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1.2 O horizonte humano na experiência cristã

1.2.3 O humano e a revelação cristã

No intinerário da vida humana, perfilam-se sinais de busca em diferentes contextos. Há uma espécie de inquietação do presente como uma busca renovada pelo sentido da vida. Reflete-se aqui o esforço humano em resgatar o sentido para além da crise, capaz de vislumbrar o reconhecimento último em vista da esperança. Nesse sentido o ser humano caminha e assume a história como lugar de encontro e transformação religiosa e sociocultural. Confirma-se, então, o quanto o horizonte do tempo permite as indagações hermenêuticas no entendimento da revelação para a humanidade. Para Forte, essa busca intrínseca da

52 FORTE, Bruno. À Escuta do Outro, p. 70. 53Ibidem, p. 73.

humanidade é “o tempo no horizonte totalizante do ser, mas o ser no horizonte do tempo que é o quadro hermenêutico dessas indagações, que nem por isso deixam de estar atentas ao fazer da verdade, à unidade entre teoria e práxis.”55

A unidade que se desenvolve entre teoria e práxis retrata na história a absoluta revelação da transcendência e o poder de Deus sobre a história da humanidade. A verdade revelada transforma a experiência do povo que caminha, e deixa correr em suas veias o sangue da esperança, da fidelidade e da libertação. Graças ao dom da revelação, que se realiza no tempo, formaliza-se uma ligação de fidelidade ao advento que habita o êxodo e o manifesta na concretude da aliança. É nessa comunicação que a Palavra se faz presente na história da humanidade. A experiência teológica, vista por Forte, revela um Deus acima de qualquer domínio humano, mas fiel ao seu plano de salvação da humanidade. O novo se mostra na vitalidade da mística e reafirma uma identidade justa e libertadora. Minimiza a automatização de estruturas injustas que impedem a comunicação com Deus na Palavra revelada e nos acontecimentos cotidianos. A construção da justiça e da liberdade estabelece a relação que se firma entre o humano e o divino. O êxodo abre-se para o encontro, busca o sentido, e rompe o círculo da identidade absoluta na travessia do peregrinar, conforme a dialética de Hegel assumida no pensamento de Bruno Forte56.

O verdadeiro peregrinar da humanidade encontra-se no êxodo. Sensivelmente constata-se que de um lado acontece o drama da angústia, da perplexidade e das interrogações do existir humano; por outro o possível aproximar-se do Eterno e experienciar a esperança reveladora do Deus vivo. Abrir-se à autotranscendência significa entrar em conexão com o lugar específico e concreto para o encontro com o mistério “onde a existência como êxodo se disponha à escuta de um possível advento do Outro no horizonte do tempo.”57 Evidencia-se, deste modo, uma abertura transcendental do ser humano para o encontro da Palavra revelada em sua caminhada de fé cristã. Bruno Forte conduz a reflexão para a comunidade como lugar da revelação e da vida cristã.

A comunidade se torna lugar vivo da Palavra, que por ela alcança e suscita outros filhos para Deus. Nesse sentido, a tradição é transmissão da fé, transmissão da vida cristã: graças a ela a memória da fé se faz presença e experiência atual, pelas quais o

55FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p.26.

56Considerando a travessia do peregrinar humano, Bruno Forte busca a contribuição dialética. “Com decisão e coragem, Hegel quer pensar a vida, levando à palavra o movimento, a contradição, o superamento, que são o sangue quente de nosso existir na história. Nele, a verdade não é contemplação asséptica de essências imutáveis e eternas, não é um objeto: ela é devir perene, que afirma, nega e completa, para novamente superar-se a si mesmo.” (Cf. FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia: introdução ao sentido e ao método da teologia como história. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 115).

advento realizado uma vez por todas em Jesus Cristo vem fazer-se contemporâneo ao hoje das pessoas na força do Espírito Santo.58

Olhando o peregrinar humano em busca da revelação cristã, constata-se o quanto a tradição, presente na história e na fé, contribui para perceber o advento divino nos diferentes patamares da própria teologia. É importante que acomunidade possa abrir-se à compreensão da fé cristã, no cotidiano da vida, e assim, verificar o quanto a história é inseparável da fé. Sem dúvida, a comunidade torna-se o lugar na qual a Palavra se atualiza e contribui para revelar o amor e a misericórdia de Deus à humanidade.

Repensar o humano, na linha fundante da fé cristã, exige abertura interior e profusão de comunhão que inclui os princípios da revelação cristã no constante desafio do tempo. Nesta inserção, a humanidade sofre as consequências da triste divisão da comunidade cristã e do processo de secularização que desumaniza e provoca as injustiças situadas no tempo e na história. O grande desafio da humanidade, em toda sua complexidade, consiste em “reconstruir a unidade de conjunto, aquela que no plano de Deus revelado em Cristo foi, ao mesmo tempo, doada e prometida ao mundo.”59 Em todo contexto, o sentido da revelação cristã encontra seu apogeu no coração humano e reconstrói a singularidade do êxodo no sentido do existir humano em busca do fim último, a salvação.

A revelação, como matriz cristã, expressa-se na linguagem hodierna como um acontecimento de autocomunicação divina no relacionamento recíproco da Trindade. Nessa situação também se reconhece na história da humanidade o princípio da autocomunicação divina, que formam o conjunto complexo e vivo ao qual se pode dar o nome de dinamismo constitutivo da revelação. Para desenvolver essa concepção de revelação Forte busca a sistematização na filosofia hegeliana que apresenta a dialética da autodistinção do divino no que compõe a ideia:

O processo dialético da autodistinção e da auto-identificação do Sujeito absoluto coloca ao mesmo tempo Deus como Pai, Filho e Espírito e como Revelador, Revelado e sua Reconciliação. A revelação é ato com o qual o Espírito absoluto medeia a si mesmo para chegar à consciência de si e superá-la no amor, num processo que envolve e liga Deus e a história do mundo. 60

58FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 52. 59Idem. Um pelo Outro, p. 108.

Cuidadosamente realiza-se a reflexão sobre o ato da revelação, como abertura do Espírito para o encontro com a consciência humana, que acontece à luz da história. A pretensão da revelação cristã encontra sentido no peregrinar humano e constitui sua manifestação no tempo. Todavia, vai percebendo-se que a revelação de Deus desdobra-se na história e nasce de um ato livre e gratuito, associado ao projeto salvífico de amor pela humanidade. Um pressuposto basilar para a automanifestação de Deus na história é o entendimento de que a revelação é maior do que a história, porém é nela que Deus revela seu amor pelas pessoas, enviando seu próprio Filho, Jesus Cristo pela libertação de todos.61