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2 O SER HUMANO E A ALTERIDADE SOLIDÁRIA

2.3 Servos solidários: o amor na história

2.3.3 Identidade: espelho da Trindade

A Trindade como origem, espelho e alvo da história, vislumbra a transcendência como o fundamento de uma nova identidade.164 A caminho da Pátria trinitária o ser humano encontra-se diante do vazio e das fragilidades existenciais. Percebe-se atingido pela carência da verdade e envolvido pelas atitudes fragmentadas na vida. A estes sinais, como repensar uma identidade que alcance a dimensão do êxodo? Como reconhecer o Deus Trindade no coração humano? Qual a ética necessária para uma identidade cristã? Essas questões suscitam abertura para perceber que da cruz sucede uma história trinitária marcada por amor generoso. Na teologia de Bruno Forte a Trindade é compreendida como Origem, Seio e Pátria de um amor que não tem medida. A vida, em perspectiva trinitária, é expressão de amor do Pai pelo Filho, solidificada pelas luzes do Espírito Santo. Assim, torna-se espelho do mundo que deseja corresponder à felicidade do Pai com o Filho no Espírito Santo que se revela em todas as coisas. A beleza da Trindade revela-se no evento pascal e inclui toda criação na história trinitária de Deus.

163FORTE, Bruno. Deus Pai no Amor quer todos salvos em Cristo, o Filho Amado. Teocomunicação, p. 732. 164A Trindade como expressão do amor eleva o ser humano para fazer parte do seu mistério em direção à Pátria. “A Trindade é o mistério de um só Deus em Três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, reconhecidas como distintas na unidade de uma só natureza, ou essência, ou substância. [...] O mistério trinitário só é conhecido por revelação. Ele distingue o cristianismo das duas religiões monoteístas que são o judaísmo e o islã. Ele está na origem da noção de pessoa, distinta da de natureza. Leva a pensar em sua forma mais elevada, o ser (ou seu além) é dom, troca, relação de amor.” (Cf. WOLINSKI, Joseph. Trindade. In: LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Loyola; Paulinas, 2004, p. 1760).

O evento pascal, história de Deus na história dos seres humanos, revela como a história do mundo está envolta na história trinitária de Deus. O devir do advento revela que o sentido e a meta da caminhada humana para o futuro não está suspenso no vazio: está recolhido em Deus. Na distinção entre o Amante e o Amado, o mundo é criado pelo primeiro Princípio, o Pai, com vistas àquele no qual amará eternamente à sua criatura e por meio dele. Pelo Filho tudo é entregue ao Pai no tempo do fim, para que o senhorio do amor triunfe sobre todas as coisas.165

Um dos aspectos mais evidentes que recorda a presença da Trindade é a dimensão da fé, que aparece no limiar da distinção entre o mundo criado e a transcendência do Criador. Somente a “fé contempla a figura do Espírito, que une um ao outro no vínculo do Amor eterno e conjuntamente os abre ao dom de si, ao generoso êxodo da criação e da salvação”.166 A vivência da esperança e da fé trinitária recorda a condição peregrinante em direção à Pátria. Para Jesus a realidade última tem uma dimensão transcendente e uma dimensão histórica. O advento de Deus vem para relacionar-se com a história. O próprio Deus em si, no êxodo, escuta os clamores do povo para libertá-los. É Deus que pretende defender os oprimidos e anunciar uma nova aliança com o seu povo.

Nessa relação de alteridade o advento abraça o êxodo humano e conjuga a história de Deus com a identidade histórica dos caminhantes. Postula aqui o entendimento do mistério como a revelação que acontece no Filho e no Espírito Santo presente na Trindade. Isso denota um puro oferecer-se como: origem, seio e pátria de amor. Ao referir-se à origem, coloca-se como raiz no centro do universo e da espiritualidade. O verbo que saiu do Silêncio para armar sua tenda no meio de nós. A ideia de seio vista como seiva que alimenta a fé na aliança de amor sob o impulso do Espírito. A pátria torna-se, então, a meta definitiva para todo o universo. Sob a premissa dessa unidade intrínseca, o teólogo Forte reflete o possível abrir-se do êxodo ao advento no dom solidário, que escuta e acolhe o amor trinitário pela humanidade.

