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II. A INTEGRAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES DOS ESTADOS MEMBROS DA

6. TERCEIRO ALARGAMENTO: 1995

6.1. ÁUSTRIA

6.1.1. Histórico da Constituição austríaca263

Entre os anos de 1938 e 1945, a Áustria deixou de ser um Estado independente para tornar-se um território (―Reichsgau‖) alemão. A Áustria reconquistou sua soberania plena dez anos após o término da Segunda Guerra Mundial, quando as forças que ocuparam o Estado se retiraram. O Tratado de Viena264 apenas tornou-se possível após acordo com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1955, o Memorando de Moscou, pelo qual a Áustria assegurou sua condição de neutralidade permanente. A Áustria é um Estado Federal composto por regiões (―Länder‖). O capítulo II da Constituição determina que os poderes legislativos são de competência da federação, enquanto os poderes executivos são exercidos pelos Länder.

A Constituição austríaca em vigor data de 1920 e foi elaborada por um grupo de intelectuais que incluiu o cientista político Hans Kelsen. O documento foi revisado em 1925 e 1929 (as mudanças constitucionais impostas pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial foram tratadas como inexistentes). A Constituição austríaca foi emendada diversas vezes. Diferentemente da Constituição alemã, a austríaca não estabelece a necessidade de emenda constitucional por determinação expressa de lei,265 possibilitando a promulgação de legislação constitucional em leis constitucionais e provisões

262 Sistema político: República Federal.

263 Apesar de a Constituição ser apenas parte do ordenamento constitucional da Áustria devido à sua estrutura

federal, não foram consultados aqui os textos das Constituições dos Länder ou leis ordinárias austríacas.

Tampouco foram consultados os instrumentos enumerados pelo art. 149 que, conforme o artigo, possuem

status constitucional. Menção a aspectos relevantes dos mesmos será feita por intermédio de fontes

secundárias (doutrina).

264 Assinado em 15 de maio de 1955, o Tratado de Viena contém a proibição de unificação da Áustria com a

Alemanha (art.4).

265 O art. 44.2 diz: ―Constitutional laws or constitutional provisions contained in simple laws restricting the

competence of the Laender in legislation or execution require furthermore the approval of the Federal Council which must be imparted in the presence of at least half the members and by a two thirds majority of the votes cast.‖

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constitucionais em leis ordinárias. A doutrina consultada concorda que o excesso de emendas torna bastante difícil o seu estudo.266

A Constituição está dividida em oito capítulos, 267e o primeiro deles (―disposições gerais - União Europeia‖) trata especificamente da UE, como se verá adiante.

A Corte Constitucional austríaca, ao aplicar a Constituição, interpreta-a seguindo o método de interpretação histórico, o que se aplica particularmente à interpretação dos poderes conferidos à Federação. A Corte guia-se pelo princípio de que o escopo dos poderes da Federação deve ser estabelecido com base na visão adotada, que deve ser evidenciada pela legislação em vigor no momento em que as previsões legais relacionadas ao tema tornaram-se operantes (Versteinerungspunkt). Esse ponto estabelecido no tempo é, geralmente, o dia 1º de Outubro de 1925, quando uma emenda à Constituição fez com que cláusulas relativas à distribuição de poderes passassem a ser operativas. A fragmentação da ordem constitucional austríaca não facilita a interpretação da legislação constitucional federal.268 Os julgamentos das cortes austríacas não são vinculantes, porém os precedentes não são ignorados na prática legal atual.269

6.1.2. Análise de artigos selecionados

O art. 9270 da Constituição austríaca determina, em seu primeiro item, que as regras reconhecidas de direito internacional sejam consideradas parte da legislação federal.

266 Foreign Law Guide. Verbete: Áustria; PRAKKE, Lucas; KORTMANN, Constantijn. Constitutional Law of 15 EU Member States.

267 Capítulos da Constituição Austríaca: (i) disposições gerais – União Europeia; (ii) poder legislativo da

Federação; (iii) poder executivo e judiciário da Federação; (iv) poder legislativo e executivo dos Länder; (v) controle de contas públicas e administração de recursos públicos; (vi) garantias da Constituição e administração; (vii) Comissão de ombudsman e (viii) disposições finais.

268 PRAKKE, Lucas; KORTMANN, Constantijn. Constitutional Law of 15 EU Member States, p.19. 269 Foreign Law Guide. Verbete: Áustria.

