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2 RIZOMA E ÉTICA, PLATÔS INICIAIS E CONCEITUAIS

2.2 ÉTICA E PLANO DE IMANÊNCIA

Iniciei minha busca em autores que, apesar dos possíveis conflitos, eram referências mais próximas. Primeiro, tentei encontrar inspiração nos pensamentos de Badiou (1995), Morin (2005) e La Taille (2006), com o objetivo de realizar um breve diálogo sobre os sentidos e significados da ética na contemporaneidade, para depois melhor caracterizá-la na presente tese, que se fundamenta na ideia deleuzina de rizoma e na ética de Maturana e Varela, de Spinoza e de Morin. Apesar do risco de conflitos, foi possível extrair, mesmo que em raízes distintas, ideias que provocaram o encontro com outras perspectivas éticas.

Em La Taille (2006), apesar de suas ideias parecerem distantes do pensamento exercido até agora, suas concepções e distinções entre ética e moral são conceitos habitualmente utilizados como sinônimos no sentido de conjunto de regras de conduta socialmente consideradas como obrigatórias; e sinaliza que essa sinonímia é aceitável no pensar da maioria dos cidadãos, se consideramos a origem das palavras moral (do latim moris – costumes) e ética (do grego ethos – costumes), das culturas mais antigas. Segundo o autor,

[...] muitas pessoas veem na palavra ‘ética’ um conceito cheio de promessas filosóficas, um campo de reflexão prenhe de riquezas, uma referência a atitudes ‘nobres’, qualidades estas de que a ‘pobre’ e ‘seca’ palavra moral careceria (LA TAILLE, 2006, p. 26).

La Taille (2006) acrescenta que se convencionou diferenciar os sentidos de moral e de ética, reservando o primeiro conceito para o fenômeno social, e o segundo para a reflexão filosófica ou científica sobre ele. Partindo de uma construção teórica que dialoga com o pensamento de outros filósofos, como Comte- Sponville (1998), Luc Ferry (1998), Bernard Williams (1990) e Paulo Ricoeur (1990), o autor (2006, p. 29 e 30, respectivamente) reserva a cada palavra duas perguntas e

respostas diferentes: “[...] À indagação moral corresponde a pergunta: ‘como devo agir?’. E à reflexão ética cabe responder à outra: ‘que vida eu quero viver?’”. Considera, portanto, que “[...] falar de moral é falar em deveres, e falar em ética é falar em busca de uma ‘vida boa’, ou se quiserem, de uma vida que ‘vale a pena ser vivida’” ( LA TAILLE, 2006, p.30). Nesse sentido, encontra-se já aí a ética no sentido deontológico (deveres) e no sentido teleológico (fim maior a alcançar).

Assim, La Taille (2006, p. 32) refere-se do ponto de vista sociológico, a existência do plano moral, “[...] pelo fato de não se conhecer cultura sem sistema moral, e do ponto de vista psicológico, pelo fato de os seres humanos serem passíveis de experimentar o sentimento de obrigatoriedade, o sentimento do dever moral”. E, mesmo havendo no campo da filosofia moral a distinção entre as teorias deontológicas (teoria dos deveres morais) e teleológicas (teoria dos valores morais a partir de suas consequências concretas no mundo), La Taille (2006, p. 33) afirma que “[...] seria um erro pensar que o fato de definirmos o plano moral pela sua relação com o dever traduz nossa concordância com a abordagem deontológica”, porque tanto o sujeito “[...] pressuposto pela moral deontológica quanto aquele pressuposto pela moral teleológica experimenta o sentimento de obrigatoriedade”.

De fato, esse sentido coercível da ética na contemporaneidade aprisiona outros movimentos que podem permitir ao sujeito construir a ética socialmente e assim fazê-la dispositivo para a sua própria cidadania.

O referencial de La Taille (2006) é fundamentalmente da psicologia, viés não adotado aqui. Porém, sua análise dos planos moral e ético apresenta, para a perspectiva da presente tese, quatro passos que definem o sentido moderno muitas vezes aplicado à ética:

• O primeiro passo – avaliar se a “vida boa” é decorrência de condições objetivas e mensuráveis ou se ela corresponde a uma experiência subjetiva; afirmando que o plano ético é ocupado por avaliações pessoais a respeito de se estar vivendo ou não uma vida boa.

• O segundo passo – avaliar qual a relação entre o sentir-se feliz e o eixo do tempo, afirmando que a avaliação de que a experiência subjetiva de bem- estar acompanha o fluxo temporal da vida.

