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TENSÕES NA EPT: (IM)PREVISTO(S) E (DES)CONSTRUÇÃO DA/NA FORMAÇÃO

4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EPT: PLATÔ DO RIZOMA INSTITUCIONAL

4.2 TENSÕES NA EPT: (IM)PREVISTO(S) E (DES)CONSTRUÇÃO DA/NA FORMAÇÃO

Dentro de um contexto global, não se desconsidera que a educação profissional ganhou destaque na nova LDB, quando passou a ser modalidade educacional, sendo isso consequência do próprio cenário de mudança das demandas e necessidades da sociedade contemporânea.

O mercado de trabalho, hoje, funciona de forma mutante, visando alcançar os padrões de um capital globalizado e da reestruturação produtiva, baseado em normas internacionais de qualidade, padronização de processos, implantação de sistemas de gestão socioambiental, entre outros, dos quais se destacam três características levantadas por Moura (2008, p. 26):

[...]

g) precarização do emprego, gerando o trabalho temporário, terceirizado, quarterizado, quinterizado etc., provocando novas relações sociais de trabalho;

h) responsabilização dos indivíduos por não terem condições de empregabilidade, apesar da [sic] própria estrutura socioeconômica não garantir os direitos que levariam os cidadãos a terem melhores condições de participação política, social, cultural e econômica na sociedade; e

i) crescente aumento de profissionais e não profissionais que não estão integrados ao mundo produtivo ou estão em atividades marginais (à margem da sociedade).

Assim, como gerar o diálogo entre as demandas de formação profissional e a formação dos professores da EPT? Moura (2008, p.30) afirma que “[...] o professor deve assumir outra atitude, forjada a partir de outro tipo de formação, que deve ser crítica, reflexiva e orientada pela responsabilidade social”.

O mesmo autor defende que não se pode discutir a formação de professores sem antes, mesmo que brevemente, refletir sobre o modelo de desenvolvimento socioeconômico brasileiro e o papel da EPT a partir desse modelo.

O modelo vigente, produto da dependência econômica externa histórica, é baseado nas exportações agroindustrial, agropecuária e de matérias-primas e na importação acrítica de tecnologias produzidas nos países de capitalismo avançado. Isso, ao longo do tempo, vem fazendo com que o país não tenha modelo próprio de desenvolvimento orientado às suas necesssidades e melhorias sociais e econômicas. Ao invés disso, vem prevalecendo, historicamente, a submissão aos indicadores econômicos,

internacionais, principalmente os de curto prazo (na prática, especuladores) (MOURA, 2008, p. 25).

Sendo assim, parece que o professor ou a professora não deveria ser um técnico que desenvolve ou implementa inovações prescritas, mas “[...] um profissional que deve participar ativa e criticamente no verdadeiro processo de inovação e mudança, a partir de e em seu próprio contexto, em um processo dinâmico e flexível” (IMBERNÓN, 2006, p. 23). Sobre o campo da formação parece que já se

[...] ritualizou a aplicação pela duplicação em lugar da interpretação das singularidades, a observação em lugar da escuta, a acumulação em lugar da recomposição, em suma, um campo que se estruturou em torno de uma concepção de saber definido segundo a lógica da ruptura epistemológica e que hoje é incitado a produzir um diálogo profícuo entre os saberes sábios e os saberes profanos (CORREIA, 2003, p. 31).

Para Macedo (2010a, p. 57, itálicos do autor) “A formação é um assunto de sujeitos humanos, por isso é também do âmbito do imprevisto e da irreversibilidade. Neste caso, cabe aqui muito bem o sentido da responsabilização em todos os níveis e implicações da formação”. Acrescenta o autor que a formação requer uma relação com o outro, emergindo, assim, uma condição fundante da formação: a alteração. O que implica na transformação de um Ser singular na presença de outro Ser singular; ou, a possibilidade de ser um outro. Assim,

[...] formar-se implica descobrir-se a si mesmo em termos de possiblidades específicas para dar um sentido à vida a partir do que se é enquanto sujeito e do que se vive enquanto sujeito aprendente. É interrogar-se sobre a existência em vista de um projeto, de outros projetos, sejam existenciais e/ou socioculturais, objetivando-se e subjetivando-se criticamente, desde as relações aprendentes consigo e com os outros, com as instituições, com a sociedade [...] (MACEDO, 2010a, p. 58, itálico do autor).

Nesse sentido, Josso (2004) evidencia a mobilização dos registros psicológico, político, cultural e econômico que envolve o agir para si e para a situação de formação do sujeito, consistindo na construção da narrativa de formação de cada indivíduo em uma reflexão antropológica, ontológica e axiológica.

A qualidade essencial de um sujeito em formação está, então, na sua capacidade de integrar todas as dimensões do seu ser: o conhecimento dos seus atributos de ser psicossomático e de saber-fazer consigo mesmo; o conhecimento das suas competências instrumentais e relacionais e de saber-fazer com elas; o conhecimento das suas competências de compreensão, de explicação e do saber-pensar (JOSSO, 2004, p. 46).

