• Nenhum resultado encontrado

UMA ÉPOCA, UMA VIDA, NA BAHIA – 1928/1962: ESTUDO GENÉTICO DE DATILOSCRITO DE MANOEL PINTO DE AGUIAR

No documento Processos de criação em debate (páginas 93-107)

Elizete Leal Candeias Freitas19 Arivaldo Sacramento de Souza20 Considerando a proposta de realizar um estudo genético em datiloscritos de Manoel Pinto de Aguiar, faz-se necessário situá-lo no âmbito da Filologia e, consequentemente, no da Crítica Textual, assim como no campo da Crítica Genética, para que, posteriormente, possamos compreender os caminhos percorridos na discussão sobre a materialidade e os movimentos textuais encontrados. Portanto, revisaremos, aqui, algumas abordagens que aproximam teorias e sugerem ler o manuscrito moderno como o documento que guarda as vivências sócio-históricas do autor, do fazer o texto e da época em que ele foi construído, como um processo lento, progressivo e (possivelmente) inacabado.

Entendendo a Filologia “[...] como o conjunto das atividades que se ocupam metodicamente da linguagem do homem e das obras de arte escritas nessa linguagem” (AUERBACH, 1972, p. 11), podemos, contemporaneamente, adotar posturas filológicas que leiam o texto nas diferentes versões em que o mesmo circula, dialogando com outros saberes, com o intuito de construir significados para o que apresenta cada versão textual, a depender do modo como o texto se mostra, através do seu suporte, de como foi estabelecido, das intervenções efetuadas, da maneira como circulou numa determinada sociedade, e até de como foi recepcionado por um público em questão. Para tanto, há de se fazer uma pesquisa exaustiva no processo de produção, circulação e transmissão de cada testemunho envolvido numa tradição para que se possa afirmar se são cópias uns dos outros, se estão ainda num processo de escrita, ou se são textos divergentes que se unem somente pela temática afim. É dessa forma que a postura filológica adotada na Antiguidade, em prol da reconstituição de um texto puro/higienizado/original/verdadeiro, vem sendo substituída por práticas editoriais que consideram as diversas produções de sentido encontradas na tradição (SOUZA, 2012, p. 186).

A práxis filológica contemporânea é consequência de um processo lento que tem como referência o desdobramento da Filologia em outras disciplinas como a Linguística (histórica e diacrônica) e a Crítica Textual. Interessa-nos, portanto, apreciar como esta, “[...] que tem como objeto de estudo o texto, tanto na sua existência material e histórica como na função de

                                                                                                                         

19 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura. E-mail: kaw_hannah@yahoo.com.br 20 Professor do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. E-mail: arisacramento@gmail.com  

testemunho documental e literário” (BORGES, 2003, p. 46), se apresenta em modalidades distintas e consonantes com o comportamento adotado por um editor. Das modalidades21 encontradas, destacamos a Crítica Textual Genética, pois, numa perspectiva filológica, permite entender o processo de escritura da obra ou de um determinado testemunho, a datar da sua gênese até a sua última forma encontrada, desde que se considere os estudos efetuados através de manuscritos sob a forma de esboços, notas, cópias e tudo que puder demonstrar marcas de manipulação autógrafa. Almeja-se, dessa forma, que a Crítica Textual e a Crítica Genética, caminhem de mãos dadas no transcorrer das análises efetuadas.

Ressaltamos, porém, que a Crítica Textual, mesmo na modalidade Crítica Textual Genética, se diferencia da Crítica Genética, pois estuda a materialidade histórica de um texto, se ocupa de uma edição que considera a restituição, a intenção ou os movimentos de construção textual, visando o produto final; a Crítica Genética, por sua vez, tem o devir da obra como objetivo, e ampara-se num discurso crítico para explicar por quais processos de criação, de transformação e de escritura passou um determinado texto que poderá ser reconhecido, ou não, como obra literária. “Seu objetivo primeiro não é o estabelecimento do texto, mas a atualização dos mecanismos de escritura que subentenderam o processo criativo. Não é, portanto, o texto, mas, pela primeira vez, é o manuscrito que está no centro dessa nova disciplina” (GRÉSILLON, 2007, p. 133).

Contudo, quando sugerimos o “caminhar de mãos dadas” da Crítica Genética e a Crítica Textual, esperamos que o trabalho tenha como culminância uma edição que contenha, não só um aparato de “variantes”22, mas “a interpretação de um processo, ou seja, de todos os caminhos, impasses e acidentes pelos quais passa a criação de uma obra” (GRÉSILLON, 2009, p.43).

