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2 O SER HUMANO E A ALTERIDADE SOLIDÁRIA

2.1 O lugar da alteridade no cenário humano

2.1.2 Êxodo e advento: lugar de encontro

Êxodo e advento como lugar de encontro suscitam uma realidade, em que a novidade e a diferença só se incorporam à vida pela dimensão da dor e do amor. Nessa direção, o êxodo humano é o peregrinar sedento que retorna ao manancial do advento, sem o qual não encontraria a fonte que sacia e dá sentido ao existir. O teólogo, ao refletir essa questão, propõe o caminho do êxodo, para que o ser humano, em sua alteridade, busque o ponto de partida pertinente ao Totalmente Outro. O olhar de um pelo outro reconhece no sujeito histórico o cuidado pela vida e os sinais do Outro na transcendência. 106

O indivíduo humano rende glória ao Infinito por quem foi feito, do qual, antes, foi originalmente estruturado em ser um-pelo-outro. [...] reconhecido no rosto dos outros - na mais profunda estrutura do sujeito histórico, que é protagonista enquanto refém, livre enquanto chamado, responsável enquanto inspirado pelo outro nas profundezas de si e de sua participação no destino do Dizer original: no sentido, ao mesmo tempo, mais original e mais escatológico, ‘um-pelo-Outro’.107

Desta forma, um ponto de partida pertinente parece ser o domínio necessário à significação do êxodo, que encontra o Outro e se deixa tocar por Ele, numa reaproximação do advento que vem no reconhecimento, do ser humano, em sua total fragilidade. Constata-se aqui uma teologia do encontro de alteridades que se desafiam e se ajudam mutuamente. Forte não propõe um mundo inatingível, mas uma relação de encontro, permitindo que diferentes identidades possam ser compreendidas nos termos da aliança na revelação do amor.

O mundo fechado do indivíduo, nem o mundo inatingível do Outro, mas a sua relação, em razão da qual o indivíduo é inquietado e lançado para fora de si sem retorno, e o Outro mostra-se a ele em seu possível, impossível advento, no ato de seu afirmar-se calando e desvelando-se. [...] na qual a dialética entre a identidade e a Transcendência é compreendida nos termos da aliança entre êxodo humano e advento divino, sempre desigual em favor da absoluta supremacia de Deus, que é, além de toda ideia e medida, o outro que livremente vem a nós. 108

106

Em relação ao outro, assim Levinás se pronuncia: “Não pode haver nenhum conhecimento de Deus que prescinda da relação com os homens. O outro é justamente o lugar da verdadeira metafísica indispensável a minha relação com Deus. [...] O outro não é a encarnação de Deus, mas precisamente por seu rosto no qual está desencarnada, a manifestação da majestade em que Deus se revela.” (Cf. LEVINÁS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1980, p. 65).

107FORTE, Bruno. Um pelo Outro, p. 158. 108Ibidem, p. 148.

Desenvolvendo a dimensão do encontro entre identidade e Transcendência pode-se concluir que há uma linguagem contida na revelação do silêncio e da escuta que pode traduzir o lugar do encontro com o Outro. Forte espelha-se em Barth, o qual restaura a compreensão do ‘lugar’ como possibilidade do humano ser alcançado pelo divino. Nessa concepção o mundo conhecido, carente de salvação, é o mundo da pessoa, do tempo, das coisas e o desconhecido é o mundo do Pai, da criação e da redenção. O ponto de interseção e “o lugar de impacto entre o mundo conhecido por nós e aquele desconhecido é o Jesus histórico.”109 Pode-se verificar então, que o Totalmente Outro não se esgota, mas é reverenciado pelas alteridades que caminham em busca do infinito, em direção à Pátria.

Frente à complexidade vazia da pós-modernidade, a fé cristã encontra em Jesus Cristo um logradouro indicativo da condição experienciada pelo êxodo humano. O pensamento multidimensional da plena realização do advento da Palavra e do Silêncio se revela no encontro entre alteridades. Sem dúvida, desenvolve-se aqui a consciência preliminar do sentido do êxodo para o ser humano. Transcorrendo, assim, uma abertura transcendental para encontrar na Palavra revelada a mística da solidariedade, o que pressupõe uma pedagogia ativa e transformadora. Nessa visão, o êxodo da condição humana caminha na esperança do profeta que confia e ousa o encontro com o Totalmente Outro. Forte propõe uma teologia de horizonte humano capaz de subverter o movimento da morte em atitudes de vida:

As questões decisivas e permanentes, como as atuais e contingentes do viver humano, são assumidas pela teologia com seriedade radical, no horizonte que em tudo as ilumina e inquieta: o horizonte de Deus. [...] Enfim, pensamento da aliança entre êxodo e advento, a teologia tende a provocar sempre mais na igreja, lugar da aliança, a acolhida consciente e purificante do advento na vivência, com frequência custosa e exigente, da solidariedade com o êxodo humano.110

A temática chave da teologia considera o lugar da aliança, que se firma entre o êxodo humano e o advento divino no que o tríplice êxodo de Jesus se estrutura na busca incessante pela Pátria. Os cristãos são admoestados a viver seu próprio êxodo na condição de ‘discípulos do único’, ‘servos do amor’ e ‘testemunhas de sentido’ num pensamento trinitário de autocomunicação na qual a alteridade confessa o êxodo como sinal do encontro fundante com o Outro. A teologia busca orientar o ser humano, em seu peregrinar rumo à Pátria definitiva considerando Cristo como horizonte último. Frente ao vazio da pós-modernidade, do abandono de sentido, das crises existenciais e da morte, a fé cristã busca não só respostas para

109 FORTE Bruno. À Escuta do Outro, p. 38.

o sentido da vida, mas o tríplice êxodo em Jesus Cristo. Forte abre ao diálogo e assinala a vida do Verbo feito carne:

[...] o êxodo do Pai (“existus a Deo”); o êxodo de si mesmo (“exitus a se”); e o êxodo para o Pai (“reditus ad Deum”). É esse tríplice êxodo que vem quebrar o círculo fechado da razão ideológica ou do pessimismo niilista e, de modo geral, a prisão de um mundo sem Deus: e é à luz desse êxodo que se pode compreender em toda a sua profundidade a revelação que Jesus faz do Pai e do Espírito Consolador e, portanto, a boa-nova do Deus Trindade, história eterna do amor que se oferece também às outras religiões como a plena autocomunicação da vida divina.111

O êxodo humano, presente na história, encontra o advento de Deus que se revela. Na expressão ‘discípulos do Único’ Forte manifesta o percurso do êxodo em direção à Pátria. O cristão é chamado a solidarizar-se com a dor do outro, escutar suas crises e angústias, para que no tempo, possa testemunhar o Cristo, fazendo-se discípulos. O segundo propósito do tríplice êxodo ressurge da caridade e os cristãos são chamados a serem ‘servos do amor’. Revela-se, na entrega total de Jesus, no êxodo de si, por amor à humanidade. Torna-se marcante no período pós-moderno, do niilismo e da decadente condição em que vive a humanidade. Na caminhada do discipulado todos assumem o seguimento de Jesus e as dores do povo sofrido, “vivendo o êxodo de si mesmos, sem retorno seguindo o exemplo d’Ele, solidários especialmente com os mais fracos e os mais pobres dos seus companheiros de caminhada, dos quais Ele se fez próximo.”112 A expressão ‘testemunhas de sentido’ caracteriza-se pela esperança e adverte para que o cristão se torne testemunha da vida e da história, a exemplo da verdade revelada em Cristo em sua entrega total ao Pai.