários. Caso fosse possível manter a autoria mo­ saica, então não se poderia aceitar a reconstrução histórica feita por Vatke, nem a teologia construída em cima disso.

As conclusões de Hengstenberg possuem mais do que implicações apo­ logéticas. Sua insistência na importância das profecias messiânicas do AT estabelece uma relação íntima entre os Testamentos, relação que está base­ ada nas promessas do AT e seu cumprimento no NT. Sua firme aceitação da autoria mosaica mantém uma atitude tradicional diante das afirmações históricas das Escrituras e da inspiração bíblica e revelação divina. O fato de Hengstenberg ressaltar a exatidão das descrições históricas do AT per­ mite que seu esquema promessa-cumprimento se desenrole gradualmente ao longo do tempo, mas de um modo linear e não evolucionário. Por ter sido o primeiro a reagir às novas idéias em estudos teológicos, Hengsten­ berg tem tido uma grande influência no avanço dos estudos conservadores do AT.44

Apesar de defender atitudes tradicionais em face da historicidade do AT, Hengstenberg não explicou claramente a relação entre análise históri­ ca e reflexão teológica. Essa tarefa foi levada a cabo por um grupo de estu­ diosos que ressaltou a história da salvação como uma maneira de ligar esses dois aspectos vitais da teologia do AT. Numa obra póstuma publicada em 1848,45 Heinrich Andreas Christoph Havernick, aluno de Hengstenberg, insistiu que as idéias das Escrituras não podiam ser dissociadas da história, na qual nasceram e foram anunciadas. Também afirmou que a história lentamente se desenrolou até atingir o ponto máximo em Jesus Cristo.46 Dessa maneira a história serve como veículo divino para a salvação através dos séculos.

A maneira de Havernick encarar história e salvação era partilhada por J. Christian K. von Hofmann. Em seu livro Weissagung u n d E rfiillung im

Alten u n d im N euen Testamente \Profecia e cum prim ento no Antigo e no Novo Testamento] (1841-1844),47 onde a expressão “história da salvação” apare­ ceu pela primeira vez.48 Hofman declarou que o AT registra os esforços

44Cf. Brevard S. Childs, Introduction to the O ld Testament as Scripture, p. 37. 45 Vorlesungen über d ie theologie des Alten Testaments.

46Cf. Dentan, Preface to O ld Testament theology, p. 43. 47(Nordlingen, Germany: C. H. Beck, 1841).

48Ben Charles Ollemburger, From timeless ideas to the essence of religion: method in Old Testament theology before 1930, em The flo w e r in g o f O ld Testament theology, a reader in twentieth-century old testament theology, 1930-1990, p. 12.

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divinos em redimir a raça humana. Dentro do texto encontram-se etapas desse processo. Cada etapa sucessiva descreve os métodos divinos redenti- vos da época. Finalmente, o povo de Deus encontra salvação em Jesus Cristo, o perfeito meio divino de redenção. Fica claro, então, que história e teologia não são a mesma coisa, mas são inseparáveis no sentido de que uma não pode existir sem a outra.

Nesse período o mais famoso e popular proponente de história da sal­ vação foi Gustav Oehler, cujas obras P rolegom ena zur Theologie des Alten

Testaments [Prolegômenos à teologia do Antigo Testamento] (1845) e Theolo­ g ie des Alten Testaments [Teologia do Antigo Testamento\ (1873-1874) foram

de grande influência. A semelhança de Havernick e Hofmann, Oehler acreditava que história e teologia devem permanecer cuidadosamente in­ terligadas. De fato, ele assim define teologia do AT:

Como ciência histórica, ela se baseia nos resultados da exegese gramá- tico-histórica, cujo propósito é reproduzir o conteúdo dos livros bíbli­ cos de acordo com as regras da língua, com a devida atenção para as circunstâncias históricas em que os livros se originaram e as circuns­ tâncias históricas dos autores sagrados.49

Além de estabelecer cuidadosamente o contexto histórico-gramatical de um texto, os intérpretes também devem mapear o “processo de desenvolvi­ mento” na fé do AT. Como é que se descobre esse processo? Oehler diz:

Visto que só é possível compreender cada um desses processos a partir de seu respectivo ápice, a teologia bíblica terá de entender o AT à luz da reve­ lação finalizada de Deus em Cristo, para a qual o AT esteve preparando — terá de mostrar como o propósito salvador divino, cumprido em Cristo, moveu-se ao longo das etapas preliminares desta história de revelação.50

Quando essas duas ênfases são combinadas, fica claro não apenas como e em que circunstâncias os escritores do AT produziram suas mensagens, mas também o progresso geral da história da salvação. Uma vez mais a história atua como veículo de salvação. A salvação se revela na história. As Escrituras são a revelação divina de como esse processo se manifesta na vida dos que pertencem a Deus.

