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II. A INTEGRAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES DOS ESTADOS MEMBROS DA

3. OS MEMBROS FUNDADORES: 1957

3.2. BÉLGICA

3.2.1. Histórico da Constituição belga

A Bélgica é Estado democrático de direito, monarquia hereditária, com estrutura parlamentar e federal.83 É um sujeito de direito internacional que, no âmbito do direito interno, é formado por sete componentes iguais de uma mesma entidade estatal (sete áreas federais): o Reino (a própria Federação), três sub-entidades com base populacional (comunidades), e três sub-entidades com base territorial (regiões). A Bélgica possui, portanto, sete áreas federais que compõem o Estado e não se subordinam umas às outras, iguais em status, e compartilham poderes conforme os princípios de exclusividade, autonomia e igualdade. O território belga não pode ser alterado sem aprovação prévia do Parlamento, por intermédio de lei, e é dividido pela Constituição em três regiões.

Os poderes de relações exteriores são compartilhados pela Federação, pelas regiões e pelas comunidades, que determinam, conforme a competência atribuída pela Constituição, a política exterior. As regiões e comunidades possuem, também, competência para celebrar tratados nesse sentido. Contudo, por ser considerada como um único sujeito perante o direito internacional, as áreas federais representam a Bélgica ao negociar tratados ou atuar em organizações internacionais ou supranacionais.84

A legislação belga determina dois critérios de hierarquia normativa: a hierarquia substantiva, baseada no conteúdo da norma, e a hierarquia formal, baseada no modo como a norma se estabelece no ordenamento. A hierarquia substantiva divide as normas em decisões individuais, leis substantivas e Constituição substantiva. Partindo do princípio que as decisões individuais são apenas aplicações concretas de normas legais gerais ou de leis substantivas, a lei substantiva encontra-se num patamar mais elevado do que a decisão individual. Contudo, leis substantivas são estabelecidas apenas por intermédio da aplicação

82 Sistema político: Monarquia Constitucional.

83 A estrutura federal da Bélgica pode ser considerada sui generis, pois possui dois tipos de área federal, estas

áreas não são subordinadas, mas possuem o mesmo status, e possuem poder residual. PRAKKE, Lucas;

KORTMANN, Constantijn. Constitutional Law of 15 EU Member States, p.78. ALEN, André. IEL

Constitutional Law. Constitution of Belgium. Kluwer International Law, p.251.

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da Constituição substantiva, que se encontra no topo da hierarquia. Conforme a hierarquia formal, a Constituição tem precedência sobre o direito internacional e supranacional, seguidos pelas decisões do legislativo e do executivo. Com relação às normas aprovadas pelo legislativo, a jurisprudência tem entendido que as cortes podem revisá-las à luz do direito internacional e supranacional (desde que o direito internacional e supranacional sejam auto-executáveis) e deixar de aplicar as normas aprovadas pelo legislativo se existir algum conflito entre essas normas e o direito internacional e supranacional.85

A Constituição belga não determina expressamente a hierarquia entre legislação nacional e internacional. A hierarquia entre essas duas ordens foi determinada, contudo, pela Corte de Cassação, na decisão Le Ski (julgamento de 27 de maio de 1971). Antes de 1971, a Bélgica aderia à teoria dualista. Na decisão Le Ski, a Corte determinou que um tratado auto-executável prevalece sobre atos do Parlamento anteriores e posteriores, que deveriam, por sua vez, ser considerados inoperantes. Apesar de não tratar especificamente de um conflito entre tratado e Constituição, as cortes belgas reconhecem a prevalência de tratados auto-executáveis em detrimento da Constituição.86

A primeira Constituição unitária da Bélgica foi aprovada pelo Congresso Nacional em 07 de fevereiro de 1831. A Constituição belga consistiu, então, em uma síntese das Constituições francesas de 1791, 1814 e 1830, além da Constituição holandesa de 1814, e da lei constitucional inglesa. A Bélgica tornou-se uma monarquia parlamentar, e os aspectos principais da Constituição eram a separação dos três poderes e os direitos e liberdades conferidos aos belgas.

O território belga possui influência do mundo germânico e latino, e este pluralismo já era latente no território quando da criação da Bélgica em 1830. As diferenças culturais e linguísticas levaram à necessidade de uma reforma do Estado. Um passo em busca do acolhimento destas diferenças foi tomado através de leis que reconheceram o francês, o holandês e o alemão como línguas oficiais da Bélgica, porém foi necessária uma revisão constitucional para acolher todas as diferenças existentes no Estado. Com a revisão de 05 de maio de 1993, criou-se o Estado Federal. Esta mudança teve início,

85 PRAKKE, Lucas; KORTMANN, Constantijn. Constitutional Law of 15 EU Member States, p.86/87. 86 ALEN, André. IEL Constitutional Law. Constitution of Belgium. Kluwer International Law, p.63.

