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II. A INTEGRAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES DOS ESTADOS MEMBROS DA

7. QUARTO ALARGAMENTO: 2004

7.5. HUNGRIA

7.5.1. Histórico da Constituição húngara

A Hungria ganhou independência do Império Austro-Húngaro após o término da Primeira Guerra Mundial, com a delimitação do território húngaro pelo Tratado de Paz de Trianon e, posteriormente, pelo Tratado de Paz de Paris de 1947, que estabeleceu fronteiras conforme as etnias que nele se encontravam, culminando na perda de dois terços do território húngaro. Em fevereiro de 1920 a nova Assembleia Nacional declarou a restauração da constitucionalidade, o que implicava um governo com sistema parlamentar, baseado no sistema inglês, porém o retorno do Rei Carlos IV ao trono foi impedido pelos países da Entente. A ausência do Rei, combinada com contingente militar significativo no Parlamento, possibilitou ao comandante das tropas insurgentes anticomunistas, Miklós Horthy, eleger-se governante da Hungria, utilizando poderio militar. Os poderes do governante foram progressivamente ampliados em relação aos poderes do Parlamento e, em 1937, tornaram-se próximos aos poderes detidos pelo Rei.

Os anos que se seguiram ao colapso da monarquia húngara foram caracterizados por legislação que estabelecia poderes de emergência, e com as dificuldades que surgiram no cenário mundial com a Grande Depressão das décadas de 1930 e 1940, tendências autoritárias começaram a aflorar na Hungria, cujo governo aproximou-se dos regimes fascista e nazista. A Hungria ingressou na Segunda Guerra Mundial como aliada da Alemanha, e em outubro de 1944 uma tentativa frustrada de alterar esse apoio acarretou a

393 § 1. Scope of application of Act (…) (2) This Act does not regulate the relations of the Republic of

Estonia with the European Union unless not otherwise provided by this Act. (…)

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ocupação do país pelos alemães, fazendo da Hungria um Estado controlado pelo governo alemão até o término da Segunda Guerra Mundial.395 Em dezembro de 1944 uma Assembleia Nacional provisória foi convocada e os poderes de chefe de estado exercitados pelo Conselho Supremo Nacional. A Assembleia declarou-se detentora da soberania e, em janeiro de 1946, anunciou que a Hungria passaria a ser uma República, elegendo um Presidente em 1947. Após as eleições presidenciais, os comunistas soviéticos decidiram expulsar gradualmente do poder os partidos eleitos democraticamente, impondo à Hungria uma ditadura em 1948. A Hungria foi declarada uma República Popular em 1949. Após brutal repressão Estalinista, outro período de terror seguiu-se à Revolução Anticomunista de 1956, quando a presença soviética na Hungria foi desafiada.

Até a primeira metade de década de 1980 poucas emendas foram feitas à Constituição de 1949. Na segunda metade da década de 1980, com o desgaste da influência soviética na Hungria, tendências democráticas fortaleceram-se no país, e surgiram grupos que se opunham ao partido estatal, o Partido Húngaro Socialista dos Trabalhadores. Em 1987 o governo aprovou o processo de elaboração de uma nova Constituição, mas ocorreu apenas uma reforma no sistema socialista. Novas reformas no sistema seguiram-se entre 1987 e 1989, e os grupos de oposição ao governo comunista uniram-se para efetuar negociações em conjunto com o governo. A conversão da Hungria em democracia ocorreu por intermédio de negociações e transferência pacífica de poderes, sem episódios violentos de confrontação.

