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3 RIZOMA METODOLÓGICO E EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA: VIVER O MÉTODO E PLATÔ AUTOBIOGRÁFICO DA PESQUISADORA

3.5 DISPOSITIVOS E ESTRATÉGIAS ETNOGRÁFICAS DA PESQUISA

3.5.2 Mapas (in)formativos: percursos rizomáticos dos sujeitos

Os primeiros 5 (cinco) meses em campo foram de muito aprendizado, mas eu me inquietava bastante, pois, a aproximação, a relação com os professores ainda era muito restrita, em termos de conteúdos, regularidades e rotinas, ao ambiente formal da instituição, e o que predominavam eram as questões administrativas urgentes, as queixas gerais decorrentes das exigências institucionais. Os conflitos do grupo eram de um silêncio e de uma homogeneidade de gerar consenso no momento, após rapidamente discutidos, quando o eram.

Entretanto, algo fazia com que os professores falassem bastante e discutissem saberes, mesmo sem se dar conta. Quando eles estavam em momentos que

exigiam criatividade, como, por exemplo, o ato de pensar mobilizadores de saberes para as bancas dos alunos, habilidades ligadas e/ou conectadas ao design ou à arquitetura, ou mesmo ao desenvolvimento de produtos.

Isso também foi percebido em momentos em que os professores avaliavam os trabalhos dos alunos nas bancas examinadoras18.

Sendo assim, meu pensar também buscou a inspiração necessária para criar uma interação com os professores a partir daquilo de que eles se utilizavam no cotidiano da atividade docente que lhes exigia criatividade. Foi pensando nos percursos e nas ligações de vida, trabalho, profissão dos professores e das habilidades de desenho, escrita, narrativa, pintura, que as cartografias aconteceram.

A proposta da elaboração pelos professores de mapas (in)formativos, nos quais eles livremente escreveram, desenharam, pintaram, colaram gravuras, ao cartografar suas itinerâncias de vida foi incerteza no processo, mas a resposta afirmativa da participação dos professores foi motivante no enfrentamento da dúvida. As cartografias rizoéticas foram sendo criadas em encontros com os professores com o objetivo da construção dos mapas (in)formativos. Neles os docentes, em duplas, realizaram individualmente os desenhos de seus mapas com os seus percursos – itinerâncias de vida (pessoal, profissional, docente), conforme ilustra a Figura 14, a seguir.

Depois, trocaram os mapas com o colega de dupla para decalcar o mapa do outro (aplicação do princípio da decalcomania do rizoma – Deleuze e Guattari, 2009a e 2009b).

A proposta funcionou conforme planejado com 4 (quatro) professores; dos outros 2 (dois), apenas um concluiu e o outro não conseguiu fazer, alegando falta de tempo, em virtude das atividades administrativas que desempenha.

18

As bancas avaliativas constituem o momento final do processo de ensino e aprendizagem do semestre letivo. É aplicada em todos os semestres do curso (seis semestres) e mobiliza os professores das disciplinas eixo – Ateliês que determinam o trabalho a ser realizado pelos alunos e os demais professores de outras disciplinas que também auxiliam direta ou indiretamente para a elaboração de projetos ou produtos propostos aos alunos.

Figura 14 – O processo de construção do mapa (in)formativo (3º momento, cartografias rizoéticas)

Fonte: Oliveira Santos (2011)

Outro aspecto do desenvolvimento da cartografia rizoética foi quando 5 (cinco) dos 6 (seis) professores foram reunidos em grupo formativo para, com os seus mapas, relatarem o que sentiram com a atividade; em seguida, deveriam identificar dilemas éticos que estivessem, sob o ponto de vista deles, inseridos nos mapas; e apontar valores, princípios e decisões tomadas.

Esses 3 (três) momentos foram realizados em 3 (três) dias de meses diferentes, somando aproximadamente 06 (seis) horas de trabalho conjunto, formalmente identificadas.

No entanto, as cartografias passaram a ser parte do cotidiano desses professores em diversos outros encontros, quando em conversas informais expressavam lembranças dos momentos de elaboração dos mapas e ainda faziam referências a outros registros que poderiam fazer nos mapas quando um novo encontro fosse marcado. E isso aconteceu. Os professores, nos encontros subsequentes, sempre fizeram acréscimos nos mapas.

A seguir, alguns registros (Figuras 15 a 20) dos momentos de criação dos mapas da pesquisa:

Figura 15 – Professores e seus mapas (in)formativos no 4º momento do grupo formativo

Fonte: Oliveira Santos (2011)

Figura 16 – Professor revê seu mapa (in)formativo: (re)encontro com dilemas éticos

Figura 17 – Professora complementa seu mapa (in)formativo, após diálogo com colegas e lembrança de mais um momento de vida

Fonte: Oliveira Santos (2011)

Figura 18 – Professora observa seu mapa (in)formativo, enquanto dialoga com colegas

Fonte: Oliveira Santos (2011)

Figura 19 – Professor identifica situações de dilemas éticos vivenciados no decorrer de sua formação

Figura 20 – Professora complementa seu mapa (in)formativo

Fonte: Oliveira Santos (2011)

Assim, os percursos rizomáticos dos sujeitos chegaram até a pesquisadora, que pôde, a partir daí, estabelecer uma relação de confiança e de interação maior com os professores. Afinal, já havia ramos para que eu pudesse gerar ramificações e conexões nos momentos de encontros informais com cada um deles.