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primeiramente, com amplas reformas na década de 1970, que se intensificaram em 1980 e continuaram em 1988-1989.

A primeira revisão (1970) resultou no estabelecimento de três comunidades culturais, o que trouxe maior autonomia a estas comunidades que, contudo, tiveram simultaneamente seus poderes restritos. Esta reforma foi uma resposta à busca de autonomia cultural dos flamengos. Cada uma das regiões estabelecidas passou a deter um território e, supostamente, atividade econômica próprios. As regiões foram estabelecidas em resposta à busca dos francófonos (Valões e aqueles que adotam a língua francesa em Bruxelas) por autonomia econômica.

A segunda revisão ocorreu em 1980, quando as comunidades culturais passaram a ser conhecidas apenas como comunidades. Passaram a existir as comunidades de língua Flamenga, Francesa e Germânica. Para cada uma dessas comunidades foi estabelecido um Parlamento e governo. Nesta reforma foram também estabelecidas duas regiões (Flandres e Valônia).

Durante a terceira reforma do Estado (1988-89), a região da capital Bruxelas foi moldada. Assim como ocorreu com as outras duas regiões, recebeu suas próprias instituições, um Parlamento e um governo. Com essa reforma, deu-se maior poder às comunidades, e as regiões foram consolidadas.

Em 1993 ocorreu a quarta reforma, na qual a Bélgica passou a ser um Estado Federal. As comunidades e regiões receberam, então, plenos poderes. O primeiro artigo da Constituição, que dividia a Bélgica em províncias foi emendado, apontando que a Bélgica passava a ser um Estado Federal composto por comunidades e regiões.

Os Acordos Lambermont e Lombard consistiram na quinta reforma do Estado, em 2001. O Acordo Lambermont transferiu alguns poderes às regiões e comunidades, enquanto o Acordo Lombard modificou o modo como as instituições em Bruxelas operavam. Ambos passaram a viger a partir de 13 de julho de 2001.87

55 3.2.2. Análise de artigos selecionados

A Constituição Belga cita a supranacionalidade no artigo concernente aos direitos dos belgas (art. 8o). Uma lei organizará o direito de voto dos cidadãos da União Europeia que não possuam a nacionalidade belga, conforme obrigações internacionais e supranacionais da Bélgica.88

A menção às obrigações supranacionais tem como exclusiva destinatária a União Europeia. Acredito que qualquer obrigação com a qual a Bélgica se comprometa e que não esteja relacionada à UE não será supranacional, pois somente esse conjunto de Estados possui características tão peculiares para ser classificado como supranacional. A supranacionalidade também é citada no art. 77.89

O art. 3490 da Constituição afirma que o exercício de poderes poderá ser atribuído por lei ou tratado a instituições de direito internacional público.

O capítulo que trata das relações internacionais aponta a possibilidade de as communautés e as régions regulamentarem a cooperação internacional na sua esfera de atuação.91 O artigo seguinte expressa a preocupação, recorrente nas Constituições analisadas, de que as informações concernentes à assinatura de tratado que institua a

88 Titre II- DES BELGES ET DE LEURS DROITS. Art. 8. La qualité de Belge s'acquiert, se conserve et se

perd d'après les règles déterminées par la loi civile. La Constitution et les autres lois relatives aux droits politiques, déterminent quelles sont, outre cette qualité, les conditions nécessaires pour l'exercice de ces droits.

(Par dérogation à l'alinéa 2, la loi peut organiser le droit de vote des citoyens de l'Union européenne n'ayant pas la nationalité belge, conformément aux obligations internationales et supranationales de la Belgique. Le droit de vote visé à l'alinéa précédent peut être étendu par la loi aux résidents en Belgique qui ne sont pas des ressortissants d'un Etat, membre de l'Union européenne, dans les conditions et selon les modalités déterminées par ladite loi. Disposition transitoire.La loi visée à l'alinéa 4 ne peut pas être adoptée avant le 1er janvier 2001.)

89 Article 77. La Chambre des représentants et le Sénat sont compétents sur un pied d'egalité pour (…) 6° les

lois portant assentiment aux traités; 7° les lois adoptées conformément à l'article 169 afin de garantir le respect des obligations internationales ou supranationales;(…)

90 Article 34. L'exercice de pouvoirs déterminés peut être attribué par un traité ou par une loi à des

institutions de droit international public.

91 Article 167. § 1. Le Roi dirige les relations internationales, sans préjudice de la compétence des

communautés et des régions de régler la coopération internationale, y compris la conclusion de traités, pour les matières qui relèvent de leurs compétences de par la Constitution ou en vertu de celle-ci.(…)

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Comunidade Europeia ou de tratados que modifiquem os anteriores sejam transmitidas não apenas ao órgão responsável pela assinatura/ratificação do tratado.92