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2 O SER HUMANO E A ALTERIDADE SOLIDÁRIA

2.2 Transcendência: encontro e ética

2.2.2 Advento e beleza no caminho da salvação

A reflexão sobre o caminho da salvação é a essência do amor presente na história e contempla Aquele que é a fonte e a via de toda a beleza. A própria teologia sinaliza-a como relação originária e constitutiva da revelação e do amor solidário. A essa questão pergunta-se: qual a beleza que salva o mundo? Como reconhecer a beleza de Deus na história humana? Pode o Infinito solidarizar-se com a humanidade? Esses e outros questionamentos buscam o sentido da beleza, percebida no Criador. Forte sinaliza que “a beleza verdadeira e eterna abraça o homem interior”.136

O teólogo Forte configura um percurso do caminho interior para expressar a beleza como redenção e a entende como via de salvação. Somente a pessoa interiorizada é capaz de transcender de si e abrir-se ao advento do Outro. Podendo, assim, verificar uma dicotomia, que reúne, ao mesmo tempo, amor e sofrimento, vida e morte. A essa manifestação da beleza acontece a redenção solidária da cruz realizada no amor para dar sentido à vida. É nessa perspectiva que Forte faz a reflexão.

Na rocha do Calvário se ergue a cruz da Beleza: o Verbo se diz nesse mundo por via da sua ‘quenose’ suprema, daquele ‘diminuir-se’, graças ao qual – em nada constrangido pelo infinitamente grande – se deixou conter pelo infinitamente pequeno, para que o esplendor eterno viesse oferecer-se na noite do mundo. Este ‘extase do divino‘ é ao mesmo tempo o apelo mais alto que se possa conceber ao ‘extase do mundo‘ [...] que é o arrebatado na beleza que salva. [...] O Deus Crucificado é a ‘quenose’ e o esplendor da eternidade no tempo, o Todo divino no fragmento da forma humana (Cf. Fl 2,6s), a revelação da beleza que salva. 137

Essencialmente o divino assume as dores da humanidade, na suprema entrega total do dom de si mesmo e do amor, que remete a beleza vitoriosa da ressurreição, pois, para além do tempo, permanece à beleza oculta e silenciosa. A beleza que salvará o mundo passa, pela via da cruz, mas resplandece vitoriosamente, o que significa colocar-se na soleira da beleza crucificada.

136Idem. A Porta da Beleza, p.17.

O limiar da beleza crucificada remete assim à Beleza finalmente vitoriosa. Além das inúmeras palavras do tempo está e permanece a divina Custódia, a Beleza oculta. No final ela será tudo em todas as coisas e o mundo inteiro será a sua pátria, quando o seu Silêncio, mais eloqüente do que qualquer palavra abraçará tudo.138

A beleza crucificada, síntese do amor, assume o sofrimento e os males que cercam o ser humano inserido na história. Com a própria morte Jesus redime e salva a humanidade. Em Cristo revelou-se a beleza solidária que salva e liberta, diferente das ambições da beleza perecível. É justamente na beleza crucificada que se mostra o Todo divino no fragmento do sofrimento humano. Sabe-se que a “única beleza que salvará o mundo é a beleza do Homem das dores, é a beleza do amor crucificado, da vida doada, da oferta total de si ao Pai e aos homens”.139 Nesse sentido a beleza da cruz revela-se no amor de Deus para com a humanidade. Isso exige um discipulado humilde e fiel ao Senhor da história.

No trilhar da história humana, revestida pelo sofrimento, o Invisível revela-se no visível. O advento divino, em toda sua expressão vem habitar o coração humano e assume o supremo ingresso desde a encarnação até o mistério Pascal, podendo assim o visível hospedar o Invisível e o Silêncio encontrar-se na concretude humana. Desse modo, no plano salvífico, o cristão é chamado para viver na esperança do Ressuscitado. A beleza de Cristo, como dom- de-si, revela-se no advento que vem e se abre para acolher o outro. Essa visão de redenção solidária eleva o humano à condição de participante da vida divina por garantir que “Cristo é o lugar supremo do advento, onde, de uma vez por todas, a Beleza veio para resplandecer em todo o seu fulgor salvífico.”140

Paradoxalmente o belo revela-se misteriosamente na profundidade do ser, o que faz emergir luz e trevas no qual se expressa, à total entrega no amor. Esse fulgor da beleza do qual Forte fala é a vida nova que encontra o divino. Uma beleza que vê a exterioridade, mas privilegia o íntimo, a interioridade mais profunda, capaz de encontrar a luz.A beleza pode ser entendida como o Todo no fragmento, contribuindo para o encontro entre humano e divino. Então, o reconhecimento da beleza que salva, abre para relações de alteridade solidária expressa na ética cristã.

A conversão do coração torna-se mediação para encontrar a beleza do Cristo solidário. Eis que a maior beleza que salvará o mundo, encontrar-se-á na doação plena do divino que, por amor, recupera o sofrimento de toda humanidade. Ele é a verdadeira beleza que salva e

138FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 174. 139Idem. Confessio Theologi ai Filosofi, p. 35.

liberta. “Não tinha beleza nem formosura que atraísse os nossos olhares, aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo, tornando-se solidário com os homens” (cf.Fl.2,7).

Somente o amor é a verdadeira expressão da beleza que não tem ocaso. É pelo amor à humanidade que acontece a ressurreição, a transfiguração. Essa capacidade autêntica de tornar-se solidário até as últimas consequências e doar a vida totalmente por amor sem exclusão de ninguém. O teólogo reflete sobre a figura do ‘Bom Pastor’, o amor crucificado é a beleza que salva. Aquele que ama morre abandonado na cruz. É o advento que vem ao encontro da criatura humana, que o rejeita em sua fragilidade e não o reconhece. Para Forte, a beleza do ser é aquela provada pelo amor e invocada na fé.

A beleza dos entes que passam é o limiar que dá acesso aos horizontes da Beleza que não passa, já aprovada no amor, invocada na fé. O Todo se oferece no fragmento, o fragmento se abre para o Todo pelo caminho da Beleza que salvará o mundo. A eternidade entrou no tempo, para que o tempo pudesse entrar na eternidade. Esta é a essência do cristianismo, sua verdade simples e grandiosa tão eloqüente hoje como nos primórdios do movimento cristão. A beleza que salvará o mundo é a do ‘Bom Pastor’, crucificado e ressuscitado por amor a cada um de nós, a todos nós. 141