Contudo, um ponto de tensão na formação dos professores da EPT é o conjunto político, cultural e de consumo que consubstancia a dinâmica da sociedade contemporânea, a que se modelizou chamar uma sociedade global. Compreender uma formação para professores que implicam e que estão implicados e que podem, em suas subjetividades e singularidades, romper o estado das “coisas” postas e impostas na relação estabelecida entre trabalho, formação de professores, educação profissional e tecnológica, tecnologia e capital seduz e, ao mesmo tempo, amedronta. De fato,

Hoje habitamos as grandes cidades ou metrópoles e sabemos (no sentido de saber, experimentar) na pele, no corpo e na alma, o impacto ao qual estamos submetidos, tendo que dar conta de sobreviver e de nos reencontrar neste ‘mundo’ escorregadio e movediço, visto a partir de inúmeras perspectivas: do ponto de vista econômico e da sobrevivência, do ponto de vista da subjetividade, dos sentimentos, da psique e do ponto de vista da ética e dos valores (BARBOSA, 2010, p. 43).

A globalização econômica desenvolveu-se durante todo o século XX, mais aceleradamente na segunda metade da década de 1970, sendo o aspecto mais evidente do processo de mundialização em plena vigência na atualidade. Mesmo tendo início no século passado ou em outros, o mais evidente de toda essa mudança histórica é que a internacionalização das relações entre as nações, seja no aspecto econômico, cultural, ambiental ou social, apresenta uma nova realidade para a sociedade local e mundial. Cria expectativas e transforma relações existentes ao longo dos séculos.

Não se pode negar que a internacionalização do capital efetuou uma transformação no mundo. Segundo Furtado (1998, p. 26) “[...] prevalece a tese de que o processo de globalização dos mercados há de se impor no mundo todo, independentemente da política que este ou aquele país venha a seguir”.

A mundialização repercute no mundo do trabalho, na vida das pessoas, na fluidez das relações. A vida tornou-se líquida. Como afirma Bauman (2007, p. 106),

A sociedade de consumo tem por base a premissa de satisfazer os desejos humanos de uma forma que nenhuma sociedade do passado pôde realizar ou sonhar. A promessa de satisfação, no entanto, só permanecerá sedutora enquanto o desejo continuar irrealizado; o que é mais importante, enquanto houver uma suspeita de que o desejo não foi plena e totalmente satisfeito.

Na sociedade de consumo o sistema ideológico e materialmente hegemônico é o capitalismo e não temos, pelo menos até este início de século XXI, outro sistema econômico capaz de substituí-lo. Na perspectiva de Deleuze e Guattari (2009a, p. 31), “[...] o capitalismo existe no cruzamento de toda sorte de formações, ele é sempre por natureza neocapitalismo, ele inventa para o pior sua face de oriente e sua face de ocidente, além de seu remanejamento dos dois”.

O desafio posto à humanidade parece passar por uma necessária reflexão sobre suas escolhas e o modo como se relaciona com a natureza, com os outros seres vivos e, principalmente, com outros de sua mesma espécie. As três ecologias de Guattari (2006) carecem de conexão entre os humanos, que, integram-se ao sistema capitalístico e desenvolvem um modo maquínico de consumo de vida. Globaliza-se a homogeneidade do sistema de vida capitalista e modeliza-se o humano.

Nesta tese, o sentido de reflexividade de Giddens (1991, p. 11) religa a questão anteriormente tecida em relação à globalização, pois “[...] a modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”. O autor (1991) também contextualiza que a história “começa” com culturas pequenas, isoladas, de caçadores e coletores, movimenta-se através do desenvolvimento de comunidades agrícolas e pastoris e daí para a formação de estados agrários, culminando na emergência de sociedades modernas no Ocidente.

No sentido de traçar um paralelo entre o moderno e o que vem a ser o pós- moderno, Giddens (1991) observa que as transformações institucionais, especificamente as relativas ao modo de produção, vêm se desenvolvendo a partir de um sistema baseado na manufatura de bens materiais para outro relacionado mais centralmente com informação. Para ele (1991, p. 23), “[...] as instituições modernas tornaram-se ‘situadas’ no tempo e no espaço para identificar alguns dos traços distintivos da modernidade como um todo”. E “[...] a perspectiva pós-moderna vê uma pluralidade de reivindicações heterogêneas de conhecimento, na qual a ciência não tem um lugar privilegiado” (GIDDENS, 1991, p. 12).

O referido autor cita, por exemplo, a evidência das preocupações ecológicas, que nunca tiveram muito espaço nas tradições de pensamento incorporadas na

sociologia; e, dessa forma, “[...] não é surpreendente que os sociólogos hoje encontrem dificuldade em desenvolver uma avaliação sistemática delas” (1991, p. 17).