• O terceiro passo – observar qual será a qualidade necessária à referida experiência subjetiva de bem-estar? referindo-se para essa qualidade ao sentido existencial do sujeito; e

• O quarto e último passo – buscar responder à pergunta “Como viver?”, Concluindo que é preciso acrescentar outro aspecto, o sujeito deve permitir a realização da “expansão de si próprio”.

Este último e quarto passo levanta uma questão importante nesta tese, posto que, como bem alertou Morin (2005), a ética manifesta-se para nós de maneira imperativa, e sua exigência é vivida subjetivamente. Cabe ao sujeito religá-la nas suas relações com uma comunidade, com uma sociedade, enfim com a espécie humana.

Nesse sentido, a perspectiva de La Taille (2006) ainda é de uma ética prescritiva, normativa, que acaba por se confundir com as normas morais. Por isso, passamos às ideias de Badiou (1995).

O referido filósofo e dramaturgo francês afirma que foram os estóicos que fizeram da ética não apenas uma parte, e sim o cerne da sabedoria filosófica. O autor refere-se à palavra “ética”, em grego, como a busca de uma boa “maneira de ser”, ou a sabedoria da ação. Mas evidencia que o sábio é aquele que, “[...] sabendo discriminar entre as coisas que dependem dele e aquelas que não dependem, organiza sua vontade ao redor das primeiras e suporta impassivelmente as segundas” (BADIOU, 1995, p. 15-16).

Assim, Badiou (1995) aponta alguns princípios nos quais ele afirma que é preciso rejeitar o dispositivo ideológico da ética, não fazer concessões à definição negativa e vitimária do homem, significando esta o conservadorismo inquietante que generaliza e impede pensar as singularidades das situações.

Toda humanidade se enraíza na identificação em pensamento de situações singulares. Não há ética em geral. Não há – eventualmente – senão ética de processos pelos quais se tratam os possíveis de uma situação (BADIOU, 1995, p. 30).

Essa tese de Badiou (1995) poderia convergir para a referência ética estudada aqui sob a perspectiva da atitude, do agir prático do professor diante das transformações e mudanças que ocorrem ao seu redor, no espaço institucional,

diálogo com e não sobre a formação e seus partícipes. O sentido da ética como construção social que se compreende no “outro”, não se consubstanciando apenas na identidade do sujeito, “[...] desde o princípio, a ética é ética do outro, é abertura principal para o outro, subordina a identidade à diferença” (BADIOU, 1995, p. 31, itálico do autor).

Nesse sentido, observo que o saber ético não é o estudo apenas das virtudes do homem, ou dos vícios humanos, mas uma construção social que se baseia nas formas de o homem agir e pensar criticamente as suas relações e implicações em sociedade, em família, em situação de trabalho, nas suas relações sociais, não significando apenas a luta do “Bem” contra o “Mal”, ou o imperativo normativo do “correto” modo de bem-viver em contraposição ao mal, ou o mal, o negativo que precisa de julgamento.

Badiou (1995, p. 28) defende que a sofística é devastadora, pois “[...] Toda vontade coletiva de Bem faz o Mal”. O autor tece a tese de que na modernidade prioriza-se contra um Mal reconhecido a priori, e que estabelecer um compromisso ético para transformar o que já “é” desvirtua a ética, que acaba por dar sentido a uma vertente “ocidental”, justificando o que já está posto.

Na realidade, o preço pago pela ética é o de um conservadorismo espesso. A concepção ética do homem, além de ser no final das contas ou biológica (imagens de vítimas), ou ‘ocidental’ (satisfação do benfeitor armado), proíbe toda visão positiva e ampla dos possíveis. O que é aqui elogiado, o que a ética legitima, é na realidade a conservação, pelo pretenso ‘Ocidente’, daquilo que ele possui. [...] Pretender proibi-lo de ter uma representação do Bem, de nele ordenar seus poderes coletivos, de trabalhar pelo advento de possibilidades insuspeitadas, de pensar o que pode ser, em ruptura radical com o que é, tudo isso é proibir-lhe, simplesmente, a própria humanidade (BADIOU, 1995, p. 28, itálico do autor).

A crítica de Badiou (1995, p. 16-17) está exatamente no sentido que a ética designa na contemporaneidade, “[...] um princípio de relação com ‘o que se passa’, uma vaga regulação de nossos comentários sobre as situações históricas”. O autor refere-se à relação da ética com os direitos humanos, ética do ser vivo, bioética, ética da comunicação etc., acrescentando que todas as profissões se interrogam sobre a ética, mas que na realidade essa tendência “[...] se trata na verdade de um verdadeiro niilismo e de uma ameaçadora negação de todo pensamento”.

