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1.5. CONTROLO INTERNO ADMINISTRATIVO

1.5.1. Órgãos de Controlo Interno Administrativo

Os órgãos de controlo interno, ou seja, as entidades administrativas de controlo interno no cômputo geral, variam de acordo com o modelo da estrutura de Administração Pública de cada sistema político e da forma de governo, (v.g.) em Portugal onde vigora a forma de governo Semi-Presidencialista, com pendor Parlamentar, em que o chefe do governo é o Primeiro-Ministro, obviamente a estrutura Administrativa Pública é parte de princípio dos órgãos de soberania centrada no Conselho de Ministros, como órgão colegial presidida pelo Primeiro- Ministro e, desde logo, é chefe do governo e, concomitantemente, a entidade máxima do controlo interno administrativo das “Finanças Públicas”.

Este modelo de controlo é também seguido por alguns países da Lusofonia, onde o Primeiro-Ministro é o chefe do governo e o Presidente da República é um notário, dito de outro modo, como é referido no adágio popular, é considerado como mera figura de um “corta-fitas”, sem poderes executivos (Cfr. Cabo Verde, São Tomé, Guiné e Portugal).

Posto isso, nestes países, são órgãos de fiscalização internos administrativos de nível superior: o Primeiro-Ministro, a Inspecção-Geral da Administração do Estado e a Inspecção do Ministério das Finanças.

88 Cfr. o Decreto Legislativo Presidencial n.º 2/13, de 25 de Junho, dos Institutos Públicos e do

Decreto Presidencial n.º 48/11, de 9 de Março, e materialmente no Decreto Presidencial n.º 108/13, de 28 de Junho, cuja estrutura é composta pelos órgãos colegiais unipessoais, nomeadamente o: (i) Conselho de Administração;

(ii) Conselho Consultivo; (iii) Conselho Fiscal.

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46 Em Angola, antes da independência nacional, os órgãos de fiscalização interna administrativos na Província Ultramarina seguiam a fisionomia da organização política metropolitana.

Por seu turno, depois de 1975, na nova República independente, os órgãos de fiscalização no primeiro momento de vigência da então Lei Constitucional, previa, nos termos do Art.º 108º, da Lei Constitucional de 1975, o Conselho de Ministros presidido pelo Presidente da República e constituído pelo Primeiro-Ministro, Ministro e Secretários de Estado. Portanto, o órgão máximo de fiscalização interna administrativa era o Presidente da República, coadjuvado pelo Primeiro-Ministro e auxiliado pelos seus órgãos da Administração Central e Local do Estado89. Com as

reformas operadas ao longo da vigência da Constituição de 1975, sofreu profundas revisões até à proclamação do sistema político multipartidário e do Estado Democrático de Direito90.

Em prima facie, estas reformas visavam, por um lado, a concretização do sistema político de ideologia Socialista, baseada na doutrina económica Marxista- Leninista e a consolidação do dirigismo económico, burocrático e produtivo91.

Porquanto, na vigência desta experiência de organização política observou-se a inexistência de separação de poderes, por outro lado visou o recuo da opção Socialista atento os factores económicos exógenos da política internacional, assinalada com o colapso do sistema Socialista que levou à queda do Muro de Berlim e do programa da reforma da Perestroika na URSS, que fortificou o sistema

89 Nesta época do partido único funcionava a Inspecção do Ministério das Finanças e Comissário

Provincial, ao nível do Governo, e ao nível do Partido, Departamento de Revisão e Controlo ou Auditoria, que estava estruturado desde o Comité Central até às estruturas de base, como estruturas fortes de controlo e fiscalização de dinheiros públicos.

90 Cfr., PAHULA OVÍDEO – Evolução da Constituição Económica Angolana, Casa das Ideias Editora,

2009, Pág. 97.

- 1976 (Lei n.º 71/76, de 11 de Novembro); - 1977 (Lei n.º 13/77, de 7 de Agosto);

- 1978 (Lei Constitucional revista, de 7 de Fevereiro de 1978); - 1979 (Lei n.º 1/79, de Janeiro);

- 1980 (Lei Constitucional revista, de 23 de Setembro de 1980); - 1986 (Lei n.º 1/86, de 1 de Fevereiro);

- 1987 (Lei n.º 2/87, de 31 de Janeiro); - 1991 (Lei n.º 12/ 91, de 6 de Maio); - 1992 (Lei n.º 23/92, de 16 Setembro).

91 Mais desenvolvimento de sistemas económicos, vide FRANCO, SOUSA – Noções Fundamentais de

Direito da Economia, ed. AAFDL, Lisboa, 1982-1983, Pág. 133 e seguintes. No mesmo sentido, Cfr.