Deslocar a narrativa evolucionária, ou desconstruir seu enredo, não apenas ajuda a elucidar a tarefa de analisar a modernidade, como também muda o foco de parte do debate sobre o assim-chamado pós-moderno [...] Desconstruir o evolucionismo social significa aceitar que a história não pode ser vista como uma unidade, ou como refletindo certos princípios unificadores de organização e transformação. Mas isto não implica que tudo é caos ou que um número infinito de ‘histórias’ puramente idiossincráticas pode ser escrito (GIDDENS, 1991, p. 15).

Afirmando que as sociedades modernas em sua organização de Estados- nação, sob alguns aspectos, têm uma limitação claramente definida, Giddens (1991, p. 23) teoriza que todas estas sociedades “[...] são entrelaçadas com conexões que perpassam o sistema sociopolítico do estado e a ordem cultural da ‘nação’”.

Defendendo que “[...] em vez de estarmos entrando num período de pós- modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes” (GIDDENS, 1991, p. 12-13), esse autor expõe um modelo de reflexividade no sentido da necessidade da sociologia “[...] dar conta do extremo dinamismo e do escopo globalizante das instituições modernas e explicar a natureza de suas descontinuidades em relação às culturas tradicionais” (1991, p. 25).

Na perspectiva sociológica de Giddens (1991), o dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e de sua recombinação em formas que permitem o “zoneamento” tempo-espacial preciso da vida social; do desencaixe20 dos sistemas sociais; e da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das contínuas entradas (inputs) de conhecimento afetando as ações de indivíduos e grupos. No que tange à ação dos indivíduos, Giddens (1991) afirma que há um sentido fundamental no qual a reflexividade é uma característica definidora de toda ação humana, pois esta não incorpora cadeias de interações e motivos agregados, mas uma consistente e, principalmente, monitoração do comportamento e seus contextos.

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Giddens (1991) utiliza desencaixe para se referir ao “deslocamento” das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-

Estabelecendo um paralelo entre as civilizações pré-modernas e a moderna, Giddens (1991, p. 45) assevera que com o advento da modernidade, a “[...] reflexividade assume um caráter diferente, pois ela é introduzida na própria base da reprodução do sistema, de forma que o pensamento e a ação estão constantemente refratados entre si”.

O pensamento de Giddens (1991, p. 46) é importante nesta pesquisa, em virtude do conceito de reflexividade por ele apresentado e aplicado nos estudos da modernidade. Esta é, segundo o autor, constituída por e através de conhecimento reflexivamente aplicado, mas a equação entre conhecimento e certeza revelou-se erroneamente interpretada porque “[...] não podemos nunca estar seguros de que qualquer elemento dado deste conhecimento não será revisado”.

Como afirma Morin (2005), desde que a ciência separou a ciência, a ética e o sujeito

[...] somos tributários da incerteza ética e corremos sempre o risco de erros e de ilusões. Essa imensa incerteza ética não decorre somente da incerteza do futuro, mas também do fato que a ecologia da ação pode desviar o sentido ético dos nossos atos. Decorre, enfim, de uma contradição totalmente nova entre a ética de salvaguarda e a ética de aperfeiçamento do humano [...] (MORIN, 2005, p. 77-78).

Essa perspectiva de ação parece convergir para a exigência de reflexividade pelo professor da educação profissional no contexto da sociedade contemporânea e do uso da tecnologia como principal referência na organização das atuais políticas públicas da EPT. Há uma exigência da integração da formação do professor da EPT à tecnociência. Contudo, “Na tecnociência, a big science, hipertecnicizada, engendraram-se poderes titânicos [...] Os cientistas não controlam os poderes que emanam dos seus laboratórios. Esses poderes estão concentrados nas mãos das empresas e das potências estatais [...]” (MORIN, 2005, p. 70).

A técnica serve ao desenvolvimento da economia que domina as tecnologias de ponta, em diversas áreas, como química e genética, participando, definitivamente, do mundo dos lucros, que passa a ser um mundo para a ciência (MORIN, 2005). Nesse sentido, a técnica gera novos e perigosos poderes.

Novamente a hiperespecialização, a disciplinarização extremada do conhecimento, conduz aqueles que iluminadamente geram as políticas de formação dos professores a incorporarem também novos e perigosos poderes de gabinete e

de caneta, que, apesar de legitimamente prescritos, porque obedecem a trâmites e burocracias ministeriais, distanciam, cada vez mais, o cotidiano docente, seus saberes, experiências e humanidades, dos documentos oficiais. “O mal ético está na barbárie das relações humanas, no próprio coração da civilização. Enquanto permanecermos como somos, continuaremos bárbaros e mergulhados na barbárie” (MORIN, 2005, p. 86).

Nesse sentido, há a necessidade de “[...] desconstruirmos os excessos iluministas da academia e da lógica da burocracia disciplinar, para termos acesso, compreendermos e nos formarmos, intercriticamente, com outras referências. Esse é um lento caminhar para sairmos de uma longa e inquietante incompreensão” (MACEDO, 2010a, p. 60-61, itálicos do autor).