Nesses últimos anos, apesar das diferenças apresentadas entre a Crítica Textual e a Crítica Genética, muitas discussões foram efetuadas na tentativa de demarcar fronteiras entre as práticas do editor e do geneticista. Entretanto, notamos que muitos dados genéticos têm sido apresentados em quaisquer tipos de edição. Supomos, então, que a relevância dos estudos não se dará no entorno da Crítica Genética ou da Crítica Textual, mas uma devorará os métodos da outra para estabelecer um possível texto padrão ou para descobrir os processos de criação nos manuscritos, envolvendo, assim, prototexto, versões e o texto (WILLEMART, 1999, p. 202). Consequentemente, temos o que Willemart denomina de “terreno mútuo de

                                                                                                                         

21A Crítica Textual Tradicional e a Crítica Textual Moderna; a Crítica Textual Genética e a Crítica Textual

Sociológica, que vêm sendo pensada por estudiosos como Luiz Fagundes Duarte e Rosa Borges.

22 “[...] o termo variante significa, portanto, não mais variação em relação a um modelo, mas simplesmente

entendimento” (1997, p. 97), onde a união da Crítica Textual com a Crítica Genética só tem a mostrar que um texto em estudo não é um dado, uma entidade estável, mas um processo variável, inacabado, e em perpétua transformação (TAVANI, 1997, p. 90).

Após mostrar que “a filologia e a crítica genética não são dependentes uma da outra, mas são meios de abordagens diferentes do manuscrito” (WILLEMART, 1997, p. 97), e que podem interagir num determinado lugar, esclarecemos que, com um estudo genético inserido na perspectiva filológica, pretendemos fazer uma leitura de um datiloscrito de Pinto de Aguiar, enfatizando os sentidos que emergem deste datiloscrito, considerando a pluralidade dos movimentos textuais encontrados, assim como outros elementos que aparecem no texto, com o intuito de pensar o percurso seguido pelo escritor e apontar características de um projeto aparentemente construído.

Através de mecanismos que perpassem pela Crítica Genética e pela Crítica Textual, mas que priorizem, sobretudo, os instrumentos metodológicos e críticos aplicáveis a essa específica situação textual, no que diz respeito à gênese, propomos estudo sobre o datiloscrito

Uma época, uma vida, na Bahia:1928/1962(D62), datado de 1962, de autoria de Manoel

Pinto de Aguiar, título da oração de posse proferida pelo mesmo, na ocasião da ocupação da cadeira de número 40, na Academia de Letras da Bahia (ALB). Para tanto, “tem-se então de tecer considerações sobre o suporte da escrita, os instrumentos utilizados para a escrita [...], o contexto sócio-histórico de produção [...] entre outros aspectos” (BORGES; TELLES, 2010, p.64-66). Analisaremos ainda os mecanismos da sua produção, movimentos de escritura, observação das diferentes versões, possíveis pesquisas desenvolvidas, intertextualidades, diálogos com outros textos (paratextos23), bem como os demais elementos que podem configurar processo de construção textual, visando, nesse corpus, uma interpretação do texto enfatizado.

Como ponto de partida, entenderemos o D62 como um manuscrito moderno, e também, um objeto material, um objeto cultural e um objeto do conhecimento. Dessa forma, é Grésillon quem, didaticamente, define esse manuscrito como o objeto de trabalho,

aquele que porta os traços de um ato, de uma enunciação em marcha, de uma criação que está sendo feita, com seus avanços e seus bloqueios, seus acréscimos e seus riscos, seus impulsos frenéticos e suas retomadas, seus recomeços e suas hesitações, seus excessos e suas faltas, seus gastos e suas perdas. (GRÉSILLON, 2007, p. 51).

                                                                                                                         

23Para Philippe Lane (1992, p. 13-21), o paratexto “é composto de um conjunto heterogêneo de práticas e de

discursos que reúne [...] uma visão comum, aquela que consiste ao mesmo tempo em informar e em convencer, afirmar e argumentar...” (apud BORGES; TELLES, 2010, p. 67).

E continua:

[...] contém inscrições sobre o tempo da escritura, seja porque o próprio autor deixa transparecer a data, que acrescenta à data da primeira redação a da reescritura, seja porque a análise das ferramentas e dos traçados permite conjeturas sobre a cronologia (GRÉSILLON, 2007, p. 53).

