• Nenhum resultado encontrado

2 O SER HUMANO E A ALTERIDADE SOLIDÁRIA

2.1 O lugar da alteridade no cenário humano

2.1.1 Escuta e presença do outro

A teologia valoriza a escuta do Outro como itinerário para alcançar a vida e perscrutar os caminhos da ‘economia da salvação’. A escuta da Palavra fundamenta os critérios para o discernimento das escolhas éticas em atitudes decisivas do cristão. O ato de escutar Deus, em Jesus Cristo, preside a caminhada da fé durante todo o peregrinar humano. O desabrochar reflexivo da escuta da Palavra é que a torna capaz de um conhecimento místico, que brota do próprio dinamismo da fé. A revelação de Deus, originária da escuta, entende que “acolher a palavra de Cristo significa então escutar o silêncio da Origem da qual provém: o Verbo do Pai.”101

O que constitui a esperança profética é a condição da escuta, capaz de responder aos desafios que surpreendem a vida na Igreja e no mundo. A reflexão crítica da fé, em Forte, compreende que “a escuta da Palavra e do discernimento da complexidade vem constituir a

98FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 20. 99Idem. Confessio Theologi ai Filosofi, p.17.

100Forte aborda a condição do exílio como quem perdeu a saudade da Pátria. “O exílio é talvez ainda mais a situação de tensão que veio depois da volta à pátria – fez que Israel tomasse consciência da verdadeira face de Deus; obrigou-o a recuperar a verdadeira ideia de Deus e, por conseguinte, a verdadeira ideia de povo eleito e de esperança messiânica. [...] A verdadeira esperança se apóia em Deus e não nas ilusões. [...] Iahweh estabelecerá uma aliança nova. Nela ele empenhará todo o seu amor e todo o seu poder criador. Para arrancar o homem da infidelidade e do pecado, o Espírito de Deus repetirá aquele gesto transformador, gratuito e salvífico, que se manifestou na criação e no êxodo.” (Cf. MAGGIONI, B. Experiência espiritual na Bíblia. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo. Dicionário de Espiritualidade, 1989, p. 402- 403).

profecia teológica para o hoje da Igreja e do mundo.” 102 O fio condutor da escuta consiste na abertura para comunicar-se com Deus e colocar-se também na condição de ouvinte da Palavra que faz aliança e alcança as últimas fronteiras do ser humano, na capacidade de transcender os limites do tempo.

O radical comprometimento com a escuta do Outro requer uma visão histórica do pensar pós-moderno e a compreensão da ética humana, considerando os valores axiológicos inerentes à pessoa do outro. Nesse sentido, a dinâmica da alteridade reverencia a presença do Transcendente na história. Preocupa-se com relações solidárias, acolhe o outro e cultiva o respeito pela dignidade humana.

Escutar o outro é a condição de alteridade no amor, que olha a pessoa na sua totalidade, em busca do equilíbrio e da sensibilidade no entendimento da verdade que liberta da opressão. Para a teologia, o “amor significa uma unidade que não absorve o outro, mas aceita-o exatamente na sua alteridade, confirma-o assim como é, e justamente desse modo o constitui na sua verdadeira liberdade.”103 É, então, pela Ressurreição que se firma o testemunho de quem viu o Crucificado e agora caminha na luz do Ressurreto. Escutar o Outro pressupõe saber escutar a si mesmo, escutar o universo e descobrir a importância do silêncio para perceber a fragilidade que existe nas relações de convivência. Nesse espaço da fé, a pessoa deixar-se plasmar por Deus ao escutá-Lo no silêncio do coração. Forte desvela a ideia de proximidade entre humano e divino, ao sublinhar o envolvimento do transcendente com a criatura humana que a deseja libertar de toda opressão e lhe oferece sinais de salvação na história:

Na medida em que cada ser humano é criado para transcender a si mesmo em direção ao Mistério último, é também chamado à escuta do Outro transcendente e soberano, que vem a ele nos sinais da criação e na história da salvação. [...] Mas isso implica também a urgência de abrir-se ao valor de toda alteridade que nos congrega e nos visita como seres singulares e como comunidade, compreendendo-a não como concorrência ou ameaça, mas como promessa e como dom. 104

O abrir-se para a alteridade remete para o encontro com o Outro que se revela, e encaminha para a experiência da promessa e do dom. A escuta do Outro tem uma dimensão transcendente e uma dimensão histórica que acentua a totalidade mais profunda: o Reino de Deus. Assim, a esperança que se estabelece com o Outro inclui o núcleo da fé que alimenta a

102 FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 57.

103

Idem. A Trindade como História, p.107. 104 Idem. A Essência do Cristianismo, p.146.

vida e reafirma a aliança de fidelidade com o povo que espera a salvação. Nesse transcurso da fé, o segredo da reverência pelo Outro provoca atitudes proféticas de anúncio, reconciliação e comunhão, ao estabelecer uma correlação entre o Reino e os peregrinos da história.

O termo ‘escutar’ constitui redes, em busca da criação de sentidos e indagações sobre o novo modo de envolver as ciências humanas baseados no paradigma ético-estético e religioso. Isso confronta e interroga a respeito da diversidade de perguntas que assolam a vida humana na pós-modernidade. Na contribuição histórica e hermenêutica, Cristo é o horizonte de sentido capaz de instaurar uma consciência cristã em busca de luzes para reconhecer a manifestação do amor de Deus. Ao contemplar a alteridade, olha-se a pessoa na sua fragilidade e oferece-lhe a força iluminadora da escuta como acesso para o encontro com a própria vida, permitindo um pensar em duas vias, no que Forte afirma:

Não se trata de uma escolha intimista, puramente subjetiva que se dá exclusivamente entre a alma e Deus, mas de uma tomada de posição consciente e livre diante de um dado externo ao sujeito. [...] Neste sentido a teologia é duplamente pensamento do outro: do Outro transcendente que se revela e convoca, e de outro próximo, imediato ou remoto, ao qual a revelação da alteridade divina destina o coração de quem crê.105 Essas categorias do humano e divino estão intimamente ligadas, e uma alteridade não convive sem a outra. Para fazer a experiência do Outro que reconhecemos como Deus, é intimamente necessário caminhar lado a lado com o outro. Essa experiência da teologia, como pensamento do outro, contribui para uma convivência harmoniosa, o que permite experimentar a fecundidade do silêncio, aceitar a alteridade e formar comunhão.

O ponto de partida da fecundidade e do silêncio tem sua expressão no Totalmente Outro, que busca vencer a obscuridade da vida, conferindo dignidade à sua obra, face à fragilidade do viver e do morrer. Mostra-se, ainda, a condição histórica dos peregrinos, que, em condição de exilados, buscam a terra prometida. Nessa visão, o teólogo italiano define o movimento de autotranscendência que se manifesta na capacidade de escutar o outro em direção ao novo advento. Assim, a recepção da Palavra coincide com o dinamismo do aprofundamento da fé e repousa sobre o coração humano. Neste sentido, a fé sendo a resposta do homem é, também, um dom de Deus, porque nasce e cresce ao ritmo do Espírito. Ouvir o Outro, em seu interior, permite sintonizar-se com Ele.