Oehler utilizou um formato interessante para analisar suas idéias. Ele apresenta o material bíblico no esquema tripartite da Bíblia hebraica: Lei, Profetas e Escritos, embora tenha denominado esta terceira seção

Sabedo-*9Gustav Friedrich Oehler, T heology o ft h e O ld Testament, vol. 1, p. 65. 50Ibid„ vol. 1, p. 65-6.

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ria.51 Em cada uma das primeiras duas seções ele apresenta um sumário histórico do mosaísmo e profetismo e então acrescenta comentários siste­ máticos a essa análise. Suas constatações históricas são conservadoras, ao contrário das de De Wette e Vatke. A terceira seção possui somente con­ clusões sistemáticas. Esse formato permite a Oehler demonstrar como os livros bíblicos seguem um caminho histórico e temático. Também dá-lhe a oportunidade de mostrar como a interpretação histórica das Escrituras pode conduzir a afirmações doutrinárias. O problema principal com esse formato é que os Escritos não são totalmente incorporados a esse esquema da história da salvação.

Estes primeiros teólogos conservadores do AT tiveram em comum pontos fortes e fracos específicos. O primeiro ponto forte é seu compromisso com a inspiração das Escrituras. Para eles, a Bíblia é a Palavra de Deus em sua totalidade. Nem todos acreditavam na inerrância das Escrituras, mas cada um rejeitava as afirmações dos racionalistas de que a Bíblia é basicamente uma composição humana com pouquíssimos elementos verdadeiramente divinos. O segundo ponto forte foi a insistência deles na exatidão histórica do AT. Parte dessa ênfase é resultado da posição sustentada sobre a inspira­ ção, da mesma maneira como as opiniões de Gabler, Bauer, De Wette e outros são resultado das idéias destes sobre o assunto. Além disso, eles apresentaram sérias evidências históricas e literárias defensora tanto da au­ toria mosaica do Pentateuco quanto dos elementos históricos do AT.

O terceiro ponto forte é a crença na possibilidade de milagres e ocor­ rências sobrenaturais na terra. Este é com freqüência o ponto que separa os campos liberal e conservador. Quando estudiosos concluem que milagres podem acontecer dentro da história humana, muitas de suas idéias sobre outros detalhes da história bíblica brotam naturalmente. O quarto ponto forte é a tentaiva de interligar história e teologia. Ao esforçar-se por enten­ der como a teologia torna-se real na vida humana, eles romperam com idéias transcendentais frias, estéreis e desnecessárias de como as Escrituras dizem respeito às pessoas. Enfatizar a história da salvação também ajudou- os a relacionar o AT com o NT, desse modo oferecendo algumas possibili­ dades para a compreensão da unidade bíblica. Os dois Testamentos ainda existem, contudo não como estranhos entre si.

Certas fraquezas também emergem de seus escritos. Primeiro, da mes­ ma forma que seus rivais, esses autores enfatizam exageradamente as idéias hegelianas. Eles reconhecem de forma correta o valor de como a história ocorre ao longo do tempo, mas ressaltam o desenvolvimento histórico a

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ponto de deixar o AT com quase nenhuma idéia própria importante. As promessas veterotestamentárias sobre um messias vindouro são de grande importância. Mas que dizer das contribuições singulares do AT a questões que não estão diretamente ligadas à redenção? Por exemplo, que dizer dos ensinos, nas Escrituras hebraicas, acerca da vida santa, da sabedoria ou da justiça social? Estas são questões vitais que o NT não cobre tão amplamen­ te quanto o AT.

Segundo, nem sempre apresentaram seu material de modo acessível. Escreveram bastante sobre metodologia, especialmente a que tem como objetivo unir pesquisa histórica e reflexão teológica. Assim mesmo foram incapazes de achar uma maneira de explicar toda a gama de idéias teológi­ cas do AT. T heologie des Alten Testaments [Teologia do Antigo Testamento], de Oehler, é a que mais se aproxima da necessidade, mas tanto o fato de seguir a ordem hebraica dos livros quanto a exposição histórica se deses- truturam na seção sobre Sabedoria. Esse formato talvez também tentasse ir longe demais. De certa maneira, devido à imensidão da empreitada poder-se-ia dizer que essa falha no formato é um problema de toda teolo­ gia do AT, mas assim mesmo é importante encontrar maneiras eficazes de tornar a metodologia legível.