Conforme observação da figura abaixo,

Figura1

a primeira folha do datiloscrito, objeto deste estudo, traz marcas autorais que se revelam em diversas informações, sejam elas demarcadoras do tempo ou do movimento da escritura. A figura 1 também mostra como podemos entender o manuscrito moderno na configuração de um objeto material, na medida em que permite análise “do suporte e do instrumento quanto à própria escrita e à sua disposição no espaço gráfico” (GRÉSILLON, 2007, p. 55). Nesse sentido, observamos que o datiloscrito foi estabelecido em 1962, é composto por 24 folhas, traz como suporte o papel, é apresentado em folhas datiloscritas de tamanho A4, agrupadas com clipe de metal afixado no ângulo superior esquerdo da folha, contendo título e subtítulos que representam cada etapa da história a ser narrada; o espaço gráfico utilizado é semelhante em todas as folhas do datiloscrito, nas quais o texto se apresenta em forma linear e corrida – característica do texto em prosa – e a mancha textual é encontrada apenas no anverso das folhas; possui título em caixa alta; a distância entre as linhas é variável devido à disposição irregular dos tipos da máquina de datilografia, já que a mesma traz a letra O/o sempre

datilografada em desnível com a linha; as 24 folhas são numeradas com algarismos arábicos, datilografados e dispostos entre hifens, centralizados na margem superior da folha; há trechos sublinhados mecanicamente e há outros trechos sublinhados à mão, com traçado ondulado e irregular; na primeira folha, no ângulo superior direito, há um OK manuscrito com caneta de tinta vermelha; a ferramenta de escrita utilizada é a datilografia, efetuada com máquina mecânica de fita preta; a escrita é disposta em datilografia com intervenções manuscritas nas linhas, entrelinhas e margens24; as observações encontradas nas margens possuem aparência

fosca, semelhante à grafia com lápis; as rasuras25 são manuscritas, feitas com caneta de tinta

azul, encontradas, em sua maioria, em acréscimos, ou preenchimento à mão, nos espaços deixados em branco durante datilografia; além de alguns deslocamentos, supressões e substituições por sobreposição. Das rasuras encontradas, algumas são visíveis e permitem a restituição do que outrora foi escrito, outras podem ser parcialmente restituídas com prejuízos no reestabelecimento da informação, e outras sobrescritas e ilegíveis, aparecidas sob o efeito de borrões.

O manuscrito moderno, aqui estudado, será igualmente entendido como um objeto cultural, que, através do olhar do escritor, guarda a memória de um tempo enquanto patrimônio histórico, bem como um objeto do conhecimento, pois representará a história de sua construção, assim como a história do tempo em que foi construído, a partir das pistas deixadas. Assim sendo, procuramos ler o D62, enquanto objeto do conhecimento, como uma narrativa de si26, do próprio Aguiar, bem como do seu contexto histórico e sociocultural. Dessa forma, traz características autobiográficas, narrando sobre a sua infância e juventude, caracterizando sua terra natal, Alagoinhas-BA, tecendo comentários sobre o tornar-se acadêmico na ALB, além de enaltecer o talento de intelectuais que podem ter contribuído, direta ou indiretamente, para a sua formação.

A partir do D62, observamos que Pinto de Aguiar, por ter nascido no interior da Bahia, sempre teve acesso a uma educação diferenciada, em relação a dos seus conterrâneos, utilizando-se dos mecanismos de progresso que disponibilizava a cidade, tal qual a estrada de ferro, e consequentemente, das informações advindas de todo o Brasil e do mundo através de livros, jornais e revistas; entendendo, precocemente, o seu contexto histórico, o que o fez

                                                                                                                         

24Espaço denominado de “reservatório de ideias”, por Grésillon (2007, p. 80).