A Hungria é atualmente uma democracia parlamentar e tornou-se República em 23 de outubro de 1989, após emenda à Constituição de 1949 que, apesar de ainda ser a Constituição em vigor, teve a quase totalidade de seus artigos alterada, devido à necessidade de inserir princípios coerentes com os sistemas constitucionais modernos, e às mudanças ocorridas no sistema político da Hungria desde 1949.396

395 DEZSÖ, Márta. IEL Constitutional Law. Constitution of Hungary. Kluwer International Law, p.28. 396 KORTMANN, Constantijn; FLEUREN, Joseph; VOERMANS, Wim. Constitutional Law of 10 EU

142 7.5.2. Análise de artigos selecionados

O art. 2/A da Constituição diz que a Hungria pode, por intermédio de tratado, exercer determinados poderes constitucionais em conjunto com outros Estados Membros da União Europeia. Esses poderes podem ser exercidos independentemente, e por meio de suas instituições.397 O segundo item deste artigo determina o quorum de dois terços de votos do Parlamento como condição para a ratificação e promulgação de tratado dessa natureza.398 Esse artigo deve ser interpretado em conjunto com o art. 77.1, que diz que a Constituição é a lei suprema da República da Hungria.399 Emenda relevante feita à Constituição, que afetou os poderes do Parlamento (―Cláusula de Integração à União Europeia‖), restringiu soberania e preparou a Constituição húngara para a integração europeia. Os tratados das Comunidades Europeias e da União Europeia adquiriram efeito vinculante no território húngaro por intermédio de autorização constitucional, pois foi a Constituição que possibilitou que o Tratado de Acessão operasse na Hungria como tratado internacional (apesar da aparente restrição da soberania imposta pelo art. 77.1). Apesar de o art. 2/A utilizar linguagem imprecisa (―may exercise certain constitutional powers jointly with other Member States‖), o resultado dessa disposição é a limitação dos poderes legislativos do Parlamento húngaro e, nesse aspecto, da soberania, descrita pelo art. 77. A necessidade de maioria de dois terços para a aprovação de disposição sobre temas relativos à integração europeia, inclusive, foi uma concessão feita pelo Poder Legislativo, uma vez que tais disposições poderiam ser aprovadas com a mesma dificuldade que temas constitucionais.400

397 O modo como o artigo 2/A, denominado pela doutrina consultada como ―cláusula de integração‖, foi

redigido demonstraria o interesse de assegurar a defesa da soberania nacional, por tratar de exercício conjunto de poderes, e não da transferência de soberania (fórmula escolhida por outras Constituições analisadas), apesar de, na prática, ter o mesmo resultado. Constitutions of the World, Oceana. Hungria.

398 Article 2/A.(1) By virtue of treaty, the Republic of Hungary, in its capacity as a Member State of the

European Union, may exercise certain constitutional powers jointly with other Member States to the extent necessary in connection with the rights and obligations conferred by the treaties on the foundation of the European Union and the European Communities (hereinafter referred to as "European Union'); these powers may be exercised independently and by way of the institutions of the European Union. (2) The ratification and promulgation of the treaty referred to in Subsection (1) shall be subject to a two-thirds majority vote of the Parliament.

399 Article 77.(1) This Constitution is the supreme law of the Republic of Hungary.

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Além de aceitar princípios do direito internacional, a Constituição húngara determina que a legislação doméstica esteja em harmonia com as obrigações assumidas sob a lei internacional.401 A Corte Constitucional húngara declarou que princípios de direito internacional integrem o direito húngaro sem que qualquer transformação seja necessária, e que a Hungria, vinculada à disposição constitucional do art. 7 e como membro da comunidade internacional, considere a participação na comunidade internacional como imperativo constitucional.402 A Corte Constitucional estabeleceu a posição hierárquica das normas de direito internacional (nelas incluindo o direito consuetudinário e tratados), que deve estar entre a Constituição e as leis infraconstitucionais. A princípio, o direito europeu torna-se parte do sistema legal húngaro em conformidade com o estabelecido pelo direito comunitário. Cabe destacar que a Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, promulgada como ato de Parlamento, não é considerada pelas cortes húngaras como diretamente aplicável, pois não emana da UE.403

A Constituição húngara precisou ser emendada para a inserção do direito comunitário no direito interno. A Corte Constitucional apontou diversos motivos pelos quais o art. 7(1) não seria adequado para transformar o direito comunitário em legislação doméstica. Na decisão 30/1998 (IV.25), a Corte apontou que o princípio da soberania popular, descrito na Constituição, seria violado, se normas de direito comunitário fossem diretamente aplicáveis internamente e gozassem de primazia sobre a lei doméstica sem qualquer autorização constitucional expressa. A acessão da Hungria à UE ocorreu com a inserção do art. 2/A.1, na Constituição, o qual foi aprovado com a maioria qualificada de dois terços dos membros do Parlamento, necessária para a aprovação de emendas constitucionais (art. 24(3)). Conforme interpretação da Corte Constitucional, o art. 2/A determina as condições e os parâmetros para a participação da Hungria na União Europeia