PAHULA OVÍDEO – Evolução da Constituição Económica Angolana, Casa das Ideias Editora, 2009, Pág. 32 a 39.

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47 capitalista e os factores endógenos da guerra civil fratricida e a degradação económica obrigou o Estado Angolano a encetar reformas ao nível económico- financeiro e ao nível da Justiça, apesar de nesta reforma não ter contemplado o Tribunal de Contas92.

De todo o modo, a Administração Pública tinha que conformar-se com os novos ventos do Estado Democrático de Direito, proclamado em 1992, que se projectava num quadro constitucional de separação de poderes. Daí que os órgãos de fiscalização interna, em prima facie, eram ao nível superior, o Presidente da República, coadjuvado pelo Primeiro-Ministro, ao nível técnico, a Inspecção-Geral da Administração do Estado e a Inspecção do Ministério das Finanças, e, ao nível da Administração Local do Estado, isto é, nas Províncias, o Governador da Província e a Inspecção Provincial do Governo e a Inspecção Sectorial, acoplados nas distintas Direcções Provinciais (v.g. inspecção do comércio, da educação, fiscais da agricultura, fiscais das pescas, fiscais da geologia minas, entre outras).

Já no actual modelo constitucional as coisas são bem diferentes, como curiosamente se observa; deixou de existir o Governo, como órgão de soberania, por causa da opção do Sistema de Governo que nós já aludimos em momentos anteriores do nosso trabalho académico.

Posto isto, os órgãos de fiscalização internos administrativos no actual figurino são os seguintes:

1 – O Presidente da República (Art.º 108º, da CRA), coadjuvado pelos seus órgãos auxiliares do controlo financeiro do mais alto nível, sendo que o controlo financeiro é exercido pelo PR e desdobra-se em dois momentos funcionais distintos, nomeadamente:

a) Como Chefe de Estado, nos termos previstos no Art.º 119º, da CRA.

Neste dispositivo constitucional, o Presidente da República exerce o controlo externo financeiro como órgão de soberania (Art.º 105º, da CRA) e, de certa maneira, também faz o controlo interno das Finanças Públicas, pois encontram-se

92 Através do programa de saneamento económico-financeiro, conhecido pela sigla “SEF”, de 1988,

e da reforma da Justiça, também conhecida como “SISTEMA UNIFICADO DA JUSTIÇA”, operada através da Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro.

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48 concentrados os poderes unipessoais de chefia de Estado e do Poder Executivo, revelador do sistema tradicional de governo Presidencial dos EUA.

Não se trata aqui, de algum modo, de uma confusão ou de uma concentração excessiva de poderes numa só pessoa, apesar que literalmente assim parece, mas, logicamente, decorre de um justificativo do Princípio constitucional estruturante de separação de poderes e interdependência de funções e unidade nacional, conforme o Art.º 2º e 108º, da CRA, primeira parte. No mesmo sentido se pronunciou a jurisprudência Constitucional Angolana no Acórdão n.º 111/10, de 21 de Janeiro93.

Retomando a questão das funções de Presidente da República, na fiscalização financeira dos dinheiros públicos entende-se que ele exerce duplas funções, isto é, uma de controlo administrativo, através de Despachos de actos administrativos que visem a fiscalização financeira (Art.º 125º, da CRA), e Decretos Presidenciais, como magistrado máximo da Nação, de nomeação do Juiz Presidente do Tribunal de Contas e demais juízes (Art.º 119º, da CRA); e outra:

b) Como Titular do Poder Executivo; nos termos do Art.º 120º, da CRA.

Ora bem, como chefe do Governo versus titular do Poder Executivo, entende- se que simplesmente desempenha funções de controlo financeiro interno ou administrativo.

93 A Constituição vigente criou uma ruptura, ou seja, uma descontinuidade constitucional política,

que influenciou a Constituição económica e financeira material, isto é, o sistema anterior de 1992 consagrava um Sistema Semi-Presidencialista com pendor Presidencialista e tinha como órgãos de soberania (Art.º 53º, da L.C.) os seguintes:

1 – O Presidente da República; 2 – Assembleia Nacional; 3 – O Governo; e

4 – Os Tribunas.

Enquanto a Constituição vigente consagra um Sistema Presidencialista Parlamentar sui generis e tem como órgãos de soberania (Art.º 105º, da CRA), nomeadamente:

1 – O Presidente da República; 2 – A Assembleia Nacional; e 3 – Os Tribunais.

