• Nenhum resultado encontrado

2 O SER HUMANO E A ALTERIDADE SOLIDÁRIA

2.3 Servos solidários: o amor na história

2.3.2 Encontro que transforma a vida

A teologia do encontro situa-se na história e constrói um diálogo ininterrupto com o Deus da esperança. É na utopia do encontro que o Outro remete a uma nova aliança do amor incondicional para com toda a humanidade. Frente a isso, pergunta-se: o que é preciso para transformar a vida? Qual a contribuição da ética cristã para a humanidade? O rigor dessas questões supõe as bases da fé e da esperança, na qual acontece a manifestação no êxodo de si, para o outro, no possível encontro com “o Deus que é e será sempre fiel e novo pela sua presença salvífica na variedade das situações humanas.”159 Um Deus que não negligencia o amor, mas está sempre pronto ao gesto da misericórdia.

No cenário histórico do encontro, a economia da Palavra se completa mediante relações conjugadas com a economia do Espírito, no qual acontece a atualização de Cristo no tempo. Isso supõe a graça, capaz de compreender a verdade e anunciar as coisas futuras. É o Espírito que torna possível o encontro vivificador em relação à Palavra. Aberto ao próprio Silêncio, o Espírito vem anunciar ao mundo o que escutou da Palavra. Forte sintetiza a sintonia existente entre o mistério do Espírito e da Palavra revelada:

Poder-se-ia dizer que o Espírito é o outro Silêncio, não o Silêncio da Origem da Palavra, mas aquele em que a Palavra proferida na eternidade e no tempo vem ressoar e repousar, para ir recolher-se no Silêncio da Pátria, nos silêncios profundos e sublimes de Deus, depois de ter percorrido o caminho para o qual fora enviado. Por isso uma teologia trinitária da revelação, não estaria completa [...] se ela não aprofundasse também o mistério do Encontro de ambos no – tempo e na eternidade.160

Para tecer encontros que transformam a vida é preciso considerar a complexidade histórica que supõe manifestação do espírito e interpelação profética. O fecundo dom da reciprocidade experiencia a fidelidade de Deus e a fragilidade humana. A teologia, enquanto consciência crítica revive a experiência da cruz e da ressurreição ao fazer memória do mistério pascal no amor trinitário. Essa compreensão teológica supõe uma consciência que escute o mundo, no qual Deus fala através da história e dos sinais dos tempos. Eminentemente, a teologia integra os elementos da profecia e do memorial como espiritualidade do mistério revelado na Palavra de Deus e presente na história humana. É a teologia o lugar da hermenêutica, da reflexão, do diálogo e da espiritualidade que anima e conduz o povo, não só na capacidade interpretativa, mas na dimensão transformadora.

159FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 71. 160Idem. Teologia da História, p. 157-158.

O sentido unificador do encontro e do silêncio emerge da escuta da Palavra, das profundezas da terra, e da promessa salvadora de Deus. Esse pensar desafia a criatura humana para escutar o lamento do povo sofrido. O chamado à consciência fraterna perscruta o advento e deixa emergir de suas profundezas a força vital da vida. A dinâmica do encontro tem a função de abrir o mundo de Deus, para o mundo da humanidade, tornando possível, o ingresso de Jesus ao exílio, podendo, assim, unificar o que está dividido, na esfera da reconciliação pascal. O Deus se aproxima e revela-se na misericórdia, capaz de acolher o êxodo humano, que caminha na temporalidade em direção à Pátria definitiva.Segundo Forte a perspectiva do encontro abre para a comunhão com o Transcendente.

O encontro pressupõe, então, dupla condição fundamental: a primeira é que seja dado ao eu caminho para sair de si, abertura para o além do seu próprio mundo e, portanto,- estruturalmente falando - o eu esteja feito para Ouvir a Palavra do Outro e interpretá- la e deixar-se interpelar e habitar por ela.[...] A segunda condição do encontro é que o Outro possa se apresentar como Outro ao mundo do eu, rompendo sua clausura totalizadora, provocando-o a morar fora de si e a deixar-se habitar pelo advento de tudo que for irredutível a ele e, portanto, novo.161

Percebe-se numa primeira instância que o encontro, pressupõe abertura transcendental do eu, enquanto a segunda condição se identifica com a transcendência do Outro. Isso permite um olhar sobre a totalidade do mundo interior e a exterioridade infinita, podendo juntas revelar a verdade do amor. A dimensão do encontro reflete as possibilidades da missão que conduz a humanidade para assumir atitude de misericórdia para com o outro. Enquanto cristão, há um desafio para experienciar o tempo da graça, da salvação e da reconciliação. É hora de inaugurar um novo tempo, que favoreça o encontro e o diálogo com o Outro. Um encontro que provoque a comunhão e a reconciliação de todos, sem exclusão de ninguém. Um tempo de “diálogo eclesial ao serviço da missão, mas também do diálogo ecumênico com as outras confissões cristãs e do diálogo inter-religioso.”162

O encontro que transforma a vida centra-se na apologia da comunhão que gera fraternidade. A essência do amor revela o cuidado de Deus pelas suas criaturas e lembra um dos tesouros mais ricos e preciosos da humanidade. O amor purifica, fecunda e capacita para o discernimento de escolhas da realidade. O poder transformador do espírito é pleno e contagiantena autêntica escuta dos apelos divinos que iluminam a caminhada humana. Nesse sentido, o que qualifica a identidade cristã é a capacidade de estabelecer relações fraternas que

161FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 169.

comungam do mesmo pão e experimentam os sinais de comunhão na promoção da caridade fraterna.

Ao tratar da experiência do encontro, o advento de Deus coloca-se em parceria com os pobres do tempo. É preciso voltar-se aos pobres não só materialmente, mas também urge um cuidado com os pobres da verdade, com os que perderam a esperança da filiação de Deus. É necessário resgatar a Igreja da solidariedade que tem sensibilidade pelo outro. É lacônico superar o paradoxo da fragilidade humana e crer na força transformadora de homens e mulheres que têm paixão pela causa do Reino e promovem a Boa Nova até o martírio. “É preciso redescobrir o primado evangélico da pobreza e dos pobres, com todas as possíveis consequências.”163 É no encontro do êxodo humano e do advento que acontece o caminhar em busca da Pátria definitiva.