Nesse sentido, Badiou (1995) procura dar outro sentido à palavra ética, buscando não vinculá-la a categorias abstratas, mas referindo-se a situações, a

processos singulares. Contudo, é esse sentido de uma ética situacional que me desloca do pensamento de Badiou, havendo a necessidade de ampliação do pensar. Pois, ao mesmo tempo em que a ética situacional remete ao que acontece no seu espaço e tempo, limita a possível reflexividade do sujeito ante as complexas relações que envolvem o agir ético diante de dilemas, conflitos e tomadas de decisões em sua vida.

Mais uma vez trazemos Morin (2005, p. 23) com sua ética, ao afirmar que “A consciência moral individual emerge também historicamente do desenvolvimento complexificador da relação trinitária indivíduo/espécie/sociedade”. E por mais que saibamos que as sociedades não conseguem impor suas normas éticas a todos os indivíduos, esses estão o tempo todo mergulhados na complexidade dos antagonismos, egocentrismos, que a ética vigente lhes apresenta. A ética, como afirma o referido autor, “[...] tornou-se, portanto, laica e individualizada; com o enfraquecimento da responsabilidade e da solidariedade, impõe-se uma distância entre a ética individual e a ética da cidade” (MORIN, 2005, p. 26).

As múltiplas dependências parecem isoladas e a religação do sujeito ético carece de responsabilidade, inteligência, iniciativa, solidariedade e amor (MORIN, 2005). O autor afirma que “Existe uma necessidade vital, social e ética de amizade, de afeição e de amor para que os seres humanos se realizem. O amor é a experiência fundamental de religação dos seres humanos [...]” (MORIN, 2005, p. 37). Para Guattari (2006, p. 8, itálicos do autor), referindo-se às problemáticas planetárias relativas aos modos de vida humanos individuais e coletivos em progressiva deterioração, “[...] só uma articulação ético-política – a que chamo ecosofia – entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia esclarecer convenientemente tais questões”.

É a perspectiva rizomática de Deleuze e Guattari (2009a), que não exclui radicalmente o que foi teoricamente tecido pelos autores antes referidos, mas se entrecruza, formando mais uma ramificação, mais um rizoma – que tomo como mais conectado ao que se pretende nessa tese. Como afirma Lins (2005, p. 1234-1235, itálicos do autor),

[...] é justamente em oposição ao caráter hierárquico e asfixiante da árvore que o projeto rizomático emerge como possíveis ao possível da educação. Um encontro nômade, pois, e não uma palavra de ordem. Um conversar com no lugar de um falar sobre. Trata-se de nutrir o bom encontro, aqui compreendido com o bem, marcado pelo desejo ético e estético de criação.

Machado (2009, p. 26) afirma que para Deleuze a ideia geral é que a ética “[...] avalia sentimentos, condutas e intenções, referindo-os a modos de existência imanentes que eles supõem ou implicam; a ética leva em consideração os modos de ser das forças vitais que definem o homem por sua potência, pelo que ele pode, pela intensidade”. Ainda, “[...] a moral julga a vida a partir de valores transcendentes; é um sistema de juízos sobre o que se diz e o que se faz em termos de bem e de mal considerados como valores metafísicos” (MACHADO, 2009, p. 26). Para Deleuze (1991, apud MACHADO, 2009, p. 27), “[...] só há critérios imanentes, e uma possibilidade de vida se avalia em si mesma pelos movimentos que ela traça e pelas intensidades que ela cria [...] o único critério é o teor da existência, a intensificação da vida”.

Assim, a moral apresenta-se como um conjunto de regras coercitivas de um tipo especial, que consiste em julgar ações e intenções referindo-as a valores transcendentes; e a ética é um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos, o que dizemos, em função do modo de existência que isso implica (DELEUZE, 1991, apud MACHADO, 2009).

Essa ideia de Deleuze me conduz a outro filósofo:Spinoza, em sua obra Ética (2008). É a sua perspectiva que me inspira a ter a ética como conexão nesta tese. Até pela possibilidade de aproximação entre os pensamentos de Deleuze, Spinoza e Nietzsche. “A ética de Espinosa diz respeito, portanto, à potência e ao poder” (MACHADO, 2009, p. 73).

A interpretação deleuziana sobre a Ética de Spinoza dá relevância a duas questões. Uma é a questão propriamente ética: “como chegar a ser ativo?”. A outra é epistemológica: “como chegar a ter ideias adequadas?” (MACHADO, 2009, p. 80).