[...] quando o êxodo da existência humana se abre ao advento proclamado e dado, eis que a gratuidade se torna nova e possível no dom da caridade do Pai; a gratidão abre- se maravilhosamente na fé, que evoca a obediência do Filho; e a liberdade da comunhão, realiza-se na verdadeira esperança, marca do Espírito, que une todos os tempos na eternidade do amor e abre-os todos à perene novidade divina. 167

A essência do amortrinitário de Deus abrange o sentido de comunhão que compõe o tempo e a Eternidade. Em vista dessa unidade trinitária realiza-se a revelação do Deus Trino como sentido último, o que se completa na vida humana e se perpetua no mundo. Um amor

165FORTE, Bruno. A Trindade como História, p. 203. 166Idem. Na memória do Salvador, p.134.

que restabelece o sentido da vida, as relações comunitárias e reconstrói identidades.168 Essa Imagem que constitui a identidade do amor no coração humano, se firma na palavra: “O amor jamais passará” (Cf.1Cor 13, 8). Então amar verdadeiramente é, sobretudo, um colocar-se na presença do Deus Trino, o que dá sentido à dor humana ao longo da história.169 Justifica-se, então, de que somente pelo amor o ser humano é capaz de vencer os obstáculos e trilhar com alegria o caminho do êxodo ao encontro do advento.

O amor trinitário é experienciado no mistério da fé. Um Deus em constante interação com os seres humanos, no tocante à própria história. É um Deus pessoal que acolhe a pessoa na sua totalidade e a convoca para assumir as bem-aventuranças do evangelho. Essa relação de êxodo e advento faz com que as pessoas se deixem tocar pela fonte indivisível de amor e eterna beleza. É na trindade que acontece o eterno evento do amor para os chamados à eternidade. Nessa dinâmica da fé a identidade espelha-se na Trindade para conviver com os múltiplos fenômenos existenciais que compreendem a vida presente e a vida futura. Todavia “o amor, que resplandece na Trindade, é a vocação do coração humano e do mundo. Somente ele dá verdadeiramente sentido à vida e à história.”170

As faces da alteridade solidária, na perspectiva humana, constituíram o cenário de reflexão no encontro entre o êxodo humano e o advento divino. A pesquisa em pauta, nesse capítulo, se propôs a buscar possíveis respostas no paradigma da teologia cristã, no que atenta à questão da ética e da alteridade para nossos dias. Em consonância com o sentido da vida interroga-se o sentido da própria história. Numa ascensão de êxodo e advento, como lugar de encontro, constrói-se a identidade tecida pela beleza que salva e liberta. Enquanto evento de comunicação entre alteridades descobre-se que a história é escrita no dualismo de dor e alegria, vida e morte, o que constitui o caminho em direção à Pátria. A teologia de Forte procura recuperar a plenitude de seu vigor e desenvolve, com profundidade, o desejo de conviver uns com os outros, adentrando nos meandros do coração humano e nos eventos

168A identidade do sujeito constitui o núcleo dialógico, na busca permanente pelo transcendente. “Falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de intereza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros.” (Cf. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 39).

169A grande pergunta existencial do ser humano refere-se ao sentido do viver e do morrer, mediante ao amor. “No presente as pessoas vivem de encontros e desencontros, estão abertas em busca do sentido da existência, vivem o tempo do risco e do livre - arbítrio para o bem para o mal. Somente na morte se realiza a grande síntese da vida, quando no encontro íntimo entre a criatura e o seu criador se faz a grande decisão.” (Cf. BRUSTOLIN, Leomar Antônio. Quando Cristo Vem: a parusia na escatologia cristã. São Paulo: Paulus, 2001, p.139).

históricos. A teologia supõe relações de alteridade como elemento constitutivo da convivência humana, interligando ética e solidariedade. Ainda responde a questão da responsabilidade humana e educa para a ética cristã capaz de ouvir o clamor do mundo.

O teólogo italiano abre o caminho da novidade solidária e resgata o específico do cristão na escuta do outro em busca da Pátria trinitária que se revela no amor. Sabe-se, então, que Deus cuida da criatura e manifesta todo seu amor, fazendo-se companheiro de jornada, pois “a solidariedade total do Nazareno com a condição humana ensina que nada do que é humano é estranho ao Deus que nele se revela e, por isso, nada do humano pode ser estranho à Igreja do Deus trinitário.” 171 É essa fecundidade da fé trinitária que marca a originalidade de Deus na história e testemunha o amor pela humanidade. Ao vislumbrar um pacto solidário em defesa da vida é fundamental abrir-se aos problemas do tempo e crer que a única solução possível será o amor de uns para com os outros, no peregrinar dos que reencontram a beleza no aqui e agora em face da eternidade.