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2 RIZOMA E ÉTICA, PLATÔS INICIAIS E CONCEITUAIS

2.3 CARTOGRAFIAS PARA CRIAR O PENSAMENTO

A ideia de desenvolver as cartografias para criar o pensamento surgiu inspirada no aporte teórico de Guattari e Rolnik (2010) em sua Micropolítica: cartografias do desejo, e também a partir da situação em que os sujeitos da pesquisa se apresentaram: todos trabalham com o ensino do design (de interiores), e em seus cotidianos a presença da plástica, da cor, da materioteca, do desenho, da maquete, da geometria, dos estilos, da história do design, da antropologia, da psicologia, da filosofia, da ética, traço, rasgo, corte, reta, linha, círculo, breafing, monstro criativo fez-me perceber que há um metadesign (VASSÃO, 2010) que instrumentaliza ligações na construção dos saberes em perspectivas, nas plantas baixas, nas propostas de projetos que os professores propõem aos seus alunos do Curso Superior de Tecnologia em Design de Interiores, com inspiração na música, no cinema, na história, na culinária, entre outros.

Esse movimento mantém as ligações e interações com outros rizomas que, por sua vez, conectam-se a: a) experiências acadêmicas, b) experiências de vida, e c) experiências profissionais que os professores mobilizam em sua atividade docente.

A ideia da cartografia como movimento de criação do pensar essas ligações, religações dos conhecimentos e das mobilizações de saberes que cada sujeito faz para conectar aos saberes dos outros e a outros saberes, levou-me ao encontro também de dois autores da área de Design: VASSÃO, 2010 e CARDOSO, 2012. A partir disso iniciei uma viagem que teve como consequência principal o surgimento

da cartografia rizoética, desenvolvida a partir de mapas (in)formativos que os professores criaram, e que serão melhor detalhados no próximo item.

O desejo de “Imaginar onde, como e com quem, constituiu o início da viagem. Formou-se um primeiro agenciamento, que foi cruzando outras trajetórias e formando outros tantos agenciamentos” (ROLNIK, 2010, p. 16).

Assim foi se fazendo uma viagem em que, a cada novo percurso, a tessitura de singularidades de partida, de diferenças se cruzavam, alinhavando-se, costurando- se numa grande formação de territórios. Estes desterritorializados, podiam se reconectar, religando-se a partir de novas experiências. O Design se conectou ao pensamento, que tornou esta escrita ainda mais esquizo, no sentido que relata Rolnik (2010, p. 12), em referência a Deleuze (1972) sobre seu parceiro Guattari, afirmando que este último “[...] tratava a escrita como um fluxo esquizo que arrasta em seu curso todo tipo de coisa”.

As cartografias evidenciaram o desejo de saber mais, no âmbito dos territórios de singularidades de cada sujeito, quais experiências eram destacadas como importantes em seus processos de formação, que acontecimentos estavam vivos e integrantes de suas memórias, o que consideravam mais significativo. Assim, a estratégia da cartografia foi se revelando como uma nova experiência prática viável para acessar o âmbito das microescolhas de cada sujeito.

[...] Se entendermos o inconsciente como o âmbito da produção dos territórios de existência, suas cartografias e suas micropolíticas, produção operada pelo desejo, desfaz-se o enigma: motivos de sobra justifcam tal protesto [...] crise da economia do desejo que faz com que mal consigamos articular um certo jeito de viver e ele já caduca. Vivemos sempre em defasagem em relação à atualidade de nossas experiências [...] (ROLNIK, 2010, p. 15).

Fugir do plano, do itinerário reto, pois os professores cotidianamente constroem suas rotas de fuga, seus percursos alternativos; e para se acessar essas rotas, as itinerâncias de vida de cada um, não se pode ser invasivo, não se pode forçar um discurso padrão, “a gente se forma com tudo”, pois,

[...] a tendência é adotarmos posições meramente defensivas – por medo da marginalização na qual corremos o risco de ser confinados quando ousamos criar territórios singulares, independentes de serializações subjetivas; por medo de essa marginalização chegar a comprometer a própria possibilidade de sobrevivência (um risco real). Acabamos muitas vezes reivindicando um território no edifício das identidades reconhecidas:

em dissonância com nossa consciência e seus ideais, tornamo-nos então os próprios produtores de algumas sequências da linha de montagem do desejo (ROLNIK, 2010, p. 16).

Assim, a cartografia possibilitou as ligas, as passagens de experiências em experiências, vivências em vivências, itinerâncias em itinerâncias, em movimentos distintos que pareciam gerar um bailado, indo e vindo, em diferentes direções, mas que se cruzava, conectava-se, delineando as cartografias rizoéticas. As diferentes experiências dos sujeitos constituíram-se em um relato não verbalizado, mas como registro cartográfico fez com que “[...] como qualquer outra cartografia, seja qual for seu tempo e seu lugar, trata-se aqui da invenção de estratégias para a constituição de novos territórios, outros espaços de vida e de afeto, uma busca de saídas para fora dos territórios sem saída” (ROLNIK, 2010, p. 18).

O encontro de subjetividades de sujeitos que fazem parte de um coletivo que ensina uma profissão (Designer de Interiores) fez-me descobrir a complexidade do design para um mundo complexo (CARDOSO, 2012). Os professores do CST em Design de Interiores trabalham com artefatos5, com bens móveis e imóveis, e há uma importância muito grande em como os objetos são percebidos pelos usuários, clientes, proprietários dos bens, entre outros.