A diferença ética, que Deleuze chama assim para distinguir da oposição moral, separa nitidamente o homem de ação e o homem de paixão: ‘Em última análise, o homem livre, forte, racional, se definirá plenamente pela posse de sua potência de agir, pela presença nele de ideias adequadas e afecções ativas; ao contrário, o fraco, o escravo, só tem paixões que, derivam de suas ideias inadequadas e que o separam de sua potência de agir’ (MACHADO, 2009, p. 81).

Segundo Chauí (1999), a filosofia de Spinoza é uma produção imanente. Ou seja, o infinito se autoproduz no mesmo sentido em que produz suas modificações finitas e da diferença. De acordo com a autora, é a essência produtora que determina a distinção intrínseca entre seus efeitos e os de outra essência. Além disso, a expressão é simultaneidade de operação e o infinito é atualidade de suas manifestações.

A filosofia de Deleuze converge para a filosofia espinosista no sentido do fundamento na unicidade da substância, a univocidade do ser e pelo plano de imanência que

[...] toma do caos determinações, com as quais faz seus movimentos infinitos ou seus traços diagramáticos. Pode-se, deve-se então supor uma multiplicidade de planos, já que nenhum abraçaria todo o caos sem nele recair, e que todos retêm apenas movimentos que se deixam dobrar juntos [...] Cada plano opera uma seleção do que cabe de direito ao pensamento, mas é essa seleção que varia de um para outro. Cada plano de imanência é Uno-Todo: não é parcial, como um conjunto científico, nem fragmentário, como os conceitos, mas distributivo, é um ‘cada um’. O plano de imanência é folhado (DELEUZE; GUATTARI, 1992, apud GALLO, 2003, p. 55, itálico do autor).

Nesse sentido, faço a ligação ou mesmo a religação entre o sentido rizomático, ético e formativo que a tese aqui germina, posto que é em meio às complexidades das relações e interações e ao caos dos sentidos das itinerâncias dos docentes, com os sujeitos pesquisados, suas experiências, vivências, errâncias, crenças, que a pesquisa cria.

O plano de imanência é, portanto, a afirmação criadora da vida. Da vida enquanto algo incessantemente errante, que não se prende às vivências e intencionalidades de um sujeito. A imanência como vida é o movimento do infinito, para além do qual não há nada. Um movimento de desterritorialização, de linhas de fuga (LEVY, 2011, p. 108).

A mesma autora (2011), ao falar sobre a “experiência do fora”4, enquanto experiência ética e estética, novamente nos restitui a crença no real, que é antes o próprio plano de imanência. Assim,

4

Para Levy (2011) a experiência do fora é, em Deleuze, Blanchot e Foucault, questão de encontro. A autora (2011, p. 12-13) a analisa e afirma que “[...] a experiência do fora é o que leva o pensamento a pensar, realçando o impensável do pensamento, o invisível da visão e o indizível da palavra”.

Restabelecer o vínculo com o mundo constitui uma questão ética por excelência, uma questão de escolha. Enquanto seres no e do mundo, estamos diante de duas possibilidades: escolher a escolha ou escolher não escolher. Mas é a primeira que nos faz sujeitos éticos, pois só se escolhermos escolher é que seremos capazes de restabelecer nosso vínculo com o mundo. A escolha é o princípio da ética; é ela que nos torna capazes de dobrar o fora, de fazer a força afetar a si mesma, enfim, de subjetivar, de criar novas possibilidades de vida, novos modos de existência. E é preciso escolher, pois é necessário estar diante do mundo enquanto seres éticos, seres que acreditam na transformação dos poderes e da moral vigentes. Antes de tudo, precisamos acreditar no mundo (LEVY, 2011, p. 131-132).

Para Spinoza (2008, p. 13), em Definições 3, “[...] Por substância compreendo aquilo que existe em si mesmo e que por si mesmo é concebido, isto é, aquilo cujo conceito não exige o conceito de outra coisa do qual deva ser formado”; atributo (Definições 4) é o que o intelecto percebe da substância como constituindo sua essência; e, modo (Definições 5) é compreendido como “[...] as afecções de uma substância, ou seja, aquilo que existe em outra coisa, por meio da qual é também concebido”.

Segundo Machado (2009, p. 59), a tese fundamental da ontologia de Spinoza pode ser formulada como: “[...] o ser unívoco é a substância absolutamente infinita, isto é, constituída por uma infinidade de atributos iguais realmente distintos, cujos produtos são modos, maneiras de ser que existem nos atributos”.