Essa estratégia etnográfica, para mim, foi bastante positiva. Inclusive, porque parte de uma explicitação não verbal dos sujeitos, com registros escritos e criativos, foi compartilhada com todos os demais professores participantes da pesquisa em um último encontro.

Outra questão referente à elaboração dos mapas foi a inserção ou não de um pseudônimo. Foi solicitado aos professores participantes que pensassem em uma planta que tivesse na vida deles alguma relação ou mesmo que exercessem alguma identificação com eles, para que pudesse ser a assinatura deles no mapa. Mesmo com a assinatura do nome de cada um, 3 (três) professores, sem nenhuma dificuldade, escolheram suas plantas e assim obtive os pseudônimos: Juazeiro, Jabuticabeira e Espada de São Jorge. Uma professora, desde o início da atividade de criação do seu mapa, disse que era, na verdade, um rio e seus afluentes e não uma planta; e, assim ficou o seu pseudônimo.

Um professor disse que não conseguiu nenhuma planta porque não se identifica com nenhuma, mas que ao elaborar o mapa se sentiu mais humano, mais homem. Este é o seu pseudônimo: Homem. E, por fim, apenas um professor não

indicou nenhum pseudônimo e, por isso, a pesquisadora preferiu deixar com o símbolo de interrogação (???).

É importante também a indicação da Profa. Jardim, pois apesar de ela não ter participado do segundo momento da pesquisa etnográfica, em qualquer episódio ou em observações realizadas em que ela se encontrava, seu pseudônimo foi Jardim. Nós a identificamos assim em virtude de suas habilidades para o paisagismo.

No último encontro, eles puderam, mais uma vez, após observar seus mapas, realizar acréscimos, mudanças, livremente. Mas, especificamente, eles puderam ver os mapas uns dos outros; e, pela primeira vez, falar sobre a experiência vivida com a sua elaboração e com a experiência de decalcar o mapa do outro.

Eu posso falar, né?! Primeiro, assim, a diferença de idade, né? E porque eu dei uma pescada no de Juazeiro; claro que eu já conhecia o Juazeiro de outros carnavais – do primário e a gente... e eu não sabia que Juazeiro tinha estudado inglês no mesmo lugar que eu estudei. Eu achei isso bem interessante, era um outro percurso muito semelhante, então eu achei legal porque você conhece o outro. E de Rio, assim, ver como ela era novinha, porque a gente ,assim, no dia a dia, a gente não para pra pensar nessa coisa de idade. E assim detalhes, por exemplo, a pessoa que orientou ela foi a pessoa que construiu a minha casa, aí eu achei tão interessante, né, no TCC dela de arquitetura. E outros processos formativos de experiência dela de pesquisa, interessantes, que ela relatou que ela teve o cuidado de colocar qual foi o impacto que teve para ela, na vida dela e que são coisas que eu não me lembrei de fazer registros e eu achei interessante, o que emocionou, o que tocou mais, o que deu mais registro de novidade, né, eu achei tão interessante essa... que são coisas que a gente, quando vai amadurecendo [...], a gente vai perdendo de vista, às vezes, esse detalhamento, e por isso eu achei legal. Eita! Eu me senti assim também em determinado momento, em determinada situação, me lembrei do meu TCC, porque ela lembrava com muita particularidade, né? Destacou como foi o sufoco, fazer, tudo... isso eu achei legal; e conhecer também o outro, porque no dia a dia a gente não sabe mesmo quem é, o que faz, como vive, o que teve, a história, a gente não sabe [...], a gente sabe assim pinceladas (Fala transcrita da Profa. Espada de São Jorge. Relato gravado, momento em grupo formativo, professores e pesquisadora, dia 28/10/2011).

Eu queria pegar assim o final dessa fala assim de Espada de São Jorge, porque eu só consegui ver esse lado aí passional, eu não me toquei em nada da trajetória profissional nem desses detalhezinhos, foi mais ou menos assim. Por coincidência não, mas ainda bem, somos todos conhecidos, amigos, e com essa leitura que eu fiz do trabalho do Juazeiro, eu me senti muito mais próximo dele, não muito mais amigo, mas muito mais intimista, puramente, e, assim, eu diria que ele não sabe disso. Eu estou dizendo agora, mas eu me coloquei assim mais acima desse grau de amizade, porque eu tive a possibilidade de conhecer mais amiúde detalhes da vida dele; eu achei que com isso teve um lado de mais responsabilidade, mas também de maior... eu não diria tanto de respeito, mas de evoluir, evoluir. Não que isso fosse a menor não tendo esse conhecimento, mas me senti muito mais próximo; então o passional foi para mim a única coisa que quando eu comecei a decalcar e vi a trajetória do Juazeiro eu disse:Poxa vida! Estou mais próximo dessa pessoa, já era meu amigo e agora ele me possibilitou conhecê-lo mais, mais fases da vida, mais momentos da vida que aí não tem como eu não ser mais próximo dele a partir dessa leitura. Então, o