Quanto ao Presidente da República, em boa verdade, como já frisámos, em relação aos poderes concentrados na figura do Presidente da República, como é próprio do Sistema Presidencialista, tal matéria foi objecto de apreciação de Fiscalização Preventiva da Constituição, através do Proc. N.º 152/2010, pelo Tribunal Constitucional e tendo os Juízes Conselheiros do Tribunal Superior Angolano proferido uma decisão procedente, através do Acórdão n.º 111/10, de 21 de Janeiro, Cfr., MÁRIO, FRANCISCO – Supervisão Bancária, Relatório (não publicado) de Pós – Graduação em Direito, sob a orientação do Prof. Doutor PAZ FERREIRA, 2010-2011, Universidade Agostinho Neto, com a colaboração da Universidade de Lisboa, Pág. 24.

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49 Portanto, o controlo em referência é possível de ser classificado como um controlo pedagógico e disciplinar, nos termos do Art.º 108º, nº 1, 2 e 3, 120º e 124º, todos da CRA e Art.º 2º; 3º e 55º, todos do Decreto Legislativo Presidencial n.º 5/12, de 15 de Outubro.

Efectivamente, este realiza o controlo interno administrativo auto-controlo – como entidade máxima e responsável da gestão e execução – e hetero-controlo não especializado – quando superintende ou tutela o organismo da Administração indirecta do Estado.

2 – A Inspecção-Geral da Administração do Estado entende-se como um órgão auxiliar do Titular do Poder Executivo para a inspecção, auditoria, controlo interno da actividade dos órgãos, organismo e serviços da administração directa e indirecta do Estado, bem como administração autónoma e independente, nos recortados termos do nº 2, do Art.º 1º, do Estatuto Orgânico da Inspecção Geral da Administração do Estado (EOIGE)94.

A IGAE95 tem a natureza de um Departamento Ministerial e auxilia o Titular

do Poder Executivo na fiscalização financeira ao nível do controlo interno estratégico em todo território nacional e no estrangeiro (Art.º 2º, do EOIGE), consubstanciando-se, precisamente, no controlo horizontal, conforme indica o Decreto Presidencial Legislativo n.º 5/12, de 15 de Outubro.

Portanto, realiza o hetero-controlo especializado.

3 – A Inspecção do Ministério das Finanças, sendo um organismo do Ministério das Finanças, acaba por se tratar de um departamento de controlo e fiscalização técnico-operacional financeira da gestão do erário público dentro do Poder Executivo, isto é, ao nível do da Administração Central do Estado, no plano do controlo interno estratégico e inspectiva vertical e horizontal, nos termos do Art.º 2º, nº 2, da alínea a) e e), e o Art.º 13º, todos do Decreto Presidencial n.º 299/14, de 4 de Novembro, Estatuto Orgânico do Ministério das Finanças de Angola.

94 O Estatuto orgânico da Inspecção Geral da Administração do Estado, aprovado pelo Decreto

Presidencial n.º 215/13, de 16 de Dezembro.

95 IGAE – Inspecção-Geral da Administração do Estado, Cfr. o Art.º 1º, do Decreto Presidencial n.º

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50 Efectivamente, o corpo deste enunciado legislativo prescreve uma orientação de como a Inspecção-Geral se deve posicionar face à actividade de fiscalização, uma vez que a Inspecção-Geral do Estado é um serviço do Ministério das Finanças que tem por missão o controlo interno da Administração Financeira do Estado e o apoio técnico especializado ao Ministro das Finanças, de um lado, e, por outro, enquanto serviço de controlo interno da Administração Financeira do Estado, incumbe, em especial, à Inspecção Geral de Finanças o exercício do controlo financeiro nos domínios orçamental, financeiro e patrimonial, bem como em especial o controlo financeiro da Dívida Pública do Estado96, de acordo com os

Princípios da Legalidade, da Regularidade e da Boa Gestão Financeira.

Porém, os funcionários da Inspecção Geral das Finanças, no desempenho das suas funções, gozam de prerrogativas especiais97. O controlo que realiza este

organismo é designado de hetero-controlo especializado.

À luz do Princípio estruturante constitucional da desconcentração e descentralização administrativa e financeira que balizam Administração Local e Poder Local (Art.º 8º, 199º e 201º, da CRA), ou dito de outro modo, o Governo Central (Poder Executivo) encontra-se descentralizado em Governos Provinciais (Art.º 201º, nº 2 e 3, da CRA).