Na época em que a obra de Oehler foi o primeiro texto de teologia do AT a ser traduzido para o inglês (1875), havia um claro impasse. Estudi­

osos liberais e conservadores concordavam que deveria haver um forte com­ ponente histórico na teologia do AT. Contudo, devido a suas diferentes posições acerca de inspiração, o sobrenatural e teoria histórica, raramente estavam de acordo sobre detalhes históricos. Concordavam que a teologia bíblica deveria informar a teologia sistemática, mas, enquanto um lado procurava verdades universais, sentimentos religiosos que as pessoas ti­ nham em comum e como o AT serviu como uma etapa na direção do NT, o outro lado fazia menos distinções entre os Testamentos e concentrava-se na história da salvação. Um grupo fugiu da autoridade eclesiástica e incli­ nou-se para o historicismo acadêmico, enquanto o outro estabeleceu laços íntimos com a igreja e lutou por utilizar a filosofia adequada da história. Logo esse impasse foi rompido de uma maneira que nenhum dos lados provavelmente jamais teria imaginado.

0 domínio do historicismo: 1878-1920

E bem raro uma única obra redirecionar o curso de todos os estudos rela­ cionados com as Escrituras. Na verdade, é possível que tal feito não seja mais viável. No entanto, não é exagero dizer que a obra P rolegom ena to the

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Wellhausen, fez exatamente isso.52 Nenhuma área dos estudos bíblicos, nem mesmo as relacionadas com o NT, deixou de ser afetada, tamanha a influên­ cia dessa obra. De muitas maneiras esse livro tem ditado grande parte dos temas da pesquisa veterotestamentária até os dias de hoje.

A genialidade de Wellhausen residia em sua habilidade de sintetizar as descobertas de estudiosos que o precederam num todo legível e unificado. Dentan descreve o estilo de Wellhausen como “lúcido, persuasivo e leve­ mente descontraído”,53 qualidades raras em escritos acadêmicos. Wellhau­ sen aceitou a conclusão de De Wette de que Deuteronômio foi escrito no século 7 a.C. e não por Moisés. Ele concordou com a afirmação de Vatke de que a religião de Israel evoluiu ao longo do tempo, o que para ele significava que o material sacerdotal complexo, como o encontrado em Levítico, foi escrito no final da história de Israel e que o Pentateuco termi­ nou de ser escrito depois dos Profetas. Ele também concordou com Kari F. Graf, Abraham Kuenen e outros estudiosos que achavam que os quatro primeiros livros do Pentateuco consistiam em documentos escritos (ou fontes) que usavam diferentes nomes para Deus e proclamavam diferentes idéias teológicas. Ele concordou que estavam corretas tanto as idéias de Vatke sobre as teorias históricas de Hegel quanto os conceitos sobre o mito defendidos por De Wette. A essas noções Wellhausen acrescentou suas idéias de que os profetas foram os fundadores da fé ético-monoteísta e de que a religião de Israel teve origem nos cultos da natureza.

A síntese de todas esssas crenças começou com a suposição de que as raízes da religião israelita estavam numa religião da natureza semelhante a outras antigas religiões cananéias, daí evoluindo para o monoteísmo ético dos profetas e para as etapas iniciais do Pentateuco, passando então para o monoteísmo mais acentuado e a insistência no santuário central em Deu­ teronômio e nos livros por este influenciados (Josué, Juizes, 1 e 2Samuel, 1 e 2Reis, Jeremias), chegando à religião minuciosa de orientação sacerdo­ tal, encontrada em Esdras, Levítico, Ezequiel e l e 2Crônicas. Ao contrá­ rio de Vatke, que considerou positiva essa evolução, Wellhausen lamentou a perda da religião anterior e mais simples. À semelhança de Vatke, Wel­ lhausen entendeu que parte dos contextos históricos declarados no AT eram reflexões feitas por gerações posteriores e que tinham sido atribuídas ao passado. Para Wellhausen Moisés foi, na melhor das hipóteses, uma figura histórica obscura, e os patriarcas não poderiam estar tão avançados

52Originariamente publicado como P rolegom ena zur G eschichte Israels.

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culturalmente quanto o AT indica. O monoteísmo profético finalmente conduziu à Lei, e não o inverso, o que o AT ensina.

Em poucas palavras, as idéias de Wellhausen varreram o campo teoló­ gico. Lá pelo final do século suas idéias eram contestadas por apenas um punhado de estudiosos na Alemanha. Depois da publicação de P rolegom e­

na em inglês (1885), as teorias de Wellhausen rapidamente dominaram

os estudos do AT na Inglaterra. Mesmo nos Estados Unidos, que aceita­ ram a teologia européia mais lentamente, por volta de 1900, Wellhausen havia causado grande impacto. Já em 1879 C. H. Toy fora demitido de sua função docente no Seminário Teológico Batista do Sul (em Louisville, Kentucky, EUA) por esposar idéias semelhantes às de Wellhausen.54

