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3 A NOVIDADE DA SOLIDARIEDADE CRISTÃ

3.3 O específico do ser cristão hoje

3.3.1 A dimensão da fé entre êxodo e advento

responsáveis pela dignidade do outro. É então pela fé, que o fragmento da história busca o Transcendente. O infinito irrompe no finito. Um encontro entre êxodo e advento capaz de renovar o coração humano.

3.3.1 A dimensão da fé entre êxodo e advento

O desejo de transcender que acompanha o ser humano firma-se na fé e coloca-se no limiar do êxodo e do advento. A essência do cristão tem seu fundamento no Evangelho e nos valores norteadores da existência. Afinal, como Bruno Forte visualiza as questões éticas em relação à fé cristã? É possível uma educação solidária que escute os gritos da criação? Quais os impactos da fé na transformação das pessoas? Entende-se que as crenças seculares e a supervalorização das ciências nem sempre apontam para o mundo da fé. Urge desse modo o resgate integral da pessoa para que possa viver bem e confrontar-se com o Evangelho.

A dimensão da fé é decorrente da Palavra revelada em Jesus Cristo, narrada no amor e na misericórdia de Deus pela humanidade, a qual une o diferente e reaproxima o distante. É nesta perspectiva que êxodo e advento promovem o encontro da comunicação no evento do amor de Deus pelas suas criaturas. O amor evangélico valoriza o próximo, escuta sua dor e age em função da regeneração do outro. Essa atitude rompe as fronteiras culturais e cria novas atitudes solidárias capazes de viver o amor. Em outras palavras, o humano volta-se para o divino.

Em Jesus Cristo, o humano se refere continuamente ao divino, sem mescla ou confusão, mas também sem divisão ou separação. [...] É assim que Jesus fala de Deus, narrando Seu amor, remetendo a Seu Silêncio transcendente, e ao mesmo tempo propondo-o como mistério santo de graça e misericórdia, que se oferece e atrai na liberdade o que se deixa co-envolver na fé. É na realidade o amor que une os diferentes e aproxima os distantes, sem eliminar a diferença ou a distância. [...] É preciso falar de Deus narrando Seu Amor e, ao mesmo tempo se deve transpor o sentido do relato às mais verdadeiras perguntas que nascem do coração humano. 233

A fé expressa na dinâmica do amor reconsidera a valorização do próximo como elemento básico para o encontro entre o êxodo humano e advento divino. O evangelho adverte para amar o próprio inimigo. Isso significa assumir a responsabilidade por aquele que é hostil e, numa relação de alteridade, estabelecer vínculos de entreajuda, de modo que aconteça

ajuste nas relações de reciprocidade solidária. Deus quer entrar livremente na história humana, acolher o êxodo, e definitivamente estabelecer aqui a sua tenda. Sabe-se que esta ideia difere da lógica da sociedade na qual a pessoa não é reconhecida nem tão pouco valorizada, enquanto cidadãos do projeto de Deus. Amar o próximo, independente de quem seja, pode significar o primeiro passo para a concretude de uma aliança ou de um pacto. Em termos concretos a espiritualidade da aliança, da solicitude para com o outro, renova possibilidade do encontro, entre alteridades.

Não se pode ignorar a solidão e o sofrimento pelo qual passa a humanidade. O mundo moderno, em sua dimensão histórica, produziu o desencantamento do ser humano e o descuido pela pessoa do outro. Com a secularização da razão, impõe-se a pretensão da ciência, como única via de acesso à verdade, em contraste com a luz da fé. Nasce aqui, o desejo de recuperar relações equilibradas entre fé e razão na qual possam redefinir pontos comuns para o encontro de alteridades.234 Desse modo, as categorias de êxodo e advento formalizam o encontro com o Outro no horizonte de sentido e realizam a memória da poderosa presença do Deus vivo no meio de nós. Compreende-se então, que o êxodo da fé, liberta a humanidade das posses obsessivas e das falsas seguranças, produzidas pelas ideologias sociais e culturais.

Entre êxodo e advento, pode-se situar, o lugar do encontro. Um espaço de convivência solidária percebido na ótica das mudanças civilizatórias. Um espaço para fomentar a reconciliação e incentivar o diálogo entre os povos. Em face desses múltiplos desafios, é preciso firmar relações éticas voltadas para os princípios da alteridade e da solidariedade. Na proposição de novos paradigmas é essencial que se pense em novas formas de conviver abertas ao futuro e formar elos de comunhão. Por esse arquétipo de convivência faz-se necessário ir às fontes deste ideário profético do Reino e intuir que a evangelização para os nossos dias tem “necessidade de unidade e de diálogo interno para servir credivelmente à causa do Evangelho.”235 Movidos pela novidade do advento divino que revela toda a sua beleza inexplicável aos seres humanos, caminhamos na fé e na esperança de ter contribuído pra uma ética mundial mais justa e mais solidária.

234O fundamento da ética cristã supera pretensões individualistas e articula possibilidades de encontro. “A modernidade tardia volta a descobrir o nexo entre Deus e verdade, entre fé e razão mesmo na distinção dos níveis lógicos e experimentais. Constata-se que o total desencantamento da razão reduz, até negá-la, o alcance da verdade da razão. A separação entre razão e fé ameaça tanto a autenticidade da fé como a racionalidade da razão. [...] As bases de uma nova relação são basicamente duas: por um lado, a fé não é contra a razão, nem a razão é contra a fé, porque o funcionamento racional da razão pressupõe uma confiança na própria razão, que não pode ser justificada de maneira puramente racional; por outro lado, a fé em Deus não é um risco racional, cego, mas antes uma confiança justificável diante da razão e fundada na própria realidade.” (Cf. BRIGHENTI, Agenor. A Igreja Perplexa: a novas perguntas, novas respostas. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 99-100).