25Sobre as rasuras, diz-se que as mesmas representam perdas e ganhos. “Ela anula o que foi escrito, ao mesmo

tempo em que aumenta o número de vestígios escritos.” Revela-se como um paradoxo através do qual repousa o interesse do estudo genético, pois revelam as mais diversas possibilidades durante o entendimento do devir texto (GRÉSILLON, 2007, p. 97).

galgar novas alternativas de crescimento pessoal e intelectual junto ao desenvolvimento social da cidade, o que se pode verificar na figura 2:

Figura 2

A figura 2 também expõe um pouco do repertório que embasou a educação e as práticas de erudição de Aguiar, o que se revela através dos títulos trazidos da Europa, e traduzidos no Brasil, cujas temáticas acabam por caracterizar o outro lado do Atlântico, referenciando, desta forma, uma outra maneira de viver, bem distinta das amenidades simplórias dos textos e contextos do interior da Bahia. Títulos como Eu sei tudo– uma versão do Je Sais Tout, revista francesa lançada em 1905 (era uma das revistas mais lidas por Pinto de Aguiar), assim como os outros títulos que representam a escritura francesa – assinados por nomes como os de Julio Verne, Alexandre Dumas e Émile Richebourg – mostram o parâmetro adotado para o conceito de Literatura, ressaltam um interesse literário precoce e apontam indícios de como Aguiar quer demonstrar sua formação intelectual.

Pinto de Aguiar, em notável ascensão intelectual, muda-se de Alagoinhas para Salvador e, após sucessivos acontecimentos como o falecimento do seu pai, segundo casamento da sua mãe, e a não aceitação dos episódios ocorridos, muda-se de Salvador para o Rio de Janeiro, locais em que o mesmo termina os estudos e constrói laços que o configuraram como um homem dinâmico, intelectual das diversas áreas de atuação, a exemplo da advocacia, economia, política e as letras (edição, tradução, leitura e escrita). Estabeleceu-se num contexto entre (e pós) guerras, de onde adquiriu as vivências necessárias ao desenvolvimento de projetos marcados pela sua atuação; como urbanista, deixou um

legado na capital baiana que perpassa pela estruturação de bairros como o Rio Vermelho, o Jardim Lobato, o Vale dos Barris e o Dique do Tororó; preocupou-se com o proletariado baiano e desenvolveu planos de empréstimos, além dos projetos de habitação; e esteve inserido na direção de grandes empresas, a exemplo da Petrobrás, Eletrobrás e Itaipu (SAMPAIO, 2011). Esta descrição foi estabelecida depois de pesquisas efetuadas a partir das pistas deixadas através do D62. Por meio dele, podemos entender como Aguiar vivenciou a transição de uma estrutura econômica, social e política, nos anos 1920, época pela qual ele revela verdadeiro fascínio, mesmo sendo anos cruéis – de “fuga à escravidão (econômica e terrestre)”, devido à possibilidade de estar numa sociedade mais feliz e mais aberta para o universo (AGUIAR, 1962, f. 5-6).

O estudo sobre a materialidade permite interpretar as preferências do escritor, revelando suas opções sobre a escrita: se escrita manuscrita à caneta, a lápis, à máquina de datilografia ou mesmo num computador; se escrita somente no anverso, se também no verso etc. Detectar essas escolhas consente entender, dentre outras possibilidades, se o processo de escritura foi efetivado com a intenção de não deixar “rastros”27, priorizando o “gênio do autor”28, ou se a escritura foi estabelecida com o intuito de registrar todas as idas e vindas, interrupções, modificações, substituições, dentre outros movimentos de reescritura. No caso do D62, percebemos que a intenção inicial era não deixar “rastros”, o que se explica através de uma carta deixada a um amigo, certamente alguém ligado à Academia de Letras, entendida aqui como paratexto representado pela figura 3, na qual Pinto de Aguiar narra sobre o seu próprio procedimento de escritura, que inicia com a “manoescrita” e, em seguida, efetiva-se com a cópia datilografada do texto fazendo as correções necessárias.

                                                                                                                         

27De acordo com Biasi, os rastros são os indícios materiais que a genética textual propõe reencontrar e

compreender num manuscrito (2010, p. 13).

28Biasi cita Edgar Poe para teorizar sobre o gênio criador, ou seja, para desmistificar a ideia do texto genial.

Esclarece que a “intuição extática” é uma ficção construída pelo escritor que “fecha as portas do seu laboratório” e condena a ideia de que a obra pode ser o efeito de um trabalho (BIASI, 2010, p. 23).

Figura 3

Evidencia-se, na figura 3, que o D62 expressa o processo de passar a limpo, já que é um datiloscrito, o que Pinto de Aguiar revela como sendo a sua segunda etapa de criação textual. Desse contexto, interpretamos, também, que o escritor não conseguiu deixar seu texto pronto para publicação, mesmo depois de “pulir29 e cortar os excessos”, já que houve acrescentamentos na escritura, nos espaços deixados em branco durante datilografia, bem como revisão e modificação do texto, o que se explica através das rasuras encontradas.

