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MEU PLATÔ METODOLÓGICO: O PERCURSO DE UMA INICIANTE NA ETNOGRAFIA

3 RIZOMA METODOLÓGICO E EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA: VIVER O MÉTODO E PLATÔ AUTOBIOGRÁFICO DA PESQUISADORA

3.2 MEU PLATÔ METODOLÓGICO: O PERCURSO DE UMA INICIANTE NA ETNOGRAFIA

Após meu retorno ao Brasil tive pouco mais de um mês para a entrada em campo. Procurei, em um momento de surto cartesiano, me preparar para o início do trabalho de campo, elaborando um roteiro ou guia orientador do que poderia ser observado nos encontros coletivos dos professores. Além disso, eu tinha em mente que deveria iniciar a etnografia buscando interagir com todos os docentes do curso de Design de Interiores, pois não sabia quantos iriam aceitar participar formalmente da pesquisa. Fui ao encontro desses professores no primeiro dia de seu retorno das férias escolares de 2011. Era um momento coletivo, mas geral, em que todos os professores do Instituto foram convocados a comparecer no Auditório principal do Campus Maceió para as boas vindas do ano letivo e programação específica.

Pensei que seria mais apropriado vê-los em um momento mais descontraído de reencontro com os colegas e de planejamento do ano letivo. Essas eram algumas das “certezas” que eu achava que tinha e que foram derrubadas logo no primeiro dia em campo, 01 de fevereiro de 2011.

Sentei próxima de 3 (três) professoras do curso de Design de Interiores, que se sentaram nas poltronas do lado direito do auditório, outros 3 (três) professores ficaram umas seis fileiras atrás de nós, e outros 2 (dois) não sentaram próximos, mas do lado esquerdo e no fundo do auditório.

Durante as atividades no auditório percebi uma impaciência dos professores em relação à programação proposta pela instituição: palestras e subgrupos para discussão de atividades pedagógicas e letivas. Apesar de ser um retorno pós-férias, a palestra de abertura sobre a “Identidade dos Institutos Federais” adiantou, para

mim, um percurso de dúvidas e conflitos em relação ao campo e, para os professores presentes, aparentemente provocou um total desinteresse pelo tema. Logo fiquei repleta de questões: há sempre a referência ao hibridismo dos professores da área geral e professores da área técnica; professores do quadro de carreira do ensino básico, técnico e tecnológico e professores do magistério superior; docente e profissional (arquiteto, engenheiro, advogado, psicólogo, etc).

Quando o palestrante afirmou que a identidade nos Institutos Federais mantém-se como a identidade atribuída, ou seja, a legalmente instituída; e frisou que a identidade deveria ser construída, fiquei muito mexida, porque a “professora do instituto”, naquele momento, apareceu fortemente e não a pesquisadora. O que questiono muito no trabalho docente é que não há a inclusão do cotidiano nas preocupações institucionais relativas à formação e à identidade. O eu etnocêntrico estava em ação e eu ainda no começo de tudo.

A palestra foi muito longa e o auditório foi se esvaziando, inclusive os professores que eu deveria observar também foram saindo aos poucos; e próximo do meio dia o auditório já estava praticamente vazio. Quando saí, às 12h10, estava confusa, pois achei que não havia observado absolutamente nada do que eu deveria, e, ainda, que estava com o comportamento de professor que também retornava ao trabalho, e não de pesquisadora.

No segundo dia de campo os encontros e reuniões foram divididos. Assim, fui à reunião na sala da Coordenação de Design no 2º andar do edifício principal do Campus Maceió. O alívio inicial por não estar no universo maior institucional e de estar naquele espaço menor, em uma sala – que é um misto de sala de coordenação, sala de professores, sala de recepção de alunos, secretaria do curso, apoio ao aluno, podendo estes, inclusive, fazer uso dos computadores –, foi interrompido, após a apresentação da pauta da reunião pela professora Jabuticabeira13 (que substituiu o coordenador do curso que foi convocado para outra reunião).

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A partir da proposta de elaborarem os mapas (in)formativos, os professores participantes da pesquisa escolheram seus pseudônimos, conforme seus olhares sobre os próprios mapas de suas itinerâncias. São esses pseudônimos que irão identificar os participantes da pesquisa a partir daqui.

Eram apenas três itens: a) planejamento 2011; b) renovação do reconhecimento do curso tecnológico em Design de Interiores; e c) determinação da Diretora do Campus para que haja a comunicação de onde o professor estará, caso a aula não seja em sala, ou seja, extrassala, como visitas técnicas, viagens para participação em eventos, entre outros. Houve um questionamento geral sobre o último ponto da pauta, porque os professores queriam saber o que seria feito em relação aos professores que efetivamente não comparecem às aulas. Uma reação imediata à determinação da Direção foi o que observei.