401 Article 7.(1) The legal system of the Republic of Hungary accepts the generally recognized principles of

international law, and shall harmonize the country's domestic law with the obligations assumed under international law. (2) Legislative procedures shall be regulated by law, for the passage of which a majority of two-thirds of the votes of the Members of Parliament present is required.

402 Conforme decisões 53/1993 AB hat.; 4/1997 AB hat. Informação obtida em KORTMANN, Constantijn;

FLEUREN, Joseph; VOERMANS, Wim. Constitutional Law of 10 EU Member States: the 2004 enlargement, p.IV-18; e DEZSÖ, Márta. IEL Constitutional Law. Constitution of Hungary. Kluwer

International Law, p.53.

403 KORTMANN, Constantijn; FLEUREN, Joseph; VOERMANS, Wim. Constitutional Law of 10 EU Member States: the 2004 enlargement, p.IV-18.

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e a posição do direito comunitário no sistema das fontes do direito interno.404 Com essa decisão, a Corte reconheceu a primazia, o efeito direto e a aplicabilidade imediata do direito comunitário. É necessário notar que a Corte não declara inconstitucionalidade por omissão para o não cumprimento de obrigações impostas por direito comunitário, apesar de fazê-lo em caso de tratados internacionais.405 A Corte Constitucional húngara não examina a constitucionalidade das fontes do direito comunitário, uma vez que suas bases não derivam diretamente da Constituição, porém a Corte revisa a constitucionalidade em casos de normas nacionais que transformem direito comunitário em lei interna.406 A partir de 2009, a Corte Constitucional raramente se referiu às limitações constitucionais da aplicabilidade do direito comunitário (diferentemente do que ocorre com a Corte Constitucional Alemã em casos similares, como o BVerfGE 89,155), embora na doutrina que trata do tema existe consenso de que existem limitações para a aplicação do direito comunitário que se origine na Constituição.407

O art. 6.4 demonstra a disposição da Hungria em promover a ―unidade europeia‖, para alcançar a liberdade, o bem-estar e a segurança para os povos da Europa.408 Esse artigo foi inserido na reforma constitucional de 1989.

O art. 44/A determina uma cooperação infranacional, ao dizer que os representantes locais poderão unir-se livremente entre si, criando associações para a representação de seus interesses, cooperar com governos de outros Estados e integrar associações internacionais de governos locais.409

Será realizado referendo para alcançar decisão ou para que a população expresse opinião sobre determinado tema. Se o referendo for obrigatório, seu resultado vinculará o

404 Decisão da Corte Constitucional 1053/E/2005.

405 Decisões da Corte Constitucional 72/2006 (XII.15) e 16.1993 (III.12), respectivamente. 406 Como exemplo, cita-se a Decisão da Corte Constitucional 17/2004 (V.25).

407 DEZSÖ, Márta. IEL Constitutional Law. Constitution of Hungary. Kluwer International Law, p.57-58. 408 Article 6(4) The Republic of Hungary shall take an active part in establishing a European unity in order to

achieve freedom, well-being and security for the peoples of Europe.

409 Article 44/A. (1) The local representative body - h) may freely merge with other local representative

bodies and create associations of local government for the representation of their interests, may co-operate with the local governments of other countries and may be a member of international associations of local government.

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Parlamento, porém a Constituição não estabelece os casos nos quais o referendo será obrigatório.410

Não é possível realizar referendo para tratar de obrigações estabelecidas por tratados internacionais válidos nem para leis que prescrevam tais obrigações,411 tampouco para realizar emendas à Constituição.412 O art. 79413 aponta a necessidade de realização de referendo para a acessão da Hungria à União Europeia.