Consciente de que sua oração será publicada na Revista da Academia de Letras, Aguiar se revela criterioso com o seu texto, o que se explica pela carta enviada, assim como pelo número de reescrituras efetuadas pela necessidade de “pulir, cortar os excessos”, revisar, suprimir termos, escolher palavras ou expressões que melhor se adequem à forma com a qual ele quer se mostrar, conforme mostra o gráfico a seguir.

                                                                                                                         

Gráfico 1 – Tipos de reescrituras encontradas no D62

Dos movimentos de reescrituras encontrados, muitos fazem correções acrescentando dados que não foram inseridos durante datilografia, outros consertam os dados já datilografados. O quadro 1 demonstra os tipos de correções encontradas, bem como a preocupação e zelo do escritor com os ditames da norma culta.

Quadro 1 – Tipo de correções encontradas no D62

Tipo de correção Quantidade Tipo de correção Quantidade

Na acentuação 1 Acréscimo de informações 2

Na pontuação 44 Na concordância 13

Letras maiúsculas ou minúsculas 7 Na regência 2 Acréscimos de palavras “esquecidas” 4 Na ortografia 10 Antropônimos 9 Correção de teor estilístico 12

Topônimos - Borrões indefiníveis 10

Durante o trabalho com gênese, além de interpretarmos a materialidade e os movimentos de reescrituras, temos ainda como objetivo analisar as fases nas quais se encontram os manuscritos estudados. Dessas, sobressaem-se diversas categorias que explicam o momento de execução da escrita, como é o caso da fase redacional que, segundo Biasi, subdivide-se em subfases através das quais se percebe o dossiê como documentário redacional, de redação ou “rascunhos da obra, dos roteiros desenvolvidos, dos esboços e dos rascunhos, do momento de passar a limpo com as correções (2010). Compreendemos, portanto, que, das considerações efetuadas, e em consonância com o gráfico, o quadro e as

39 33 16 27 2 1 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Substituição  por  

sobreposição Supressão Acrescentamento  na  entrelinha   superior

Acrescentamento  

figuras apresentados, o datiloscrito exposto nesse estudo possui características de um texto em fase redacional, equivalente ao “momento de passar a limpo com as correções”, onde o número de rasuras aparece diminuído em relação a um manuscrito complexo, em momento de exploração e redação, revelando linhas e blocos de parágrafos mais claramente definidos (BIASI, 1997, p. 16). Porém, nesse nível de reescritura, apesar do D62 parecer “limpo”30 e pronto para ser publicado, o impresso do documento, representado pela figura 5, mostra que o mesmo passou por outras modificações, ou seja, por outros processos de reescrita, o que pode ser observado através do confronto entre as figuras 4 e 5:

Figura 4

Figura 5

                                                                                                                         

30Expressão que remete ao texto passado a limpo, ou seja, em fase pré-editorial através do qual se reproduzirá a

Por sua vez, o confronto entre as figuras 4 e 5 mostra que as modificações textuais efetuadas do datiloscrito para o impresso sugerem a preocupação do escritor em construir um texto que esteja lapidado, corrigido e modificado, pronto para uma publicação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabendo que o objeto da Filologia é o estudo do texto registrado em suporte material, e que essa materialidade, seguindo também uma perspectiva genética, interessa para entender a época, a cultura e as peculiaridades de um determinado testemunho, enfatizamos, sobre o

corpus estudado, o suporte, as ferramentas de escrita, a escrita e a sua disposição no espaço

gráfico e as intervenções localizadas, pois estas caracterizam a postura de Pinto de Aguiar diante do texto confeccionado31. Nesse sentido, Crítica Textual e Crítica Genética se aproximam, pois o interesse é comum no estabelecimento das hipóteses para a interpretação da materialidade e dos diversos movimentos textuais encontrados. Espera-se, portanto, que o estudo material do manuscrito, bem como as interpretações dos resultados decifrados, com o propósito único de reconstruir o texto em seu estado nascente (BIASI, 1997, p.2), obtenha como culminância uma edição. Todavia, esclarecemos, mais uma vez, que esse estudo não prioriza editar, mas encarrega-se de dar visibilidade para a parceria entre a Crítica Textual e a Crítica Genética, em função da pesquisa e da situação textual encontrada, com o intuito de

No documento Processos de criação em debate (páginas 93-107)