que realmente marcou nesse decalque foi uma evolução de uma amizade que está sedimentada, está viva, mas me foi permitido um degrau a mais, um degrau a mais (Fala transcrita do Prof. Homem. Relato gravado, momento em grupo formativo, professores e pesquisadora, dia 28/10/2011).

[...] quando você colocou essa atividade agora, eu achei que era estilo, aquela coisa que a gente faz muito nessas dinâmicas de curso, de dizer em uma palavra, entendeu? E se fosse pra gente dizer eu já estava aqui pensando [...] o que eu me senti, assim, e eu diria em uma palavra. Quando eu vi o decalque de Homem foi: surpreendente, essa seria a palavra. [...] eu vi também nesse mapa um outro lado assim de Homem que é, assim, Homem é aquele cara assim que todo mundo conhece essa integridade, mas eu via Homem e assim... muito mais no plano da racionalidade, aquele cara da racionalidade. E decalcando o mapa dele que eu vi que Homem [...] não é que eu achava que ele não tinha sensibilidade, é que eu achava que havia um predomínio, uma predominância da razão, entendeu? [...] a emoção era assim uma coisa que você não chegava; até quando ele falava de emoção eu me lembro assim de uma coisa, assim, eu nunca vou esquecer, ele conversando comigo: “É, eu recebi o convite do seu casamento na coordenação, mas eu fiquei na dúvida se era um convite de casamento, é apenas uma formalidade”. Então, até no momento que ele revela assim uma gentileza, uma explicação por não ter comparecido ele foi assim extremamente racional, né? Então eu achei legal assim conhecer esse lado do Homem, um outro lado que também é assim muito intenso, de sentimento, sensibilidade, de paixão, entendeu? Isso eu achei legal (Fala transcrita do Prof. Juazeiro. Relato gravado, momento em grupo formativo, professores e pesquisadora, dia 28/10/2011).

[...] Eu acho que no meu caso foi o contrário. Na verdade, eu sentia lendo assim como se eu estivesse dentro daquela história; então, como eu tenho muito essa questão de imaginar, eu ficava imaginando os lugares, mesmo que não fossem aqueles que ela passou, mas como se eu estivesse dentro daquele contexto durante a leitura. A partir do momento que você conhece você também entra um pouquinho na história, então é o presente remetido a partir de uma história que se repete, então, a partir da repetição é um novo presente, não deixa de ser o passado dela, passa a ser meu presente também. Mais ou menos isso [...]. (Fala transcrita da Profa. Rio. Relato gravado, momento em grupo formativo, professores e pesquisadora, dia 28/10/2011).

[...] Eu saí coletando imagens e engatei um tempo ainda pensando o que é que eu queria registrar da minha vida, quais foram os momentos importantes da minha vida profissional, e pintou aqui e acolá algumas referências da minha vida pessoal, mas assim houve um domínio da profissional, que não deixa de ser a mesma relação que eu tenho, com pessoal, que mistura as duas coisas. Foi uma oportunidade de repensar isso, repensar valores, repensar proposta, repensar um momento que alguma coisa se desvirtuou, que saiu do caminho, da rota que eu esperava, né? E aí eu consegui é pensar isso e como eu tinha separado isso tudinho. Eu sai juntando; tudo que eu via que achava que tinha referência eu juntava. Depois, quando eu arrumei, e engraçado, eu praticamente fiz uma divisão de uma coisa mais pessoal, de uma situação mais profissional: aqui tá o IFAL, tá a minha vida profissional. Mas assim quais são as minhas referências de atitude, de postura diante das duas? Então foi uma coisa importante, e ao mesmo tempo esse ponto aqui é a união disso tudo, é o meu profissional com o meu pessoal, é a minha casa, mas ao mesmo tempo é a minha profissão que se mistura aqui. Então, eu agradeço a oportunidade (Fala transcrita da Profa. Jabuticabeira gravado, momento em grupo formativo, professores e pesquisadora, dia 28/10/2011).

Na etnografia, os mapas (in)formativos representam uma via de acesso a questões pessoais e consideradas significativas na itinerância dos professores, sem eles terem a necessidade de falar diretamente sobre isso. Eles se expressaram artisticamente, utilizando da criatividade – aspecto muito rotineiro no cotidiano deles – para relatarem seus percursos, o que os deixou à vontade. Além disso, a ética e a estética juntas fizeram a metáfora viva, que inspira esta tese (RICOUER, 2005).