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Deus que espera fidelidade

Levítico

Deus que espera fidelidade

Números

A

s pessoas começam lendo Números com um profundo senso de antecipação teológica. Centenas de anos já passaram desde a dádiva das promessas abraâmicas (c. 2000 a.C.) até o final da redação de Levítico (c. 1440 ou c. 1290 a.C.), e depois de muito tempo a Terra Prometida vai se delineando perante os filhos libertos de Abraão. O tercei­ ro item das promessas de herdeiro, aliança e terra (v. Gn 12.1-9) parece estar ao alcance. Israel possui uma liderança forte, um código legal divina­ mente revelado para viver com base nele, um novo sentido de identidade e propósito nacionais e a promessa divina de fazê-los bem sucedidos. Os israelitas conhecem os traços básicos do seu Deus. Sabe o que leva seu Senhor a castigá-los e aprenderam como alcançar perdão. O potencial de grandeza está bem ao alcance deles.

Todas essas possibilidades caracterizadas pela esperança são destruídas pelo pecado mais básico, a recusa humana em crer na palavra de Deus. Num momento crucial, devido à sua falta de fé, a geração do êxodo perde a oportunidade de possuir a concretização material da aliança de Yahweh com Abraão e com a nação como um todo. Perde a oportunidade de viver em Canaã, a Terra Prometida. Em vez de ali entrar, essa geração termina a jornada terrena peregrinando entre povos hostis em terras desertas e esté­ reis. A promessa divina de terra permanece intacta, no entanto, de modo que a geração seguinte conquistará Canaã. Mas esse triunfo é adiado por

quase quarenta anos devido à amnésia teológica que resulta em catástrofe nacional.

Cada etapa da jornada revela conceitos teológicos que estão associados a verdades em Gênesis—Levítico. Os eventos de Números 1.1— 10.11 apresentam Deus como o dirigente e inspirador de Israel. Um dos mo­ mentos maiores das Escrituras, a outorga da lei divina no monte Sinai, termina aqui, contudo não antes de Yahweh revelar como Israel marchará, quem será responsável pela infra-strutura de adoração e como Israel pode­ rá permanecer santo perante Deus.1 Além dessas instruções espirituais vitais, Yahweh também dirige Israel ao proporcionar uma nuvem que mostra à nação quando e aonde viajar (9.15-23). A disposição de Israel em seguir a nuvem na parte inicial do livro demonstra “que a essa altura de sua caminhada com o Senhor, Israel era obediente e seguia a orientação do Senhor”.2 Tal obediência inclui a observância da primeira Páscoa (9.1-

14), o que indica que a santidade, presença e graça co n tín u a s d e Yahweh inspiram Israel a usar o passado para ser fiel no presente.

Números 10.1— 12.16 apresenta Yahweh como o Deus que chama e corrige. Aqui o Senhor chama Israel a avançar na direção de Canaã, e aqui Yahweh chama anciãos para ajudar Moisés a liderar o povo (11.16,17). Ao mesmo tempo Deus corrige a murmuração entre o povo (11.1-3) e tam­ bém a suposição de Miriã e Arão de que, por serem anciãos de Israel tanto quanto Moisés, ambos têm razão ao criticar Moisés (12.1-16). A santida­ de graciosa de Deus continua então a incluir elementos de eleição e juízo. Números 13.1—20.13 é o cerne teológico e histórico do livro. Nesses capítulos o cumprimento das promessas abraâmicas choca-se com a des­ crença num momento histórico definidor. Quando Israel recusa-se a crer que Deus é capaz de dar-lhes a terra, o Senhor castiga a geração do êxodo, confinando-a no deserto (Nm 13 e 14). Imediatamente, no entanto, Deus renova as promessas mediante revelação de leis que vigirão na Terra Prome­ tida (Nm 15).3 Nem mesmo rebeliões subseqüentes, corrigidas por Deus, conseguem anular a promessa divina de terra (v. Nm 16.1—20.13).

Números 20.14—22.1 reforça a determinação de Yahweh em renovar, pois isso ressalta que o Senhor sustém e protege o próprio povo rebelado. Israel continua a ser alimentado, vestido, guiado e protegido da derrota militar. A nova geração emerge, cercada pelo invencível poder divino de

'M artin Noth, Numbers, p. 11.

2John Herbert Sa il h a m e r, The P entateuch as n arrative: a biblical-theological com-

mentary, p. 381.

preservar a nação eleita. Finalmente, Números 22.2—36.13 revela uma vez mais que Deus prepara Israel para receber promessas divinas. Falsos profetas e falsas religiões são contrastados com a fidelidade monoteísta e a revelação divina. Josué sucede a Moisés (27.12-23). Antes mesmo de Isra­ el cruzar suas fronteiras, Moisés divide Canaã em áreas (Nm 34 e 35), o que uma vez mais realça os benefícios potenciais da promessa.4 Quando o livro acaba, termina o castigo de Israel. Uma segunda oportunidade de vitória está à frente.

Entre os estudiosos há um consenso generalizado acerca dos ensinos teológicos básicos e da função canônica do livro. O sumário elaborado por Gordon Wenham oferece um bom ponto de referência para esse consenso. Ele escreve que Números ressalta o caráter de Deus como santo, presente, gracioso e constante. Ademais, afirma que o livro gira em torno da terra como um bem dado por Deus, uma posse santa e permanente de Israel. Finalmente, ele assinala a ênfase de Números no povo de Deus como uni­ do, santo, rebelde e abençoado pela liderança de Moisés.5 George Gray, Philip Budd e R. K. Harrison concordam com essas categorias básicas, como também o fazem outros estudiosos em suas respectivas escolas inter- pretativas.6 Cada um desses comentaristas concorda que o livro quase não faz sentido fora de sua posição atual no cânon entre Levítico e Deuteronô­ mio e observa que a mensagem toda do Pentateuco depende da descrição, em Números, do tempo de Israel no deserto. É, portanto, sem sombra de dúvida que uma leitura canônica de Números tem considerável significa­ do para a teológica bíblica.