Mas, esse ponto foi deixado, mesmo que momentaneamente, de lado, pois a questão relativa à renovação do reconhecimento do curso pegou a todos, aparentemente, inclusive a mim (que não esperava esse tipo de trabalho naquele momento), de surpresa, pois eles teriam que deixar o planejamento do ano de 2011 e o início das aulas (a proposta aprovada foi o adiamento do início das aulas, independentemente do calendário letivo), para que o grupo pudesse trabalhar exclusivamente no atendimento a diligências encaminhadas pelos avaliadores do Ministério da Educação – MEC. A proposta foi de um trabalho intensivo e diário, manhã e tarde.

Além disso, pesava sobre o grupo uma sensação de impotência diante do que havia sido comunicado: de que o projeto do curso foi encaminhado à revelia deles, inclusive com o equívoco do encaminhamento do projeto de reconhecimento do curso e não de renovação.

Percebi que aquele ponto gerou no grupo um estranhamento em relação ao compromisso de cada um com o andamento do curso e providências administrativas necessárias para a sua manutenção e continuidade. Contudo, nenhum conflito latente emergiu naquele instante, apesar de a notícia ter sido como se tivessem derrubado uma bomba no universo deles.

Eu estava na luta contra as minhas próprias convicções e procurei ao máximo observar o que seria decidido. Porém, a Profa. Jabuticabeira sabia que eu já havia trabalhado no MEC com autorização e reconhecimento de cursos e, a certa altura da reunião, foi cogitado que os professores que estivessem afastados da Coordenação e do Instituto, independentemente do motivo, seriam convidados a ajudar, inclusive eu, que no momento estava ali com outros interesses, é claro, mas naquele

momento crítico para eles, eu havia “pousado”; e felizmente, eu seria mais uma a ajudar.

Aceitei, mas fiquei inquieta, pois não esperava iniciar o campo com essa atividade ou mesmo esse trabalho tão específico de projeto de renovação de reconhecimento de curso. Além disso, a intensidade das ações e o envolvimento emocional em virtude de prazos e o próprio estresse dos professores por conta da questão institucional mexeram também comigo (Diário de Campo 1-Digital, p. 10, 02/02/2011).

Ao final do segundo dia em campo, minha escrita foi o relato do meu momento de insegurança, medo, contradição, inexperiência inicial:

São corpos nervosos, tensos. Meu retorno ao terreno encontrou professores em momentos de alegria no reencontro com os colegas, mas ao mesmo tempo, um regresso ao trabalho com desafios e situações desagradáveis. Logo após as boas vindas do curso de Design, os professores foram avisados/comunicados em seu retorno de que o curso passará por processo de renovação de reconhecimento e que o projeto foi encaminhado junto ao sistema MEC na versão que estava arquivada no Departamento de Graduação, ou seja, o projeto do curso reconhecido em 2005, cuja matriz, ementas, bibliografia, segundo os professores, já não atende às demandas de formação dos alunos.

Uma forte decepção tomou conta de todos os professores que fazem a coordenação de Design. Como foram deixar isso acontecer? O que há com o grupo? Sempre foram tão atentos, porque, mesmo com o chamamento por parte de alguns professores, não se mobilizaram para trabalhar sobre as reformulações do curso?

A situação foi um balde de água fria e ao mesmo tempo uma tocha de fogo, pois pensei que seria por aí a minha porta de entrada no grupo. Uma frase me chamou atenção. O Coordenador Prof. Juazeiro disse no final da reunião: ‘Eu vou começar a chorar’14 (Diário de campo 1, dia 02/02/2011, transcrição, p. 13).

Rapidamente a entrada em campo e o início do trabalho etnográfico se tornaram muito mais complexos. Os alertas recebidos nas orientações e diálogos com o Prof. Dr. Telmo Caria no estágio sanduíche foram sendo rememorados com a sutileza de cada momento vivido: relativizar o etnocentrismo, falar pouco e ouvir mais, inicialmente não permanecer sempre ao lado ou acompanhando uma só pessoa, tentar interagir com o grupo para perceber a dinâmica das relações entre as pessoas, observar quem está junto de quem, quem fala mais, quem permanece calado.

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Optei por transcrever as falas dos participantes respeitando a sua linguagem original, ou seja, a linguagem coloquial, informal com que eles se expressaram, para lhes preservar a autenticidade.

Nada de guia orientador nem roteiro. O que se seguiu por 15 dias consecutivos foi a total mudança do que eu imaginava estar planejado e de muita exaustão física e psicológica. Meu primeiro e principal desafio foi aceitar as mudanças a que o campo me obrigava naquele momento, e aproveitar a situação da melhor forma possível para interagir com pessoas do grupo que eu não conhecia e não tinha a menor proximidade, pois eu já não estava no “controle” da situação. O jogo havia se invertido, eu estava literalmente no mundo deles sem ter realizado nenhum esforço maior para conquistar a confiança deles para permanecer, acompanhar, observar todo o conflito que havia se instalado.