Relativamente ao Poder Local, desde já convinha esclarecer que, de todo o modo, rapidamente se pressupõe que o Poder Local em Angola configura-se numa dicotomia fundada nos seguintes poderes financeiros, designadamente:

a) Poder Autárquico98

A Autarquia Local consiste no poder derivado do sufrágio universal directo especial dos contribuintes locais (Art.º 220º, nº 2, da CRA), cujo órgão de controlo interno administrativo e financeiro será, ius constituendo99, desempenhado por um

órgão unipessoal (Presidente da Câmara – órgão colegial coadjuvado pelos responsáveis por si nomeados (Art.º 220º, nº 3, da CRA) –, e persegue os interesses económicos e financeiros da comunidade local, como já dissemos, no âmbito da

96 Cfr. o Art.º 23º e 42º, da Lei n.º 1/14, de 6 de Fevereiro, Lei do Regime Jurídico de Emissão e

Gestão da Dívida Pública Directa e Indirecta do Estado.

97 Vide Art.º 26º, do Decreto Presidencial n.º 299/14, de 4 de Novembro. 98 Cfr. Art.º 213º e seguintes., da CRA.

99 Em Angola ainda não foram institucionalizadas as autarquias locais apesar estarem consagradas

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51 descentralização administrativa e financeira, ou como assim queiram entender das finanças locais.

Portanto, esta descentralização financeira ou das finanças locais configura- se na existência do Instituto de Autonomia Patrimonial e Financeira (Art.º 217º, nº 3, da CRA), sob vigilância de controlo financeiro do Poder Central no plano da Tutela Administrativa e Financeira de Legalidade do Poder Executivo, nos termos permitidos pelo Art.º 221º, nº 1 e 2, da CRA100.

b) Poder Tradicional ou Instituições do Poder Tradicional101

O poder tradicional consiste no poder originário tribal ou clãnico de ius sanguinis hereditatis, cuja actividade de controlo financeiro decorre da forma como está estruturado o poder tradicional de cada comunidade, pois Angola é um mosaico multicultural de Nações tribais-linguísticas portadores de títulos nobiliárquicos102, e, de acordo com a organização das finanças tradicionais, o

controlo financeiro poderá ter lugar, revelando-se nos usos e costumes financeiros, mas o Direito Positivo empresta-lhe alguma estabilidade de disciplina do regime legal no plano do controlo financeiro e da organização Administrativa em geral da comunidade, como vem formalmente previsto no Art.º 225º, da CRA.

Na Administração Local do Estado os órgãos de fiscalização financeira compreendem:

1 – O Governador, órgão unipessoal que, ao nível local, exerce o controlo interno administrativo-financeiro.

O controlo financeiro que o Governador da Província exerce, além de ser um controlo administrativo, tem natureza pedagógica e disciplinar, uma vez que o Governador da Província é um órgão auxiliar do Presidente da República, nos termos regulados pelo Art.º 6º, nº 2, da alínea a), do Decreto Legislativo Presidencial n.º 5/12, de 15 de Outubro.

100 Ao momento em que escrevemos a nossa tese, estes são os indicadores legais disponíveis que

nós premiámos, enquanto não for concretizada pelo legislador ordinário a Lei das Finanças Locais.

101 Cfr., Art.º 213º, nº 2 e 223º e seguintes., da CRA.

102 Os títulos nobiliárquicos angolanos, v.g. no Huambo-Ossoma, Malanje-Soba, Huíla, Cunene e

Namibe-Ohamba e séculos. Já em Portugal, está a tentar-se reavivar os títulos que se perderam com a Proclamação da República, a 5 de Outubro de 1910, Cfr. CORDEIRO, ANTONIO MENEZES, Tratado

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52 Por conseguinte, o Governador da Província é o representante máximo do Poder Executivo Central na Província e, no desempenho das suas funções administrativas103, realiza o controlo financeiro horizontal de toda circunscrição

política administrativa da Província, como orienta o preceito do Art.º 201º, nº 2, da CRA.

Portanto, o controlo realizado por esses órgãos qualifica-se como sendo de auto-controlo, pois é feita pela própria entidade responsável pela gestão e execução financeira.

4 – A Inspecção do Governo da Província e Inspecção da Delegação Provincial das Finanças e Departamento da Inspecção Sectoriais são organismos do Governo, ao nível local, que auxiliam as Delegações e Direcções e o Governador da Província no exercício das suas funções em matéria de controlo financeiro, sendo que, do ponto de vista vertical, o Gabinete de Inspecção é um Serviço de Apoio Técnico ao qual cabe realizar actividades de inspecção aos serviços da Administração Local do Estado (Art.º 23º, da LOFOALE)104. Portanto, infere-se que

o controlo que é realizado pelos órgãos de fiscalização financeira interno administrativo, acima referenciados, é o hetero-controlo especializado.