A problemática da ontologia ou da univocidade do ser é estudada por Deleuze pela caracterização do espinosismo como uma filosofia genética responsável por uma dupla gênese ou, mais precisamente, por uma ‘genealogia’ da substância e uma ‘gênese’ dos modos – dois aspectos que, mesmo diferentes, formam uma unidade, ou estão em relação de fundação, devido à concepção do atributo (MACHADO, 2009, p. 59).

Os atributos são, por sua vez, formas de ser unívocas no sentido de que “[...] não mudam de natureza quando são afirmados do ser absolutamente infinito e dos seres finitos” (MACHADO, 2009, p. 60). Para o autor, o atributo é um nome, um verbo, no sentido em que ele é dinâmico, atribuidor, e expressa a essência como essência da substância. Dessa forma, “[...] os atributos são formas comuns à substância, que se recíproca com eles, no sentido em que eles constituem sua essência, e aos modos, que não se reciprocam com eles, mas apenas os implicam, os envolvem, os contêm” (MACHADO, 2009, p. 62).

A univocidade dos atributos não significa, portanto, que a substância e os modos tenham o mesmo ser; a substância é em si, os modos são na

substância como em outra coisa e dessa maneira não se dizem no mesmo sentido do que é em si e do que é em outra coisa. Em suma, os atributos são formas de ser unívocas que não mudam de natureza ou de sentido quando são predicados da substância e dos modos (MACHADO, 2009, p. 62).

Mas, é preciso ressaltar que Deleuze apresenta a concepção espinosista por uma contraposição à concepção cartesiana, que defende que há substâncias de mesmo atributos (MACHADO, 2009)

Para Spinoza (2008, p. 17), em Proposição 5, “[...] Não podem existir, na natureza das coisas, duas substâncias de mesmo atributo, isto é, que tenham algo de comum entre si. Portanto, uma não pode ser causa da outra, ou seja, uma substância não pode ser produzida por outra”. Assim, não há várias substâncias de mesmo atributo.

A expressão da substância em si mesma ou nos atributos formalmente distintos que são constituintes da própria substância e, por outro lado, a expressão da substância para si mesma ou na ideia de Deus, que compreende seus atributos e é, portanto, sua expressão objetiva. O atributo é condição da potência. A potência absolutamente infinita de existir tem como condição formal a infinidade de atributos real ou formalmente distintos que constituem a natureza da substância; a potência absolutamente infinita de pensar tem como condição objetiva apenas o atributo pensamento. Nenhum atributo isoladamente é suficiente para preencher a potência de existir, mas basta o atributo pensamento para preencher a potência de pensar (MACHADO, 2009, p. 68).

Nesse sentido, o percurso é o de “[...] um sujeito que já não se concebe como uma substância dada, mas como forma a compor, como uma permanente transformação de si, como o que está sempre por vir” (LARROSA, 2009, p. 57).

A ligação com o sentido do devir em Nietzsche remete ao seu conceito de eterno retorno como ponto de vista filosófico inteiramente novo, que consiste em afirmar que o ser se diz do devir como devir, “[...] o um se diz do múltiplo como múltiplo, a necessidade se diz do acaso como acaso: em suma, a identidade se diz da diferença como diferença” (MACHADO, 2009, p. 91).

Assim, a definição deleuziana do eterno retorno nietzschiano é que revir é o ser do que devém. Dessa forma, o que é o diverso, o múltiplo, o diferente significa que o revir é o ser, mas o ser que se afirma do devir, não necessariamente sendo o mesmo que revém; é o revir que é o mesmo do que devém (MACHADO, 2009).

Segundo Larrosa (2009), o mundo nietzscheano é um conjunto de signos ou de sintomas suscetíveis de múltiplos sentidos. E sempre existe uma pluralidade de sentidos. Sempre existe um texto já escrito e já lido que temos de aprender a ler de outro modo.

Para Nietzsche (apud LARROSA, 2009, p. 25), a moral é “[...] uma semiótica e uma sintomatologia, uma linguagem cifrada, um texto difícil e enganador que se tem de aprender a ler evitando-se cair em suas armadilhas”. Evitar uma leitura ao pé da letra que tome por fatos ou por realidades definitivas o que não são mais do que interpretações próprias de culturas e de tendências vitais diferentes.

Já para Deleuze (1962, apud MACHADO, 2009) o caráter ético e ontológico do eterno retorno demonstra sua seletividade.

Sua ideia é que o eterno retorno é duplamente seletivo ou que a seletividade atua em dois níveis diferentes. [...] o pensamento do eterno retorno estabelece uma regra prática que permite eliminar da vontade as