Assim, a implicação foi movimento no agir, no sentir e no pensar; um pensar de reflexividade constante, esforço cognitivo, que me levou diversas vezes ao esgotamento físico e mental durante todo o período de permanência em campo; situação amenizada em consequências, pois a implicação tinha suas ramificações também e seus ramos me permitiram:

a) facilidade de acesso inicial;

b) tolerância da minha presença em campo pelos professores que não aceitaram formalmente participar da pesquisa;

c) compreensão das internalidades e externalidades.

Como afirma Barbosa (2010, p. 32), “[...] é possível afirmar que se pode estudar com rigor tanto os fenômenos distantes e fora de nós quanto aqueles que estão próximos [...]”. Mas, a proximidade e o distanciamento não são ações fáceis de lidar, por isso é necessário ter em mente que “[...] nas ciências humanas o objeto de pesquisa se constitui de sujeitos, o que torna o processo mais complexo quanto ao uso das metodologias e das possibilidades interpretativas” (BARBOSA, 2010, p. 33).

Nesse sentido, a situação me exigiu a relativização do etnocentrismo com a compreensão dos limites entre as experiências vividas e as tomadas de decisões em situação no sentido de:

• observar muito;

• falar pouco e o necessário;

• dialogar com o que pretendo e vivo;

• ouvir atenta e sensivelmente, fazendo-me mobilizar atitudes ético- formativas em campo, mais uma ramificação da etnógrafa que iniciava seu percurso.

A pesquisa demandou o estudo de literatura multirreferencial, com aporte na sociologia, na filosofia, na educação e educação profissional, na formação; além disso, o percurso de campo com a realização da observação participante foi prolongado – 12 (doze) meses, havendo um intervalo de 3 (três) meses (período do estágio sanduíche em Portugal) entre a primeira estada em campo (julho a setembro de 2010) e a segunda (fevereiro a dezembro de 2011).

As entrevistas biográficas e etnográficas foram realizadas no período de outubro a dezembro de 2011. O mapeamento dos diálogos e narrativas dos sujeitos na pesquisa de campo e nas entrevistas, com o objetivo de compreender as implicações, os rizomas, as ramificações das relações, o cotidiano dos sujeitos envolvidos para produzir texto interpretativo, após a análise dos conteúdos, também fizeram parte da estratégia etnográfica da pesquisa.

Assim, a metodologia foi sendo construída no processo de interação da pesquisadora com o grupo pesquisado, e, por meio do método etnográfico, o estudo foi se tecendo com a utilização dos dispositivos de coleta.

A pesquisa de campo foi organizada da seguinte forma:

a) observação participante em encontros coletivos dos professores, como reuniões administrativas e pedagógicas, bancas avaliativas de trabalhos de alunos, aulas com participação de dois ou mais docentes, trabalhos em que todo o grupo fosse convocado em espaços de convívio formal na instituição (1º momento (in)formativo); b) observação participante em espaços de convívio informal, como cantina, mostras, eventos extra instituição, corredores, entre outros (2º momento (in)formativo);

c) cartografias rizoéticas em grupo formativo, para elaboração dos mapas (in)formativos sobre os percursos formativos dos professores (3º momento); e

d) entrevistas biográficas e etnográficas, realizadas em encontros individuais agendados com cada participante em locais e dias indicados por eles (4º momento).

O lócus da pesquisa, como já referido, foi o IFAL e os sujeitos no período do ano de 2011 – 6 (seis) professores que fazem parte da Coordenação de Design, atuando no CST em Design de Interiores.

Além disso, nos dois primeiros momentos da pesquisa (observação participante) aconteceram também entrevistas ou conversas informais com os professores, quando eu os encontrava sozinhos na sala da coordenação ou na cantina, ou ainda nos corredores. Fosse em lugares formais ou não, muitas vezes uma conversa mais natural trazia mais confiança para o sujeito em relação a mim. Pois, como não havia “concorrência”, eu estava ali apenas para dar atenção a ele, apenas para escutá-lo. Em outro movimento, essas situações eram, por sua vez, de maior tranquilidade para o meu ouvir, que no início do trabalho em campo ficava como o meu olhar, bastante difuso.

Afinal, comecei a compreender que fazer etnografia significava aprender em campo, diariamente, com as dificuldades e facilidades que, na situação, seriam vividas. A aprendizagem em ação é vivência do etnógrafo no contexto pesquisado e eu, com certeza, estava em um contexto ao mesmo tempo “familiar” e desconhecido, estranho. Havia muito a aprender e a viver.

3.3 OS DIÁRIOS DE CAMPO: SABER OUVIR, CALAR, OBSERVAR, REGISTRAR,