270 Article 9. (1) The generally recognized rules of international law are regarded as integral parts of Federal law.

(2) By Law or state treaty having been approved according to Art. 50 para 1 may transferred specific Federal competences to other states or intergovernmental organizations.The same way the activity of agents of foreign states or intergovernmental organizations inside Austria and the activity of Austrian agents abroad may be regulated as well as the transfer of single Federal competences of other states or intergovernmental organizations to Austrian agents be provided for. Within this frame it may be provided for that Austrian agents shall be subject to the authority of agents of other states or intergovernmental organizations or such be subject to the authority of Austrian agents.

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O artigo 9.2 determina que lei ou tratado (este último, aprovado conforme o art. 50.1 da Constituição - vide adiante) posssam transferir competências federais específicas a outros Estados ou organizações intergovernamentais. Os Länder, dentro das matérias de sua competência, podem concluir tratados,271 e possuem certa autonomia constitucional, na medida em que podem emendar suas constituições, sempre que isso não afete a Constituição federal (art. 99.1).272 O mesmo sistema não se aplica, contudo, à legislação ordinária: as leis federais e as leis do Land encontram-se no mesmo nível hierárquico, e, em caso de conflito, a Corte Constitucional deve decidir com base na competência e não na hierarquia entre as normas.273

Tratados de natureza política, ou quaisquer outros cujo conteúdo modifique ou complemente leis existentes e não se insiram no âmbito do art. 16.1 (competência dos Länder), apenas poderão ser concluídos com a sanção do Senado Nacional.274

Assim como na Constituição alemã, na austríaca existe expressamente a preocupação com as competências internas em relação à União Europeia. As unidades políticas do território têm de ser devidamente informadas a respeito de qualquer eventual modificação dentro de sua esfera de competência, quando houver transferência para a UE.275 Além da preocupação exposta no art. 23.d, fez-se necessário assegurar que a unidade da Federação tome atitudes para implementar normas que integrem o cenário jurídico da UE. Caso os Länder falhem em sua tarefa de implementar tais normas, a

271 Article 16. (1) In matters within their own sphere of competence the Laender can conclude treaties with

states, or their constituent states, bordering on Austria. (…)

272 Article 99. (1) The Land Constitution to be enacted by a Land constitutional law can, inasmuch as the

Federal Constitution is not affected thereby, be amended by Land constitutional law. (…)

273 PRAKKE, Lucas; KORTMANN, Constantijn. Constitutional Law of 15 EU Member States, p.15. 274 Article 50. (1) The conclusion of

1. Political state treaties and state treaties the contents of which modify or complement existent laws and do not fall under Art. 16 para 1, as well as

2. State treaties by which the contractual bases of the European Union are modified, require the approval of the National Council.

275 B. European Union. Article 23d.(1) The Federation must inform the Laender without delay regarding all

projects within the framework of the European Union which affect the Laender's autonomous sphere of competence or could otherwise be of interest to them and it must allow them opportunity to present their views within a reasonable interval to be fixed by the Federation. Such comments shall be addressed to the Federal Chancellery. The same holds good for the municipalities in so far as their own sphere of competence or other important interests of the municipalities are affected. Representation of the municipalities is in these matters incumbent on the Austrian Association of Cities and Towns (Austrian Municipal Federation) and the Austrian Association of municipalities (Austrian Communal Federation) (Art. 115 para 3).

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Federação assume tal responsabilidade, principalmente se tal for imposta por corte que componha o sistema da União Europeia.276

O art. 140 dispõe sobre as atribuições da Corte Constitucional, que deverá pronunciar-se a respeito de tratados contrários à lei interna. Se a Corte pronunciar-se pela inconstitucionalidade do tratado, este não será aplicado, porém não se poderá declará-lo nulo.277

A Constituição austríaca prevê, além do procedimento que devem seguir os Länder após o implemento de política concernente à UE, o que deve ocorrer quando tal política encontrar-se ainda em fase de projeto. Com isso, assegura que as unidades da Federação dêem sua opinião sobre tais projetos.278 A alínea ―e‖ (2) do artigo 23 afirma que, caso o projeto supra citado venha a integrar o ordenamento interno, este virá no patamar de lei federal, assim como ocorre no caso alemão.279

Com relação ao referendo, o art. 44 menciona que uma revisão total da Constituição requer referendo nacional, enquanto uma revisão parcial da Constituição

276 Article 23.d(5) The Laender are bound to take measures which within their autonomous sphere of

competence become necessary for the implementation of juridical acts within the framework of European integration: should a Land fail to comply punctually with this obligation and this be established against Austria by a court within the framework of European Union, the competence for such measures, in particular the issuance of the necessary laws, passes to the Federation. A measure taken by the Federation pursuant to this provision, in particular the issue of such a law or the issue of such an ordinance, becomes invalid as soon as the Land has taken the requisite action.