Nesse sentido, vários fatores tornam-se condicionantes para a atuação desse profissional, e cabe aos professores organizarem o discurso acomodando o ponto de vista de cada um em relação à compreensão dos artefatos. Essa complexidade não pode ser vítima de simplificação, pois os artefatos passam a ter seis fatores condicionantes de seu significado, sendo: três deles ligados à situação material do objeto, e outros três ligados à percepção que se faz dele (CARDOSO, 2012).

Os da primeira categoria são: o uso, o entorno e a duração. Os da segunda categoria são: ponto de vista, discurso e experiência. São esses três últimos que nos remetem, nesta pesquisa, à ética, pois exigem o uso de um juízo de valor pelos sujeitos, e revelam o lado mais ontológico do design, mais enraizado no homem e na sua formação. Para nós, importa centrarmos a discussão na experiência, pois como afirma Cardoso (2012, p. 69):

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“Artefato é um objeto feito pela incidência da ação humana sobre a matéria-prima: em outras palavras, por meio da fabricação. Sua raiz etimológica está no latim arte factus, ‘feito com arte’; e ela

[...] Quando se fala em experiência, a referência é aquilo que é íntimo e imediato na relação de cada um com o artefato em mãos. [...] essa relação íntima e imediata é necessariamente condicionada por todas as outras experiências antecedentes que fazem com que eu seja ‘eu’ – incluídas aí minhas experiências anteriores com o mesmo artefato.

As cartografias possibilitam a explicitação de experiências, considerando que se está dialogando com professores de uma área extremamente técnica e que nem sempre determinadas memórias vem à tona com muito conforto. É preciso se inserir no universo das experiências de vida e profissional dos sujeitos de maneira que a linguagem, no caso a mais lúdica possível, e mais próxima da realidade deles, possa evitar qualquer distanciamento daquilo que os influencia no cotidiano e no contexto de trabalho. As cartografias criaram liberdades para os sujeitos, autores autorizados por si mesmos a inserir em seus mapas, em seus desenhos, em seus papéis o que cada um elegeu como fato, acontecimento importante na sua itinerância.

[...] A bagagem que possuímos de vivências, obtidas diretamente ou por empréstimo, colore nossa percepção e define o modo como processamos qualquer experiência atual [...].

A maioria das experiências que temos ao nosso dispor não é acessada a qualquer momento pelos sentidos, mas por meio da memória. A capacidade de lembrar o que já se viveu ou aprendeu e relacionar isso com a situação presente é o mais importante mecanismo de constituição e preservação da identidade de cada um (CARDOSO, 2012, p. 73, itálicos do autor).

O que se viveu e aprendeu como constituição de identidade. A cartografia foi composta por 5 (cinco) mapas que, repletos de percursos, caminhos, descaminhos, histórias, memórias de dor, de alegria, de sofrimento, de conquista, revelaram, inicialmente, as itinerâncias rizoéticas dos sujeitos pesquisados, sem a profundidade requerida, mas com todas as pistas da complexidade, da subjetividade e da singularidade de todos os processos eleitos como importantes e formativos para os professores.

Dos professores, apenas 2 (dois) não realizaram o mapa. Um professor e uma professora. O professor chegou a conversar informalmente, participar de um encontro, mas não conseguiu concretizá-lo no IFAL. Como ele ocupa cargo na gestão, estava sempre em reuniões, em atividades administrativas e burocráticas que lhe tomavam muito tempo enquanto estava no Campus; sua prioridade em relação ao curso era não deixar de ministrar as aulas.

Ele pegou seu papel 40 kg e solicitou fazê-lo em casa, fora do IFAL, porque, segundo ele, seria mais tranquilo para pensar no seu conteúdo. Contudo, nunca o entregou, nem eu o solicitei novamente; arrisquei deixar para o momento das entrevistas e, ainda, em possíveis encontros informais nos quais a conversa trouxesse episódios e narrativas eleitas por ele. No processo da pesquisa de campo, registrei6 um momento de uma conversa informal, em que esse professor faz referência ao contexto de dificuldades que estava atravessando naquele momento:

Ele então falou sobre a atividade (mapas (in)formativos) e disse que estava pela metade e que Jaboticabeira falou que o dela está pela metade também.

Sobre o mapa ele disse que é bom porque tem uma história até boa com experiências interessantes, mas que, às vezes, dá um apagão. Disse que ‘tem anotado o que se recorda. Que há uma série de coisas que precisa rever, tomar decisões. [...] É só problema. [...] Há uma posição confortável e é difícil sair. Mas é quando a coisa balança que a gente cresce, aprende’ (Diário de Campo, 13/09/2011, p. 37).

A professora não realizou o mapa porque no período da pesquisa de campo ela estava afastada em cooperação técnica com outro instituto, tendo colaborado no momento de contato inicial em 2010, o que será relatado na metodologia.

As cartografias, então, viabilizaram a conexão da inspiração rizomática com a própria inspiração do Design, havendo nos mapas os caminhos e descaminhos que formam as itinerâncias dos sujeitos, a partir de suas escolhas, de suas forças criativas.