• Nenhum resultado encontrado

1.3 O humano e a identidade no êxodo

1.3.2 O horizonte do êxodo aberto à esperança

No horizonte do êxodo surge um sinal de esperança, que permite à humanidade sonhar com a Pátria, apesar do aparente triunfo da dor e da morte. A vida parece estar impregnada de nostalgia que habita o tempo envolto no abismo do nada, orientando-se pelas incertezas e crises de sentido em que “o ser humano se torna uma pergunta a si mesmo, uma interpelação diante da qual se abrem ambiguamente as sendas daquilo que poderá ser ou não será jamais. [...] É assim que o pensamento nasce da morte, a consciência da paixão de quem não se rende ao final triunfo do nada.”76 Ressurge aqui, uma nova esperança de vida, uma possibilidade de buscar o Totalmente Outro através da redescoberta do sagrado, que impõe a abdicação da ideia niilista e a dependência da dialética iluminista.77

Na visão realista da vida é preciso que a crise da modernidade formule o fim das ideias absolutistas da razão, para assim, contribuir na redescoberta do Outro. Para tanto, colocar-se na escuta do Totalmente Outro exige mergulhar no mistério da salvação e compreender também o mistério humano. A salvação inserida na história transcende e ultrapassa os limites

75FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 89. 76Idem. A Essência do Cristianismo, p. 23.

77Forte refere-se ao Totalmente Outro para expressar a presença Transcendental. “A expressão ‘Totalmente

Outro’ faz referência a Deus. Sua origem próxima como compreendem os teólogos dialéticos, remete à diferença qualitativa infinita que separa o homem e Deus, segundo Kierkegaard. No entanto as origens da expressão são longínquas referindo-se sempre à transcendência de Deus ou do Uno como o ‘outro’ (thatéron em Plotino) ou ‘Totalmente Outro’ (aliud Valde em Agostinho). Em 1917 no seu livro intitulado O Sagrado, o filósofo neo- Kantiano R. Otto resgata a expressão que será utilizada abundantemente pela teologia da Crise do Jovem Barth e de seus amigos.” (Cf. LACOSTE, Jean-Yves. Totalmente Outro. In: Idem. Dicionário Crítico de Teologia. 2004, p. 1737).

do êxodo. Esquecendo o peso do passado, a humanidade constitui uma nova esperança o que exige estar atento às surpresas do advento.

Igualmente, para que a memória do futuro não seja forma vazia, e sim experiência densa e real do que é vindouro e capaz de mudar o mundo e a vida, é preciso que ela não seja produzida só pelo coração ou pela mente do homem, mas, de certo modo, se enraíze em uma promessa, em que se indique e se doa o amanhã absoluto e transcendente, sem por isso ser reduzida às malhas do mero projetar-se no mundo. Este advento real, que corresponde ao êxodo mais profundo do homem, realiza-se, para a fé cristã, na ressurreição do Crucificado.78

O entendimento dessa experiência é percebido pela escuta da Palavra revelada. A história eterna do amor divino estabelece aliança de fidelidade com o povo e abraça as configurações éticas necessárias à formalização das relações interpessoais. “Aquilo que então todos devemos fazer para sermos peregrinos na história, em direção à Pátria da promessa de Deus, é escutar as perguntas verdadeiras que estão no coração da própria história.”79 Pela aliança, formalizada no êxodo, Deus guia o seu povo na fidelidade, na visibilidade do Espírito e na encarnação do Filho Jesus Cristo.

Tal certeza aproxima o divino do êxodo humano e restabelece a fragilidade humana. Saber ouvir e deixar-se tocar pela força da Trindade no âmago da história humana, significa participar do processo da criação que também espera por libertação. Toda a criação reconhece o poder de Jesus Cristo e espera que a história também possa contemplar a presença do Espírito que renova todas as coisas. É pela magnitude do Espírito que a criatura torna-se participante do plano da salvação.

Abrir-se à esperança significa não perder de vista a possibilidade de caminhar na história em direção à pátria e perscrutar as perguntas verdadeiras que moram no coração do Pai. A busca que emana destas palavras é aquela que está situada entre o peregrinar que busca o rosto do Outro e o fechar-se sobre os medos da solidão humana. “A vida ou é peregrinação ou é antecipação da morte. Ou é paixão, busca e, portanto inquietação, ou é deixar-se morrer um pouquinho dia após dia, fugindo para todas as evasões possíveis de que está enferma a nossa sociedade.”80

Diante da linguagem dialética, é admissível constatar que, no mais profundo do ser humano, pairam questões significativas sobre a vida e a morte. Afinal, o que é a vida? Qual é a contribuição humana para este complexo universo? Qual o sentido da morte para a vida

78FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 45.

79Idem. Deus Pai no Amor quer todos salvos em Cristo, o Filho Amado. Teocomunicação, p. 718. 80Idem. A Essência do Cristianismo, p. 28.

humana? Existe vida além da morte? Estes e outros questionamentos, sobre as razões da existência e a perspectiva escatológica, emanam também, do desejo de superar a morte, de vencer os sofrimentos da vida cotidiana e de enfrentar as desilusões. O teólogo italiano, consciente do drama humano, amplia o sentido do êxodo em busca da pátria desejada. O êxodo abre-se em perspectiva de quem caminha em direção ao Totalmente Outro. Assim, Forte expressa:

O importante não é a colheita; o importante, para quem crê em Deus, é a sementeira: ela dará os seus frutos a seu tempo, quando e como Deus quiser. Portanto, é necessário dizer não à frustração e sim à paixão pela verdade que nos leva a levantar as verdadeiras questões do coração dos homens, para que procurem o rosto escondido, o rosto do pai-mãe no amor.81