Para a teologia do AT esse desdobramento significou que a abordagem estritamente histórica do assunto dominava o panorama. Com o fim da coerência na seqüência do texto do AT, os estudiosos começaram a recons­ truir histórias “coerentes” da religião israelita. As idéias do AT foram usa­ das para chegar-se aos “verdadeiros” acontecimentos e avanços da história de uma religião antiga. A respeito dessa era Walther Eichrodt escreve que

já não se encontrava qualquer unidade no AT, existindo apenas uma coleção de períodos isolados, os quais apenas refletiam religiões dife­ rentes. Em tais circunstâncias era um desdobramento lógico mais do que natural que a designação “teologia do AT”, que anteriormente tinha tido uma conotação bem diferente, fosse com freqüência deixada de lado, sendo substituída pelo título “a história da religião israelita”. Mes­ mo quando os estudiosos ainda se apegavam à velha designação, não tinham o desejo nem eram capazes de oferecer qualquer outra coisa além de uma exposição dos processos históricos.55

Nem o velho campo liberal nem o velho campo conservador triunfa­ ram. Os estudos históricos enfatizados pelos dois grupos foram além dos vários princípios teológicos considerados valiosos. Praticamente nada restou da unidade dos Testamentos — fossem as idéias universais dos racionalistas, fosse a história da salvação dos conservadores. Até mesmo De Wette e Vatke, cujas idéias históricas Wellhausen empregou extensamente, dificilmente te­ riam ficado satisfeitos com o destino de suas reflexões teológicas.

54A dispensa de Toy causou profunda tristeza no diretor do seminário, James Petigru Boyce. John Broadus conta que, quando se despedia de Toy na estação ferroviária, Boyce colocou o braço nos ombros de Toy e disse: “Ah, Toy, de coração eu daria este braço para ser cortado fora se você pudesse estar onde estava cinco anos atrás e ter permanecido ali”. Cf. John Albert Broadus, M em oir o f Ja m es P etigru Boyce, p. 264.

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Conforme indicado por Eichrodt, nesse período vários livros, que na verdade eram estudos sobre a história da religião de Israel, apareceram sob o título “teologia do AT”. Embora The theology o ft h e O ld Testament [A

teologia do Antigo Testamento] de A. B. Davidson56 seja uma exceção, a obra B iblische T heologie desA lten Testaments [ Teologia bíblica do Antigo Tes­

tam ento] de Bernhard Stade57 e Biblische Theologie des Alten Testaments [ Te­

ologia bíblica do Antigo Testamento\ de E. Kautzsch,58 para citar apenas duas, são exemplos dessa tendência. Contudo, apesar de tais obras manterem o título de teologia do AT, na verdade seus autores têm mais em comum com os que escolheram usar a expressão “história da religião” no título do que com os fundadores e primeiros pesquisadores de teologia do AT.

A despeito do claro domínio do historicismo, alguns escritores tenta­ ram continuar a tradição de reflexão teológica baseada na análise histórica. William Lindsay Alexander fez tal reflexão, sem, no entanto, tratar das idéias de Wellhausen e seguidores.59 Hermann Schultz e August Dill- mann, contudo, dialogaram com as teorias dominantes. A lttestam entliche

T heologie [Teologia veterotestam entária] de Schultz passou por cinco edi­

ções entre 1869 e 1896, o que significa que o autor trabalhou antes e durante o período de domínio do historicismo. Embora tenha adotado muitas das conclusões de Wellhausen acerca da composição do AT, Schultz manteve contato com tradições mais antigas. Ele declarou que o AT é o resultado da revelação divina e que quem o estuda deve ser “capaz de en­ trar num relacionamento aberto com o espírito daquela religião”.60

Ademais, ele acreditava existir uma unidade entre o AT e o NT e identificou essa coerência ao concentrar-se em apenas um único tema: “o Reino de Deus na terra”.61 Ele alegou que “ninguém é capaz de expor a teologia do NT sem o conhecimento detalhado da teologia do AT. Mas é igualmente verdade que quem não conhece a teologia do NT em deta­ lhes, só consegue uma idéia parcial da teologia do AT”.62 Os resultados

56(Edinburgh: T & T Clark, 1904).

37(Tübingen, Germany: Mohr/ Siebeck, 1905). 58(Tübingen, Germany: Mohr/ Siebeck, 1911).

system o f b ib lica l theology.

mO ld Testament theology. the religion of revelation in its pre-Christian stage of develo­

pment, vol. 1, p. 11.

61Ibid., vol. 1, p. 56. Aqui Schultz diz: “Conseqüentemente a história desta religião é a história do Reino de Deus, da redenção e reconciliação. Mesmo as lendas sagradas não possuem nenhum outro ponto de convergência. Nesta religião a sabedoria é o conheci­ mento do modo de vida, no qual acha-se a lei divina, em outras palavras, o conhecimento das leis do Reino de Deus”.

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