277 Article 140a. (1) The Constitutional Court pronounces whether treaties are contrary to law. Art. 140 shall

apply to treaties concluded with the sanction of the National Council pursuant to Art. 50 and to law- modifying of law-amending treaties pursuant to Art. 16 para.1, Art.139 to all other treaties with the proviso that the authorities competent for their execution shall from the day of the judgment's publication not apply those which the Court establishes as being contrary to law or unconstitutional unless it determines a deadline prior to which such a treaty shall continue to be applied. The deadline may not in the case of treaties specified in Art. 50 and of law-modifying or law-amending treaties pursuant to Art. 16 para. 1 exceed two years, in the case of all others one year.

(2) If the Constitutional Court establishes that a treaty is contrary to law or unconstitutional upon expiry of the day of the publication of the judgement an order by the Federal President according to Art.65 para 1 second phrase concerning this state treaty or a resolution of the National Council according to Art. 50 para 2 is invalidated.

278 Article 23e. (1) The competent member of the Federal Government shall without delay inform the

National Council and the Federal Council about all projects within the framework of the European Union and afford them opportunity to vent their opinion.

279 Article 23e. (2) Is the competent member of the Federal Government in possession of an opinion by the

National Council about a project within the framework of the European Union which shall be passed into Federal law or which bears upon the issue of a directly applicable juridical act concerning matters which would need to be settled by Federal legislation, then the member is bound by this opinion during European Union negotiations and voting. Deviation is only admissible for imperative foreign and integrative policy reasons.

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(imaginemos, portanto, o caso de tratado europeu que implique a modificação da Constituição austríaca) somente seria submetida a referendo em caso de pedido de um terço do Conselho Nacional ou Federal.280 Na história da Constituição austríaca não ocorreu, até o momento, revisão parcial, e em apenas uma ocasião deu-se a revisão total da Constituição, quando da acessão da Áustria à União Europeia, em junho de 1994.281 É tida como revisão total da Constituição a abolição ou modificação dos princípios fundamentais da Constituição (princípios democrático, republicano e federal, e o Estado de Direito, além da separação de poderes e do princípio liberal). No caso da acessão à União Europeia, decidiu-se que se trataria de uma revisão total da Constituição devido à infringência ao artigo 1 (que reza: ―Austria is a democratic republic. Its law emanates from the people‖) e ao grande volume de legislação europeia, além da preocupação do governo austríaco com o potencial déficit democrático no processo de integração europeu.282

Ainda com relação ao art. 44, é necessário destacar que, devido à menção a ―Constitutional laws or constitutional provisions contained in simple laws‖283, é possível na Áustria estabelecer legislação constitucional fora da Constituição, em leis constitucionais individuais (Bundesverfassungsgesetze) ou em provisões constitucionais (Verfassungsbestimmungen) em leis ordinárias.284 Leis ou provisões constitucionais devem explicitar seu conteúdo constitucional.

280 Article 44. (1) Constitutional laws or constitutional provisions contained in simple laws can be passed by

the National Council only in the presence of at least half the members and by a two thirds majority of the votes cast; they shall be explicitly specified as such („constitutional law―, „constitutional provision―). (…) (3) Any total revision of the Federal Constitution shall upon conclusion of the procedure pursuant to Art. 42 above but before its authentication by the Federal President be submitted to a referendum by the Federal people, whereas any partial revision requires this only if one third of the members of the National Council or the Federal Council so demands.

[Federal people (nota da autora): indivíduos com direito a voto, conforme é possível auferir do artigo 60.(1), que aponta que o president sera eleito por ―Federal people‖]

281 PRAKKE, Lucas; KORTMANN. Constantijn. Constitutional Law of 15 EU Member States, p.18. 282 PRAKKE, Lucas; KORTMANN. Constantijn. Constitutional Law of 15 EU Member States, p.18.

283 A expressão ―simple laws‖ foi encontrada, em comentários à Constituição austríaca, como ―ordinary

laws‖.

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O art. 49.b(1) prevê a possibilidade de consulta popular em casos de ―importância nacional fundamental‖.285 Até o momento, contudo, esse tipo de consulta não foi efetuado.286